Quo Vadis?
Capítulo 2: Quo Vadis?
O dia estava claro. O sol brilhava, iluminando as planícies verdes. John Matthews havia ido a uma das fazendas próximas para visitar uma paciente grávida. Ele era médico e trabalhava no hospital da maior cidade da região. Não que isso fosse dizer muito, na realidade. Harmony Springs era um lugar pequeno em comparação com a capital ou com qualquer grande metrópole. Menos de dez mil habitantes, nenhuma grande indústria. Um lugar tranqüilo. John não nascera ali. Ele nascera e fora criado na Inglaterra, em Londres, mas estava cansado da violência dos grandes centros. Estava cansado de tratar pacientes que não tinham chance alguma no mundo do lado de fora, então resolvera procurar refúgio naquele pequeno cantinho, abençoado por Deus. Sabia que a maioria das pessoas não compartilhava dessa visão: achava o lugar tedioso e não acreditava como ele fora capaz de abandonar o que seria uma carreira de sucesso em Londres para viver ali, no meio de criadores de ovelhas, tratando casos banais e pouco interessantes. John não se importava. Ele adorava aquilo tudo.
Adorara visitar seus pacientes em suas casas, adorava trazer bebês ao mundo, adorava cuidar dos pais e dos filhos e de todas as pessoas em uma mesma família. Para ele, isso era verdadeira medicina: não cortar para curar, mas conversar e realmente conhecer as pessoas, tratá-las por inteiro. Ele era um homem feliz. Amava seu trabalho, tinha uma pequena casa com cercas brancas e um balanço onde um dia seus filhos poderiam brincar e uma noiva que era simplesmente maravilhosa. Sob todos os aspectos, ele era um homem feliz.
Naquele dia em particular, vinha dirigindo alegremente. Fora na noite anterior apenas que ele pedira sua namorada já de cinco anos em casamento. E ela aceitara! Não havia nada no mundo que pudesse estragar sua felicidade depois disso. Já podia até imaginar os seus filhos brincando naqueles campos, andando, correndo, falando. Não queria esperar muito para ter as crianças e, com um pouquinho de sorte, conseguiria convencer Emily. Sem querer, ele começou a assoviar. Estava tão feliz que sequer percebeu.
Mais alguns quilômetros na estrada e ele se deparou com um carro parado no acostamento. Era um carro caro e novo, diferente do tipo de carro que costumava aparecer por ali. Curioso, John diminuiu a velocidade até parar ao lado do carro estranho. Fora dele, havia um homem louro, alto, vestindo um terno cinza escuro. Algo na aparência dele dizia a John que aquele não era um homem que você facilmente encontraria daquele jeito: com o cabelo meio desgrenhado, a roupa amassada, suando e chutando a roda de um automóvel enquanto dizia impropérios parado no meio de uma estrada. John não conseguiu suprimir um sorriso.
- O carro quebrou? - perguntou prestativo. Naquele lugar, as pessoas ainda costumavam se ajudar.
Draco desdobrou o mapa sobre o banco do carona. Era oficial agora: ele estava perdido. “Eu nunca deveria ter saído da droga da estrada principal!”, exclamou, passando a mão pelo cabelo. Já eram três horas da tarde e ele estava no meio de lugar algum, perdido em algum canto da Escócia. Fechando os olhos, ele deixou a cabeça cair sobre o volante. Nada estava dando certo naquele dia.
Tudo começara logo pela manhã. Ele tinha toda a intenção do mundo de chamar Anne via flu e mandá-la contactar a polícia trouxa para saber onde o corpo da mulher encontrada na árvore estava e preparar a autorização com o governo trouxa para que ele pudesse transferir o cadáver. Queria que um patologista bruxo o examinasse procurando traços de magia. Enquanto Anne preparava tudo isso, ele poderia pegar uma chave de portal para Edimburgo e contactar o escritório do Departamento de Pessoas Desaparecidas de lá pessoalmente. A ajuda deles seria muito importante naquele caso. E Anne poderia mandar tudo que conseguisse via coruja ou via flu para ele. Com a sorte de Draco, contudo, nada saíra como planejado.
Logo que acordara, ele tomara seu banho e se vestira. Estava para nascer o dia em que Draco Malfoy falaria com sua secretária ou com qualquer outra pessoa usando roupão, ou pior: apenas a toalha ao redor da cintura. Isso seria um absurdo; afinal de contas, um Malfoy está sempre composto e preparado. Assim que se aprontou, contudo, mas antes que pudesse chamar Anne, ele foi subitamente convocado na lareira por um dos seus investigadores:
- Senhor - falou Jones. Ele era um dos agentes mais experientes que Draco possuía - nós temos uma emergência.
