loucura



Capítulo 3: Loucura



- O que significa isso? - foram as primeiras palavras que saíram da boca de Draco assim que ele entrou na sala da casa de Sirius Black e encontrou aurores querendo dar ordens aos seus agentes.

- Nós estamos assumindo o caso - afirmou Ronald Weasley, encarando-o com petulância. Enquanto Potter havia preferido se tornar um jogador profissional de quadribol, Weasley e Granger, por sua vez, resolveram continuar na carreira de ‘defensores do mundo contra as artes das trevas’ e viraram aurores. Os dois trabalhavam juntos e era consenso, entre todos menos Draco, é claro, que eles formavam uma grande dupla.

- O diabo que vocês estão assumindo o caso! Não há nenhum indício de artes das trevas envolvidas. A jurisdição é minha e vocês não têm nada o que fazer aqui!

- Se você queria tanto o caso, Malfoy, então por que sumiu a maior parte do tempo? Nós...

- Eu estava trabalhando, Granger, o que é bem mais que se pode dizer de vocês, que estão com tempo livre suficiente para até querer roubar os casos dos outros...

- Escuta aqui, Malfoy...

- Escuta aqui você, Weasley! Vocês não têm as habilidades nem a experiência para lidar com uma situação de seqüestro. O investigador Jones, que eu deixei tomando conta de tudo, tem mais capacidade para resolver esse caso do que vocês dois juntos!

- E por acaso foi essa habilidade toda que você usou para procurar a minha irmã? Não me admira que ela nunca tenha sido encontrada!

- Rony! - disse a voz de Harry Potter, em tom de reprovação. Ele e Black haviam entrado na sala apenas há tempo suficiente para ouvir a última declaração e ficaram chocados. Até mesmo Granger encarou o marido, horrorizada. Aquilo fora cruel demais.

- Você pode ficar, Weasley -disse Malfoy num tom controlado e mortal - mas apenas porque essa é a casa de Sirius Black e eu duvido que ele queira te expulsar. Fique, então, como amigo da família, mas tente dar outra ordem aos meus agentes e eu mesmo me encarregarei de te expulsar a pontapés - e, com isso, saiu da sala, ignorando todos os olhos que lhe observavam.

Draco estava transtornado. O único motivo pelo qual saíra era que, se ficasse mais um segundo, iria acabar esganando Weasley - o que não seria uma decisão politicamente inteligente - ou descontrolar-se e começar a chorar - o que seria pior ainda. Com as mãos dentro dos bolsos, encostou as costas na lateral da casa e fechou os olhos, tentando fingir que não sabia do grande vazio em seu peito, tentando não sentir seu coração batendo acelerado. Nessas horas, ele realmente gostaria de não ter um coração, como as pessoas estavam tão acostumadas a pensar. Tudo seria muito mais fácil se ele pudesse simplesmente esquecer... mas ele não podia. Aquilo era tudo sua culpa.

Cansado, Draco tirou as mãos do bolso e pegou dentro das vestes sua cigarrilha de prata. Ele a carregava quase sempre, mas raramente fazia o que estava fazendo agora: abrindo-a e pegando um cigarro. Depois, com a varinha, conjurou uma pequena chama e o acendeu. Guardou de novo a cigarrilha e deu uma longa tragada. Era impossível fazer isso e não lembrar de Gina. Se ela estivesse ali agora, com certeza já estaria ficando vermelha de raiva. Ou então, sentiria o cheiro da fumaça em suas roupas quando ele chegasse em casa e teria um ataque. Ele adorava vê-la com raiva. Ela o fizera prometer dezenas de vezes que ele não voltaria mais a fumar. Dezenas de vezes, mas Draco sempre voltava. Ele sempre quebrava suas promessas.

Fechando os olhos, ele deu outra longa tragada e deixou sua cabeça cair para trás. Já tinha anoitecido e havia uma brisa leve no ar. O céu estava claro. Exatamente como na noite em que ele a vira pela última vez...

- Malfoy - a voz de Granger o despertou de seu devaneio.

- O que você quer? - ele perguntou, com um tom cansado.

- Malfoy, o que o Rony falou...

- É a mais pura verdade, não é não?

- Não, não é e você sabe disso. Nós todos sabemos.

- Oh, por favor, me poupe. Eu não preciso disso agora.

- Disso o quê?

- Da sua piedade. Da sua pena.

- Malfoy, não se trata de pena...

- Ah, não! Claro que não! Então é o quê, Granger? Eu não gosto de você e você não gosta de mim, então por que nós simplesmente não paramos de fingir? Eu não preciso da sua pena! Não quero a sua pena - ele falou com desprezo.

- Mal... - Mione ainda tentou, mas foi novamente interrompida:

- Você acha que eu não sei o que vocês todos pensam? ‘Pobre Malfoy que ainda procura a mulher como se ela estivesse viva, que se recusa a ver o que é óbvio!...’

- Ninguém pensa isso. Só um louco usaria as palavras ‘pobre’ e ‘Malfoy’ na mesma sentença.

Draco respondeu com uma gargalhada seca:

- Ah, mas eu sou pobre! Em todos os sentidos - completou, jogando o cigarro no chão e apagando-o com o sapato.

- Nós todos sentimos falta dela... Não adianta nada você ficar aqui, sentindo pena de si mesmo!

- Ah, vocês todos sentem falta dela?! - o outro interrompeu com um sorriso irônico - Por acaso vocês acordam no meio da noite esperando encontrá-la lá? Vocês sentem falta da voz desafinada dela cantando no chuveiro? Ou do cheiro de comida queimada vindo da cozinha porque ela não sabe cozinhar direito? - ele começou, se aproximando - Vocês sentem falta dos beijos dela pela manhã? Do jeito como ela conseguia fazer parecer que tudo sempre ia dar certo? Vocês são obrigados a acordar e dormir com um vazio no peito, com a consciência dilacerante de que, não importa o que vocês façam, ela não está lá e nunca estará? - a essa altura, ele já estava encarando Granger a apenas uns dez centímetros de distância. Ela abaixou a cabeça e desviou o olhar quando ele terminou de falar - Foi o que eu pensei - e, após uma pausa - Vá embora, Granger. Você não é minha ‘amiga’. Eu não preciso da sua pena, da sua ajuda ou do seu conforto - completou, virando-se de costas e afastando-se novamente. Hermione não falou mais nada. Apenas entrou de volta na casa. Draco esperou alguns minutos até se acalmar e, depois, a seguiu. Por mais que quisesse ficar, por mais que quisesse sumir da face da Terra, ele tinha um trabalho a fazer.





