um dia de emily ou sera?......

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tipo esse cap e a continuaçao do proximo entao na estranhem nada nao duvidas leiam o proximo cap
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Capítulo 7: Um Dia De Emily


“Amor non quaerit causam, nec fructum: ‘O amor fino não busca causa nem fruto.’ Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo para que me amem, tem fruto: e o amor fino não há de ter por quê, nem para quê. Se amo porque me amam, é obrigação, faço o que devo; se amo para que em amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo, amo, ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse só é fino.”

(VIEIRA, Pe. Antônio. In: Vieira, sermões. 4. ed. Rio de Janeiro, Agir, 1966. p.64.)



John Matthews acordou com o despertador tocando. Eram seis horas da manhã e ele precisava levantar-se para ir trabalhar. No hospital, vários pacientes estariam esperando. Ao seu lado, sua noiva se mexeu um pouco no mesmo lugar, mas não acordou. John se surpreendia sempre com a capacidade dela de continuar dormindo mesmo com todo o barulho. Delicadamente, ele tirou uma mecha do cabelo dela que caíra sobre seus olhos fechados, beijou-lhe de leve a testa e levantou-se para tomar banho. Não havia necessidade de que Emily também acordasse tão cedo.

Demorou quase meia hora embaixo do chuveiro. Esse era o principal motivo pelo qual John gostava de acordar cedo: ele tomava banhos demorados. Depois, enxugou-se levemente, enrolou-se no roupão e, deixando sua noiva ainda adormecida, desceu as escadas até a cozinha. Lá, preparou o café da manhã do qual ela gostava: torradas com geléia de morango, suco de laranja e leite com chocolate. Emily não bebia café. Nem chá. Colocou tudo em uma bandeja e subiu novamente para o quarto, onde a encontrou exatamente na mesma posição em que a deixara.

Com cuidado, John apoiou a comida no lado vazio da cama e, dando a volta, sentou-se na beirada, perto dela. Inclinou-se e começou a beijar de leve o seu pescoço.

— Acorde, dorminhoca — Matthews falou suavemente — É hora de levantar.

Emily ainda se mexeu um pouco com os olhos fechados, mas depois finalmente os abriu e o encarou com um leve sorriso nos lábios.

— Bom dia, dorminhoca. Eu trouxe o seu café — ele disse, acenando com a cabeça para a bandeja.

— Bom dia — ela respondeu sonolenta, se espreguiçando — E obrigada.

— De nada — ele beijou-lhe o nariz rapidamente e levantou da cama. Precisava se arrumar para o trabalho.

— Você entra às sete hoje?

— Sim.

— Não vai se atrasar?

— Você sabe que são só cinco minutos até o hospital — John respondeu já abotoando a camisa.

— Eu sei, eu sei — e após uma pausa — Eu só entro às oito.

— Eu sei — ele disse por sua vez, com um sorriso — Por isso, te deixei dormir mais, dorminhoca.

— Obrigada.

— Almoça comigo hoje?

— Eu não posso, John.

— Por que não? Emily, nós temos coisas do casamento para discutir...

— Hoje é quinta-feira. Você sabe que eu tenho consulta com a Camila. Não vou ter tempo de comer mais que um sanduíche.

— Outra consulta? Mas você já teve uma consulta com ela terça-feira...

— São duas por semana. Você sabe disso.

— O que eu sei é que ela já deveria ter passado você para só uma vez por semana há muito tempo.

— Ela quis. Eu não deixei.

— E porque não? Emily, eu já estou cansado disso. Você não acha que deveria estar mais preocupada com o casamento agora?

— John, você não entende. Eu não posso simplesmente desistir...

— Não, pelo contrário. Eu entendo muito bem. Você prefere perder seu tempo tentando reviver o passado ao invés de planejando o futuro. Essa é sempre a sua escolha, não é mesmo? — e com isso, ele pegou sua maleta que estava sobre uma mesinha no quarto e saiu, deixando-a para trás com uma expressão perdida no rosto.

