Paradiso perduto (parte II]



Capítulo 22 Paradiso Perduto (parte II)

“There you are standing right in front of me
All this fear falls away to leave me naked,
Hold me close cause I need you to guide me to safety.” (Signal Fire
, Snow Patrol)


- Não adianta fugir, querida… – o mesmo trejeito asqueroso com a língua. O tempo não passara mesmo para ele e Ginny quase riu histericamente com aquele pensamento – Ninguém virá para te salvar. Apenas morra…! Pode ser rápido e indolor se colaborar. Você está sozinha mais uma vez, apenas eu e você e um final adiado.

- Quanto a isso, eu lamento informar que se enganou. Ela não está sozinha dessa vez, nem nunca mais vai estar. – a ruiva rodou a cabeça e arfou ao ver Harry. Ele estava a alguns passos de distância de Firenzzi e fazia mira com um revólver prateado.


- O herói resolveu nos presentear com uma visitinha? - os olhos cruéis de Firenzzi brilharam de forma ainda mais alucinada – Que óptimo! A Ginevra estava mesmo me contando que isso é algo que você odiaria perder. Mania de importância essa sua, não? - Harry endereçou-lhe um olhar perigoso, sorrindo de forma fria.

- Eu, se fosse você, provavelmente tentaria fazer menos piadas quando um revólver estivesse apontado directamente à minha cabeça. - Ginny olhou para Harry com apreensão. Era estranho descobrir mais uma faceta dele que ainda lhe era desconhecida – Largue a faca Firenzzi e pode ser que consiga sair daqui vivo e nem tão machucado.

- E perder a hipótese de conviver mais com a adorável Ginevra? - o homem estalou a língua e arreganhou a boca num sorriso disforme, onde não parecia existir nada de humano – Antes da sua intromissão, nós estávamos aqui revivendo velhos tempos. Certo, querida?

Uma náusea mais forte varreu o corpo da garota. Ele tinha um poder inesperado sobre ela, que lhe toldava toda a capacidade de raciocínio e destreza. Um poder, sem dúvida, fruto dos terríveis momentos a que sujeitara no passado. Procurou os olhos de Harry e deixou que ele lesse todo o seu pavor, deixando claro que não poderia ser de grande ajuda.

- A faca, Firenzzi. - havia uma clara nota de autoridade na voz de Harry. E um aviso também.

- Acha realmente que eu me renderia a você, pirralho? Justamente a você? Eu avisei para que se mantivesse longe dos meus negócios ou iria seguir o seu pai no Inferno. Infelizmente você revelou ser tão estupidamente honrado quanto ele!

- Não ouse falar no meu pai, seu bastardo! - a raiva do moreno viera finalmente à tona e ele parecia tremer de ódio por aquele homem desprezível, embora a mão que segurava o revólver se mantivesse inacreditavelmente firme.

- Eu lhe dei a chance de recuar, Potter! E quando eu tive aquele memorável encontro com esse docinho aqui – apontou grosseiramente para Ginny – eu pensei que tivesse finalmente entendido a lição! Mas você teimou em ir mais fundo nas suas pequenas investigações e vendettas pessoais, ousou tirar tudo o que eu levei uma vida inteira para construir! – pela primeira vez a raiva que Firenzzi sentia era também visível – Eu sei que pode ser o meu final Potter, mas garanto que não irei sozinho!

Num salto extraordinariamente ágil para um homem já nem tão novo, o italiano agarrou Ginny e prendeu-a em frente a si, como se fosse uma enorme cobra venenosa prestes a envolver a sua presa num abraço mortal. Os olhos da jovem arregalaram-se de terror e debateu-se com coragem, até ao momento em que sentiu a crueza do aço contactar com a sua garganta.

Firenzzi tinha-a onde queria, usando-a como escudo para garantir que Harry não ousaria disparar.

- Largue-a Firenzzi ou juro que em vez de te colocar na prisão para o resto dos seus dias, marco directamente uma passagem só de ida para o Inferno. - Harry rosnou, mas a ruiva percebeu que aquela situação era uma desvantagem para ele, e o monstro, sem dúvida, também o sabia.

- Ora, ora, Harry. Você não gostaria que eu a magoasse, gostaria? - deslizou a faca pela pele alva de Ginny, até à sua bochecha – Uma pena deixar essa bonequinha com mais uma cicatriz. Uma que fosse mais visível. Mais difícil de esquecer.

A garota engoliu em seco, tentando manter a respiração sob controle. Não podia deixar que o medo e o ódio que sentia por aquele homem a fizessem perder lucidez, ou tudo aquilo poderia correr realmente mal. Fixou o olhar em Harry, pedindo-lhe silenciosamente que a salvasse mas que fosse cauteloso.

O jovem retribui-lhe com um olhar desconcertado, enquanto o seu cérebro trabalhava furiosamente na busca de uma solução que permitisse salvar a garota e prender Firenzzi. O seu desespero devia ter sido visível por momentos, pois o homem gargalhou e apertou mais Ginny no seu amplexo.

- Foi o que eu pensei. Agora, coloque a arma no chão e faça-a deslizar até mim. Sem tentar nenhum truque, ouviu? Ou eu terei o maior prazer em provar novamente o sangue da sua preciosidade inglesa. - Harry tremeu violentamente quando viu o italiano encostar a sua face à de Ginny e passar a língua pela pele dela, num gesto demarcadamente obsceno. Ela fechou os olhos, como se bloquear a visão ajudasse a diminuir a dor do presente, que se misturava com uma dor antiga, de um passado ainda tão vivo na sua memória.

- Você nunca conseguirá escapar! - afirmou o moreno, mas as suas mãos começaram a ceder e o revólver começou a baixar. Firenzzi riu de forma trocista e desafiadora.

- Veremos. O seu problema, Potter, é ter deixado que essa garota entrasse na sua vida, ela te enfraqueceu. Quem não ama não tem nada a temer e vê a sua força aumentada.

Quando a arma já estava ao nível da sua coxa, Harry trocou um olhar sugestivo com a ruiva e sorriu ao de leve. Embora se sentisse sufocada por aquele homem que tanto odiava e temia, aquele contacto sendo uma verdadeira tortura, a garota notou que um brilho bailava naqueles olhos verdes que conhecia tão bem. Era como se pudesse sentir a respiração de Harry no seu ouvido e a sua voz rouca lhe segredando baixinho “Quando eu lhe der um sinal, siga o que eu fizer”. Harry pedia a sua confiança e Ginny, que há apenas algumas horas negara de forma tão infantil, estava desejosa de lha entregar sem reservas.