Dez horas da noite. A Travessa do Tranco estava escura. Não havia nenhuma luz acesa, nenhum poste de iluminação, nada. O silêncio era absoluto. As lojas velhas, empoeiradas estavam fechadas e, com suas mercadorias obscuras expostas nas vitrines, contribuíam para emprestar ao lugar uma atmosfera ainda mais sinistra. Não havia pessoas na rua. O local estava aparentemente deserto. Em alguns prédios, contudo, estrategicamente posicionados, estavam os agentes do Departamento de Pessoas Desaparecidas. Eles estavam em alerta, prontos para qualquer coisa. Você nunca sabe exatamente o que vai acontecer em uma situação de pagamento de resgate. Pode ser que tudo dê certo. E pode ser que não.

Durante o dia ainda, eles já haviam examinado a lata de lixo onde o dinheiro deveria ser colocado e, depois disso, interditaram-na e vigiaram-na cada minuto. Ninguém viera mexer nela. Eles só podiam supor, então que o seqüestrador viria depois da entrega, coletar a soma. Assim, estavam preparados para ficar de tocaia a noite inteira. Não sairiam dali até prender pelo menos um dos criminosos.

Pontualmente às dez horas, Malfoy viu Black entrar na Travessa. Obviamente, eles teriam preferido usar um agente no lugar dele, mas Black insistiu em fazer a entrega pessoalmente. Ele veio caminhando devagar, seus passos ecoando no meio-fio, discretamente olhando ao redor. Não viu nada. Não havia nada para se ver. Quando chegou na lata de lixo, colocou dentro dela a bolsa que carregava com o dinheiro e, com as mãos no bolso agora, olhou de novo para todos os lados. Ele era a única pessoa na rua. Nenhuma alma, nenhum som, nenhuma respiração a mais. Um pouco frustrado, ele voltou pelo mesmo caminho, silenciosamente. Draco soltou uma respiração aliviada ao vê-lo desaparecer na esquina da rua. Temia que Black na última hora resolvesse querer dar uma de herói, mas ele se comportara exemplarmente. Com os olhos grudados na lixeira agora, Draco e os outros esperaram.

Os minutos tensos foram se alongando e se transformando em horas. Horas de tensão. Draco não sentia sono. Estava concentrado, mas sentia-se cansado. Cada instante a mais o deixava com mais raiva e carregava mais o ar com dúvidas. Por que o seqüestrador não aparecia? Onde estaria a garota? Cada pequeno movimento na rua era suficiente para fazer com que todos os agentes posicionados pulassem, mas todas as vezes que isso aconteceu, eles não demoraram a perceber que o alarme era falso. A alvorada se aproximava, todos estavam exaustos, e ainda assim ninguém apareceu para recolher o dinheiro.

- Ele deve estar esperando até as lojas abrirem. Vai tentar se misturar na multidão - Draco murmurou mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa, mas Jones ao seu lado comentou:

- Mesmo assim, é estranho. As pessoas vão notar alguém revirando uma lata de lixo em plena luz do dia.

- Não se ele for o lixeiro - Malfoy respondeu, sem tirar os olhos do alvo.

- O senhor acha que...

- Eu não sei, Jones. Foi apenas uma idéia... - o outro respondeu, subitamente distraído por uma coruja que voava baixo, em direção aonde eles estavam.

Era uma coruja toda preta e, quando ela se aproximou o suficiente, Draco pôde notar que tinha uma larga fita vermelha amarrada em sua perna. Esse era o sinal que eles usavam para indicar corujas urgentes, de alta importância. Seu coração disparou, enquanto ele imaginava o que teria sido importante o suficiente para lhe avisarem no meio de uma tocaia. Sem erro, a coruja voou direto para a janela onde ele estava. Aquilo não cheirava nem um pouco bem.

Rapidamente, Malfoy desatou a carta que ela carregava e rasgou o envelope. Logo que leu as primeiras palavras, gelou. Aquilo não estava certo. Simplesmente não podia ser. Com um olhar intrigado na direção dos seus agentes, ele saiu correndo da sala, deixando todos assustados. Desceu as escadas e abriu a porta para rua. Sabia muito bem o que precisava descobrir.

Caminhou decidido até a lata de lixo, tendo a carta ainda entre seus dedos. Aquilo não estava certo. No último momento, hesitou. E se fosse uma armadilha? E se a história toda não passasse de uma armadilha? Não, ele descartou a idéia. Ninguém se daria a tanto trabalho assim para pegá-lo. Havia meios mais fáceis. Por fim, então, inclinou-se sobre a lixeira e olhou. Ela estava vazia.