- O que é? - ele perguntou de má vontade. Coisas desse tipo só aconteciam quando ele realmente estava com pressa.
- Nós temos um grande caso...
- Essa parte eu já entendi, Jones. Que outro motivo você teria pra me chamar a uma hora dessas? Será que dá pra você ser mais específico agora?
- É a filha de Sirius Black, senhor. Ela está desaparecida.
- O quê? - Draco quase engasgou com a própria saliva - A filha de Sirius Black? - era só o que faltava!
- Sim, senhor.
- Quando ela foi vista pela última vez?
- Ontem, por volta das dez da noite, quando seus pais a colocaram para dormir. Há uma hora, a mãe foi acordá-la e ela não estava na cama, nem em nenhum outro lugar da casa.
- Onde você está agora?
- Estou na casa dos Black ainda.
- Muito bem - Draco falou - Eu estarei aí em alguns minutos.
- Sim, senhor - Jones respondeu, sumindo da lareira. Sem perder nenhum segundo, Malfoy pegou um punhado de pó-de-flu e jogou no fogo, chamando Anne.
- Bom dia - a mulher falou, aparecendo vestida ainda em um roupão rosa.
- Anne, nós vamos ter um dia cheio hoje. Eu preciso que você vá para o escritório imediatamente. Quero que fale com a polícia trouxa para descobrir onde o corpo desta mulher está - ele disse, entregando-lhe o recorte de jornal e o retrato - Eu também vou precisar de autorização para transferir o corpo. Eu quero trazê-lo aqui para Londres - ele disse. Depois, mudando de idéia - Não, não. Esqueça isso. Eu quero que ele seja examinado em Edimburgo mesmo - completou. Sabia que, uma vez que o corpo estivesse em Londres, seria impossível mantê-lo em segredo.
- Está bem, senhor.
- Assim que você conseguir, Anne, quero que me mande uma coruja com tudo, incluindo esse recorte e esse retrato que eu acabei de te dar, okay?
- Sim. É por isso que o dia vai ser cheio? - ela perguntou, confusa.
- Não. O dia vai ser cheio porque a filha de Sirius Black desapareceu. Com certeza, a coisa vai ser um circo. Prepare-se para ter que responder a várias corujas de jornalistas.
- E o que eu devo dizer?
- O de sempre, Anne: é muito cedo para fazer qualquer declaração, nós estamos investigando, assim que soubermos o que aconteceu, diremos, blá-blá-blá. Estou indo para a casa dos Black agora. Não devo ir para o escritório em seguida. Tenho algo para investigar.
- Tem a ver com o corpo...?
- Anne, ouça bem: eu não quero que você comente com ninguém o que eu acabei de pedir, entendeu? - Draco perguntou sério.
- Sim, claro.
- Acho bom. E quanto para onde eu vou, é melhor você não saber pra não ficar tentada a falar quando alguém perguntar. Apenas diga que eu estou trabalhando.
- Mas, senhor... - a outra começou ofendida.
- Tchau, Anne. Eu não tenho tempo para isso - Malfoy a interrompeu. Precisava chegar à casa dos Black imediatamente.
Alguns instantes depois, ele havia aparatado direto na sala de estar. Jones estava por perto, segurando um pergaminho. Sirius estava sentado no sofá, ao lado de sua mulher. Draco sabia pouco sobre ela - apenas que era uma trouxa e isso era suficiente para que ele não quisesse saber mais nada. A mulher estava chorando. “Tão previsível”, ele pensou. Se havia algo com que ele se acostumara no trabalho eram as lágrimas. Especialmente das mulheres.
- Diga-me o que aconteceu aqui - Draco falou para Jones, quando o outro se aproximou.
- Bom, não há muito para se dizer. Não há indícios na casa. A lareira não foi usada para transportar ninguém, não há nenhum sinal de luta. Nada.
- E quanto à magia? - o outro perguntou, olhando na direção do sofá. Black o observava de soslaio, claramente contrariado.
- Os níveis não estão acima do normal para uma casa bruxa. Com certeza, nenhum feitiço extremamente poderoso foi feito aqui.
- Bilhete de resgate?
- Nada.
- Nenhuma pista?
- Não, nenhuma.
- Bom, então está na hora de falar com os pais, não é mesmo?
- Eles já foram interrogados. Não sabem de nada.
- Eu ainda não os interroguei, Jones - Malfoy falou categoricamente, ignorando o outro. Estava impaciente. Queria dar um jeito naquilo logo para poder fazer o que devia. Calmamente, então, caminhou até o sofá e se sentou de frente para Black e a mulher.