- Mais uma vez, lamento que esteja tão equivocado. Ela nunca será a minha fraqueza e muito menos aquilo que eu sinto por ela. – o olhar ardente que ele lhe dedicou encheu-a de esperança renovada, enquanto ele pousava a arma no chão e se erguia – Antes a vingança me chamava pelo sangue, eu estava obcecado e teria feito disso a minha razão de viver. O amor apenas me mostrou que existem coisas pelas quais vale muito mais a pena lutar, Firenzzi. E eu vou acabar com você, não por vingança, mas porque devo isso a esse amor. Você está no meu caminho, saia AGORA!

Ginny esperava aquele momento e com um esticão poderoso conseguiu que o homem a soltasse parcialmente, dando espaço para que Harry o pontapeasse no peito de forma violenta. Firenzzi rodou no ar e, para descrença do casal, aterrou de joelhos, como um gato feroz. Ginny lançara-se para o chão, saindo do caminho dos dois e observava a longa faca que Firenzzi conservava intacta na sua mão direita.

Harry estava desarmado, o revólver esquecido na relva fofa, a uma distância maior do que seria desejável. O homem mais velho lançou-se sobre ele, empunhando a faca, e Harry tentou deter o golpe ao apertar o braço que segurava a arma com as suas duas mãos livres. Firenzzi rugiu e Ginny viu, com horror, a lâmina cada vez mais próxima da garganta de Harry.

Mas se Firenzzi era experiente e astuto, Harry era jovem e agia dominado pelo senso de justiça. Com um surpreendente golpe de rins, rolou com o homem pelo chão, ganhando uma posição dominante. Torceu o braço anguloso que ainda empunhava a faca, fazendo com que ele a soltasse, e esmurrou-o na cara com todas as suas forças.

- Harry! - a ruiva gritou quando pressentiu, mais do que viu, a joelhada que Firenzzi administrou nas costas do jovem, deixando-o sem ar e enfraquecendo-o temporariamente. O intervalo de tempo que separou o golpe da recuperação de Harry, permitiu que Firenzzi recuperasse a faca.

- Creio que agora é hora de se juntar ao seu pai na nuvenzinha destinada aos justos e perdedores como vocês! - avançou sobre o moreno, que estava sentado no chão e ainda arquejava, mas uma forte colisão fê-lo perder o equilíbrio.

Ginny lançara-se contra ele com todas as suas forças e defendia-se agora da raiva do italiano com arranhões e joelhadas. Contudo, depressa foi subjugada e quase perdeu os sentidos com um estalo aplicado na cara.

Firenzzi levantou-se e arrastou-a consigo, obrigando-a a ficar de pé, num equilíbrio precário. Já fechara o punho e Ginny preparava-se para a explosão no seu rosto quando Harry surgiu por trás de ambos e esmurrou o homem repetidamente, até que ele a largou e se voltou para enfrentar o moreno.

Harry deu um sorriso frio, provocando o italiano, que não tardou a atacar como um touro enraivecido. Com uma esquiva, fruto dos seus excelentes reflexos, o garoto catapultou Firenzzi para o chão.

- Eu realmente não gosto de bater em homens velhos e que, ainda por cima, já estão no chão...mas só para você eu vou abrir uma excepção, em nome da nossa velha amizade.

E, realmente, Harry dedicou-se a pontapear as costelas do homem, sem sequer notar que o atirara directamente para o local onde jazia a faca. Com um último impacto no corpo inanimado, o jovem preparou-se para voltar costas e chamar a polícia quando Firenzzi, com mais um dos seus saltos felinos, desferiu um golpe de faca na sua barriga desprotegida.

O sangue começou a jorrar da ferida transversal, mas Harry permanecia de pé, o que tirou o pouco ânimo que restava a Antonio. Amaldiçoando-os em italiano, pôs-se em fuga. Corria tão rápido quanto uma gazela, para grande admiração de Ginny que, à medida que recuperava as forças, se dirigia a Harry para o ajudar a estancar a hemorragia.

- Ele não pode escapar...não outra vez, não assim. - a voz de Harry saiu menos forte e a ruiva temeu por ele. Se a ferida fosse profunda...se tivesse atingido algum órgão interno...

Enquanto fazia pressão com a mão no seu abdómen, Harry deitou-lhe um olhar cheio de sombras e palavras. Com um arranque forte, começou a correr atrás de Firenzzi que já tinha uma vantagem considerável.

- Não! - gritou a ruiva, numa tentativa de impedir Harry de levar a cabo aquela perseguição suicida. Sentindo a dor que reverberava nos seus músculos e tendões, viu com um aperto no coração que as gotas de sangue que Harry derramava enquanto corria brilhavam devido aos derradeiros raios de luz. Metade do jardim era já escuridão e, naquele momento, estava pintada de vermelho.

Não conseguindo conter a sensação de mau agoiro, precipitou-se atrás de Harry.

Os homens corriam de forma veloz pelos terrenos sicilianos, evitando com perícia os obstáculos que se interpunham no seu caminho. Qual deles era presa e qual caçador, seria impossível dizer no momento. Mas a sensação de que aquilo apenas terminaria com a morte de um deles, invadiu com força o peito da ruiva.


Harry conseguira recuperar parte da distância que o separava de Firenzzi, evitando sebes, ramos e estátuas e correndo com o olhar preso na figura à sua frente. Tentava a todo o custo ignorar a dor pungente que lhe dilacerava o abdómen, onde o frio do metal parecia ter permanecido, mesmo que a lâmina não estivesse mais lá. A visão do seu próprio sangue, escorrendo sem barreiras, era bastante perturbadora.

Aproximavam-se cada vez mais do limite dos terrenos, a fronteira demarcada pelo muro branco onde um dia ele segurara Ginny e a impedira de o ultrapassar. Além desse muro ficava um penhasco que terminava numa enseada, a mais de cinquenta metros de altura.

E Firenzzi não sabia disso, apercebeu-se ela vendo-o correr nessa direcção, seguido de Harry. Se ele ultrapassasse o muro, ficaria além da justiça dos homens...além de qualquer tipo de penitência que lhe estivesse destinada neste mundo, um castigo que ele merecia inteiramente. A morte parecia-lhe tão pouco.

Quando alcançaram o muro, Harry estava praticamente colado ao homem e gritou para que ele não o atravessasse. Firenzzi, que sempre desprezara qualquer coisa que lhe fosse dita por alguém de sangue Potter, ignorou-o.

Parecia que o tempo abrandara quando os jovens observaram o homem transpôr o muro, quase vendo à distância o seu sorriso, cheio de confiança de que, além daquele muro, estaria mais perto de conseguir escapar.

Ginny viu quando Harry se debruçou numa tentativa desesperada de o segurar, de o trazer para um lugar onde ele conseguisse garantir que ele pagaria todas as suas contas nesse mundo. Mas o garoto não conseguiu alcançá-lo e, quando Ginny chegou perto dele, ele contemplava o corpo caído, muitos metros abaixo. Se estivessem mais perto teriam visto que os olhos de Antonio Firenzzi estavam esbugalhados, plenos de terror. A sua alma nunca teria paz.

