Vita Brevis



Capítulo 4: Vita Brevis




“O mundo é tão grande e sabemos muito pouco sobre ele. E a vida é curta demais.”

(Jostein Gaarder em “Vita Brevis”)





O Beco Diagonal estava lotado. Draco movia-se entre as pessoas com dificuldade. As lojas estavam cheias de pais e crianças, todos ocupados em fazer as compras de última hora para o Natal. Para alguém como ele, que trabalhava ali todos os dias, aquilo era um grande inconveniente. Especialmente porque o Natal nunca fora sua época favorita do ano. Tudo bem que ele ganhava muitos presentes caros, mas também era obrigado a ir para casa ouvir seu pai repetir e repetir o quão inadequado ele era. Isso sem falar em ter que aturar todas aquelas pessoas sorridentes e alegres cantarolando. Não, essa época do ano realmente não era a sua favorita.

Ainda rabugento, Malfoy abriu a porta do pequeno restaurante onde ele almoçava às vezes e vasculhou o lugar com os olhos. Pontual como um relógio, ela já estava lá, sentada em uma mesa no canto, sorrindo para ele. Draco não conseguiu evitar de sorrir de volta. Havia muitas coisas sobre Virgínia Weasley das quais ele não gostava: o fato de que ela era uma Weasley, para começar; de que ela gostava de trouxas e costumava censurá-lo quando ele os criticava; seus milhares de irmãos intrometidos; a mania que ela tinha de estar sempre querendo obrigá-lo a fazer isso ou aquilo contra sua vontade; seu cabelo vermelho tão brilhante que chegava a incomodar a vista; mas a verdade é que, quando ela o encarava daquele jeito: os olhos cintilando e o sorriso mais lindo do mundo no meio do rosto, Draco só conseguia se lembrar dos motivos pelos quais ele a amava. Em momentos assim, ele era capaz de esquecer todos os problemas que os dois tinham e sentia-se apenas como o homem mais sortudo do mundo.

Quando ele se aproximou, ela estendeu os braços ao redor do pescoço dele e o puxou para um beijo. Draco não gostava desse tipo de demonstração de afeto em público, então desvencilhou-se rápido, fingindo não notar o aborrecimento dela e sentou-se à mesa.

- Então, por que você queria me encontrar? - ele perguntou enquanto passava os olhos pelo cardápio.

- Para te mostrar isso! - ela exclamou, sorrindo novamente como uma criança, e exibindo para ele um panfleto de uma agência de viagens. “Oh, não”, pensou Draco.

- Gina, nós já conversamos sobre isso. Eu pensei que já estivesse decidido que você iria passar o Natal na casa dos seus pais.

- E você? Vai ficar sozinho? De jeito nenhum!

- Você não espera que eu vá para a casa dos seus pais, espera?

- Claro que não, Draco! Eu apenas estou sugerindo uma solução alternativa... Vamos lá... Natal no Caribe! Sol, praia e eu usando realmente pouca roupa!... O que mais você poderia querer?

- Que tal o dinheiro para pagar por tudo isso?

- Nós podemos pagar!

- Com o quê?

- Ai, você está sempre preocupado com isso...

- E não é razão para se estar preocupado?

- Draco, caso você não esteja lembrado, eu cresci em uma família sem dinheiro. Eu sei o que é isso. E, de um jeito ou de outro, a gente sempre conseguiu sobreviver, não é mesmo? No fim, as coisas sempre dão certo. É só você tentar pelo tempo suficiente.

- Eu não sei como você ainda pode acreditar nisso depois de tudo o que já aconteceu.

- Draco...

- Se as coisas dessem sempre certo, então o Ministério não teria ficado com todo o meu dinheiro e nós poderíamos estar indo para o Caribe agora. Nós poderíamos até morar lá se você quisesse, mas não! Nós estamos presos aqui! Então não me venha com essa conversa de que as coisas sempre dão certo no fim porque isso simplesmente não é verdade! E você já tem idade bastante para entender isso!

- Ah, e qual é a sua solução? Eu ir para casa dos meus pais enquanto você fica sozinho? Você realmente quer passar o nosso primeiro Natal juntos depois do casamento longe de mim, mergulhado em auto-piedade?

- É um dia como qualquer outro do ano - ele respondeu friamente, tentando ignorar o desapontamento no rosto dela.

- Sabe, às vezes nem eu mesma me entendo - Gina respondeu, começando a juntar suas coisas.

- Não se entende por quê?

- Porque diabos eu fiz tanto esforço para me casar com alguém como você! - ela respondeu, levantando-se - Eu perdi a fome - completou, virando-se e saindo do restaurante. Draco sabia que ela esperava que ele a seguisse. Ela fazia aquilo de propósito, como se sentisse uma necessidade infantil de vê-lo correndo atrás dela, mas, de um jeito ou de outro, ele sabia que seria melhor não decepcioná-la. Com um suspiro resignado, deixou na mesa o dinheiro para pagar pela bebida de Gina e saiu no seu encalço.





Seis e meia da manhã. O despertador acabara de começar a tocar. Draco fitava o teto do seu quarto em silêncio. Não conseguira pregar os olhos durante a noite inteira. Passara o tempo acordado, pensando em todas as coisas que vinham acontecendo recentemente e estava com medo. Queria continuar, precisava continuar, mas estava com medo. Estava com medo porque sabia que, seguindo as pistas sobre o assassinato na Escócia, poderia acabar encontrando Gina e essa idéia era assustadora. Por mais que já houvessem se passado onze anos, uma parte dele ainda acreditava, contra todas as possibilidades, que ela estava viva e bem. Ele queria encontrá-la viva e bem. Não queria ter que realmente encarar o fato de que ela estava morta. Só a idéia já era suficiente para tirá-lo do sério.