- Como isso é possível? - Draco gritou para os seus agentes. Eles estavam todos reunidos no departamento e, dessa vez, não escapariam de uma senhora bronca - Hein? Será que alguém aqui pode me responder? O que vocês fizeram hoje foi uma demonstração estúpida de incompetência! Então nós estamos todos lá, vigiando o dinheiro de resgate quando, na verdade, o dinheiro já foi levado pelo seqüestrador??? Vocês deveriam ter examinado a lixeira! Deveriam ter garantido que isso não aconteceria, mas vocês fizeram? Não! E enquanto nós estávamos lá, perdendo tempo precioso, o seqüestrador poderia muito bem estar matando a garota se essa fosse a intenção dele! Onde vocês estavam com a cabeça??? - Malfoy estava furioso. Quando percebera que o dinheiro já tinha sido levado, quase fora à loucura. Uma demonstração de incompetência desse tipo no caso do seqüestro da filha de Black não era realmente algo de que Draco precisava no momento. A garota, por sorte, estava bem. Ela fora deixada a três quarteirões da sua casa e voltara à pé. Ela não se lembrava de nada. Um feitiço de memória muito poderoso havia sido usado e tentar retirá-lo poderia acabar causando ainda mais danos. No que diz respeito a Draco, ele achava que era melhor mesmo para ela não se lembrar, mesmo que isso tornasse mais difícil pegar os criminosos. O que era imperdoável, no entanto, era o erro do seu pessoal. Se algo sério houvesse acontecido com a garota, eles estariam agora em maus lençóis - Vocês agiram como se nunca tivessem feito isso antes! Como um bando de novatos que, além de inexperientes, são burros! - ele bateu na mesa com força. Ninguém ousou responder. Na realidade, todos estavam ainda chocados também com o que acontecera. O dinheiro não podia ter desaparecido sozinho. Com certeza, alguém deixara passar algo no exame da lata, algum feitiço, provavelmente uma chave de portal. E esse era um erro bem principiante mesmo. Malfoy tinha razão em estar com raiva.

A bronca durou ainda mais meia hora. Draco dificilmente era econômico na hora de chamar a atenção. Quando terminou, foi direto para o seu escritório, sem dirigir mais a palavra para ninguém. A única vez em que foi interrompido foi quando sua secretária entrou na sala para entregar a correspondência. Ele pegou os envelopes ainda com a cara fechada e passou os olhos rapidamente pelos remetentes. Jogou quase todos na gaveta dos que nunca seriam lidos e abriu apenas um, que estava sem remetente, mas que ele sabia que era do Creevey. Num dia como aqueles, o outro com certeza iria pedir alguma declaração exclusiva. Lendo a carta, Draco logo confirmou suas suspeitas. Creevey queria ainda notícias sobre a mulher da árvore. Malfoy rabiscou em um papel: “Nada que você possa publicar e ainda estou investigando” e prendeu a carta na pata de sua coruja pessoal, despachando-a.

Já estava no início da noite. Ele passara o dia inteiro tão entretido com o caso do seqüestro e depois em seu escritório que mal percebera o tempo passar. A maioria dos investigadores já havia ido embora. Restavam apenas os que ficariam de plantão. Draco levantou-se também, e começou a vestir o paletó e as vestes, pronto para ir para casa quando ouviu batidas leves, hesitantes em sua porta. Virou-se ainda extremamente mal humorado:

- Entre - falou num tom que queria dizer exatamente o oposto.

- Senhor - veio a voz de Eames, após abrir um pouco a porta.

- Você quer falar comigo? - Draco perguntou, ainda rude.

- Sim.

- Então entre. Não fique aí parado na porta igual a um imbecil - Eames obedeceu na hora. O que quer que ele quisesse, agora não tinha mais jeito - O que houve?

- É sobre o incidente da lixeira...

- Será que eu já não falei o suficiente sobre esse assunto hoje?

- Senhor, fui eu quem examinou a lixeira antes dela ser interditada. Não havia nada de errado com ela, eu garanto. Ela estava absolutamente limpa e ninguém de fora mexeu nela depois disso. Só gente do próprio departamento.

- O que você está querendo dizer?

- Nada - o outro respondeu rápido - Eu não estou acusando ninguém. Estou apenas dizendo que, quando eu olhei, a lixeira estava limpa. Eu garanto.

Draco mediu as palavras do outro. Eames não era um agente muito antigo, mas também não era apenas mais um novato. Ele era competente e sério. Sempre extremamente sério, o que fazia com que a maioria das pessoas confiasse nele instintivamente. Malfoy não conseguiu ver nele nem um pingo de mentira e, ainda assim, era difícil acreditar nas implicações do que ele estava dizendo. Se fosse verdade, então eles tinham um traidor ali dentro, bem na frente de seus narizes.

- Está bem, Eames. Eu entendo perfeitamente o que você está dizendo. Obrigado - Draco respondeu, despachando-o com um sinal de cabeça. O outro obedeceu novamente, feliz por conseguir escapar tão facilmente, sem ouvir sequer mais algumas palavras grosseiras. Malfoy logo o seguiu, saindo do escritório e aparatando em casa. Estava com uma pulga atrás da orelha e, por mais que fizesse, não conseguia descartar as sensações de que algo estava acontecendo e de que algo estava muito errado. A conversa com Eames fora a gota d’água. De agora em diante, Draco decidiu, ele não poderia confiar em ninguém. Absolutamente em ninguém.

Chegando em casa, Draco tratou de tirar as vestes, o paletó e a gravata e os jogou em cima da cama, junto com o envelope pardo que carregava - o mesmo que Anne lhe enviara. Depois, dobrando as mangas da camisa, foi para a cozinha. Naquela noite, não iria pedir comida de restaurante. Isso já estava se tornando um hábito desagradável. Abriu, então, a geladeira, procurando algo que fosse rápido e fácil de preparar. Suas habilidades culinárias eram limitadas. Acabou, contudo, fazendo uma triste constatação: ele realmente precisava fazer compras. Não encontrou praticamente comida nenhuma. Por fim, abrindo o compartimento superior da geladeira, conseguiu “cavar” um antigo prato pronto congelado. Ainda estava dentro do prazo de validade, então ele pegou sua varinha e fez um feitiço para aquecer. Provavelmente o gosto estaria horrível, mas quem se importa? Era melhor do que nada.

Voltou para a sala com o prato e os talheres na mão e sentou-se no sofá como fizera na noite anterior, apoiando um dos pés na mesinha de centro. Há tempos não fazia uma refeição decente, sentado à mesa de jantar. Seria inútil de qualquer forma, e só serviria para lembrá-lo da sua própria solidão. Terminou de comer rápido - ou melhor, terminou de engolir a comida, porque mal sentiu o gosto dos alimentos - e levou de volta para a cozinha a louça. Poderia lavá-la pela manhã.