Suspirando, Emily terminou de beber o copo de suco e saiu da cama. Ela sabia que John tinha razão. Sabia que seria melhor se esquecesse tudo, desistisse e se concentrasse na vida que eles poderiam construir juntos. Ainda com a cabeça cheia, ela lavou o rosto na pia do banheiro e depois contemplou longamente seu reflexo no espelho: o nariz fino e pequeno, as linhas de expressão que não estavam ali há algum tempo atrás, os olhos profundos e, no momento, tristes. “É mais fácil falar do que fazer”, Emily pensou, lembrando-se de todas as coisas a seu respeito que ela não sabia. Por fim, abandonando sua imagem, ela despiu-se e entrou no chuveiro. Tomou um banho rápido. Apenas dez minutos. Enxugou-se, então, enrolou-se no seu roupão, como John fizera mais cedo, e saiu do banheiro.

No quarto, arrumou a cama cuidadosamente. Pegou a bandeja e desceu para a cozinha. Aquela era a sua casa. A de John ficava um pouco mais longe do hospital e por isso ele costumava passar a noite ali quando precisava trabalhar cedo. Quando eles se casassem, contudo, morariam na casa dele, que era maior. Seria mais apropriado para quando tivessem filhos. Ao pensar no assunto, Emily deixou escapar um suspiro resignado. Seu noivo era louco por crianças e as queria logo. Ela, contudo, tinha suas reservas. Gostava de crianças, é verdade. Não era a idéia de ter filhos em si que a incomodava, mas sim a idéia de tê-los enquanto ainda não tinha certeza absoluta se aquela era a vida que queria. Ter filhos seria algo definitivo. Quer dizer, você até pode abandonar um marido, mas você não pode largar um filho. Ela precisava ter certeza antes de mais nada.

Terminou de comer as torradas, lavou a pouca louça do café e guardou a geléia na geladeira. Subiu novamente as escadas para o quarto e abriu o armário para decidir que roupa usaria. Depois de alguma indecisão, acabou optando por um visual bem clássico: uma saia preta que descia até os joelhos, uma blusa azul-clara de botões e um blazer curto também preto. No banheiro, ela penteou os cabelos curtos e colocou um pouco de maquiagem: base, pó, uma sombra leve, rímel e batom. Emily já era uma mulher bonita mesmo sem a pintura, mas ela gostava de estar bem arrumada. Era bastante cuidadosa com sua aparência.

Quando terminou, consultou seu relógio de pulso apenas para constatar que já estava na hora de ir. Pegou sua bolsa, então, e, descendo as escadas, saiu pela porta da frente. Ela também trabalhava no hospital, só que não era médica, nem enfermeira. Emily trabalhava como assistente social. Ela gostava do que fazia. Esse trabalho permitia-lhe ajudar pessoas que, muitas vezes, chegavam lá tão perdidas quanto ela certa vez já estivera, embora freqüentemente Emily ainda se sentisse perdida.

O sol estava brilhando no céu azul e claro apesar do dia ainda guardar aquela friagem característica da manhã. Na rua, algumas pessoas faziam exercícios, enquanto outras iam, como ela, para os seus respectivos trabalhos. Aquela era uma cidade tranqüila e Emily conhecia bem todos os seus vizinhos.

— Bom dia, Sra. Brewster — ela murmurou sorrindo para uma mulher idosa que passava caminhando com seu cachorro na direção contrária.

— Bom dia, Emily querida — a senhora respondeu. Por algum motivo misterioso, aquelas pessoas realmente gostavam dela, e aceitavam-na. Diante desse pensamento, Emily não pôde deixar de sorrir sinceramente. Aquela gente era quem fazia com que ela se sentisse bem-vinda, se sentisse em casa. Eram eles que tornavam tudo menos difícil. E John. Ela não poderia começar a descrever o quanto ele a ajudara. Sem ele, Emily não sabia o que teria sido da sua vida.

E era isso que tornava suas dúvidas tão injustas. John não merecia isso. Não merecia uma noiva que estava constantemente pensando se estava fazendo a coisa certa. Ele merecia alguém que o amasse sem restrições. Ela queria ser essa pessoa. Estava tentando ser essa pessoa, mas era difícil, muito difícil. Não que houvesse algum homem mais importante no seu passado. Não. Ele era o único de quem ela se lembrava ter amado e ainda sim, Emily hesitava. Emily tinha medo.

Enquanto sua mente divagava, seus pés levaram-na obedientemente até o hospital. Na entrada, ela cumprimentou a recepcionista com um “Bom dia” sorridente que escondia bem o que ela estava sentindo de verdade e foi direto para a sua sala, no quinto andar. Planejava passar a maior parte do dia colocando em ordem sua papelada. A burocracia era realmente um problema e como Emily detestava perder tempo preenchendo papéis ao invés de realmente estar trabalhando, ela sempre acabava em algum momento quase sendo soterrada pela quantidade de relatórios que precisava fazer. Aí, quando a situação já estava crítica, ela tirava um ou dois dias para se dedicar somente a isso e fazer tudo de uma vez.