Assim que achara a carta de baralho debaixo de sua porta, chamara pela lareira o seu antigo chefe. Ele comandava o Departamento de Pessoas Desaparecidas na época que Gina sumira e talvez soubesse de algo sobre Lindsey Morgan independente dos arquivos sumidos. Malfoy ainda não podia provar, mas ele tinha certeza de que Lindsey Morgan e a mulher da árvore eram a mesma pessoa. Ele se lembrava vagamente da garota em Hogwarts. Ela era uma das poucas sonserinas filha de trouxas, mas era três anos mais nova do que ele. Quando ele saíra de Hogwarts, ela devia ter apenas uns quatorze anos, então não era de se admirar que ele não se lembrasse da fisionomia. Mas ele lembrava-se do nome, contudo. E, se ela realmente tivesse desaparecido, seu antigo chefe também provavelmente se lembraria. Marcara um encontro com ele para o final do dia. Dessa forma, teria tempo de fazer suas próprias pesquisas antes. Queria descobrir o máximo possível.

Assim, quando o despertador tocou às seis e meia, Draco piscou uma ou duas vezes, mas não demorou a levantar. Tomou seu banho, se arrumou, tomou o café da manhã, leu o jornal e saiu. Tinha trabalho a fazer.

Primeiro, foi para o escritório. Não podia deixar as coisas correrem muito soltas por lá, especialmente com a possibilidade de haver um traidor infiltrado. Todo cuidado era pouco. Quando chegou, Anne já estava em sua escrivaninha e lhe entregou a correspondência logo que ele passou dirigindo-se à sua sala. A única carta que realmente precisava ser lida era a de Creevey. Ele estava inquieto sem receber novas notícias e, como todo bom jornalista, não gostava nem um pouco disso. Por mais que não quisesse, Draco teria que responder-lhe alguma coisa. Os dois não eram exatamente amigos. Na realidade, Malfoy nunca nem sentira-se muito confortável com a amizade entre Colin e Gina, mas, desde que ela sumira, os dois compartilhavam informações. Rapidamente, ele rabiscou um bilhete dizendo a Creevey que ainda estava investigando e que provavelmente no dia seguinte saberia mais coisas e também perguntando o que o outro sabia sobre Lindsey Morgan. Às vezes, ele poderia encontrar alguma coisa sobre ela em edições mais antigas do Profeta.

Depois, Draco chamou Anne e a mandou pesquisar o endereço da família mais próxima que ela conseguisse para Lindsey Morgan, ex-estudante da Sonserina em Hogwarts, filha de trouxas. Pouco tempo depois, ela voltou com o endereço de duas famílias Morgan de trouxas que tinham filhos bruxos. Uma delas possuía uma casa em Tunbridge Wells e a outra em Bath. De posse dos nomes e endereços, Malfoy escreveu duas cartas idênticas para as famílias, indagando se eles eram os pais de Lindsey e dizendo que, caso fossem, ele tinha informações relevantes sobre ela para comunicar. Queria marcar um encontro ainda para aquela tarde. Anne despachou as cartas imediatamente e, tentando concentrar-se no seu trabalho - eles ainda estavam ocupados montando a operação de volta às aulas a Hogwarts -, Draco esperou pelas respostas.

Pouco antes da hora do almoço, contudo, ele recebeu duas corujas quase que ao mesmo tempo. A família de Bath dizia que não conhecia nenhuma Lindsey Morgan. A de Tunbridge Wells, entretanto, parecia bastante ansiosa para receber notícias e marcou o encontro para as duas da tarde. Eles escreveram que Draco poderia usar a rede de flu para chegar na casa deles. Malfoy imediatamente escreveu de volta confirmando que iria. Depois, com o ânimo um pouco mais tranqüilo e a certeza de que em breve ele estaria jogando um pouco de luz naquele mistério, pegou suas vestes e saiu para comer alguma coisa.





- Gina - ele falou quando finalmente conseguiu alcançá-la. No meio da confusão de pessoas na rua, o cabelo vermelho dela chegava a ser uma dádiva. Só mesmo graças a ele Draco conseguiu segui-la - Venha, vamos conversar - ele a puxou para a entrada de uma loja, onde eles ficavam um pouco protegidos do constante ir e vir da calçada.

- Conversar o quê, Draco? Você mesmo não falou que a decisão já estava tomada?

- E desde quando você me dá ouvidos? - o outro perguntou com tranqüilidade. Ela não pôde esconder um sorriso como resposta - Eu sei, Gina - ele continuou, mudando o tom de voz - que essa história toda de Natal é importante para você e para a sua família. Eu sei disso, mas eu não me sinto da mesma forma. O contrário, na realidade. Eu não gosto do Natal!

- Como você pode não gostar do Natal? - ela perguntou abismada. Era difícil acreditar que ele falava sério.

- É muito simples, na realidade, Você tem boas lembranças dessa época do ano. Eu não. Eu só tenho lembranças ruins.

- É impossível que você não tenha tido sequer um bom Natal em toda a sua vida, Draco!

- Bom, talvez quando eu era criança, mas já faz tanto tempo que eu mal consigo me lembrar. Acredite, eu provavelmente vou estar muito mais mal humorado do que o normal nos dias 24 e 25. Você não prefere ficar com pessoas mais alegres? Que vão realmente estar se divertindo com todos os festejos?

- Sim, mas é Natal, Draco! Nós deveríamos estar juntos!