Depois, na sala, abriu de novo o envelope e tirou os documentos de dentro dele. O legista havia lhe entregado uma cópia do relatório da autópsia e Draco começou a lê-lo mais atentamente. A cada detalhe, aquele crime ia tornando-se mais misterioso. Durante o dia, ele deixara a amostra de areia para ser examinada pelos bruxos do laboratório, mas o laudo ainda demoraria uns dois ou três dias para sair e a espera era terrível. Malfoy odiava esperar. Se ele ao menos soubesse quem era aquela mulher assassinada! Somente um nome já tornaria tudo mais fácil, mas não. Ele continuava no escuro.

Estava examinando novamente concentrado as fotografias dos ferimentos do corpo quando o silêncio foi quebrado pelo toque repentino do telefone. Ele sabia. De alguma forma, Draco sabia ao ouvir o primeiro barulho quem estaria do outro lado da linha. Tentou resistir à tentação de levantar-se para atender, mas não conseguiu. No fim, sabia que aquele homem tinha as respostas para suas perguntas e a sua necessidade de desvendar aquele mistério era grande demais.

- Boa noite, Sr. Malfoy - a voz falou do outro lado, sem sequer esperar que ele se identificasse - Então nós nos encontramos de novo, não?!

- Você ligou para minha casa. Quem diabos esperava encontrar?

- Vejo que sua paciência está mais baixa que o normal hoje.

- Para você minha paciência sempre vai ser inexistente.

A voz respondeu com uma gargalhada:

- Como você espera descobrir o que aconteceu sem exercitar logo essa virtude tão importante?

- Será que dá para nós irmos direto ao assunto? O que você quer?

- Você insiste em me fazer essa pergunta. Eu já disse: a questão não é o que eu quero. É o que você quer.

- Você não sabe o que eu quero.

- Você quer encontrá-la. Não é mesmo? - Draco estremeceu - Quer trazer de volta o amor da sua vida e fazê-la feliz para sempre. Estou perto da verdade, Sr. Malfoy?

- Você não sabe o que está falando.

- Pelo contrário. Eu sei exatamente o que eu estou falando. O problema é: será que é possível trazê-la de volta? Será que ela ainda está viva e, se estiver, será que ela quer voltar para você? - Draco fechou os olhos, tentando se controlar. Aquele homem tinha uma incrível capacidade de tocar exatamente nos pontos que mais lhe feriam.

- Eu continuo dizendo: - ele falou finalmente, tentando parecer frio - você não sabe o que está falando - precisava que o outro pensasse que não estava conseguindo afetá-lo.

- Sim, eu sei. Quer saber uma outra coisinha que eu sei? Eu sei que você foi à Escócia hoje.

- Seu des... - Draco começou, mas então, o entendimento finalmente lhe atingiu - Foi você! Você roubou o corpo do necrotério, seu filho de uma p...

- Ora, por favor - o outro interrompeu antes que a frase fosse concluída - não venha xingar a minha mãe quando a sua não é lá muito melhor, não é mesmo?

- Eu já falei que não tenho mãe!

- E eu já falei que você tem sim! E deveria prestar mais atenção nela, diga-se de passagem, mas eu não espero que você aceite os meus conselhos agora. Talvez no futuro, mas não agora.

Dessa vez, foi Draco quem respondeu com uma gargalhada:

- Eu nunca vou seguir conselho nenhum seu! Nunca, seu merda! Você está jogando comigo. Pensa que eu não sei? Você não sabe de nada sobre o que aconteceu com Gina! Apenas está usando isso para tentar me atingir. E sabe o que mais? Não está funcionando porra nenhuma! Se você espera que eu acredite em meia palavra que sai da sua boca, pense novamente! Eu não nasci ontem e nunca vou acreditar em você!

- É uma pena. Realmente, eu pensei que nós pudéssemos começar um relacionamento de benefício mútuo aqui.

- Benefício mútuo?! Benefício mútuo quando você rouba o cadáver, esconde evidências e mente?!

- Eu faço apenas o que preciso fazer. Não fazemos todos?

- Você se diverte com isso.

- E você não? O sonserino que você um dia foi, iniciado nas Artes das Trevas, futuro Comensal da Morte, seguidor do único Lorde verdadeiro, ainda se diverte com isso, não é mesmo? Ainda olha para baixo e ri de todos os pobres mortais com seus valores nobres e seus sacrifícios vãos e suas verdades enaltecidas. Você sabe mais que isso. Sabe melhor do que isso. Ou será que essa garota o tinha tão dominado que você esqueceu suas origens?

- Como eu poderia esquecer quando esse passado me persegue a cada instante? - Draco respondeu em tom férreo - Você não me conhece, então não fale sobre o que não sabe.

- Você está falando o quê? Que se Você-Sabe-Quem não houvesse sido destruído, você teria se voltado contra ele e contra seu próprio pai? Eu não acredito nisso.

- Você pode acreditar ou deixar de acreditar no que quiser. Eu não poderia me importar menos.

- Você realmente não acredita, não é mesmo?

- Não acredito em quê? - Draco perguntou, impaciente.

- Que eu sei o que aconteceu com a sua mulher.

Draco demorou um pouco para responder. Por fim, sua voz saiu firme:

- Não, eu não acredito. Você está blefando.

- Bom, pode ser que você esteja certo - o homem respondeu como quem se diverte com a situação - mas pode ser que você esteja errado. Está disposto a arriscar? - perguntou, por fim, desligando imediatamente o telefone. Malfoy ficou com a boca entreaberta, pronto para responder, mas nem mesmo ele sabia quais eram as palavras que pretendia proferir. Será que ele estava disposto a arriscar? Aquele era um jogo perigoso, mas havia realmente a possibilidade de não jogar? No fundo, ele sabia que não. Sabia que não podia ignorar aqueles telefonemas, ignorar todas as pistas. Era uma presa fácil e tinha consciência disso, mas não podia evitar. Precisava descobrir. Precisava encontrá-la. Nem que fosse apenas para descobrir um bando de ossos no lugar do que um dia fora sua bela mulher. Precisava vê-la uma última vez. Nem que fosse apenas para dizer o derradeiro adeus.