Chegando na sua pequena sala, Emily tratou de começar logo. Não havia sentido em ficar enrolando. Ela queria terminar tudo o mais rápido possível. Em torno de uma hora mais tarde, entretanto, foi interrompida pelo toque do telefone. Era uma enfermeira do setor de emergência chamando-a. Num instante, ela abandonou o que estava fazendo e saiu em direção ao elevador.

— O que houve? — perguntou assim que encontrou a enfermeira que telefonara.

— É um paciente do Dr. Jones. Um menino. Venha comigo — a outra respondeu, levando-a até o médico.

— Oi, Srta. Watson — ele a cumprimentou assim que a viu — Você desceu rápido.

— E alguma vez eu já deixei de descer rápido? — ela perguntou com um sorriso — Mas o que houve?

— Dê uma olhada nisso — ele falou mostrando a ela a radiografia da caixa torácica de uma criança — Está vendo as fraturas já calcificadas aqui — apontou para uma das costelas — aqui e aqui?

— São fraturas antigas.

— Sim, que nunca foram tratadas. O menino de dez anos, o nome dele é James, chegou aqui com um ferimento na cabeça. O pai disse que ele caiu da escada.

— Mas você não acredita nisso?

— Os Evans se mudaram para cá há nove meses e desde então o garoto já veio parar aqui três vezes. Nas duas primeiras, os ferimentos até poderiam ser considerados consistentes com quedas, mas dessa... Não. A história simplesmente não bate com o machucado e, para completar, essa radiografia me diz que o padrão vem se repetindo há algum tempo.

— Onde estão os pais? — Emily perguntou.

— A mãe morreu no parto. O pai está com o filho agora.

— Você já falou com o menino?

— Não, ainda não.

— Pode tirar o pai de lá para que eu possa então falar com ele?

— Sim, claro. Nunca duvide da minha criatividade — Jones disse com uma piscadela enquanto guardava de novo o raio-X — Venha comigo.

Emily o seguiu até uma sala da enfermaria. Exceto pela cama do garoto, as outras estavam vazias. O pai era um homem grande, alto e maciço. O tipo de homem com o qual você não gostaria de entrar em uma briga. Ele estava debruçado sobre a cama do filho, aparentemente carinho e preocupado.

— Quando nós vamos poder ir para casa — perguntou imediatamente.

— Logo. Na realidade, é por isso que eu estou aqui. Para que eu possa liberar seu filho, o senhor precisa preencher uns papéis do seguro...

— Mais do que já preenchi?

— Me desculpe. Eu sei que a burocracia é imperdoável, mas...

— Eu não vou deixar o Jimmy sozinho!

— Eu imaginei que não, Sr. Evans. Por isso, trouxe a Srta. Watson aqui. Ela trabalha no hospital e pode ficar de olho no James um pouquinho...

— Eu tenho certeza de que não vai demorar, Sr. Evans — Emily disse com um sorriso adorável. O homem grandalhão ainda lançou um último olhar desconfiado na direção dela, mas acabou por seguir o médico para fora da sala.

Assim que ele saíram, ela se aproximou da cama ainda sorrindo e sentou-se na beirada.

— Oi, Jimmy — ela falou — Como você está se sentindo?

— Bem — o garoto respondeu com uma voz fraca.

— Eu sou a Emily. Sabe, eu costumo ajudar várias crianças como você — seu tom era suave e calmo.

— Onde está o meu pai? — ele perguntou olhando nervosamente para a porta.

— O seu pai não está aqui — ela respondeu, segurando de leve a sua mão — Você não quer me dizer o que aconteceu, Jimmy? — o garoto apenas desviou o olhar para a janela — O Dr. Jones me disse que você caiu e machucou a cabeça. Foi isso que aconteceu? — James apenas balançou o rosto afirmativamente — Jim, olhe para mim — Emily pediu com delicadeza e esperou até o garoto virar o rosto — O seu pai não está aqui. Ele não pode te machucar agora. E, se você me contar o que houve, eu não vou deixá-lo te machucar nunca mais, você está me entendendo, Jimmy?