Harry olhou para ela, a face séria e crispada. Então, ela viu uma sombra de alívio nos olhos dele e algo mais, que ela identificou como revolta. Quando ela fez um movimento na sua direcção, a cara de Harry contraiu-se numa máscara de dor e levou a mão à barriga, olhando para o sangue que se depositou na sua mão.

- Acabou. - disse numa voz baixa e serena, cedendo à doce penumbra da inconsciência.




“Don't even think about reaching me. I won't be home.
Don't even think about stopping by. Don't think of me at all.
I did what I had to do. If there was a reason, it was you.” (Footsteps
, Pearl Jam)

Quando abriu os olhos a primeira coisa que viu foi a sombra de uma árvore que dançava na parede branca e nua. Estava escuro e a única luz provinha da lua, parecendo disposta a ajudar naquele jogo de sombras. Pela dança da árvore dava para perceber que o vento soprava com força lá fora e arrepiou-se levemente. Enquanto se mexia para se voltar, uma dor aguda e crua no abdómen gritou para que ficasse quieto.

Parou de barriga para cima, fitando o tecto. Lentamente as lembranças voltavam e as imagens da luta com Firenzzi, do seu ferimento e da morte deste desfilavam perante si. Quantas horas teriam passado?

Moveu a cabeça com delicadeza, tentando a todo o custo evitar uma dor desnecessária. Foi então que a viu, sentada na cadeira junto da porta. No primeiro momento pensou que ela dormia, mas lá fora uma nuvem moveu-se subtilmente e permitiu que a luz batesse sob a face dela. Os seus olhos encontraram-se, verde e castanho chocando. Havia tanto para dizer, mas as palavras pareciam não querer brotar da garganta de nenhum deles.

Observou enquanto ela se levantava bem devagar, como se o tempo tivesse ficado subitamente mais lento. Ela parecia bem, em segurança, e ele congratulou-se por isso. Na sua bochecha havia apenas um hematoma arroxeado, que logo passaria. Já ele...bom, apenas conseguia imaginar o estado deplorável em que devia estar.

- Como você está? - a voz dela saiu clara e serena, mas ele notou que ela parecia diferente. Mais sombria, mais fria.

- Acho que vou viver... - fez uma careta quando uma nova pontada trespassou a sua barriga. - Quanto tempo...?

- Dois dias. - hesitou, mas continuou a falar - Logo a seguir a você perder os sentidos eu te trouxe para o hospital, houve uma pequena cirurgia e você dormiu durante a maior parte do tempo. Em alguns momentos parecia que ia acordar mas eram mais delírios da febre causada pela hemorragia do que qualquer outra coisa.

- Entendo... - ele olhou-a com intensidade e reparou que ela desviava constantemente o olhar. - Onde estão Arthur e a minha mãe?

- Eles foram para casa descansar um pouco, eu disse que ficaria aqui. Belle está muito preocupada contigo, ela só não apanhou o primeiro avião porque nós garantimos que você ficaria bem.

Ela parecia absorta em arrumar a dobra do lençol e Harry deixou que ela decidisse o melhor momento para falar sobre as coisas que realmente importavam. Dentro de si crescia uma enorme mágoa e desencanto pela desconfiança que motivara a discussão que ambos tinham tido antes do aparecimento de Firenzzi. Por pouco ele não chegara a tempo...ele queria estar sempre lá para a proteger mas só conseguiria se ela permitisse.

- Obrigado. - aquela palavra tirou-o dos seus devaneios – Por ter voltado. - ela parecia ter ganho coragem, mas ainda não o olhava. Ele apenas assentiu levemente. - Como você sabia aquilo que ia acontecer?

- Na verdade, eu não sabia. Eu voltei apenas porque me lembrei que da última vez que eu te deixei sozinha depois de uma discussão, o resultado não foi muito positivo. Quando voltei a casa senti que algo estava errado e busquei o revólver que tinha guardado no carro. Para nossa sorte aquele bastardo falava alto demais, foi fácil encontrá-los.

Por um instante fugaz, Harry juraria que ela quase tinha sorrido.

- Para que queria um revólver, Harry? - ele sentiu-se desconfortável perante a pergunta dela, embora fosse legítima.

- Para me proteger. Para te proteger. Eu sabia que era apenas uma questão de tempo até ele vir cobrar de mim a sua queda como senhor da máfia siciliana. Não podia permitir que você fosse apanhada novamente no meio disso.

- Harry... - Ginny pigarreou – Você teria disparado?

Ele olhou-a longamente antes de responder. Virou o rosto para longe dela e fechou os olhos: - Suponho que agora nunca saberemos.

Ouviu-a suspirar pesadamente e começar a afastar-se. Então seria assim? Ela iria embora e não iriam falar daquilo que os incomodava? Ela sairia dali e mais uma vez deixaria a vida deles pendente?

- Fale, Ginny. Diga tudo agora, enquanto ainda pode ter conserto. Se você sair por essa porta eu não vou voltar a te procurar.

Os cabelos ruivos voltearam quando ela se voltou na direcção dele, a garganta apertada. Ele falara sem a olhar e ela soube que ele não iria facilitar mais as coisas.

- Eu lamento, Harry. Lamento não ser mais corajosa. Lamento ter desconfiado de você. Lamento que não possamos ficar juntos.

O coração dele falhou um batimento ao ouvir a última frase. Não se importando com mais nada, voltou-se rapidamente e fitou-a.

- Porquê? Porque é que tudo tem que ser tão complicado, Gi? Porque você não diz simplesmente que tem medo de ser feliz, que não confia o suficiente em mim para te amar e proteger sempre? Eu estive lá dessa vez, não estive?! Droga, Ginny!

A luz da lua permitiu que ele visse que ela apertava as mãos com força, os nós dos dedos brancos.

- Deirdre não significa nada para mim, ou a carta não foi prova suficiente? Não posso mudar o passado, quem eu fui, o que aconteceu antes...eu adoraria, mas não posso. É assim tão difícil entender que o amor que existe entre nós venceu tudo isso? Que eu teria dado a minha vida por você...? - ele soava tão magoado que o coração dela parecia ter sumido do peito. Ele estava certo, mas como explicar todo aquele medo, aquela sensação de que não existia felicidade no mundo para os dois?

- Existem coisas que não nasceram para ser, Harry. Lamento que nós sejamos uma dessas coisas. - ela estava determinada a ir embora, a deixá-lo com aquelas palavras de aceitação de uma força cruel e maior que qualquer um deles, a render-se sem uma última luta.

- Não...você não lamenta. Uma parte de ti ainda acha que existem castelos e contos-de-fadas, que se eu fosse um príncipe verdadeiro eu nunca teria te magoado. Então prefere ficar para sempre na segurança do seu castelo do que sair para o desconhecido, viver uma vida real mas que pode não ser isenta de dor. É isso, não é?