- Para mim, é só um dia como outro qualquer, meu anjo - ele falou suavemente - Vai ser como um domingo normal, quando você sai para almoçar com a sua família...

- E você nunca vai comigo - ela completou com um pouco de tristeza na voz.

- Eu me casei com você, Gina. Não com seus irmãos - ele falou sério.

- Eu sei, eu sei. Colocar vocês todos no mesmo recinto seria o mesmo que abrir as portas do inferno e liberar todas as bestas do submundo sobre a humanidade...

- Exatamente. E é por isso que eu acho melhor você ir para os seus pais, que com certeza vão ficar para morrer se você não for, do que você ficar em casa aturando as minhas reclamações. Eu posso viver sem você por uma noite, Gina.

- Nossa! Que coisa mais romântica para se dizer! - ela ironizou.

- Eu nunca te enganei dizendo que eu era um romântico. Mas eu te digo a verdade, não digo?

- Diz.

- Então está decidido?

- Mas você vai ficar sozinho... - ela começou de novo a protestar, mas Draco delicadamente a interrompeu, colocando um dedo sobre seus lábios.

- Sem protestos dessa vez, meu amor. Por favor - ele pediu, inclinando-se para substituir o dedo pelos seus próprios lábios. Como ela poderia recusar quando ele colocava as coisas dessa forma?

“Ah, que diabos!”, exclamou Gina mentalmente, “A vida é curta demais”. Sem mais brigas, então, ela voluntariamente se rendeu ao beijo.





Poucos minutos depois das duas da tarde, Draco se dirigiu à lareira do seu escritório, portando uma pasta com os documentos relativos ao caso que ele possuía em uma mão e um punhado de pó-de-flu na outra. Seu coração batia um pouco acelerado e ele estava nervoso, como não poderia deixar de estar, mas também estava cheio de esperança e expectativa. Quem sabe com aquela conversa a ligação entre Gina e Lindsey Morgan começasse a ser explicada?! No fundo, ele ansiava que não houvesse ligação alguma. Que o destino da sua mulher não tivesse sido nem um pouco parecido com o da jovem ex-aluna da Sonserina, mas as chances de isso ser verdade eram pequenas. Muito pequenas. E Draco estava ficando cansado de tentar tapar o sol com a peneira. Era hora de parar de mentir para si mesmo.

Segundos depois, ele saía na outra lareira, tossindo um pouco e tentando tirar alguma da poeira que se acumulou em suas vestes. Paradas diante dele estavam duas pessoas: um homem e uma mulher. Os dois deviam ter pouco menos de sessenta anos. O homem era alto e magro, de cabelos grisalhos. A mulher era mais baixa e tinha os cabelos loiros. Os dois fitaram Draco ansiosos por um momento até que o homem se adiantou e disse:

- Boa tarde, Sr. Malfoy. Eu sou James Morgan e essa é a minha mulher, Elizabeth.

- Muito prazer - Draco responder, apertando as mãos do casal - Vocês são os pais de Lindsey Morgan?

- Sim, nós somos - a Sra. Morgan respondeu, indicando um sofá onde Malfoy poderia se sentar - Vocês finalmente a encontraram? - sua voz estava carregada de ansiedade.

- Talvez - respondeu o outro - Na realidade, Sra. Morgan, eu não consegui encontrar muitas informações sobre o desaparecimento da sua filha. Na época, vocês chegaram a procurar o Departamento de Pessoas Desaparecidas?

- Claro que sim - respondeu imediatamente o Sr. Morgan - Nós fizemos tudo o que podíamos. Até deixamos a lareira conectada à sua rede flu para facilitar caso ela quisesse entrar em contato conosco, mas nunca houve nada... Nenhuma pista, nenhuma carta, nenhuma notícia, nada.

- E a sua filha não iria embora por vontade própria sem avisá-los?

- Não - foi a Sra. Morgan quem respondeu - Nossa filha era uma boa menina. Quando nós descobrimos que ela era uma bruxa, foi um choque. Ela sempre fez coisas estranhas acontecerem, mas mesmo assim ninguém imaginava... Nós tivemos medo, claro, mas...

- Mas ela nunca nos deu decepções - completou o Sr. Morgan.

- Não, de jeito nenhum. Ela estava sempre alegre, sempre pronta para a próxima aventura. Dizia que a vida é muito curta para se perder tempo ficando parada, ficando com medo ou pensando muito.

- Quando saiu de Hogwarts, ela começou a trabalhar como advogada para uma das suas firmas... qual era o nome? - o Sr. Morgan virou-se para sua esposa.

- Harper & Associados - a mulher respondeu - Acho que era isso...

- Eles são a maior firma de advocacia do mundo bruxo na Inglaterra - Draco falou. Sem dúvida, era um bom lugar para uma sonserina trabalhar.

- Ela queria se especializar em contratos. Estava começando, mas adorava o seu trabalho. Ela não o abandonaria desse jeito.

- Lindsey morava com vocês? - Malfoy perguntou.

- Não. Ela tinha se mudado para um pequeno apartamento no Beco Diagonal, mas nós nos falávamos sempre. Praticamente todos os dias.

- Algum namorado?

- Não que nós soubéssemos. Ela estava ocupada demais com o trabalho. A minha filha era uma boa menina, Sr. Malfoy - a Sra. Morgan falou, sem conseguir esconder sua emoção.

- Vocês a encontraram? - o Sr. Morgan perguntou novamente.

- Eu não tenho certeza, mas é uma possibilidade - falou Draco com cuidado - Há um mês aproximadamente, foi encontrado o corpo de uma mulher jovem na Escócia. O corpo estava extremamente bem conservado porque foi mantido na areia, mas determinou-se que a mulher já estava morta há quase onze anos atrás - ele completou.