— Não foi culpa dele, por favor, não foi culpa dele! — o menino começou, subitamente agitado.

— Shhh... Shhh... está tudo bem, está tudo bem. Se não foi culpa dele, então, o que aconteceu?

— Foi culpa minha. Só minha, Eu é que sou um menino muito mau.

— Você é um menino mau, James? Por quê?

— O papai já falou para eu não deixar meus sapatos espalhados pela casa. Ele já falou, mas eu nunca obedeço. A culpa é minha.

— O que o seu pai fez, James, quando viu que você deixou os sapatos espalhados? — o garoto não respondeu. Ao menos não com palavras, mas seu olhar foi suficiente para explicar tudo.

— Por favor, Emily, por favor — o menino estava chorando agora — A culpa é minha. Não faça nada com ele, Eu é que sou um menino mau...

— Shhh... — ela murmurou abraçando-o apertado — Você não é mau, James. Você não é mau. E a culpa não é sua. A culpa não é sua, está me ouvindo? — ela continuou repetindo até ele se acalmar. Por fim, James parou de chorar e ela o soltou — Eu já volto, okay? — falou, saindo do quarto por um minuto. Na recepção, ela chamou pelo telefone a polícia e depois voltou, levando dois seguranças do hospital, mas quando chegou na porta, já encontrou James com seu casado e o pai o puxando pelo braço.

— Nós vamos embora daqui!

— Sr. Evans, o senhor não pode... — o Dr. Jones tentava impedi-lo de sair bloqueando o caminho — Os exames...

— Você está mentindo! Nós vamos embora — ele começou a dirigir-se para a porta, mas então viu Emily com os seguranças — Ah, sua vadia! — e partiu na direção dela, mas os dois homens o seguraram.

— Eu estou colocando o seu filho sob custódia do Serviço Social — ela falou pegando o menino, que chorava compulsivamente, nos seus braços — A polícia estará aqui logo — completou enquanto os seguranças o levavam embora. O tempo inteiro o homem gritava xingamentos e ameaças para ela e o tempo inteiro o menino chorava chamando pelo pai nos seus braços.

Por fim, o Sr. Evans foi levado e Emily colocou James ainda gritando e esperneando na cama.

— Eu quero o meu pai!!! A culpa é sua! A culpa é sua! Eu quero o meu pai!!!

— James... — ela ainda tentou acalmá-lo, mas o garoto continuou apenas chutando e chorando.

— Eu cuido dele — falou o médico, segurando-o na cama — Pode ir — e após uma pequena pausa — Tem dias em que a gente realmente odeia nosso trabalho, não?

— Sim. E não é nem meio-dia ainda, Jones — ela respondeu irritada antes de finalmente sair da enfermaria. Aquela situação deveria ser simples. Havia o certo e o errado, o preto e o branco. Não deveria haver dúvida. E não havia. Isso não significava, contudo, que era simples. O pai abusivo era a única família que a criança conhecera e o menino se agarrava a ela com todas as suas forças. Não era fácil de entender. Mas era o que acontecia. Nada na vida é simples. E era em horas assim que Emily desajava viver em um mundo melhor. Um mundo muito melhor.

Com um suspiro resignado, ela subiu de novo pelo elevador até a sua sala. Mais um caso com o qual teria que lidar. Jones realmente tinha razão. Em dias assim, por mais que ela gostasse do seu trabalho, ela o odiava. Sentou-se quieta na sua cadeira e apoiou os cotovelos na mesa, levando as mãos ao rosto. Nas duas horas que se seguiram, conseguiu fazer pouco progresso com a papelada. Havia tanto em sua cabeça! Era muito mais que um caso como aquele. Ela tinha muito sobre o que pensar, muito sobre o que decidir e não conseguia deixar de se perguntar as questões mais óbvias.

Um pouco antes das onze e meia, levantou-se e saiu da sala. Estava na hora da sua consulta e, quem sabe, Camila pudesse lhe ajudar a jogar um pouco de luz sobre suas dúvidas. No fundo, contudo, ela não acreditava nisso. A médica tinha o hábito desagradável de nunca lhe dar respostas diretas. Se as duas já não tivessem se tornado tão amigas, Emily teria procurado outra há bastante tempo.

Quando chegou no consultório, teve que esperar ainda alguns minutos até que outro paciente saísse da sala. Não demorou muito, contudo, e ela viu o rosto sorridente da médica na porta, chamando-a para entrar.