Ela ergueu o queixo altivamente, tentando buscar em si uma réstia de orgulho e força. Harry sabia lê-la como um livro aberto e se isso já era naturalmente desconcertante, também se tornara doloroso.

- E se for? Eu estou no meu direito, não estou? Me deixa no meu castelo, Harry. Existem outras princesas para você salvar.

- Ele riu friamente, uma gargalhada que nada tinha dos seus habituais risos quentes.

- Então saia por essa porta. Mas saiba que será para sempre e não terá volta depois. Assuma as suas decisões, como eu sempre assumi as minhas. Sem medos.

Respirando fundo, ela procurou os olhos dele. Havia dor, raiva e um pedido silencioso. “Não faça nada do que a minha boca disse, fique aqui. Fique para sempre aqui comigo e eu serei apenas seu”.

- Você está vingado Harry. O assassino do seu pai está morto também, isso não é motivo suficiente para a sua felicidade? - ele sorriu. Um sorriso triste e duro.

- Dificilmente a morte de alguém contribuiu para a minha felicidade. Não era essa a forma que eu teria escolhido para fazê-lo pagar, mas suponho que estaremos todos mais seguros desse jeito.

Ela assentiu e torceu as mãos. Deu-lhe um último sorriso, o mais doce que conseguiu: - Descanse agora.

- Você estará aqui quando eu acordar? - insistiu o moreno, sentindo mais do que ouvindo a verdadeira resposta, que o corpo tão amado gritava.

- Sim. - a ruiva queria desesperadamente terminar logo aquela conversa, vê-lo dormir e sumir para sempre. Ser qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar, fugir daquele amor que era tão grande que dava medo, que parecia tragar tudo ao seu redor.

Ele humedeceu os lábios com a pontinha da língua e fez um esgar de dor, levando a mão ao ferimento envolto em ligaduras. Quando recuperou um pouco, sussurrou:

- Prometa.

- Não.

- Então você vai embora... - ele percebeu tudo muito bem. Melhor do que ela desejaria.

- Eu não sei. - e aquela era a verdade mais pura, ela compreendeu. Não sabia o que fazer com tudo o que crescia dentro de si, com aquele medo sufocante que a esmagava.

- Eu sei que você irá, então saia agora. - não era um pedido. Era uma ordem, ele ordenava que ela saísse diante dos seus olhos, da maneira que faria doer mais em ambos.

Houve um momento em que ela sabia que podia ter dito qualquer coisa, ter feito um gesto que demonstrasse o seu amor e arrependimento. Mas o momento passou e ela deu-lhe as costas, avançando para a porta. Abriu-a devagar, ainda indecisa sobre se passaria por ela.

Olhou para trás, por cima do ombro, mas ele já se voltara para a parede. Respirou fundo e passou pela porta.

- Por você eu teria, Gi. Eu teria disparado para proteger aquilo que tínhamos. - ele falara baixo, mas não o suficiente para que ela não ouvisse. Mas ela passara a porta e não havia retorno, ela já não era bem vinda ali, naquele quarto onde repousava o seu príncipe, após lutar contra o dragão que a guardava na torre. Ela dispensara o único homem que fizera tudo para a salvar, até de si própria.

Envergonhada pela sua própria fraqueza percorreu o corredor que a separava da porta do hospital de cabeça baixa, os seus passos suaves ecoando violentamente nas paredes nuas.




“The Space Between
The wicked lies we tell
And hope to keep safe from the pain.” (The Space Between
, Dave Matthews Band)

- Tem certeza? - perguntou pela milésima vez, fazendo a garota rolar os olhos.

- Você precisa de uma modelo, certo? Bom, eu sei que nós não temos exactamente uma relação, mas ainda assim eu prefiro que seja eu do que outra mulher que fizesse você ficar babando, Drácula.

Ele sorriu de canto, o cabelo platinado caindo de forma displicente sobre os olhos enquanto misturava as cores na paleta.

- Com ciúmes?

- Han... - ela estalou a língua e depois riu de forma travessa – Acho que é mais pena da pobre garota. - riu mais ainda quando ele lhe atirou um tubo de aguarela.

Estavam numa sala privada da Faculdade de Belas Artes, específica apenas para aquele tipo de trabalhos. Tinham ido ali meio fora de horas, uma vez que Draco insistira que só assim estariam certos de que não apareceriam outros pintores e respectivos modelos. Belle oferecera-se para pousar para ele assim que soube que o loiro precisava de pintar uma tela de uma mulher como trabalho de final de curso.

No centro da sala grandes telas brancas e vazias encaixadas em cavaletes estavam dispostas de forma a terem perfeita visão sob alguns divãs colocados perto da janela. A garota não estava disposta a admitir, mas a visão daquela sala, cheia de toques clássicos e de uma atmosfera renascentista, aliada à quietude que inundara a faculdade naquela noite, deixava-a algo nervosa. Afinal, estava sozinha ali com Draco. Há algumas semanas que eles saíam juntos, não se assumindo como namorados perante ninguém, nem perante eles mesmos. A quem perguntava respondiam invariavelmente: [i]“Gostamos da companhia um do outro, é tudo”[i]. Tinham combinado, desde o primeiro momento, que era uma relação totalmente aberta, sem direito a exigências ou cobranças, em que continuariam livres para estarem com outras pessoas, se fosse esse o seu desejo.

Mas o facto é que ela não voltara a olhar para outro garoto, e pelo que sabia Draco não voltara a estar com outra mulher.

- Como está Potter? - a voz do loiro trouxe-a de volta ao presente. Ela sorriu, aliviada pelo telefonema que recebera do irmão nesse mesmo dia.

- Bem melhor, na verdade, quase como dantes em termos físicos. Salvo aquela outra questão...

- Eles ainda não se acertaram? - o garoto ergueu o olhar do monte de pincéis em que mexia, a testa franzida numa expressão descrente- Pensei que por essa altura eles já estivessem em treinos para fazer um italianinho ruivo e de olhos verdes. - Belle suspirou, sentando-se num divã espaçoso, forrado de seda verde-água.

- Eu também, mas tanta teimosia reunida em duas pessoas não pode dar certo se um deles não ceder.


- Claro, você é a pessoa certa para falar sobre teimosia... - fez notar o garoto, lançando-lhe um olhar expressivo.


- Cala a boca, anta loira.


- Eu teria mais cuidado se fosse você, Isabelle – ele chamou-a com a sua voz mais perigosa, fazendo-a arrepiar-se – Ou ainda te pinto como uma arara vermelha.


Ela lançou-lhe um olhar entre bravo e divertido, uma provocação muda de “Você não seria capaz”, que lhe valeu um dos famosos sorrisos Malfoy.