- Meu Deus! - a Sra. Morgan levou uma das mãos à boca.

- Eu tenho razão para acreditar que essa mulher é a sua filha, mas eu não tenho certeza absoluta. A polícia trouxa fez uma recomposição do rosto dela no computador - ele falou, abrindo a pasta e pegando o retrato - Se vocês puderem fazer uma identificação... - o casal se entreolhou. Ambos estavam chocados. A Sra. Morgan tinha lágrimas nos olhos, mas ainda assim seu marido concordou. Ele esticou o braço e pegou o papel. Na hora, Draco teve certeza que aquela mulher era Lindsey Morgan. O rosto de sua mãe contraiu-se instantaneamente e ela começou a chorar abraçada ao Sr. Morgan, que parecia estar tentando se controlar. Com a mão trêmula, ele devolveu o retrato para Draco.

- Meu Deus! - a mulher murmurava entre os soluços - A nossa filhinha... a nossa filhinha...

Malfoy abaixou os olhos enquanto guardava de novo o papel. Ele não queria sequer imaginar como estaria reagindo se alguém estivesse dizendo-lhe que o corpo do Gina fora encontrado. Aquela era uma dor que ele não queria conhecer, mas cada soluço da mulher na sua frente lembrava-lhe de que ele não estava muito longe disso. Tentando esconder seu próprio desconforto, Draco levantou-se do sofá e afastou-se um pouco para dar alguma privacidade ao casal. Em seguida, eles também se levantaram, a mulher amparando-se no ombro do marido. O Sr. Morgan pediu a Malfoy que esperasse que ele já voltava e os dois saíram da sala. Draco respirou aliviado. Assim ao menos ele teria tempo para se recompor. Aquele era de longe o caso mais difícil em que ele trabalhara. E o que poderia trazer as piores conseqüências.

Quase meia hora depois, o Sr. Morgan retornou ainda completamente abalado.

- Desculpe-me - ela falou - mas a minha mulher não está em condições de falar com você agora.

- Não se preocupe - Draco respondeu - Eu entendo - “Melhor até do que você imagina”, completou mentalmente.

- Quase onze anos! - o Sr. Morgan exclamou, também emocionado - Onze anos. Você imaginaria que nós estaríamos melhor preparados para a notícia, não?

- Ninguém pode se preparar para uma notícia dessas.

- Eu achei que nós estivéssemos, sabe? Nós chegávamos quase a querer ouvir algo assim... Não que nós não quiséssemos encontrá-la viva, mas nós achávamos que... que morta era melhor que perdida. Que o pior de tudo era não saber o que aconteceu... E agora, tudo o que nós queríamos era voltar para a ignorância... - o Sr. Morgan disse, sem conseguir mais conter as lágrimas. Draco engoliu em seco - Desculpe-me - o outro continuou, enxugando o rosto - Mas é que ela era a nossa filhinha... nossa filha única... nossa maior alegria... Nós sentíamos tanto orgulho... Ela era tudo o que nós tínhamos...

- Eu sinto muito - Draco respondeu sinceramente. Naquele momento, ele não conseguia lembrar que aquele homem na sua frente era um trouxa inútil. A única coisa que parecia perceber era a dor que eles compartilhavam. Ele nunca conseguiria menosprezar ou ridicularizar aquele homem por estar chorando. Ele nunca conseguiria desejar aquela dor para mais ninguém.

- Eu sei. Eu sei - o Sr. Morgan repetiu - Vocês sabem como ela morreu?

- Ela morreu de hemorragia - Draco respondeu, subitamente indeciso. Como dizer para ele tudo o que acontecera com a garota? Algo no seu tom de voz, contudo, deve ter denunciado o que ia na sua mente.

- Foi uma morte assim tão horrível? - o homem deixou-se cair no sofá, com a expressão ainda mais machucada.

- Sim - foi tudo o que Malfoy conseguiu dizer, sentando-se também.

- Por favor, não me conte os detalhes. Eu não quero saber.

- Eu não contarei - Draco respirou aliviado. Era melhor assim.

- Vocês sabem quem a matou?

- Ainda não. É exatamente isso que eu estou investigando, mas, como eu disse, eu estou tendo dificuldade em encontrar informações sobre o desaparecimento. Você se lembra do nome do investigador responsável na época?

- Era Smith - o Sr. Morgan respondeu.

- Você tem certeza?

- Sim, tenho. Por quê?

- Nada - Draco respondeu - Só confirmando - mas, no fundo, ele sabia que algo estava muito errado, pois ele não se lembrava de ter trabalhado nenhum Smith no Departamento. Pelo menos não nos últimos treze anos, que era o tempo que ele próprio trabalhava lá - O arquivo com os dados do caso da sua filha sumiu do nosso Departamento.

- O quê? Mas como isso é possível? Vocês não guardam uma cópia?

- Nossos arquivos são enfeitiçados para não poderem ser retirados do Departamento. Eu não sei o que aconteceu com o da sua filha - Draco respondeu - Qualquer informação que o senhor puder me dar, qualquer coisa de que se lembre, será extremamente útil.

- Bom - o Sr. Morgan começou, vasculhando sua memória - Eu me lembro bem de tudo. Não se esquece as circunstâncias de algo assim, mas, entenda, Sr. Malfoy, eu e minha mulher sabíamos muito pouco. Realmente pouco.

- Qualquer coisa já ajudará - Draco repetiu, encorajando-o.