- Eu quero deixar claro - começou Sirius - que, fossem as circunstâncias diferentes, você nunca teria permissão para pôr os pés na minha casa - ele falou, sério, olhando para o outro.
- Acredite, eu não estou aqui porque quero - Draco disse, controlando-se para não explodir. Realmente não é algo muito esperto insultar logo a pessoa que deve encontrar sua filha perdida. É definitivamente algo que um grifinório imbecil faria.
- Nós já falamos tudo para o Jones. Não vimos nada.
- Você pode pensar em alguém que pudesse querer seqüestrá-la como vingança pessoal contra você?
- É claro que sim, mas com certeza, Malfoy, você conhece os nomes melhor do que eu, não é mesmo? Todos freqüentavam a sua casa.
- Os nomes que eu conheço, Black, estão em Azkaban.
- Tem certeza? - o outro perguntou com desprezo e desconfiança.
- Tenho - Draco respondeu sem mudar sua expressão - E quanto a vocês? - ele perguntou, internamente exultante por poder se vingar - O que vocês fizeram depois que a colocaram para dormir?
- Como assim o que nós fizemos? Nós fomos deitar também!
- Tem certeza?
- É claro que sim, seu...!
- Sirius, não...
- Não, Jules! Você ainda não percebeu o que ele está querendo insinuar?
- Eu não estou insinuando nada. A verdade é que, em casos desse tipo, os pais muitas vezes são suspeitos...
- Ah, seu... - Black levantou-se em um segundo e teria partido para cima de Draco se não fosse sua mulher segurá-lo.
- Não é hora nem local, Sirius!!! - ela falou. E, virando-se para Malfoy - Não me interessa o que é comum nesses casos! Nós nunca machucaríamos nossa filha!
- Eu não duvido disso, Sra. Black, mas eu não seria o melhor no que eu faço se eu não fizesse as perguntas difíceis - o outro respondeu - Com licença - e se afastou do homem irado e da mulher ainda um pouco chorosa muito satisfeito consigo mesmo. Afinal de contas, não era todo o dia que ele conseguia tirar um Sirius Black do sério. Naquele momento, Draco quase chegou a acreditar que a manhã que começara tão mal acabaria por melhorar. Como ele deveria ter imaginado, contudo, era cedo demais para fazer qualquer suposição.
- O perímetro está protegido, senhor - Jones falou para Draco umas três horas depois. Malfoy já estava ficando mais do que ansioso com aquilo tudo. Ele não deveria estar ali ainda, mas não havia opção. Um caso daqueles era importante demais para ele simplesmente ir embora. Deveria esperar até as coisas estarem pelo menos encaminhadas.
- Bom - respondeu sério. Mandara que fosse criado um perímetro ao redor da casa, protegido de forma que qualquer mágica realizada dentro dele por pessoas não autorizadas fosse automaticamente detectada. Além disso, qualquer tentativa de aparatar na região seria também automaticamente redirecionada para a sala de estar da casa, onde o contingente de agentes estava reunido - Eames já voltou com o localizador?
- Ele está a caminho - o outro respondeu. O localizador seria utilizado caso alguma coruja chegasse com um bilhete de resgate. Ele era uma espécie de amuleto e deveria ser inserido na pele da coruja para passar despercebido e, depois, permitir que o animal fosse localizado com um simples feitiço - E as fotos já começaram a ser distribuídas - era imprescindível que o rosto da menina fosse espalhado por todos os lugares bruxos possíveis. A melhor chance que eles tinham de encontrá-la era se alguém a avistasse na rua e os avisasse.
- Os primeiros repórteres já chegaram? - Draco perguntou, já imaginando a resposta.
- Sim. Eles estão logo no final do perímetro de segurança.
- Não deixe que eles o ultrapassem, Jones.
- Claro que não. Eles vão ficar bem quietinhos onde estão.
- É incrível - Malfoy comentou, indo até a janela para ver o movimento do lado de fora - Nós mesmos só ficamos sabendo há pouco tempo e eles já chegaram. Bando de abutres!
- Bom, o senhor pretende fazer alguma declaração para eles?
- E dizer o quê? Que nós não sabemos de merda nenhuma?
- Dizer que nós estamos trabalhando, que há investigadores atrás dela...
- Eu não vou dizer nada. Pelo menos não até nós termos uma idéia mais clara do que houve. E, se eu não falo com eles, ninguém mais fala, está claro?
- Sim.
- Bom - Draco respondeu carrancudo, virando-se de novo para a janela.
- Senhor! Senhor! - ele ouviu a voz excitada de um dos investigadores mais novos - Uma coruja! - todos os olhos se voltaram para ele ansiosos. Black e a mulher levantaram-se, subitamente renovados. Malfoy, contudo, passou os olhos pela coruja e interrompeu o entusiasmo generalizado, lançando um olhar reprovador ao jovem agente.