Na manhã seguinte, Malfoy não perdeu tempo. Antes que qualquer surpresa desagradável pudesse detê-lo, ele se arrumou, tomou o café da manhã, rabiscou uma coruja para Anne, avisando que ele provavelmente não estaria no escritório até o final da tarde, e saiu de casa. Tinha uma idéia clara do que precisava fazer e, para começar, dirigiu-se para o ponto de chaves de portais. Precisava pegar uma para Edimburgo de novo e aparatar seria perigoso por causa da grande distância.

Chegando lá, primeiro procurou a polícia local para saber se havia notícias sobre o corpo desaparecido. Como era de se esperar, as fitas de segurança não deram em nada. O cadáver simplesmente desaparecera do nada. Obviamente, havia magia envolvida, mas até eles descobrirem o responsável, não havia muito a se fazer. Depois de ouvir essas notícias desagradáveis - mas não exatamente inesperadas -, Malfoy pegou outra chave de portal e alugou um carro para fazer finalmente o que tivera a intenção de fazer no dia anterior: visitar a cidadezinha perto da fazenda de Erick McDermontt. Ele realmente gostaria de encontrar o homem que descobrira o corpo.

O lugar ficava a uns vinte quilômetros da fazenda e, dessa vez, ele não teve dificuldades em chegar lá. Era uma cidade realmente pequena, bem de interior, com um pequeno ambulatório, uma delegacia de polícia, uma escola, algumas lojas - a maioria relacionada com a criação de ovelhas -, uma pousada e uns dois ou três restaurantes. A maioria dos moradores dirigia caminhonetes, veículos mais adequados para o campo, então Draco logo chamou atenção chegando em um conversível preto, com seu terno azul-marinho impecável, sua gravata listrada e seus óculos escuros. Ele estacionou perto da delegacia e saiu carregando uma pasta com a cópia do relatório do legista. Tudo sobre ele parecia gritar: “eu trabalho para o governo” e, de certa forma, ele gostava do respeito que isso impunha. Ele era, afinal de contas, um Malfoy, ainda que - para sua imensa insatisfação - estivesse disfarçado de trouxa.

Saiu do carro, guardando os óculos no bolso. O dia estava claro, com o sol brilhando forte. Um dia feito para as crianças aproveitarem. Draco viu de relance algumas delas brincando na praça, mas tratou de entrar logo no prédio da delegacia sem perder tempo. As lembranças dolorosas pareciam persegui-lo onde quer que ele fosse.

Do lado de dentro, tudo estava silencioso. Ele encontrou um oficial tranqüilamente lendo o jornal no balcão de atendimento. Havia uma porta que levava a outra sala - a porta tinha um quadrado de vidro que permitia ver o interior - onde um outro homem, também de uniforme, estava sentado em uma escrivaninha, escrevendo algo. Não havia mais nenhuma pessoa à vista. Draco realmente desejava que eles tivessem assim tão pouco trabalho no Departamento.

Quando aproximou-se do balcão, o oficial que lia o jornal levantou os olhos para encará-lo e não pareceu surpreso ao vê-lo:

- Ah, você está aqui por causa da mulher na árvore, não?

- Como você sabe?

- Nós não temos muitos casos interessantes para investigar. Você é jornalista? Não, porque se for...

- Eu não sou jornalista - Draco o interrompeu - Eu trabalho para o governo - ele completou, mostrando seu distintivo. Dessa vez, o oficial pareceu surpreso.

- Bom, então a coisa é séria...

- Eu poderia falar com o detetive encarregado do caso, por favor? - o outro riu diante da pergunta.

- Nós não temos assim tantos detetives. Mas você pode falar com o delegado. Ele é que é o ‘detetive encarregado’ de todos os casos por aqui - o oficial respondeu em tom divertido, enquanto saía de trás do balcão e batia na porta da sala - Senhor - ele falou quando o outro veio atender - este homem trabalha para o governo...

- O meu nome é Draco Malfoy - Draco interrompeu, estendendo a mão - e eu estou investigando o caso da mulher encontrada dentro da árvore na fazenda de Erick McDermontt.

- Sim, claro. Não haveria mesmo nenhum outro caso que valesse a pena todo o deslocamento para investigar por aqui. Por favor, entre - completou, dando espaço para que Malfoy passasse pela porta.

- Eu já conversei com o legista em Edimburgo - Draco falou sem perder tempo, assim que se sentou diante da escrivaninha - e ele me deu uma cópia do relatório da autópsia, mas eu preciso agora de algumas outras informações.

- Você já esteve no local? Eu posso levá-lo até lá...

- Não, eu já visitei a fazenda ontem. Não será necessário ir novamente. Pelo menos não por enquanto. Mas eu tenho algumas perguntas - ele completou, pegando um lápis para fazer anotações em seu bloco de papel.

- Fique à vontade.

- Você foi o responsável pelo caso?

- Sim. Quer dizer, vieram dois investigadores de Edimburgo e foram eles que levaram o corpo para o exame, bem como as outras evidências... Nós não temos a estrutura para fazer esses testes aqui, mas eu fui o primeiro oficial na cena do crime. Realmente, nunca vi nada do gênero antes. Não me admira que o velho Erick tenha ficado tão perturbado...

- Perturbado?

- Sim, você não sabia?

- Obviamente, não.

- Bom, desde que encontrou o corpo, ele nunca mais foi o mesmo. Está internado agora em um sanatório.

- Ele ficou maluco? - Draco perguntou surpreso.

- Eu tenho certeza que os médicos devem usar algum termo técnico elaborado para descrever, mas no fim, acho que ‘ficou maluco’ é a melhor expressão para o caso mesmo. Ele não fala mais coisa com coisa.

- Em algum momento, ele chegou a ser considerado um suspeito pelo crime?