- Se é assim... - o outro começou - Vejamos... Era uma terça-feira. O dia foi 14 de novembro. Eu e Lizzie estávamos em Londres. Uma viagem de negócios, mas nós resolvemos aproveitar para fazer uma visita a Lindsey. Ela almoçou conosco na Londres trouxa e nos convidou para visitá-la à noite. Nós ainda não tínhamos tido oportunidade de conhecer o apartamento dela no Beco Diagonal antes. Marcamos um encontro às 19 horas no Caldeirão Furado, mas ela nunca apareceu - o Sr. Morgan teve que fazer uma pausa para enxugar as lágrimas que caíram dos seus olhos - Nós esperamos por duas horas e ela não apareceu! Lindsey nunca se atrasava tanto assim. Ficamos preocupados, então conseguimos a ajuda do dono do bar para passarmos para o Beco Diagonal e irmos nós mesmos ao apartamento dela.

- E o que vocês encontraram lá? - Malfoy perguntou nervoso.

- A sala estava um pouco revirada. Não parecia que alguém tinha procurado nada. Só parecia que tinha acontecido algum tipo de luta ali.

- Lindsey tentou resistir.

- Ah, ela com certeza tentaria! Minha filha não desistia facilmente de nada. Nós encontramos um abajur quebrado no chão, a mesinha de centro estava virada e alguns objetos tinham sido derrubados.

- Só isso? - perguntou Draco.

- Havia... - o homem parou novamente para se controlar. As lembranças eram dolorosas demais - Havia algumas gotas de sangue no chão. Poucas, mas havia.

- E a porta não estava arrombada? - o outro perguntou tentando disfarçar seu de ansiedade. Não queria influenciar a testemunha.

- Não. A porta não estava arrombada, mas havia algo nela...

- O quê? - perguntou Draco sem conseguir se conter.

- Um triângulo. Um triângulo pintado em vermelho - Malfoy fechou os olhos em sinal de derrota. Aquilo era tudo o que ele não queria ouvir - Eu não me lembro de mais nada. Sinto muito.

- Não tem problema, Sr. Morgan. Tudo o que disse foi de extrema importância. Será que eu poderia pedir apenas uma última coisa?

- Claro.

- Um retrato da sua filha na época do desaparecimento.

- Você pode ficar com esse - o outro respondeu, levantando-se e retirando de cima de um móvel que Draco não havia notado antes um porta-retratos. Malfoy tirou a foto e a guardou na pasta - Quando vocês vão liberar o corpo para que nós possamos enterrá-la? - o Sr. Morgan perguntou por fim. Draco estremeceu. Ele tinha momentaneamente esquecido esse detalhe.

- Houve um contratempo na Escócia.

- Contratempo? Que tipo de contratempo?

- O corpo da sua filha foi transferido para ser examinado pelo legista em Edimburgo.

- E ele não pode ser transferido para cá? Vocês ainda precisam dele na investigação?

- Quando eu cheguei para remover o corpo, Sr. Morgan, ele já não estava mais lá.

- Não estava lá? E onde diabos ele está agora???

- Eu não sei. Ele foi roubado. Eu sinto muito.

- Sente muito? Nós não vamos sequer poder enterrar decentemente a nossa filhinha?!

- Eu vou encontrá-la, Sr. Morgan. Eu vou encontrá-la.

- Você não pode nos prometer isso.

- Sim, eu posso - Draco afirmou sério - Acredite. Eu vou trazê-la de volta.

- Obrigada - o homem respondeu sinceramente e Draco quase chegou a gostar dele. A única vantagem de se lidar com trouxas é que eles dificilmente conheciam o nome Malfoy e sua má fama no mundo bruxo. Draco, conseqüentemente, não precisava ficar o tempo inteiro na retaguarda. Se eles apenas não fossem trouxas, seriam perfeitos.

- Espere notícias minhas, Sr. Morgan - ele falou levantando-se e estendendo a mão.

- Você nos manterá informados?

- Sim, manterei. Até logo - Draco se despediu, pegando a pasta e virando-se para a lareira.

- Até logo - o Sr. Morgan respondeu desanimado.





Era a noite da véspera de Natal. Draco estava em pé, na cozinha, bebendo um copo de suco de laranja. Vestia apenas a calça do seu pijama de seda preto, que foi uma das poucas coisas que ele conseguiu salvar do seu antigo guarda-roupa quando a Mansão pegou fogo logo depois da sua formatura de Hogwarts. Estava frio do lado de fora, mas alguns feitiços e a lareira acesa na sala eram mais do que suficientes para manter o pequeno apartamento aquecido. Terminando de beber, ele colocou o copo dentro da pia e voltou para a sala. As luzes estavam apagadas, de forma que apenas as chamas provenientes da lareira iluminavam o ambiente. O silêncio reinava.

Gina já tinha ido para a casa dos seus pais há algum tempo. Provavelmente agora estava se divertindo com seus irmãos e sobrinhos, cantando, conversando ou fazendo sabe-se lá o quê que eles costumavam fazer no Natal. A única coisa que Draco sabia é que com certeza devia ser bem diferente dos grandes jantares que seus pais costumavam dar nessa época. Era estranho, na realidade. As coisas não eram mais as mesmas. Ele sabia disso e não era tolo o suficiente para fingir que eram, mas isso não o impedia de sentir saudades. Ele sentia falta da grandiosidade e da imponência. Sentia falta do protocolo e da tradição. Sentia falta do dinheiro. Um Malfoy não é um Malfoy de verdade sem dinheiro.