- É uma coruja do departamento. Eu estava esperando por ela - falou Draco, estendo a mão na direção do animal, que carregava um grande envelope pardo e um menor, branco. Black e a mulher sentaram-se de novo, decepcionados e, mesmo contra sua vontade, Malfoy acabou sentindo um pouco de compaixão por eles. Mal ou bem, ele sabia o que era aquilo: aquela ausência de notícias que tanto poderia significar algo bom quanto algo terrível, o medo, a esperança. Ele não desejava aquilo nem mesmo para Sirius Black.
Afastando esses pensamentos ruins da mente, contudo, Draco se forçou a abrir o pequeno envelope que continha a letra da sua secretária. Ela demorara mais do que ele imaginara para escrever. Provavelmente os jornalistas estavam dando-lhe trabalho. O bilhete dizia que o corpo da mulher fora levado para Edimburgo para ser examinado por especialistas. Também dizia que, no envelope pardo, Draco encontraria as autorizações necessárias para transferir o cadáver para as instalações locais da polícia bruxa, bem como a reconstituição do rosto da mulher e o recorte do jornal. Agora que tinha tudo o que precisava, ele olhou ao redor mais decidido. Não podia ficar ali quando sabia que precisava ir para a Escócia desvendar o segredo daquela mulher. Estava prestes a chamar Jones e deixar o comando da situação nas mãos dele quando seus pensamentos foram subitamente interrompidos por uma voz, dessa vez, a voz do próprio Black.
- Outra coruja! - ele exclamou ansioso, apontando para um animal na janela. O primeiro impulso dele foi correr para pegar a carta que a coruja trazia, o que seria extremamente descuidado. Quem sabe que tipo de feitiço ou poção ela poderia conter? Feliz por contrariá-lo, então, Draco o impediu:
- Acalme-se, Black! Esse é o nosso trabalho! - ele exclamou, empurrando Sirius para trás. O outro ainda tentou impor alguma resistência, mas Malfoy o interrompeu de novo - A carta pode estar enfeitiçada, não pode??? Você quer encontrar a sua filha ou morrer no processo? - isso aparentemente fez Black se acalmar um pouco.
A coruja continuava empoleirada no parapeito, silenciosa e solene. Era cinza e grande, um belo espécime. Cuidadosamente, Jones se aproximou dela, usando grossas luvas protetoras, feitas com couro de dragão. Ele soltou o envelope da pata do animal, enquanto um outro agente o segurava, para que ele não pudesse voar. Todos na sala observavam atentamente.
Jones levou a carta para fora da casa e foi seguido por dois outros investigadores. Eles iriam testá-la para detectar feitiços hostis e poções maléficas. Draco mesmo já fizera isso muitas vezes no passado, mas agora deixava essa tarefa arriscada para os seus subordinados. Assim que eles saíram da casa, Malfoy se virou para o investigador que estava com a coruja:
- Logo que Eames chegar, quero que vocês coloquem o localizador nela e a soltem - e se virou de novo, para encarar a porta.
- Senhor, acho que isso não será possível...
- Como assim não? - Draco se voltou, já irritado.
- É que, bem, a coruja está morta - o agente respondeu, estendendo o animal.
Draco se aproximou intrigado para conferir. Era verdade. Ela não respirava mais. Isso era tudo o que faltava! Agora, nem mesmo usar o localizador seria possível.
- Como?... - interrompeu Black, se aproximando.
- Provavelmente uma poção - Malfoy respondeu sério - Quem quer que tenha mandado a carta, sabia que nós tentaríamos usar a coruja para localizá-lo.
- Meu Deus! - Black exclamou. Seu tom de voz deixava claro o que ele estava pensando: ele havia finalmente entendido qual era o tipo de pessoa que mantinha sua filha. E estava em pânico. Draco conhecia a sensação, mas estava além dele dizer qualquer coisa para fazer o outro se sentir melhor. Isso era um trabalho para o Potter ou para algum outro dos amigos dele. Sem dizer mais nada, então, Malfoy se afastou e saiu da sala, indo procurar Jones do lado de fora.
- E então? - perguntou ao notar que o outro já segurava a carta sem as luvas.
- Não há nenhum feitiço, nenhuma magia, nada.
- Deixe-me dar uma olhada - Draco pediu, estendendo a mão. A carta estava toda escrita com letras recortadas do Profeta. “Que clichê!”, ele pensou, mas ainda assim era uma maneira eficiente e difícil de ser rastreada - “Quer ver sua criança novamente?” - Malfoy leu em voz alta - “Deixe trinta mil galeões, às 22h, na segunda lata de lixo da Travessa do Tranco. Venha sozinho”.