- Bem, ele sempre foi considerado meio estranho aqui na cidade... especialmente depois que a tal árvore cresceu do dia pra noite bem no meio da propriedade dele, mas um assassino? Não, não acho que Erick seria capaz... Para falar a verdade, eu ainda tenho dificuldade em acreditar que aquela coisa horrível foi feita pela mão de um homem...

- Como assim?

- Parece coisa do demônio... você sabe - o outro continuou desconfortável diante do olhar penetrante de Malfoy - ... bruxaria... coisa de gente realmente má... - Draco teve que se controlar para não dizer nada. Era demais ter que ouvir um maldito trouxa falando daquela forma sobre algo que ele simplesmente era ignorante demais para compreender.

- Vocês não tiveram nenhum caso de desaparecimento por aqui na época que a árvore cresceu, tiveram? - ele falou com a expressão controlada, preferindo ignorar o último comentário.

- Não, não tivemos. Não conseguimos de jeito nenhum identificar a mulher. Ninguém a conhece, ou melhor, conhecia.

- Eu não pude deixar de notar que apesar da fazenda estar vazia, ela ainda está sendo cuidada.

- Sim. É o menino Thomas. Ele costumava trabalhar para o Erick antes de tudo e hoje em dia ainda é a única pessoa que tem coragem de entrar naquele lugar. Ele tem mantido as coisas em ordem.

- Um menino?

- Bom, ele já deve ter uns 15, 16 anos. É a força do hábito que me obriga a chamá-lo de menino.

- Você sabe onde ele está agora?

- Deve estar em casa, com a mãe. Por quê?

- Eu gostaria de falar com ele. Será que nós podemos fazer uma pequena visita?

- Sim, claro. Vamos lá - o delegado respondeu, levantando-se da cadeira e pegando seu chapéu no cabide. Draco o seguiu.





A casa do ‘menino Thomas’ não ficava longe da delegacia. Para falar a verdade, Draco não achava que nenhuma casa do lugar ficava longe da delegacia. Uns vinte minutos andando e você provavelmente conseguiria atravessar a cidade toda de ponta a ponta. Pelo caminho, ele não pôde deixar de notar todas as pessoas que o encaravam surpresas ou curiosas. Com certeza, ele seria motivo de conversa por ali durante alguns dias. Não pôde deixar de notar também que o delegado parecia conhecer todos que cruzaram com eles na rua pelo nome. Sem dúvida, ele era uma boa fonte de informação sobre a vida daquela gente.

Eles pararam diante de uma porta de madeira clara, em uma casa branca. Era pequena, mas o jardim estava muito bem cuidado. O delegado tocou a campainha e logo uma mulher veio atender. Ela estava usando um avental de cozinha - provavelmente fazia o almoço - e tinha os cabelos claros e as feições agradáveis. Não era uma mulher velha. Devia ter uns trinta e poucos anos. Com certeza, menos de quarenta.

- Bom dia, Sra. McNeil.

- Bom dia, delegado - a mulher respondeu com um olhar interrogativo - A que devo a visita?

- Este é Draco Malfoy - o outro respondeu - e ele trabalha para o governo. Está investigando o caso da árvore.

- Sim, claro.

- Se não for incômodo, nós gostaríamos de trocar uma palavrinha com Tom.

- Não, claro que não. Por favor, entrem - ela respondeu, deixando-os passar. Draco agradeceu mentalmente ao delegado por fazer todas as gentilezas que a situação pedia. Se havia uma coisa que ele odiava era ter que perder tempo fingindo ser educado quando, por dentro, mal podia esperar para conseguir o que queria - Vocês podem esperar na sala - ela falou, apontando para uma porta - Eu vou chamar o Thomas.

Os dois entraram e sentaram no sofá, esperando. Não demorou muito, contudo, e o garoto apareceu na porta. Ele lembrava bastante a mãe, com o cabelo claro também. Era alto e forte para quinze anos, mas sua expressão era de um menino.

- Oi, delegado - ele falou assim que entrou e virou-se para Draco.

- Draco Malfoy - o outro disse, estendendo a mão e fazendo sinal para Thomas se sentar.

- Thomas McNeil - ele respondeu, apertando a mão estendida - A minha mãe falou que vocês queriam conversar comigo sobre o caso da fazenda do Sr. McDermontt.

- Sim, Thomas - Draco respondeu - Eu estou investigando o assassinato e o delegado me disse que você costumava trabalhar para o dono da fazenda.

- Sim, desde que eu tinha doze anos.

- Alguma vez notou algo estranho lá?

- Bom, eu não sei... Sem dúvida a história da árvore era estranha e, bom, de vez em quando nós sentíamos coisas estranhas, mas fora isso...

- Sentiam coisas estranhas?

- É - o garoto parecia desconfortável - como arrepios ou calafrios ou a sensação de que havia alguém nos observando, coisas do gênero. A maioria das pessoas achava que a fazenda era mal assombrada.

- E mesmo assim você quis trabalhar lá?

- Bom, eu gostava do Sr. McDermontt. Ele tinha boas histórias e era paciente. Não era um homem mau. Você não acha que foi ele que matou a mulher, acha? - Thomas parecia simplesmente horrorizado com a idéia.

- Não, eu não acho. Apenas gostaria de determinar se havia algum tipo de padrão nas coisas que aconteciam na fazenda.

- Padrão? Não, eu acho que não... eu costumava achar que era só imaginação fértil, mas agora...

- Você não tem tanta certeza?

- Não, não tenho.

- Já foi visitar o Sr. McDermontt no sanatório?

- Não. Eu queria ir, mas minha mãe não deixou. Ela disse que eu era novo demais para ir num lugar assim.

- Muito bem, então - Draco concluiu - acho que é só isso que eu tenho para perguntar por ora. Qualquer coisa, eu volto.

- Com certeza. Sempre que eu puder ajudar - o garoto falou. Ele realmente parecia sincero.

O delegado e Malfoy se despediram, então, e saíram da casa.

- Você vai voltar para a delegacia? - o outro perguntou.

- Não. Na realidade, eu preciso falar com Erick McDermontt.

- Tem certeza? Não acho que ele vai ser de grande ajuda.