No fundo, Draco sentia-se como um meio-Malfoy. Ele ainda tinha a pose, mas não tinha os recursos ou o respeito e isso era pior do que a morte. A verdade é que ele sequer sabia se estaria conseguindo sobreviver se não fosse por ela e, mesmo assim, era doloroso. Uma parte sua realmente queria fazer aquela viagem que Gina sugerira. Queria esquecer todos os problemas, pegar uma chave de portal e ir passar alguns dias com ela em um paraíso tropical. A sua outra parte, contudo, era essa vozinha insistente que ficava sussurrando em seu ouvido que, se eles fizessem isso, talvez não conseguissem sobreviver ao mês seguinte. Ela com certeza diria que era tolice. Que, no fim, as coisas sempre dão certo, mas ele se recusava a ser imprudente e depois ter que acabar pedindo dinheiro emprestado ao banco ou, pior ainda, a algum parente dela. Isso seria o cúmulo. Já era ruim o suficiente que ela tivesse que trabalhar. Pensando bem, já era ruim o suficiente que ele tivesse que trabalhar! Mas não havia opção.

O pior de tudo, contudo, era saber que, no final de cada dia, ele estaria voltando para aquele pequeno apartamento que sequer no Beco Diagonal ficava. Ele localizava-se em uma região mista da Londres trouxa, onde muitos bruxos viviam, mas mesmo assim... era uma grande humilhação para um Malfoy. Olhando ao redor, Draco não escondeu o seu desgosto. Ele sabia que Gina gostava do lugar. Ela dizia que era pequeno e aconchegante, mas não era isso que ele via quando olhava. O que ele via era uma sala decorada com móveis baratos, cortinas antigas, tapetes velhos, uma lareira que vira e mexe entupia e, no momento, uma árvore de natal que sem dúvida alguma era grande demais para a sala. Ela achava adorável. Ele achava detestável. A única coisa boa naquele apartamento no exato momento devia estar jantando ao lado do infeliz do Potter que, tão certo quanto o nascer do sol no dia seguinte, estaria tentando arrastar uma asa para cima dela. Trincando os dentes, Draco procurou afastar as imagens mentais desagradáveis. Ele tentara impedir que Gina visitasse com regularidade seus pais - ela tradicionalmente ia todos os domingos -, mas não conseguira. No fim, ela dissera que havia apenas duas opções: ou ela ia sozinha, ou ele ia com ela. Draco nunca mais tentou impedi-la.

Ainda assim, contudo, ele sentia um ciúme insano só de imaginar o outro ao lado dela, nem que fosse por apenas algumas horas. Ele sabia que ela fora apaixonada por Potter durante a maior parte dos seus anos em Hogwarts. Deus! Todo mundo sabia disso! E, se ele fosse um homem melhor, talvez ele tivesse deixado-a livre para o Sr. Perfeição. Deus sabe que seria mais fácil para ela: sua família adoraria, ela poderia viajar o mundo todo acompanhando o time de quadribol dele, sem falar em todas as coisas que o dinheiro de Potter poderia comprar e que ela sem dúvida merecia. Draco, contudo, não era um homem melhor. Ele ainda era um Malfoy e o que um Malfoy quer, um Malfoy consegue: ele queria a Gina, ele conseguiu a Gina e ponto final. Simples assim.

Satisfeito com o pensamento de que havia pelo menos uma coisa nesse mundo que Potter e ele desejaram ao mesmo tempo e que ele ganhara no fim, Draco saiu da sala e foi para o quarto. Queria aproveitar a noite tranqüila para pelo menos dormir um pouco. Puxou, então, as cobertas da cama e deitou-se. Fechou os olhos, mas antes que pudesse começar a deixar-se flutuar, foi perturbado por um estrondo vindo da sala. Sobressaltado, levantou-se de novo e foi ver o que era. Logo que vislumbrou a lareira, contudo, não conseguiu conter uma das suas raríssimas e preciosíssimas gargalhadas sinceras. Aquela sua mulher realmente era uma figura!





Draco entrou no restaurante um pouco atrasado. Ele não gostava de atrasos e sabia que Matt também não gostava, mas não pudera evitar. Na hora em que planejara sair do departamento para o encontro, dois investigadores o abordaram com problemas urgentes. Draco os orientara e os despachara, mas, quando finalmente conseguira sair do trabalho, já havia perdido a hora.

Assim que pôs os pés no Caldeirão Furado, avistou logo o outro sentado me uma mesa no canto que proporcionava maior privacidade. “Matthew O’Brien”, pensou Draco com admiração. Aquela era a única pessoa além de Gina de quem ele poderia honestamente admitir gostar. Quando se aproximou, Matt se levantou e o cumprimentou com um sorriso. O homem tinha uma aparência sólida do alto dos seus mais de cinqüenta anos: um metro e oitenta e cinco de altura, ombros largos, olhos castanhos bem escuros. Os cabelos curtos também haviam sido dessa cor quando os dois se conheceram, mas agora já estavam mesclados com o cinza. Aquele era o antigo chefe do Departamento de Pessoas Desaparecidas e tudo o que Draco sabia sua profissão, fora ele quem ensinara.

- Olá, Matt! - Malfoy falou, enquanto o abraçava afetuosamente.

- Como você está? - o outro respondeu em um tom quase paternal.

- O mesmo de sempre - Draco disse, sentando-se na cadeira oposta à de Matt.

- Não foi isso que você deu a entender ontem.

- É sobre a Gina.

- Eu tinha imaginado que fosse algo do gênero.

- Eu sou assim tão previsível?

- Quando o assunto é esse, Draco, sim, você é extremamente previsível.