- Parece que nós temos um caso simples de seqüestro nas mãos - Jones comentou, mas Draco estava intrigado com outra coisa:
- O bilhete não traz o nome de Black nem da mulher.
- Talvez o seqüestrador não tenha achado as letras certas.
- Talvez - o outro concordou, mas não conseguiu se livrar da sensação de que havia algo errado. O bilhete não era endereçado a ninguém em particular. Podia ser que o seqüestrador realmente estivesse com pressa... ou podia ser que ele não tivesse certeza de quem iria seqüestrar quando montou o bilhete - Jones - Draco falou, saindo do transe em que entrara, decidido. Não podia perder tempo com divagações - Nós temos uma situação simples de resgate. Eu quero que você prepare tudo: fale com os Black, consiga o dinheiro, prepare o local. Também quero que você envie esse bilhete para o Departamento pra ver se nós descobrimos de qual edição do Profeta nosso seqüestrador tirou as letras...
- O senhor não vai ficar?
- Não. Eu tenho algo muito importante para fazer, mas volto a tempo para a entrega do dinheiro, okay? Apenas prepare tudo na minha ausência.
- Certo, senhor.
- Nos vemos mais tarde, Jones - Malfoy completou, virando-se para ir embora. Passou pelo portão e se esquivou dos repórteres. Ele era autorizado, mas não queria aparatar dentro do perímetro de segurança para não causar alarmes desnecessários. Assim que se viu longe de todos, contudo, pegou a varinha a aparatou direto para o ponto de chaves de portal. Tinha que ir para a Escócia e não queria demorar nem mais um segundo.
Era isso que Draco deveria ter feito desde o início: deixar Jones cuidando de tudo enquanto ele fazia o que deveria fazer, mas não. Ele tinha que ficar envolvido com aquele caso, tinha que ter-se deixado atrasar. Agora, era tarde demais. Quando ele chegara em Edimburgo, tinha se dirigido imediatamente para o departamento da polícia bruxa local. Precisava falar com eles sobre o corpo, afinal, se ele não queria levar o cadáver para Londres, teria que deixá-lo ser examinado ali e, para isso, precisava da autorização dos investigadores locais. Não demorara muito para consegui-la, contudo. Apenas uma hora depois, saiu acompanhado de dois agentes em direção ao necrotério onde poderia encontrar a mulher. Eles iam como se fossem realmente investigadores trouxas, dirigindo um furgão apropriado para realizar a transferência do cadáver. Draco detestava aquilo. Cada minuto que passou naquele veículo, passou blasfemando mentalmente. A que ponto ele havia descido? Mas não havia outra opção. Ao menos não se ele queria realmente desvendar aquele mistério.
No necrotério, ele se identificou - usando as credenciais que o governo trouxa lhe dera. Havia algumas poucas pessoas no governo que sabiam sobre a existência dos bruxos. Isso era necessário, já que, eventualmente, ambos os ministérios precisavam colaborar, mas os bruxos faziam questão de escolher pessoas que não teriam credibilidade se, no futuro, quisessem denunciá-los, ou então, pessoas que tinham bruxos na família. Nenhuma precaução era considerada excessiva.
- Olha, realmente eu não estou surpreso por vocês tirarem essa caso de nós - falou o legista que examinara a mulher, enquanto pegava uma pasta com seu relatório e a entregava a Draco. Os dois estavam no seu escritório, porque Draco queria ver os relatórios e falar com o médico antes de ver o corpo.
- Por quê? - ele perguntou, abrindo os arquivos - Você encontrou algo estranho nela?
- Estranho? Eu não sei se essa é a melhor palavra para definir. Eu já faço esse trabalho há vinte anos e o assassinato dessa mulher foi com certeza um dos mais cruéis que eu já vi.
- Como ela morreu?
- Provavelmente hemorragia.
- Provavelmente? - Draco levantou uma das sobrancelhas.
- Eu encontrei vários sinais de ferimentos nela. O corpo foi extremamente bem preservado por causa de toda a areia, então, apesar da mulher estar morta há mais de 10 anos, eu consegui fazer um exame detalhado...
- Que tipo de ferimentos? - Draco interrompeu.
- Do tipo que sugere que ela foi bastante mal tratada antes de morrer. Eu achei um deslocamento de ombro, um osso do braço quebrado, numa fratura típica de autodefesa, e cortes nos braços e mãos também indicando autodefesa, e mais duas costelas quebradas.
- Ela foi espancada.
- Sim. As radiografias e as fotos estão anexadas ao arquivo.
- O que mais?