— Oi! Como vai a nossa noivinha?

— Ficando com os pés frios... — Emily respondeu, meio brincando, meio séria.

— Verdade? Eu pensei que o pé frio tivesse acabado quando você decidiu aceitar a proposta.

— Mas ele anda voltando...

— Quer falar sobre o assunto? — Camila perguntou, sentando-se na sua poltrona e esperando a outra se sentar no pequeno sofá.

— Adianta dizer que eu não quero?

— Depois da sua declaração inicial, não. Você já me deixou curiosa e preocupada. O que está acontecendo, Emily?

— Eu não sei... você sabe...

— Não, se você não sabe, que dirá eu! Acho que você vai ter que me explicar.

— Eu tenho medo.

— Medo de quê?

— De estar cometendo um grande erro.

— E por que você acha isso?

— É aquela sensação de sempre... Eu não consigo deixar de me perguntar se não há algo mais para mim lá fora... se John é mesmo o melhor que eu posso conseguir... Não me entenda mal. Ele é um amor. Eu não sei o que seria de mim agora se não fosse por ele e essa é a pior parte. Eu me sinto culpada por ter esses pensamentos...

— O John te ajudou sim, é verdade, mas você não deve nada a ele por isso, Emily.

— Eu devo a minha vida a ele.

— Mas essa não é uma dívida que você possa pagar se casando com ele sem amá-lo só porque ele te ama.

— E quem disse que eu não o amo?

— Não foi isso que você acabou de dizer?

— Não, não foi. Eu só me pergunto se não há alguém que eu possa amar mais do que eu amo John. Alguém que eu possa amar incondicionalmente. Sem dúvidas... Alguém que eu simplesmente saiba que é a pessoa certa...

— Não é esse o sonho de toda mulher? De toda pessoa, aliás?

— O problema é que eu não consigo deixar de pensar que esse alguém... esse homem imaginário existe de verdade para mim... Eu sei que ele existe. E sei que o John não é ele.

— Então não se case.

— Você não deveria estar aí me dizendo que isso é tudo invenção da minha cabeça? Que tudo o que eu estou sentindo é o medo normal que toda noiva sente?

— Eu não estou aqui para te dizer como você está se sentindo, Emily. Isso você tem que descobrir sozinha. Agora, se você me diz que tem tanta certeza de que o John não é a pessoa certa para você, então eu só posso aconselhá-la a não se casar. Ter dúvidas, é normal, mas se você só tem dúvidas...

— Não é isso... — a outra falou, se levantando e indo até a janela.

— Então o que é?

— É difícil explicar.

— Sou toda ouvidos — Camila disse — Afinal, você está me pagando para isso — Emily riu mesmo não querendo.

— Eu sinto como se eu estivesse vivendo uma vida que não é a minha. Como se a minha vida estivesse em algum lugar aí fora, me esperando.

— Isso não poderia ser uma maneira de você me dizer que há coisas que você gostaria de fazer com a sua vida e que não está fazendo agora? Todos nós nos sentimos assim em alguns momentos.

— Não, eu não estou falando em metáforas. Você sabe disso. Estou falando de forma literal — e virando-se incisivamente para a outra — Será que eu procurei o suficiente? Será que eu tentei o suficiente?

— É por isso que você está com medo de se casar?

— Sim. Casar com John é o mesmo que aceitar que esta é a minha vida e eu não sei se eu estou pronta para fazer isso.

— Eu pensei que você já tivesse superado esse medo.

— Eu também, Camila, eu também. Quando eu aceitei a proposta de casamento dele, eu pensei que eu tivesse conseguido deixar tudo para trás, mas agora... está tudo voltando, entende?

— Entendo.

— E ao mesmo tempo, eu não posso fazer isso com o John. Ele não merece.

— Emily, há uma grande diferença entre gratidão e amor. Você sabe disso, não sabe?

— Eu o amo.

— Tem certeza?

— Se você me pedisse para enumerar todas qualidades que eu gostaria de encontrar em um homem, nós chegaríamos à conclusão de que John tem praticamente todas elas! Não há nada nele para eu não amá-lo!

— Isso não significa muito. E você não respondeu a minha pergunta.