- Eu preciso da sua ajuda - Malfoy falou ignorando o último comentário - Você se lembra do nome Lindsey Morgan?

- Lindsey Morgan - o outro parecia confuso - Eu deveria me lembrar?

- Ela desapareceu alguns meses antes da Gina em circunstâncias semelhantes - Draco disse, mostrando ao outro a foto da garota.

- Em circunstâncias semelhantes? E como nós não ficamos sabendo disso antes?

- É exatamente o que eu gostaria que você me ajudasse a entender. O arquivo dela sumir do Departamento! O corpo dela sumiu do necrotério! E eu só descobri seu nome por uma dica anônima. Tudo nesse caso parece estar envolto em uma névoa de mistério impenetrável!!!

- Calma, Draco, calma. Explique-me tudo devagar. Primeiro, onde e como ela foi encontrada?

- Em uma fazenda na Escócia. Durante uma tempestade, um raio atingiu uma árvore e a partiu. O corpo de Morgan estava dentro do tronco, junto com uma quantidade enorme de areia. Ela havia desaparecido há quase onze anos e provavelmente foi morta pouco depois disso.

- E como ela foi morta?

- Hemorragia - Draco respondeu desejando não ter que repetir isso - Mas ela havia sido espancada e estuprada.

- Meu Deus! - Matt exclamou horrorizado. Crimes desse tipo não eram assim tão comuns no mundo bruxo - E você acha que a pessoa que a matou é a mesma que levou Gina?

- Eu tenho certeza - o outro confirmou sem conseguir esconder o seu desconforto.

- Você não pode ter certeza disso, Draco!

- Acredite, eu já passei pela fase de negação. Lindsey Morgan tinha um triângulo vermelho pintado na testa e um pintado na porta de seu apartamento quando ela sumiu. Você se lembra o que havia pintado na porta da Toca quando a Gina sumiu?

- Um triângulo vermelho.

- Exatamente.

- Mas, Draco, nós nem sequer sabemos o que ele significa...

- Mas o assassino sabe - Malfoy afirmou categórico. Uma longa pausa se impôs sobre eles.

- Você se lembra - Matt começou finalmente, quebrando o silêncio - de como o departamento estava uma loucura há onze anos atrás?

- Claro que sim. Eu tinham acabado de começar a trabalhar lá. Voldemort e seu Comensais haviam deixado para nós uma herança de pessoas desaparecidas. Enquanto todos os casos não foram explicados, nós não tivemos sossego.

- Isso sem falar nos aurores sempre se nos nossos pés, se metendo em tudo.

- Eu lembro. Mas o que isso tem a ver?...

- Naquela época, vários casos que foram considerados menos importantes acabaram sendo passados para outra agência.

- Outra agência?

- Você já ouviu falar na Sociedade de Investigadores Autônomos? - Matt perguntou.

- Claro que sim. Você trabalha com eles agora, não?

- Trabalho. Nós somos um grupo extra-Ministério que também investiga crimes para auxiliar a polícia formal.

- Mas vocês não ajudam apenas aurores?

- Sim, Agora, nós auxiliamos apenas os aurores já que o grupo tem uma extensa biblioteca na área das artes das trevas, mas há onze anos, a Sociedade tinha acabado de surgir, então o Ministério resolveu colocá-la para investigar casos menos importantes, como um teste.

- E eles pegaram casos de pessoas desaparecidas que não estavam conectados a Voldemort?

- Exatamente. Talvez isso explique o sumiço dos arquivos.

- Eles estão na Sociedade e não no Departamento - Draco concluiu, entendendo também finalmente porque o nome do investigador que o Sr. Morgan dera era-lhe estranho.

- É provável.

- Há outros arquivos sumidos da mesma época.

- Você acha que podem ser mais vítimas?

- Talvez. O único jeito de descobrir é achar os arquivos. Você consegue isso, Matt?

- Eu não sei, Draco. Sou novo lá e eles são meio desconfiados com gente nova... tudo é confidencial... mas eu posso tentar.

- Por favor.

- Eu sei o quão importante isso é para você. Eu sei - O’Brien assumiu um tom suave - mas você tem certeza de que quer descobrir o que aconteceu? Vale a pena passar por toda essa tortura?

- Eu preciso saber. É o único jeito.

- O único jeito para que você consiga seguir em frente com a sua vida, Draco?

- Que vida? - Malfoy perguntou com uma risada seca, passando as mãos pelo cabelo - Eu não tenho vida sem ela, Matt.

- Mas e se ela estiver...

- Morta?

- Você não vai fazer nenhuma besteira, vai? - o outro falou preocupado.

- Como o quê? Me matar? Para quê? Eu já tenho estado morto todos esses anos mesmo, não tenho? Qual a diferença afinal?

- Não fale assim, Draco.

- Eu falo porque é a verdade. Me avisa quando conseguir os arquivos , Matt?

- Você não vai jantar comigo?

- Não. Eu quero ir para casa. Me avisa? - Malfoy repetiu.

- Aviso. Não se preocupe.

Com um último aperto de mão, Draco levantou-se e saiu do restaurante. Do lado de fora, começara a chover, mas ele não conseguiu se importar. Caminhando sem rumo pelas ruas do Beco Diagonal, Malfoy não conseguiu evitar o fluxo de lembranças que o invadia.





A cena que se estendia diante dos seus olhos era hilária no mínimo. Gina estava caída sentada no chão, coberta de fuligem, usando um vestido vermelho justo no corpo que ia até os joelhos e tinha um decote em V, com um gorro de Papai Noel na cabeça e a expressão mais indignada do mundo no rosto.