- O exame toxicológico revelou traços de algumas substâncias desconhecidas. Acho que ela deve ter sido dopada.
Draco passou os olhos pelas páginas do relatório, demorando-se diante de uma fotografia dela. Em vermelho, na testa da mulher, estava desenhado em linhas firmes um triângulo eqüilátero, exatamente como a reportagem dizia.
- Esse triângulo está desenhado com sangue? - perguntou.
- Não. É algum tipo de pigmento permanente, mas nós também não fomos capazes de identificá-lo. Não é nenhuma tinta conhecida.
- Algum significado especial para a figura?
- Isso é para você me dizer, não é mesmo? Eu só examino o corpo.
- Você disse que ela morreu de hemorragia, mas eu não estou vendo nenhum grande corte...
- Mas não foi um grande corte. Foi um pequeno e preciso, na artéria femoral. Ela também tem um corte reto no encontro do braço com o ante-braço, mas esse é secundário e já estava começando a cicatrizar quando ela morreu. Minha opinião é de que ela foi colocada dentro da árvore, sabe Deus como, ainda viva e lá, sangrou até a morte.
- Meu Deus.
- Bom, fica pior do que isso.
- Pior?
- Eu encontrei indícios de agressão sexual.
- O que fizeram com essa mulher?! - Draco meio exclamou, meio perguntou, assustado. Subitamente, não queria acreditar que aquele caso tivesse qualquer relação com o de Gina. Não podia ser verdade. “Eu juro que mato aquele imbecil do Creevey”, afirmou mentalmente. Teria dado qualquer coisa para tirar os pensamentos que agora invadiam sua cabeça.
- Bom, isso também é para você descobrir, não é mesmo? Eu falei que era um assassinato cruel.
- Sim, você falou. Vamos terminar com isso logo de uma vez. Onde está o corpo? - Draco perguntou, controlando-se. Precisava se concentrar na tarefa à sua frente.
- Está lá embaixo, na geladeira. É só me seguir...
Os dois saíram do escritório e encontraram os investigadores locais, que tinham ficado esperando do lado de fora. Depois, pegaram o elevador e desceram um andar. A ‘geladeira’ ficava no subsolo. Saindo do elevador, os quatro homens viraram à direita e seguiram por um curto corredor que terminava em uma grande porta de metal. O legista a abriu e deixou que eles entrassem. Em seguida, pegou uma prancheta que estava pendurada perto da porta e a consultou para saber em qual gaveta estava a mulher. Cuidadosamente, então, deu alguns passos na frente e estendeu a mão para uma das maçanetas. Draco engoliu em seco. O silêncio reinava e era como se cada movimento ocorresse em câmera lenta. Era simplesmente aterrorizante imaginar que o destino daquela mulher pudesse ser o mesmo de... não, ele balançou a cabeça. Não havia nenhum indício de que isso fosse verdade, repetiu para si mesmo. Não podia começar a tirar conclusões precipitadas.
Quando o legista abriu a gaveta, contudo, e puxou o que deveria ser o corpo, os quatro homens não puderam conter uma exclamação de surpresa.
- Meu Deus! Mas como...
- Tem certeza de que ela deveria estar aqui? - perguntou Draco furioso.
- Sim, claro...
- Certeza absoluta?
- Sim, certeza absoluta! - afirmou o legista com raiva, mas isso não mudava o fato de que, no momento, os quatro encaravam boquiabertos o vazio. O corpo sumira.
Eles reviraram o necrotério inteiro, mas não encontraram nada. Absolutamente nada. Draco deixara os outros dois lá, enquanto os trouxas examinavam as fitas das câmeras de segurança, mas duvidava que seria possível descobrir qualquer coisa: o corpo simplesmente desaparecera e só há uma maneira de se fazer isso: usando magia. Nenhum instrumento trouxa seria capaz de ajudá-los nesse caso.
Frustrado e furioso - a um nível que era até difícil de descrever - Draco pedira que o legista lhe dissesse exatamente onde o corpo fora encontrado. Se ele não podia examinar o cadáver, ao menos poderia dar uma olhada no local. O médico lhe dera um mapa e lhe indicara o caminho. Era longe, portanto, Malfoy usara uma chave de portal até uma cidade mais próxima e, lá, passara para o mundo trouxa e alugara um carro. Ele odiava dirigir. Andar em um daqueles automóveis já era ruim o suficiente, mas dirigir um era simplesmente o cúmulo. Sem opções, contudo, foi exatamente o que ele fez. E, naquele momento, batendo com a cabeça no volante porque estava perdido em algum lugar da Escócia, Draco amaldiçoou profundamente essa decisão. Nada estava dando certo naquele dia.