- Isso eu não vou descobrir sem tentar, vou? - Draco perguntou um pouco impaciente. Ainda não tinha esquecido o comentário do outro sobre bruxarias.

- Bom, nesse caso eu posso lhe dizer como chegar lá. Não fica tão longe. Apenas uns oitenta quilômetros distante.

- Ótimo - Draco respondeu, enquanto fazia o caminho de volta até o carro. Estava determinado a esgotar de uma vez todas as informações que ele poderia obter por ali. Não queria ter que voltar depois de novo àquele fim de mundo.





O sanatório era realmente grande. Um prédio antigo maior do que ele esperava. Antigamente, costumava servir como casa de tratamento para tuberculosos, mas agora funcionava como hospital psiquiátrico. Draco logo notou que era administrado por freiras católicas. Havia uma delas na recepção. Ele se identificou e a moça não pareceu muito surpresa. Com certeza, elas sabiam das circunstâncias em que Erick McDermontt fora levado ali.

Ele precisou esperar um pouco na sala de espera até que uma médica viesse vê-lo.

- Boa tarde, Sr. Malfoy - ela disse assim que se aproximou - Eu sou a Dra. Jenkins.

- Você é a médica responsável por Erick McDermontt?

- Sim, sou.

- Eu gostaria de falar com ele.

- Hoje não é um dia regular de visitas...

- E eu não sou um visitante regular - Malfoy a cortou impaciente - Eu estou investigando um assassinato. Você gostaria de uma acusação por obstrução da justiça?

- Não será preciso tanto - a médica respondeu contrariada - De qualquer forma, eu não vejo como uma conversa com ele poderá ser de grande auxílio...

- Isso cabe a mim decidir. Não a você.

- Ele não está muito coerente no momento - ela completou, ignorando o último comentário de Draco.

- Que doença afinal de contas ele tem?

- Nós não sabemos ao certo.

- Vocês não sabem ao certo? - Malfoy perguntou, levantando as sobrancelhas. Realmente era um milagre que esses trouxas conseguissem curar até um resfriado com médicos tão incompetentes.

- Bom, nós acreditamos que ele esteja sofrendo de algum tipo de estresse pós-traumático ou algo do gênero. Não há motivos clínicos para os sintomas que ele exibe, nem histórico de doenças mentais na família dele. De qualquer forma, uma doença mental como a esquizofrenia, por exemplo, dificilmente demoraria tanto tempo para se manifestar. Ele já teria apresentado sintomas anteriormente.

- E ele não tinha?

- Não. Pelo que nós pudemos averiguar, ele era um homem perfeitamente são até bem pouco tempo.

- Você quer dizer: até encontrar o corpo na árvore?

- Sim, esse foi o evento que iniciou a crise.

- Ele vai falar comigo?

- Bom, eu não sei. Mas, mesmo que ele fale, não espere muita cooperação - ela completou - Siga-me. Eu vou levá-lo até o Sr. McDermontt.

Draco a acompanhou por um corredor largo e bem iluminado. Eventualmente, um ou outro paciente cruzava com eles, passando com uma enfermeira. O lugar estava bastante silencioso. No final do corredor, a médica parou diante de uma porta trancada. Ela levantou o trinco e disse para Malfoy:

- Esse é o quarto dele. Você pode entrar. Boa sorte - completou, dando espaço para Draco passar.

O quarto era pequeno, mas claro e arejado. Tinha uma grande janela com grades, uma cama e uma pequena mesa com duas cadeiras. À primeira vista, Draco pensou que o aposento estivesse vazio e já ia se virar para perguntar à médica se aquilo era a idéia dela de uma brincadeira de mau gosto quando notou a figura encolhida em um canto, contra a parede. O homem parecia tão absorto, com o olhar perdido e os joelhos encolhidos, que não dava sinal de ter percebido a entrada de ninguém no quarto. Draco se aproximou, então, vagarosamente e se ajoelhou diante do outro.

- Erick - ele chamou, mas o homem não pareceu perceber. Continuou no seu estado de apatia - Erick - Draco tentou de novo, mas não recebeu resposta. Aquilo era frustrante - Erick, eu quero falar com você sobre a mulher - ao ouvir isso, ele pareceu conseguir focar um pouco melhor o seu olhar - A mulher que você encontrou na sua fazenda.

- Não, não! - McDermontt falou subitamente, tapando os ouvidos com as mãos - Eu não quero falar sobre isso! Eu não quero falar sobre isso!

- Mas eu preciso que você fale. Eu quero descobrir o que aconteceu com ela. Você não quer me ajudar a descobrir? A prender quem a matou?

- Você não entende! Você não entende! - o outro respondeu, nervoso, sem destapar os ouvidos.

- O que eu não entendo, Erick? Você precisa me ajudar.

- Você não pode prendê-lo! Não pode prendê-lo!

- Por que não? - Draco perguntou com cuidado.

- Você não pode prender o demônio! Não pode prender o demônio! - o outro respondeu, segurando Malfoy pelos ombros e olhando em seus olhos - Foi ele que a matou! Foi ele!

- O demônio?

- Sim, o demônio - Erick respondeu, levantando-se e começando a andar de um lado para o outro - Ele a levou. Ele a matou. Ela era tão linda... Ela apareceu no meu sonho, entende? - perguntou, virando-se para Draco um instante e depois recomeçando a andar - Ele a pegou e ele vai me pegar também... Eu vai pegar todo mundo... Você não entende! Você não entende! Ele vai nos matar a todos! A TODOS!

- Calma, Erick, calma. O demônio não vai te alcançar aqui.

- É claro que vai! - o outro respondeu com uma gargalhada - Ele pode me alcançar em qualquer lugar. Ele plantou aquela árvore na minha casa. Ele a matou! Ele a matou! E ele quer matar todo mundo! Ele vai matar todo mundo! Você não entende! Não entende!

- Erick - Draco falou, segurando o velho pelos ombros e fazendo-o parar - Eu vou entender se você me explicar. Você pode fazer isso? Me explicar o que aconteceu? - o outro pareceu se concentrar melhor por alguns instantes.