- De qualquer forma, pelo que eu entendi da conversa com o meu irmão, dessa vez ele não vai ceder. A Gi ainda esteve na mansão uns dias, mas ele deve ter sido tão frio com ela que ela preferiu ir para um hotel. - Draco notou que a morena estava muito triste com aquela situação, que ela considerava quase como uma ofensa pessoal. Afinal, ela lutara tanto para os ver juntos e felizes. Ele aproximou-se e passou a mão pela face fresca e suave dela, dando-lhe um pequeno beijo estalado nos lábios.


- Se eu conheço tão bem aquela ruiva como eu penso que conheço, não vai demorar até ela perceber o recado que o Potter está dando. Ela vai cair na real e irá ter com ele.


- Eu espero. - o carinho que lhe dispensara valheu-lhe um sorriso doce de Belle – Vamos ao trabalho?


- Claro – ele assumiu rapidamente um ar profissional e concentrado – Pode tirar a roupa e deitar nesse divã mesmo.


Belle demorou uns segundos a processar aquela informação. Tirar a roupa? Bom, ele estava realmente apurando o seu sentido de humor.


- Muito engraçado, Draquinho. Agora diga o que você quer que eu faça. - ele olhou-a confuso, não entendendo muito bem onde ela queria chegar.


- Belle, eu não estou brincando. Pensei que você tivesse entendido que eu precisava pintar um nu, daí precisar de uma modelo. - ela esperou uns momentos, achando que ele iria cair no riso e gritar “Dia das mentiras!”, mas ele persistia em olhá-la com aquele ar simultaneamente sério e carinhoso.


- Mas...eu...não... - por momentos achou que fosse cair dura no chão. Ele não estava brincando. Ele tinha ido ali realmente esperando vê-la nua e pintar os seus traços numa daquelas grandes telas, tal como viera ao mundo. Totalmente ao natural. Agora entendia o porquê da insistência em manter aquilo tão reservado quanto possível.


- Tudo bem, eu entendo. - ele parecia contrariado e irritado, mas estranhamente não com ela – Eu devia ter desconfiado que você não tinha entendido direito, ou não teria se oferecido. Bom, tendo em conta que estamos em pleno fim-de-semana e que eu só tenho dois dias para pintar esse quadro, eu suponho que vou ganhar um brilhante zero na cadeira.

Ah, não. Ele iria sair muito prejudicado com aquele mal-entendido. Bom, ela tinha garantido que iria ajudá-lo e...bom, seria isso que iria fazer. Simples, rápido e indolor. Muito profissional, ele nem iria tocá-la. Mas como ultrapassar o fogo que parecia crescer dentro de si, o calor que subia pelas suas bochechas assim que se imaginava sem roupa diante dele?


- Draco... - ela lambeu os lábios, que tinham ficado muito secos com a ansiedade momentânea. Viu a forma automática como ele seguiu aquele simples gesto e isso fez aumentar o seu nervosismo, já enorme – Eu prometi. Vamos andar logo com isso.


Sem sequer esperar uma resposta, sentou-se no divã e principiou a descalçar as sandálias. Colocou os pés, já descalços, no mármore frio e um arrepio atravessou-lhe as costas. O mais rápido que conseguiu, e tentando a todo o custo evitar olhar para Draco, arrancou a blusa com um puxão rápido e desabotoou os jeans que escorregaram pelas suas pernas finas e aterraram no chão. Baixou-se para recolher as roupas, o rosto encoberto pelo véu dos seus cabelos castanhos.


- Devo tirar também...?


- Tudo. - Malfoy engoliu em seco, clamando por todas as gotas de controle e profissionalismo que existissem em si. Olhou para ela e notou que a pele dela, normalmente pálida, apresentava um leve matiz rosado e acrescentou - Por favor.


Após retirar também as suas roupas íntimas, ela sentou-se na pontinha do assento suave, encolhendo-se ao máximo. Dentro de si crescia uma enorme vergonha, um enorme sentido do seu corpo, da sua feminilidade, que nunca antes tivera.


Viu vagamente que Draco fora até à tela e colocara-se atrás dela, com visão privilegiada para o local onde ela estava.


- Hum...deita, por favor. - ela obedeceu maquinalmente e procurou obedecer às instruções que ele lhe dava sob a melhor posição para se colocar. - Isso, assim. Agora procura ficar quieta, ok?


Enquanto ele começava a compor o quadro, dando grandes pinceladas com a mão direita e segurando a paleta com a esquerda, Belle procurou abstrair-se ao máximo. Mas a consciência da presença dele, da sua própria nudez, dos olhos dele pousados no seu corpo, queimando cada detalhe em tinta e desejo, era demasiado forte para que se abandonasse à letargia. O seu corpo estava tenso, não conseguia descontrair-se como ele dissera que ela deveria fazer. Aparentemente ele também notara e isso parecia interferir com a tarefa de pintar fielmente o que via, pois passado algum tempo ele pousou , de rompante, os objectos que segurava em cima da mesa.


- Assim não dá, Belle! Eu não consigo capturar a sua essência, a sua beleza, os seus traços marcantes se você estiver tão tensa. Tendo em conta que temos que apresentar uma fotografia do modelo junto com o quadro, eu diria que vou apanhar um nota péssima de qualquer jeito.


- Eu...me desculpa. - ela encolheu-se ainda mais, as lágrimas bailando-lhe nos olhos – Eu sou tão idiota!

Por um momento ela pensou que ele fosse virar costas e desaparecer pela porta, mas ele fez a única coisa que ela temera que ele fizesse e que, inconscientemente, desejara desde o primeiro momento. Em passadas largas parou bem ao lado do divã onde ela estava deitada e ajoelhou-se ao seu lado.


- Você é tão linda... - ela olhou-o nos olhos e viu verdade neles – Eu não vou mentir. Eu te desejo sim, e muito. Mas nunca faria nada que você não quisesse e acima de tudo eu já pintei outras garotas antes, eu sei quando ser profissional. Diante daquela tela, olhando para você, eu só vejo uma enorme beleza que eu adoraria conseguir capturar e gravar para sempre. Agora, relaxe. Eu sei que você pode.


- Eu...não sei como. - sussurrou.


- Eu só preciso de ver você de verdade. Existe alguma coisa que te ajudasse nisso? - o rosto dele estava agora muito próximo ao dela, os olhos cinzentos presos na imensidão castanha dos olhos dela.


“Para quê temer algo que só me faria feliz?”, pensou Belle. Existia sim uma coisa que ele podia fazer.


- Se eu...te sentisse, eu acho que iria ajudar. - pela expressão que ele fez, ela adivinhou que ele esperava tudo menos aquilo.


- Você está me pedindo para te beijar? - ele quase segredou ao ouvido dela, o hálito quente fazendo-a arrepiar-se pelo que pareceu ser a centésima vez naquela noite. O rasto gelado no seu corpo, pareceu despertar ainda mais os seus sentidos. Ela sorriu de forma perigosa e calma, sentindo uma enorme certeza.

