Paradiso perduto (parte I)
Capítulo 21 – Paradiso perduto (parte I)
“Who's to know when the time has come around
I don't want to see you cry
I know that this is not goodbye.” (Kite, U2)
“Harry,
Espero que esta carta te encontre bem. Fiquei muito feliz por saber que você finalmente se acertou com a Ginny (se bem me lembro, esse era o nome dela) e que encontrou a paz que tanto procurou. Durante muito tempo eu chorei por não poder ser eu a lhe dar a felicidade que você merece; eu apenas não sabia que o amor é algo que não cabe a nenhum de nós dar ou aceitar displicentemente – ele é apenas daqueles que o cultivam e que foram tocados pelo coração da pessoa amada.
Quando você partiu, durante muitos dias eu chorei. Chorei por aquilo que fomos um dia, talvez pelo que poderíamos ter sido. Até que um dia, eu simplesmente percebi que o passado tinha ficado para trás e que, tal como você, eu deveria procurar o meu futuro.
A nossa história foi como tantas outras histórias de amor – uma pessoa que ama a outra desesperadamente, enquanto esta luta para poder retribuir um pouco do amor devotado. Hoje eu sei que você lutou, mais até do que seria aconselhável, ainda que tudo tenha inevitavelmente acabado.
Mas hoje…hoje eu penso que encontrei uma pessoa que pode me amar totalmente. Ele não tem fantasmas, nem conflitos interiores. Nem tão pouco tem o coração cheio de alguém, tão repleto dessa pessoa que chega a ser ultrajante para aqueles que ainda procuram uma aceitação. E eu vou lutar, Harry, vou lutar por essa felicidade que eu também mereço.
Espero voltar a vê-lo e, quem sabe, conhecer a mulher que te cativou. É certo que ela tem que ser especial, ter uma luz própria, ou o seu coração nunca teria se rendido. Talvez eu me encante também e, então, compreenda totalmente e passe a invejar você.
Até lá, você continuará no meu coração. No doce recanto dedicado aos amores passados, que também têm um pouco de eternidade. Eu serei para sempre encantada por esses olhos verdes que, um dia, me sussurram palavras misteriosas, ainda que não me reste nenhuma esperança de os ter para mim.
Escreva quando puder, eu ainda me preocupo muito com você. Enquanto isso, seja estupidamente feliz.
Com carinho,
Deirdre”
Harry terminou de ler a carta que recebera naquela manhã e não conseguiu evitar um meio sorriso ao olhar a foto que ela lhe enviara junto com a mensagem. A sua consciência parecia ter perdido peso, agora que Deirdre também lutava para esquecê-lo e ser feliz ao lado de outra pessoa.
A pessoa que ele fora, noutros tempos, teria odiado esse conhecimento. Ele fora egoísta e egocêntrico, pelo que perder um amor como o que a loira lhe devotava era um rude golpe. Agora, o seu coração apenas pulsava mais intensamente de alegria, desejando a felicidade de todos à sua volta.
Deixou-se cair para trás, deitando-se na cama. Os seus olhos percorreram cada recanto daquele quarto, impregnado de memórias.
Instalara-se no quarto de Belle, onde ele e Ginny haviam feito amor pela primeira vez. Todas as noites o seu coração doía de saudade, mesmo que ele acalentasse a esperança de que, mais uma vez, o amor fosse mais forte e a trouxesse novamente para perto de si.
Ele dissera-lhe que, desta vez, teria de ser ela a fazer uma escolha. Uma parte substancial de si permanecia firme nessa ideia: ele já demonstrara todo o seu desejo de ficar com ela para todo o sempre ou, pelo menos, enquanto ela o quisesse por perto. Mas um pequeno espacinho de si, provavelmente aquele mais perto do coração, recriminava-se por não ter implorado para que ela não o deixasse.
Voltar para aquela casa tinha sido um suplício nos primeiros dias. Cada divisão parecia encerrar um enorme pedaço da sua história com Ginny e, enquanto percorria as divisões, ele relembrava cada um desses instantes, aumentando a saudade e diminuindo a sua segurança.