Sem saber o que fazer ou para onde ir, saiu do carro furioso. Precisava descontar essa raiva de alguma maneira. Olhou para o veículo e teve vontade de quebrá-lo inteiro. Por que trouxas usam meios tão estúpidos de transporte??? Quando você pega uma chave de portal ou viaja por flu ou aparata, você chega exatamente onde quer - desde que tenha alguma prática, nos últimos dois casos. Você não se perde, não precisa consultar mapas, não precisa se preocupar em ficar absolutamente perdido em uma estrada perto do fim do mundo!
- Carro estúpido! - ele exclamou, chutando com força a roda do automóvel - Estúpido! Estúpido! Estúpido! - repetiu sem parar de chutar - Você é um carro muito burro, seu desgraçado, filho de uma égua, produto de um trouxa estúpido desocupado, você não serve para nada, seu...
- O carro quebrou? - ele ouviu uma voz estranha perguntar. Estava tão absorto na sua ira que não percebera a aproximação de ninguém.
- Não - ele respondeu o mais friamente que conseguiu, fitando o homem que o encarava de dentro de uma caminhonete. O homem lhe observava com um meio sorriso na cara e olhos despreocupados. Draco podia cheirar o que era aquilo: felicidade. Ele era um homem feliz e Draco odiava pessoas felizes, com seus sorrisos fora de hora, suas cantorias desnecessárias e seus olhares cheios de pena. Subitamente, sentiu uma vontade quase incontrolável de chutar aquele homem exatamente como estava fazendo com o carro.
- Então o que houve? - perguntou ele surpreso.
- Nada que seja da sua conta - Draco respondeu por entre os dentes. Estava para nascer o dia em que ele pediria ajuda àquele homem.
- Mas talvez eu possa ajudar...
- O que há de errado com você? Eu acabei de dizer que não é da sua conta! Eu preciso ser mais mal educado ainda pra te fazer dar no pé?
- Estou acostumado a lidar com pessoas mal educadas. Acontece muito na minha profissão.
- Eu estou perdido, está bem? - Draco respondeu, por fim, só para fazê-lo ir embora - Satisfeito agora?
- Ah, você está perdido e a culpa é do carro? - o homem perguntou, com um ar divertido. Malfoy o encarou com um olhar tão mortal que ele não ousou fazer mais nenhuma brincadeira - Para onde você está indo?
Draco fechou os olhos e suspirou cansado. Aquela era sua única saída.
- Eu estou procurando a fazenda de um Erick McDermontt em...
- Ah, mas você está na estrada errada!...
- Jura, Sherlock? - Malfoy retrucou, usando uma expressão que aprendera com Gina - Ainda não tinha percebido!
- Essa é a estrada para Harmony Springs - o homem disse, ignorando o último comentário - Você precisa voltar para a estrada principal e dirigir ainda por mais uns 150 quilômetros. A fazenda fica praticamente à beira da estrada. Tem uma placa indicando.
- Ótimo - Draco falou, sem perder tempo. Entrou no carro, deu a partida e fez o contorno para voltar por onde tinha vindo, enquanto o homem o encarava ainda da caminhonete perplexo. Provavelmente, esperava algum tipo de gratidão. “Nem sobre o meu cadáver”, Draco pensou, enquanto acelerava. Queria sair dali o mais rápido possível.
Draco estacionou ao lado da casa. O lugar estava deserto. Já passava das cinco da tarde, mas como era verão, o sol ainda brilhava no céu. Ele não conseguiu suprimir o calafrio que percorreu sua espinha ao sair do veículo e olhar ao redor. Todas as janelas estavam fechadas. Nenhuma luz ou movimento vinha da casa. Subitamente, Draco ouviu o leve balir de ovelhas cortando o ar. Se elas ainda estavam vivas, então alguém devia estar vindo cuidar dos animais. Draco fez uma nota mental para não se esquecer de tentar descobrir quem. Era difícil imaginar que uma pessoa, qualquer pessoa, se dispusesse a entrar naquela fazenda por livre e espontânea vontade. A atmosfera ali parecia carregada de sofrimento, de mistério. Apesar do dia ainda estar claro, o local parecia sombrio, quase macabro. “Também pudera”, pensou ele, “Esse campo abrigou o corpo de uma mulher por mais de dez anos”. Mais de dez anos. Seria impossível que não estivesse cheio de energias negativas.