- Pela segunda vez na minha vida, eu estou te pedindo para você me beijar. Aliás, eu estou implorando para que me toque, Draco.


E ele obedeceu. Tomou os lábios dela, doces e sedentos, de forma absolutamente sensual. Num ápice as mãos dele passeavam-se no pescoço e colo nu dela, as pontas dos dedos dele em delicados gestos que provocaram uma leve coceira na garota, fazendo-a rir baixinho. Enquanto ele invadia a sua boca, as línguas chocando e exigindo tudo, ela puxou-o para mais perto de si, trazendo-o para cima do divã.


As mãos dele, ágeis e calejadas pelo trabalho com os pincéis, conseguiam agora alcançar todo o seu corpo. Ele hesitava em tocá-la de forma mais audaciosa, pelo que ela não tardou em guiar com gentileza a mão dele para o contorno da sua cintura e quadril. Ele aceitou o convite e, depositando pequenos beijinhos na linha do pescoço dela, sentiu cada porção de pele daquela área, arranhando-a levemente com as unhas. Ela gemeu, o que apenas aumentou a excitação dos dois.


Calor. A temperatura subia mais e mais, o calor que vinha de dentro deles misturando-se a atmosfera aquecida da sala, incendiando verdadeiramente os seus sentidos. Draco tirou a t-shirt num único gesto, dando a Belle uma visão perfeita do seu abdómen. Os quadradinhos dele lembraram à garota chocolate branco e foi impossível conter a vontade de passar a língua para testar se a pele dele também seria tão doce.


A atitude ousada da garota enlouqueceu Draco, que a segurou com determinação e a voltou. As costas dela ficaram apoiadas no seu peito, a nuca dela totalmente exposta, pelo que ele não tardou a beijar aquela superfície tão sensível. Quando ele passou a língua, húmida e quente, ela julgou que iria explodir de desejo. Tudo era fogo, tudo queimava, tudo era Draco.


Sem parar de a beijar, tocou-a nos seios pequenos e firmes com os dedos experientes. Ela gemeu mais audivelmente, o que o incitou a prosseguir com as carícias. As mãos masculinas deslizavam pelo peito suave dela, em direcção à fonte maior de prazer. Ele tocou-a com suavidade, como que pedindo licença, e ela acedeu sem qualquer resistência. Enquanto ele a estimulava como uma das mãos, a outra passeando pela parte interior das coxas, ela agarrava e puxava o cabelo dele. À medida que ele despertava nela uma sede crescente, que só cessaria quando se unissem, ela murmurava palavras incoerentes e, ainda assim, cheias de significado.


Cada vez mais rápido, mais forte. Estava à beira de um abismo, desejava cair. Mas ele estava ali, a segurava a cada momento, impedindo que ela se precipitasse naquele vazio tão pleno. Ele atrasava o cume do seu prazer, guardando-o para um momento em que ambos desfrutassem por completo. Belle retesava o corpo, implorando com palavras e gestos para que a deixasse vir completamente para ele.


Ele respondia com tanta urgência aos pedidos dela que seria difícil descobrir quem comandava mais. Quando ambos achavam que bastaria um toque mais sábio para o prazer máximo, Draco deitou-a com uma delicadeza comovente no divã. Ela de barriga para baixo, à sua mercê mas estranhamente controlando tanto quanto ele. Livrou-se das roupas que restavam e colocou-se por cima dela, beijando-a no pescoço, sentindo o perfume dos seus cabelos, as mãos em eterna descoberta daquele corpo que ele tanto admirara e desejara. Agora tinha certeza que poderia pintá-la com perfeição, bastaria fechar os olhos e cada detalhe, cada curva, estaria diante de si. Ele conheci-a completamente, iria tê-la a qualquer momento, e isso ultrapassava a beleza de qualquer obra de arte que pudesse produzir.


Ela arfava, as mãos apertando o tecido ao lado do seu corpo.


- Você não vai me obrigar a implorar por isso também, ou vai?


Ele riu, um riso tão claro e cristalino que quase a assustou: - Não. Eu vou estar dentro de você porque é isso que eu quero desde que te conheço, você ainda era uma menina de tranças, irmã do garoto que eu mais odiava. Eu te desejei desde então e imploraria até morrer se isso me fizesse ter você. Me deixa te ter, Belle...me deixa pintar um pouco mais o seu mundo.


Ela não respondeu, apenas procurou a mão dele e apertou-a. Ele segurou ambas as mãos dela de volta e penetrou dentro dela, com um cuidado e uma firmeza que a deixaram tonta. Era a coisa mais sensual que qualquer um deles já tinha feito, terem-se assim sem sequer conseguirem olhar no rosto um do outro. Uniam-se com sofreguidão, com tanto ardor quanto aquele que dispensavam a cada discussão, a cada palavra que trocavam.


Quando os movimentos se tornaram tão intensos que era fácil adivinhar o culminar do prazer, Belle segredou baixinho, entre suspiros:


- Eu te amo, Draco...


Aquelas palavras despertaram algo que ainda dormia em cada um deles, foi como se uma porta secreta e íntima se abrisse, permitindo que ambos se dessem totalmente. Draco praticamente tombou ao lado de Belle no divã, as respirações descompassadas, os corpos molhados e quentes de desejo. O garoto lutava para puxar mais ar, todo o ar que se fora quando ele gemera bem alto o nome de Belle quando o orgasmo o invadiu.

Lado a lado, as mãos se tocando e mantendo a proximidade, os corações palpitando num único ritmo. Draco molhou os lábios ressequidos com a pontinha da língua.


- O que foi que você disse?


Belle, corada e com a respiração rasa, voltou-se para ele, não entendendo onde ele queria chegar.


- Antes...você disse alguma coisa, o que foi? - ela leu nos olhos dele uma urgência estranha, misturada com medo. Suspirou.


- Creio que entendeu perfeitamente o que eu disse.


Era isso que ele temia. Ela queria tornar as coisas sérias, falar sobre sentimentos e ele não tinha certeza de estar preparado para isso. Tocou-lhe no braço com as pontinhas dos dedos, fazendo uma carícia suave.


- Tudo bem contigo? Quero dizer, você...


- Draco, você não foi propriamente o meu primeiro homem. - a voz da morena soou dura, como rocha crua – Embora eu fosse virgem de certo modo. - a cara confusa do loiro quase lhe provocou uma gargalhada – É como ter a primeira vez novamente, sabe.


- Eu não entendo...


- O que eu quero dizer – murmurou ela, encostando a testa ao ombro dele – É que é muito diferente quando você realmente ama a pessoa. Eu nunca tinha estado com alguém que eu amasse, então eu acho que de certa forma essa foi a minha primeira vez.