— Como você pode falar algo assim? Quer dizer, se ele com todas essas qualidades não for capaz me fazer feliz, então quem vai ser? Quais são as minhas chances de encontrar alguém que seja? Não existem dois Johns no mundo.

— Talvez você não queira outro John.

— Ele me ama, Camila. Me ama mais que tudo. Só Deus sabe por quê.

— Essa também é outra razão muito ruim para se casar com ele.

— Eu sei. Ele merece alguém que o ame da mesma forma e, acredite, eu estou tentando.

— Você está tentando? — a médica mal conseguiu suprimir um sorriso — Emily, não é assim que funciona. Ou você ama ou você não ama.

— Não é tão simples.

— Sim, é. Outras coisas na vida podem ser complicadas, mas essa não é: você não tenta amar alguém. Você ama. Você pode até vê-lo todos os dias durante anos sem amá-lo e, em um momento, descobrir que o ama, mas mesmo assim, você descobre, você não tenta. Não é algo que você possa controlar.

— Eu não sei se eu tenho força suficiente para fazer isso com ele.

— Fazer o quê?

— Destruir todos os sonhos, todos os planos dele para a nossa vida! Como eu posso fazer isso depois de tudo o que ele...

— E nós voltamos de novo para a gratidão!

— Não fale assim.

— Eu não estou falando. Só acho que você deveria se sentir exatamente como ele se sente em relação a esses planos. Afinal, é o seu futuro também. Você pode até ter dúvidas sobre o casamento, mas pensar na vida de vocês dois que ele proporcionará não te deixa feliz? Animada? Com um frio na barriga?

— Não. Só me deixa com um nó no estômago de medo de não satisfazer as expectativas dele.

— Tem certeza de que essa é a razão do medo, Emily? — Camila perguntou, mas a outra não respondeu. Apenas virou-se para a janela novamente e apoiou a testa no vidro frio. Ela sabia que a razão não era só aquela. Ela tinha, sim, medo de não satisfazer as expectativas dele, mas esse medo vinha da certeza da sua própria incapacidade de ser a mulher que ele amava. De amá-lo como ele merecia. Ela não sabia se conseguiria ser feliz levando a vida que ele planejava.

— Por que diabos tudo tem que ser assim tão complicado?! — falou finalmente, com os olhos ainda fechados, sem voltar para o sofá. “Por que eu não posso simplesmente amá-lo?”, pensou para si mesma. De certa forma, ela sabia o que seria a coisa certa a se fazer. Só não sabia ainda se teria a coragem necessária para fazê-la.





Durante o restante do tempo da consulta com Camila, Emily não falou mais quase nada. De que adiantaria? Ela já falara o que precisava e também já ouvira o que não queria. Que fazer agora? Era esse o problema.

Voltou para a sua sala com a intenção de apenas pegar suas coisas para ir comer um sanduíche. Estava com fome. Logo que passou pela porta, contudo, como se estivesse apenas esperando-a chegar, o telefone tocou.

— Alô... O que... O que houve, Jane? Fale devagar... Meu Deus!... Está bem. Não se preocupe... Eu estou indo — e em seguida, pôs o aparelho no gancho novamente e saiu em direção ao elevador. O sanduíche poderia esperar.

Logo que chegou no andar de cima encontrou a jovem que acabara de telefonar no corredor, parada diante da porta de um quarto, como que decidindo se deveria ou não entrar. Emily se aproximou devagar, sem que a outra percebesse, e colocou levemente sua mão sobre o ombro dela. Jane se virou na hora e, ao reconhecê-la, levou uma das mãos à boca tentando esconder seu choro e a abraçou, murmurando:

— Ele está morrendo... ele vai morrer...

— Shhh... Eu sei, minha querida — Emily retribuiu o abraço, sussurrando no ouvido da outra como uma mãe faria — Está tudo bem. Vai ficar tudo bem.

— Não, não vai. Ele está morrendo — a outra respondeu por entre as lágrimas — Quer dizer — ela completou, se afastando e pegando um lenço para enxugar o rosto — eu sabia que isso ia acontecer... Eu achei que estivesse preparada, mas agora... — sua voz se perdeu no meio de mais lágrimas.

— Nunca se está suficientemente preparado para algo assim, Jane. Nunca — Emily respondeu abraçando-a de novo.

— Mas eu achei que estivesse e agora não sei... não sei se posso agüentar... se posso ficar ao lado dele...

— Você não vai precisar fazer isso sozinha. Eu estou aqui para te ajudar, okay?