- Eu não sei o que aconteceu.

- Você não sabe?

- Eu só sei que ele a pegou.

- O demônio?

- É, o demônio. Ele roubou a alma dela e depois a matou. Ele quer roubar mais almas. Ele precisa roubar mais almas. Você não entende? Ele vai matar todo mundo...

- E ele precisa roubar almas para matar todo mundo?

- Ele precisa roubar almas para poder vir ao mundo. Ele não está no mundo agora, mas para matar ele precisa vir ao mundo... E ele vai matar todo mundo... Ele quer matar todo mundo... Você não entende, você não entende... - Erick completou, começando a andar de um lado para o outro de novo - Ele não é trouxa, o demônio... Não, ele não é... Mas ele quer matar todo o mundo... todos os trouxas...

- Como é que é??? - Draco perguntou, surpreso - Ele quer matar todos o quê???

- Todos os trouxas todos os trouxas todos os trouxas todos os trouxas... você não entende... ela era a dama de ouros e ele a matou... ele a matou a matou a matou! Ele vai matar todo mundo! Ele vai matar todo mundo! Ele vai matar todo mundo! NÃO!!!! - Erick gritou subitamente, curvando-se e tapando de novo os ouvidos com as mãos - Não! Eu não quero ouvir! Faça ele parar! Faça ele parar!!! Por favor! Fala ele parar!!!

- Erick - Malfoy falou o mais suavemente que pôde, aproximando-se do homem.

- Faça ele parar! Faça ele parar! - McDermontt o surpreendeu, agarrando-o desesperado.

- Eu faço - Draco murmurou - Eu faço.

- Por favor! Por favor! - o outro implorou, deixando-se cair no chão, chorando compulsivamente - Por favor! Por favor!...

Malfoy se abaixou perto dele e, certificando-se de que não havia ninguém olhando pela janela da porta, retirou um pequeno frasco do bolso.

- Erick, olhe para mim - o velho se virou, ainda chorando - Sempre que ‘ele’ estiver te incomodando, beba um pequeno gole disso - e entregou a ele o frasco - e você vai poder dormir.

- Mas ele fala nos meus sonhos... você não entende...

- Se você beber desse frasco, ele não vai falar. Eu prometo. Está bem?

- Está bem. Está bem - o outro respondeu, acalmando-se - Está bem está bem... - ele continuou repetindo enquanto Draco se levantava e saía do quarto. Do lado de fora, encontrou a médica esperando.

- Então, ele foi de alguma ajuda? - ela perguntou.

- Sim - ele respondeu - Mais do que você pensa - e estava dizendo a verdade. A mulher não tinha como saber, mas ele já vira aquele tipo de demência antes. E sabia o que era capaz de causá-la: magia muito poderosa. Uma magia tão poderosa que a mente daquele velho trouxa não fora capaz de assimilar ou de compreender e enlouquecera. Mas não enlouquecera completamente. Draco seria tolo de descartar tudo o que o homem falara. Ainda mais quando ele mencionara a palavra ‘trouxas’. Era mais provável que ele soubesse, em algum nível, da verdade, mas simplesmente não conseguisse compreender e não conseguisse articular.

Se Draco estava preocupado antes de chegar ali, quando saiu estava preocupado em dobro. Parecia que aquele caso se tornava mais obscuro a cada nova descoberta, ao invés de ir se tornando mais claro. Naquele dia, enquanto entrava de novo no carro e começava a dirigir de volta, ele estava se sentindo com a alma pesada. Precisava descobrir o que estava acontecendo e logo, mas não sabia o que fazer. O corpo fora roubado, a mulher não havia sido identificada e o homem que a encontrara estava louco. As únicas evidências que ele tinha eram um pedaço de vidro e um pouco de areia e, mesmo assim, ele não sabia se elas seriam úteis de alguma forma. Ele estava em um beco sem saída.

Voltou para Edimburgo e, de lá, para Londres. Quando chegou na cidade, já estava no fim da tarde e Draco estava exausto. Passou rápido no escritório, como dissera a Anne que faria só para saber como as coisas tinham corrido, se havia algum caso importante ou alguma pista em casos antigos, mas não. Estava tudo tranqüilo. O dia fora calmo e sem incidentes. Assim que se assegurou de que tudo estava bem, foi para casa. Estava se sentindo cansado tanto física quanto mentalmente. E, mais do que isso, estava se sentindo frustrado, sem pistas ou caminhos a seguir.

Quando finalmente aparatou para casa, a exaustão acabou sendo responsável por algo que não acontecia desde que ele tirara sua licença: o invés de aparatar dentro de casa, como fazia sempre, Draco acabou aparatando do lado de fora, no corredor. Xingou-se mentalmente pelo erro, mas estava cansado demais até para ficar com raiva. Apenas procurou nos bolsos as chaves e, quando não as encontrou, puxou a varinha e murmurou ‘alohomora’. A porta abriu-se na sua frente e ele entrou, fechando-a em seguida. Tirou as vestes e o paletó e os deixou cair sobre a cadeira, desanimado. Foi quando ele a notou. Estava caída no chão, virada para cima, perto da porta, como se alguém a tivesse empurrado pelo vão entre a porta e o chão: uma carta de baralho. Draco se aproximou curioso e a pegou entre os dedos: era uma dama de ouros. Imediatamente, as palavras de Erick voltaram à sua mente: “... ela era a dama de ouros e ele a matou...”. Intrigado, Malfoy virou a carta e, no verso, em letras pequenas, ele leu um nome: Lindsey Morgan.

- Ela era a dama de ouros e ele a matou - Draco repetiu, em voz baixa, finalmente compreendendo - Ele a matou.

Então, levantando-se ainda com a carta na mão, Malfoy pegou um pouco de pó-de-flu e jogou na lareira. De súbito, ele sabia exatamente o que precisava fazer. Seu caminho, até há pouco misterioso, estava agora surpreendentemente claro. Surpreendentemente claro.

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