Houve uma pausa. Um silêncio que fez tremer a morena. Se ele não dissesse nada, ela ficaria assim, desprotegida depois de ter revelado toda a extensão dos seus sentimentos. Ele moveu-se subtilmente, soprou com força como se estivesse muito chateado e cobriu a cara com o antebraço.


- Belle...-a voz dele saiu rouca e algo hesitante– Eu também te amo.


O sorriso que surgiu na face da garota poderia apenas comparar-se com o de uma criança ao descobrir que o Natal fora antecipado.


- Eu ainda não sei como eu caí nessa...- a expressão dele oscilava entre o envergonhado, o divertido e o surpreso.


- Eu diria que não caiu, caro Drácula – a morena rolou, colocando-se por cima dele e sorrindo de forma provocante – Você mais como que tropeçou.


O beijo que ele lhe deu misturava toda a dúvida que atormentara cada um deles, a cada instante. Eles ainda não podiam fazer promessas, jurar amor eterno, garantir que seria para sempre. Mas por agora eles se amavam e iriam lutar para manter a chama acesa.


O quadro de Draco...bom, esse poderia esperar.




“You tell her she can manage
And you can't change the way she feels
But you could put your arms around her.” (Protection,
Massive Attack)

- Por uma vez eu gostava de dizer que não fui eu quem provocou isso. Mas parece que recorrentemente eu acabo por afastar de mim a única pessoa que eu sempre quis ter por perto.


- Ginny, querida... - Arthur lançou um olhar condoído à sua filha, que arrumava uma pilha de roupa acabada de vir da lavandaria num guarda-fatos portentoso e sóbrio, condizente com o restante mobiliário do hotel.


- Eu até que tentei falar com ele, mas é tudo tão complicado quando eu fixo aqueles olhos. Eu me sinto tão...- a ruiva largou uma camisola de forma displicente numa gaveta, agitando as mãos impaciente - Argh, ridícula!


- Olhe para mim, Ginny... - pediu o homem com suavidade, pegando delicadamente nas mãos da filha. Ela voltou-se, as mãos presas nas dele – Você é tão parecida com a sua mãe, o mesmo feitio explosivo, a mesma força, a mesma irreverência. Devo dizer que além dessas características maravilhosas, vocês também se parecem na forma de lidar com as dificuldades. Mas meu amor, a sua mãe nunca recuou perante uma batalha que dependesse unicamente dela para ser ganha.


- Ela tinha uma força que eu não tenho. – afirmou a garota com convicção. A sua face estava pálida e séria.


- Eu não estaria tão certo assim. Afinal, você continua aqui não continua? E até que eu te veja a entrar num avião rumo a Nova Iorque, eu continuarei a achar que a última jogada será sua.


A ruiva não pôde evitar um sorriso, enquanto o seu pai a abraçava e saía, dizendo que voltaria no dia seguinte. Passado meros segundos soaram pancadas secas na porta e ela interrogou-se sobre o que teria levado o seu pai a regressar tão prontamente.


Quando abriu a porta não viu ninguém. Olhou para todos os lados, sem sucesso. O elevador estava parado no último andar, mas a porta das escadas de serviço estava aberta e oscilava levemente.


“Estranho”, pensou. Preparava-se para voltar para o interior quando um som suave despertou a sua atenção, fazendo-a olhar para baixo. Diante da sua porta estava um cachorro. Um cachorro...pequeno, seria a melhor forma de o descrever. O comprimento da criatura aproximava-se da do seu punho e pelo que podia constatar, ele ainda nem se aguentava direito nas patas. Segurou-o gentilmente nas mãos em concha, o coração cheio de uma ternura estranha, um sentimento quente e doce, mas simultaneamente desconfortável, como encontrar um amigo há muito perdido e esquecido.


Trouxe-o junto à sua cara. A pelagem dele era castanha com manchinhas brancas e os olhos castanhos ainda meio fechados numa sonolência pueril, derramavam uma imensa meiguice. As orelhas do animal eram compridas e macias, pareciam algodão trabalhado. Acariciou-o na cabeça com o indicador e o cachorro praticamente tombou adormecido na sua mão. Rindo com uma alegria que julgava esquecida, compreendeu que aquele ser a lembrava de dois amigos muito queridos: Padfoot e Will. Sentira tanta falta de uma companhia assim!


Levou-o para cima da sua cama e, quando voltou para fechar a porta, notou um envelope que ficara esquecido junto ao tapete. Abriu-o, retirando um pedaço de papel e leu:


“Ele não é parecido com alguém que nós conhecemos? Quando o busquei na loja de animais ele olhou para mim tão desconfiado como um certo jovem olhou para mim há já uns meses atrás. Mas, tal como então, eu prometi que tudo ficaria bem e rapidamente ficámos amigos. Pensei em adoptá-lo, mas...sei que com você ele ficará bem.

H.

P.S.- Ainda não escolhi um nome. Sempre que tentei chamá-lo de alguma coisa ele mastigava a ponta do meu dedo. Espero que tenha melhor sorte.”



Ginny sentiu que não estava surpreendida de verdade. Harry melhor que ninguém sabia que aquele “presente” a faria muito feliz. Deixando para depois a tarefa de pensar nas causas e consequências daquele gesto, sentou-se perto do cachorro que dormitava enrolado entre as almofadas.


Quando a sentiu, levantou-se de forma atrapalhada e alcançou a sua mão, cheirando-a e lambendo as pontas dos seus dedos.


- Bom, você precisa de um nome. Hm...me deixe saber o que achar de cada um destes, ok? Erm...Twister? Dublin? Horus? Ouch! - a cada nome que ela enunciava o animal mordiscava a ponta do seu dedo com força crescente – Bom, não há dúvida que você sabe fazer valer as suas opiniões. Vejamos...


Olhou em volta, procurando inspiração e foi então que a viu. A foto de Will. Sorriu, uma ideia formando-se na sua mente:

- E que tal...Fortune? - sorriu, verdadeiramente feliz e realizada, quando o cachorro ganiu e lambeu afincadamente a sua mão. - Muito prazer Fortune, eu sou Ginny. Espero que sejamos bons amigos.


Depois de acomodar o cachorro na traseira do carro que alugara, dirigiu até uma loja para comprar comida. Sem sequer parar para pensar devidamente, deu por si a entrar no caminho que conduzia à mansão Potter.


Assim que saiu do veículo, o cachorro aninhado nos seus braços, viu Harry. Ele estava deitado à sombra da grande árvore, onde tantas horas haviam passado juntos e separados. Aquela árvore, agora em flor, era guardiã de uma parte substancial da sua história, dos seus sentimentos.


Aproximando-se com delicadeza, viu que ele tinha os olhos fechados. Preparava-se para partir quando ouviu a voz dele:


- Que nome você escolheu?


Olhou para ele. Permanecia deitado, mas os olhos verdes estavam abertos e reflectiam a dança das folhas por cima dele, luz e sombra, uma eterna dualidade. Estava sério, mas parecia sereno.