- Arghhhh! Eu odeio pó-de-flu! - ela exclamou furiosa.

- Você podia ter aparatado - Draco observou calmamente, aproximando-se para ajudá-la a levantar.

- Mas aí eu perderia o efeito da entrada triunfal, não é verdade?

- Bota triunfal nisso! - ele riu.

- Sem graça! - Gina deu-lhe um tapinha de leve no braço - Eu fiz isso por sua causa!

- Para me fazer rir?

- Não!

- Para me armar com uma história que eu vou poder usar para te perturbar pelo resto da vida?

- Não! Para te dar uma lembrança boa do nosso primeiro Natal! - ela respondeu ainda indignada.

- Você conseguiu - Draco falou sorrindo, enquanto inclinava-se para dar-lhe um beijo rápido.

- Eu imaginei que você ia gostar - ela disse - Eu sei que não é exatamente a roupa do Papai Noel, mas...

- Realmente - Malfoy falou, olhando-a com mais atenção dessa vez - eu tenho que admitir, entretanto, que você fica melhor sem a barba e sem a barriga, mas um pouco menos de fuligem até que ia bem...

- A culpa não é minha! É dessa maldita rede flu!

- Gina, sinceramente, você nem parece uma bruxa puro-sangue falando assim!

- Lá vem você de novo com essa história... Filhos de trouxas não são bruxos piores do que nós, Draco!

- É claro que são!

- Não, não são! Quando você vai parar com essas infantilidades e começar a pensar como um homem?

- Na mesma hora em que você parar com os seus sonhos de criança e começar a ver o mundo como ele verdadeiramente é!

- Eu vejo o mundo como ele é!

- É claro que não vê! Tudo o que você enxerga são nuvens cor-de-rosa!

- Não é verdade!

- É, sim! Eu não sei o que você está fazendo aqui! Devia ter ficado com a sua família que também só vê tudo cor-de-rosa e sido feliz para sempre.

- É, talvez eu devesse. Deus sabe que o Harry pareceu apreciar a minha escolha de roupa melhor do que você! - ela gritou por fim, mas sabia que dessa vez tinha ido longe demais. Malfoy trincou os dentes, cerrou os punhos e, controlando-se o máximo que pôde, passou por Gina sem dizer uma palavra, indo para o quarto - Não, Draco, espera - ela chamou, arrependida. Ele parou no meio do caminho. Ainda estava furioso - Eu não vim aqui para nós brigarmos - continuou, aproximando-se e abraçando-o pelas costas - Eu não quero brigar com você hoje, meu amor.

- Um pouco tarde para isso, não?

- Eu te amo - ela falou suavemente - Não fique com raiva. Eu realmente não quero brigar mais. A vida é muito curta para nós perdermos nosso tempo precioso com discussões sem sentido, você não acha? Eu vim para cá porque aqui é o meu lugar, ao seu lado. Por mais que eu adore os meus pais e os meus irmãos, é aqui que o meu coração está.

- Eu também te amo - ele respondeu ainda de cara fechada, mas finalmente virando-se para abraçá-la melhor - O maldito Potter realmente te viu nesse vestido? - perguntou por fim.

- Claro que não, seu retardado! - ela respondeu rindo - Isso é só para você.

- Ah, mas você sabe exatamente o que dizer para me deixar furioso, não?

- É claro que eu sei. Eu te conheço como a palma da minha mão.

- Convencida.

- Arrogante.

- Mentirosa.

- Prepotente.

- Eu?

- É, você!

- Até parece... olha só quem está...

- Draco!

- O quê?

- Cala a boca e me beija.

Ele, obviamente, obedeceu de bom grado. Alguns poucos minutos depois, contudo, Gina interrompeu o beijo - para a mais completa insatisfação do outro - para fazer uma pergunta:

- Você já olhou pela janela agora à noite? - ela sorriu.

- E por que eu faria isso? - ele perguntou bastante irritado.

- Venha ver!

- Eu não quero...

- Venha! - ela o puxou para a janela - Está nevando.

- Gina - Draco falou abraçando-a - é só neve. Nós vemos neve todos os anos!

- Não é só neve! É neve na véspera de Natal! Não é lindo? - ela perguntou, fitando o céu com um sorriso. Draco realmente tentou enxergar a beleza que ela enxergava, ver o mundo naquele momento como ela estava vendo, mas, para ele, era apenas neve. De alguma forma, teria que ser suficiente que ela visse.

- É lindo - disse ele por fim apenas para ver o sorriso dela aumentar.

- Draco - Gina começou após uma longa pausa - eu sei que você se preocupa.

- Me preocupo? - ele não entendeu logo de cara o que ela queria dizer.

- Conosco. Você está sempre preocupado com o lado prático das nossas vidas e eu nunca pareço dar a ele a devida atenção. Eu sei que você se preocupa e eu acho bom que você se preocupe, mas... eu queria que você entendesse o meu ponto de vista.

- E qual é o seu ponto de vista?

- Eu acho que, independente de qualquer coisa, tudo vai dar certo desde que nós estejamos juntos. Nada mais importa desde que nós estejamos juntos.

- Desde que estejamos juntos - ecoou Draco pensativo, abraçando-a com mais força. “Desde que estejamos juntos...”





O despertador tocou pontualmente às seis e meia da manhã. Depois de uma noite mal dormida, Draco se levantou cansado e olhou ao redor do seu quarto: ele estava sozinho. Nenhum som vindo da cozinha, nenhum barulho de água caindo do chuveiro. O silêncio reinava na casa. Ele estava sozinho... “Desde que estejamos juntos”, pensou amargurado. Desde que estejamos juntos...

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