— Você fica comigo?

— Pelo tempo que for necessário.

— Obrigada.

— Não se preocupe — Emily respondeu encarando a outra nos olhos — Você não quer entrar agora? Eu tenho certeza de que ele precisa de você.

— Eu sei disso — Jane começou novamente a enxugar o rosto. Quando ela achou que estava razoavelmente apresentável, continuou: — Vamos, então?

— Sim, vamos — e as duas entraram pela porta para o quarto de um homem que estava morrendo de câncer.

O Sr. Patrick já possuía idade avançada, mas era uma das pessoas mais adoráveis que Emily conhecia. Ele e sua filha, Jane, passaram bastante tempo no hospital nos últimos meses, lutando contra a doença e foi assim que os três travaram conhecimento. A jovem não era mais que uma garota — tinha apenas vinte anos — e o pai era a única família que lhe restara. Sob todos os aspectos, aquela seria uma tarde muito, muito triste.

Emily passou a maior parte do tempo observando. Vendo como eles se relacionavam, como eles se amavam. Como Jane era cuidadosa quando precisava mover o pai de posição ou dar-lhe algo para comer ou beber. Como o Sr. Patrick se preocupava em garantir à filha que tudo ficaria bem, em dizer-lhe que a amava. Ela gostaria de saber o que era aquilo, aquele amor tão inocente e ao mesmo tempo tão poderoso entre pais e filhos. Ela gostaria de se lembrar do seu pai. “Mas o dia de hoje não é sobre mim”, ela se repreendeu mentalmente. Sabia que não estava ali para pensar nas suas próprias infelicidades e sim para ajudar Jane, que com certeza precisaria do máximo de apoio possível antes que o dia chegasse ao fim.

Por volta das cinco da tarde, ele expirou. Tranqüilamente, como se tivesse apenas adormecido. Emily ainda ficou com Jane por algum tempo. Como aquela morte já estava anunciada há tempos, praticamente tudo já havia sido preparado e não havia muito o que fazer. Por fim, a jovem resolveu ir para casa e garantiu que ficaria bem, que não precisava da companhia. Depois que Jane saiu, contudo, Emily ainda ficou no quarto, sozinha, olhando pela janela, durante bastante tempo. Foi despertada dos seus devaneios apenas quando a mão familiar de John a enlaçou pela cintura, abraçando-a firmemente.

— Eu soube do que aconteceu — ele falou com suavidade.

— O Sr. Patrick morreu por volta das cinco.

— Eu sei. Jane já foi embora?

— Foi. Ela queria ficar sozinha, mas acho que vou passar na casa dela mais tarde. Só para ver como ela está.

— Desculpe não ter passado por aqui antes. Eu só descobri agora.

— Tudo bem. Só porque eu estou tendo um dia infernal, não significa que você também precisa ter.

— O garoto de manhã, né?

— Falou com Jones?

— Encontrei ele no almoço.

— Eu odeio casos assim.

— Não odiamos todos?

— Ah, mas hoje foi um dia realmente especial — Emily falou com ironia — Eu vi duas famílias sendo destruídas em menos de doze horas.

— Não havia nada que você pudesse fazer. O pai batia no garoto e o Sr. Patrick... bem, as pessoas morrem. Melhor do que ninguém, nós sabemos disso. Trabalhamos em um hospital!

— Eu sei.

— O que eu não posso deixar de pensar é que eu contribuí bastante para o seu dia ser assim tão horrível, começando com o meu ataque logo de manhã — ele falou após uma pausa, finalmente virando-a, para encará-la — Me desculpe, Emily.

— Está tudo bem. Você não deixa de ter um pouco de razão.

— Não, eu não tinha razão alguma. É muito injusto da minha parte querer que você simplesmente desista, que deixe de fazer perguntas. Me desculpe.

— Está tudo bem.

— Não, não está. Emily, a única razão pela qual eu reagi daquela forma hoje é que, bem, eu tenho medo.

— Medo de quê?

— Medo de te perder. Você acha que eu não sei?

— Sabe o quê?

— Sei que eu te perderia para essa vida, esse mundo, que nós sequer conhecemos num piscar de olhos. Eu sempre soube. E por isso, eu tenho medo.