- Fortune.


- Hm – ele avaliou por alguns momentos – O sobrenome do Will. Acho perfeito. Ele concordou?


- Sim. - a garota assentiu, a palavra saindo num sopro – Obrigado por...bem, levá-lo até mim.


- Não tem que agradecer – num movimento fluído, ele sentou-se, o tronco encostado ao tronco enrugado da árvore e a expressão mais fechada do que anteriormente– Não é nenhum presente de tréguas, não significa que eu esqueci ou que retiro aquilo que disse, apenas sei que ele ficará melhor com você.

Ela mediu-o por uns instantes. “Arrisque, fale agora, lute por isso ou vá embora e perca essa chance de colocar tudo no seu devido lugar”, pensou para si mesma. Respirou fundo, sentindo uma coragem que lhe era familiar invadi-la. Era isso, aquele sentimento existia em si desde sempre. O seu pai tinha razão, a sua fibra estava adormecida mas não perdida para além de todas as possibilidades.


- Não. - afirmou. Harry franziu a testa, desconfiando sobre o rumo repentino que ela estava dando a tudo aquilo – Ele ficaria melhor connosco. Juntos.


- O que está querendo dizer? - a voz do garoto saiu ansiosa, mas dura. Ele não iria simplificar as coisas.


- Eu quero dizer que eu quero uma oportunidade para não voltar a sair pela porta, Harry. Quero uma oportunidade para ficar para sempre. Não porque você lutou por isso, mas porque nós lutámos. Porque, por uma vez, eu sei o que quero e onde pertenço. E o meu lugar é aqui, é onde você estiver, e eu quero a sua ajuda para enfrentar os meus medos, quaisquer que eles sejam. - caminhou até ao moreno, que a olhava longamente, sem proferir nenhuma palavra. Pousou com cautela o cachorro no relvado e ele deu alguns passos, mais confiantes do que os de antes. O equilíbrio dele era cada vez melhor e em poucos instantes ele estava deitado, rolando próximo a uma borboleta branca que esvoaçava por ali.


Notou que Harry seguia a linha do seu olhar.


- Eu quero ser como ele, Harry. Dar passos cada vez mais firmes até já não ter mais receio de voltar a cair. Mas só você pode me mostrar como fazer isso, eu preciso da sua mão segurando a minha. Assim o medo vai embora.


Ela estava cada vez mais perto. As palavras dela soavam verdadeiras e ele ansiava por se entregar a elas , puxá-la para si e dar-lhe aquele beijo que estava queimando nos seus lábios desde que a vira chegar, o vestido branco de linho ondulando na brisa e os cabelos vermelhos, soltos e rebeldes, emoldurando o rosto de uma mulher que um dia fora a sua garota.


Mas estranhamente as palavras não saíam, o seu corpo não obedecia ao desejo insano de a abraçar. Viu a tristeza nos olhos castanhos, viu como ela se levantou sem pronunciar mais nenhuma palavra e como desapareceu ao longe pela escarpa que conduzia à enseada.


Virou a cabeça e notou que Fortune olhava para ele, um olhar brincalhão mas estranhamente humano. Havia ali desafio, um “Está esperando o quê, Potter? Deixe de ser otário!”. Ou ele precisava mais do que nunca de um psicanalista ou aquele cachorro estava lhe dando uma lição de moral com um simples olhar. Hm, certo, era melhor não tentar decidir qual a opção correcta.


Ela dissera. Ela viera e demonstrara que estava disposta a lutar por aquilo tanto quanto ele estava, ela praticamente se jogara da torre na mão dele, o príncipe imperfeito. Já bastava de desencontros, dúvidas, medos, arrependimentos. Era altura de agir, de ser feliz, de agarrar essa felicidade que estava ali tão perto e saboreá-la por inteiro.


Levantando-se num ímpeto, correu como nunca pelo mesmo caminho que a mulher da sua vida trilhara minutos antes. Quando alcançou a praia viu ao longe o vulto de branco, andando junto às ondas. Correu na direcção dela, contendo na garganta o grito de alegria, de pura sensação de estar vivo, que surgira nele com estranha urgência.


Estava cada vez mais perto, observava toda a graça feminina dela enquanto andava descalça pela beira da água, tão parecida à Vénus que um dia vira nela e que pintara com todo o amor que já então sentia. Gritou bem alto “Ginny!” e viu quando ela se voltou e parou, olhando para ele, o rosto bonito numa expressão curiosa e surpreendida. Sorriu para ela, ao longe, e viu quando ela retribuiu o sorriso.

Num último esforço alcançou-a, puxou-a pelo braço, colando os lábios dela aos seus, e lançou-se rumo ao paraíso perdido.


“Aconteceu
Eu não estava à tua espera
E tu não procuravas nem sabias quem eu era
Eu estava ali só porque tinha que estar
E tu chegaste porque tinhas que chegar.” (Aconteceu
, Ana Moura)


N/A – BOM, o que dizer? Eu tenho noção da demora, tenho noção de que não era esse tipo de atraso que desejava para a fic, que vocês têm todo o direito e mais algum de estarem algo magoados comigo. Mas peço apenas...não descontem na fic ok? Eu tive as minhas razões e podem crer que elas foram boas. O tumulto pessoal, familiar, escolar que eu passei não foi pequeno...mas é também com enorme orgulho que eu posso dizer que no próximo ano eu serei estudante da Faculdade de Medicina! :D Além disso, quando eu tive tempo para voltar a escrever eu já nem sabia como isso se fazia. Foi uma reaprendizagem algo dolorosa e difícil de aceitar, com muitas dúvidas existenciais e tombos pelo meio.


Não posso também deixar de dizer que estou retomando a leitura de todas as fics que eu acompanhava, até que todas estejam lidas e devidamente comentadas.


Quanto à fic, acho que esse último capítulo fala por si. Espero não ter defraudado as expectativas de ninguém. Aconselho a lerem os trechos musicais entre cada parte, eles fazem realmente todo o sentido no contexto e ajudam a entender tudo ainda melhor (depois gostaria de saber se concordam). Esse último trecho é de uma fadista portuguesa e de alguma forma eu penso que resume toda a fic, além de terminar com algo do meu país ahaha. Para queles que estiverem a descabelar-se porque acharam que não ficou explícito o que aconteceu no futuro, bom...epílogo daqui a 15 dias (não pode ser antes porque tou indo viajar, mas quando voltar já o trarei escrito e será só digitar ;) ). Eu irei também terminar A Noiva Potter por essa altura, quanto à Ecos eu ainda não sei. Acho que essa será uma conversa que eu terei que guardar para o epílogo e onde vocês terão papel activo ;) Agradecimentos no epílogo. Mas não posso deixar de agradecer à minha cara amiga e colega Georgea, escritora ultra-talentosa (vénia), que teve a ideia do aparecimento do Fortune.

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