No alto de uma pequena colina, erguia-se a árvore partida. Estava enegrecida e morta, mas não deixava dúvidas de que um dia fora um carvalho sólido como uma rocha. E era para ele que Draco deveria se dirigir. O silêncio pesava no ar. Obrigando as próprias pernas - que ameaçavam se rebelar - a se moverem, Malfoy passou pela cerca que circundava parte da planície e começou a caminhar para a árvore. A grama do chão estava pisada e mal tratada, indicando que um número grande de pessoas descuidadas passara por aquele caminho, com botas e outros sapatos pesados. Mais perto da árvore, caído no chão, Draco viu um dos marcadores amarelos que os peritos trouxas usam para documentar a cena de um crime. Estava meio coberto pela lama, indicando que fora chutado do seu lugar original, ou talvez levado pelo vento e esquecido. Provavelmente chovera novamente depois que o corpo foi descoberto.
Subindo a leve inclinação, Malfoy logo se viu diante da árvore. Havia magia ali, ele podia sentir. Podia sentir nos seus ossos, na sua carne, na sua alma. Havia uma magia poderosa trabalhando ali, uma que era suficiente para deixar os pêlos na nuca de Draco arrepiados e para fazer com que um segundo calafrio, dessa vez bem mais intenso, percorresse sua espinha. Estava no ar e na árvore e no chão, estava por toda a parte.
Restava ainda um pouco de areia no chão. Os trouxas deviam ter levado o resto para analisar e procurar evidências. Draco, por sua vez, abaixou-se e recolheu uma amostra dos grãos cinzentos em um pequeno saco plástico. Talvez fosse possível identificar exatamente qual era a substância e saber se ela era produto de algum ritual ou da produção de alguma poção, ou simplesmente de um feitiço de transfiguração. Quem quer que tivesse matado a mulher, com certeza não dirigiu até ali carregando a areia em um caminhão. Especialmente não se essa pessoa fosse um bruxo, como ele desconfiava. Guardando, então, a amostra no bolso interno do paletó, Draco se aproximou mais da árvore. O raio a atingira em cheio, praticamente partindo-a em duas. Não havia restado vida nenhuma ali.
Levantando os olhos, Malfoy notou a luz do sol refletindo em um ponto mais alto do tronco oco, pelo lado de dentro. Esticando-se, então, ele ergueu a mão para encostar no objeto que estava causando o reflexo: era vidro. Um pedaço de vidro incrustado na madeira. Lógico! Draco se xingou mentalmente por não ter se dado conta disso antes: com certeza, a alta temperatura provocada pela queda do raio foi responsável por transformar uma parte da areia - a parte em direto contato com o local do impacto - em vidro. Pegando um pequeno canivete que carregava, ele conseguiu arrancar uma parte do vidro do tronco. Segurou-o entre os dedos por alguns instantes, pensando. Depois, colocou-o no bolso da calça.
Por fim, circundou o carvalho, atentamente procurando por sinais, quaisquer sinais na madeira queimada, fossem inscrições ou marcações, enfim, qualquer coisa, mas não havia nada exceto o efeito claro do raio. Não pôde deixar de se sentir um pouco frustrado com isso. Parte sua esperava encontrar algo mais. Criminosos dificilmente resistem à tentação de assinar suas ‘obras’. Com um suspiro cansado, Draco se afastou um pouco da árvore e olhou ao redor. A sensação de que havia magia ali ainda não o abandonara - e nem iria abandonar. Gostaria de ter encontrado alguém na casa, de preferência o trouxa que descobrira o corpo para poder interrogá-lo. Precisava descobrir onde ele estava e a melhor maneira de conseguir isso, Malfoy logo concluiu, era ir até a pequena cidade perguntar. As pessoas com certeza saberiam de alguma coisa lá. Afastando-se, então, da árvore, Draco refez o caminho até o carro. Não podia dizer que aquela fora uma viagem extremamente produtiva, mas ao menos agora não restava nenhuma dúvida na sua mente de que aquilo era o trabalho de um bruxo. E de um bruxo bastante poderoso.
Quando Draco chegou ao automóvel, contudo, mal conteve uma exclamação de surpresa. Esperando parada em cima do capô, estava uma coruja. Era uma coruja do departamento, ele sabia, apesar de não tê-la visto chegar. Com certeza, estivera completamente absorto no carvalho. Curioso, Malfoy se aproximou do animal e pegou a carta que estava presa em sua pata. A caligrafia apressada era de Jones.
- Mas que merda! - Draco exclamou assim que terminou de ler. Aquilo era tudo o que faltava para fazer seu dia completo. Com um lápis, ele rabiscou a resposta: “Estou a caminho” no verso do bilhete e o prendeu de novo na coruja, que levantou vôo imediatamente. Malfoy não iria mais à cidade. Não poderia mais ir à cidade. Seu caminho acabara de ser decidido em um segundo.
Com pressa, entrou no carro e deu a partida. Precisava voltar para Londres. Precisava voltar para Londres o mais rápido possível.
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