— John... — Emily começou, sem saber realmente o que responder diante dessa declaração, mas ele a interrompeu:

— Não, não diga nada, minha querida. Não diga nada — e ele a beijou de leve nos lábios — Esse é um problema meu e eu é que devo lidar com ele. Eu sei que não é sua culpa — ele completou com tanta delicadeza que as lágrimas que vinham se represando dentro dela desde o início do dia começaram a cair:

— Ah, John, me desculpe... me desculpe — ela murmurou passando os braços ao redor do pescoço dele e abraçando-o com força — Me desculpe.

— Está tudo bem — ele sussurrou por sua vez, passando as mãos pelos cabelos dela e beijando de leve a sua cabeça — Você não precisa pedir desculpas — e depois, soltando-a um pouco de forma que pudesse ver seu rosto, começou a enxugar as lágrimas de suas bochechas com os dedos, mudando de assunto — A Camila me disse que vocês combinaram de sair.

— Combinamos.

— Você ainda vai? — como resposta, ela balançou a cabeça afirmativamente — É bom mesmo. Vai fazer você se sentir melhor.

— Mas a Jane...

— Não se preocupe. Saia com a Camila e divirta-se. Se você está assim tão preocupada com a Jane, eu passo na casa dela para ver como ela está, okay?

— Okay — Emily respondeu, terminando de enxugar os olhos.

— É melhor você ir agora. A Camila já está te esperando na sua sala.

— Ela detesta esperar.

— Exatamente — e, com isso, ele a beijou mais uma vez suavemente e eles se separaram. John ficou no quarto vazio, enquanto Emily passou primeiro no banheiro para lavar o rosto direito e depois seguiu para sua sala, onde encontrou realmente Camila já começando a ficar com raiva de tanto esperar. A médica, entretanto, se acalmou um pouco quando ela explicou o que tinha acontecido e as duas saíram do hospital.

Já havia escurecido, mas as ruas estavam bem iluminadas pelos postes elétricos. A cidade era agradável e Emily gostava de caminhar, então as duas foram andando alguns quarteirões até chegar no centro propriamente dito.

— Ah, tem uma loja que eu quero ver — ela lembrou-se assim que passaram por uma rua onde o comércio ainda estava todo aberto.

— Loja de quê?

— De vestidos de noiva.

— O quê? Emily — a outra a fez parar — depois de tudo o que nós conversamos hoje de manhã, eu pensei que isso fosse ser a última coisa na sua cabeça agora.

— Eu sei, mas... Ah, que droga! Aqui, você é minha amiga, não minha médica, então não discuta.

— Mas é exatamente como sua amiga que...

— Não, sem ‘mas’. Por favor, Camila, eu realmente não quero pensar nisso agora — e ela arrastou a outra, atravessando a rua até a vitrine da loja. Após alguns minutos observando, ela decidiu entrar para falar com a vendedora. Foi no exato instante em que estendeu sua mão para abrir a porta que ela sentiu.

Primeiro, achou que fosse sua amiga puxando-a pelos cotovelos, fazendo-a virar-se, porque não achava que ela deveria estar comprando um vestido de noiva sem ter certeza de que queria se casar. Ela deveria, contudo, ter percebido. Deveria ter sabido que Camila não tinha força suficiente para puxá-la daquela forma e que, mesmo se tivesse, não o faria de maneira tão bruta. Não, não fora Camila quem a puxara. E Emily não demorou a perceber isso quando deu de cara com dois grandes olhos cinzentos observando-a, arregalados, surpresos, absolutamente perplexos. Havia mais naquele olhar, contudo, do que simples surpresa. Havia reconhecimento, e alívio, e amor.

— Meu Deus, Gina, é você! — o homem sussurrou de forma que ela mesma mal pôde ouvir — É você! — ele repetiu, seus olhos subitamente invadidos por um sentimento imenso de felicidade e, no instante seguinte, Emily se viu sendo envolvida em um abraço tão apertado, mais tão apertado, que ela achou que não fosse conseguir respirar. Ela sabia que aquilo era loucura. A parte que permanecera coerente do seu cérebro estava gritando para que ela se soltasse do abraço, se afastasse, e pedisse alguma explicação, mas, naquele exato momento, Emily não achou a coragem — nem a vontade — suficientes para fazê-lo. Não, naquele exato momento, Emily se sentiu... em casa. Como não se lembrava de nunca ter se sentido antes.



"cara esse cap e uim dos melhores eu gosto muito dele
no sisse vlw apena esperar

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