Quando chegara e fora recebido por Lily e Arthur na sala, o seu coração quase parara no momento em que os seus olhos se fixaram no pedaço de chão onde descobrira a ruiva depois do pior dia da sua vida. As lembranças daquele acontecimento amontoaram-se na sua garganta, formando um nó e dificultando a respiração.
Suspirou e rodou a cabeça, colocando-se de lado na cama. Os seus olhos prenderam-se no telefone, que lhe gritava para fazer uma simples chamada e ouvir a voz pela qual cada fibra do seu corpo ansiava.
- Eu não vou fazer isso. Não vou. Esquece isso, Harry. – resmungou baixinho, levantando-se com aparente firmeza e saindo do quarto.
Os seus passos levaram-no para junto de umas grandes portas, como se os seus pés possuíssem uma força própria e independente da sua vontade.
A sala de música. Ele ainda não entrara ali desde que voltara, nem estava certo de que estivesse pronto para o fazer. Aquela divisão continha alguns dos momentos mais marcantes da sua vida. O momento em que compreendera o alcance do que sentia por Ginny. A tarde em que a teve e lhe implorou para que fosse verdadeira. O longo suplício da sua culpa.
As suas mãos longas e ágeis acariciaram delicadamente a madeira polida. Num impulso, abriu a porta e entrou.
Estava tudo como ele se recordava. O piano, a atmosfera quase mágica.
Mas faltava algo. Sem dúvida a coisa mais importante não estava ali, tudo o que daria sentido às sonatas que os seus dedos ansiavam por criar. Ela não estava ali.
Sentou-se no banco em frente ao grande instrumento e percorreu o tampo com a ponta dos dedos. Tinha uma textura leve e delicada, ainda que uma intensidade indescritível. A pele de Ginny também era assim.
Prendeu a cabeça entre as mãos, lutando para conseguir ocultar a imagem dela. Era insuportável vê-la em cada objecto, já bastava senti-la colada na sua própria pele, marcada no seu coração e inscrita na sua alma.
- Harry… – ouviu uma voz doce chamá-lo. Olhou para a porta e viu Lily parada na ombreira, uma expressão preocupada tomando conta das suas feições – Você está bem?
- Claro. – ele assentiu, esforçando-se para presenteá-la com um sorriso fraco. Ela mediu-o por uns instantes, avaliando a veracidade daquela palavra. O sorriso murchou automaticamente e ele deu por si a olhá-la com abandono – Eu não quero ter que aprender a viver sem ela, novamente.
- Eu sei. – Lily aproximou-se, sentando-se ao lado dele – Mas, sinceramente, não me parece que você tenha que fazer isso.
- Bom, dessa vez não está nas minhas mãos… – a mulher fez um gesto com a mão, interrompendo-o. Abriu o tampo do piano e avaliou o som, tocando uma pequena escala.
- Ela está lá fora. – virou o rosto para ele e sorriu-lhe, um sorriso genuíno e quase traquina. Observou como os olhos do filho ganharam uma nova chama, o rosto dele abrindo-se numa ampla expressão de felicidade.
- Eu te amo, mãe. Muito. – gritou-lhe, saindo disparado pela porta, enquanto ela gargalhava.
Harry praticamente atirou-se pela porta do terraço, avistando Ginny ao longe, abraçada a Arthur. Correu como nunca pelas escadas, atravessando o relvado verdejante que era ondulado por uma leve brisa.
Ginny separou-se do pai, lágrimas de felicidade caindo dos seus grandes olhos castanhos. Ela sentira realmente muitas saudades dele e da Sicília. Era tão bom estar em casa.
Casa, apercebeu-se com surpresa. Aquela era a sua casa, ali morava a sua felicidade. Talvez pudesse ter sido feliz em outro local, mas nunca se sentiria tão completa como quando estava ao alcance daquele abraço paternal e sincero, daquele jardim encantador.
Viu que o seu pai, também emocionado, olhou para qualquer coisa por cima do seu ombro.
O seu coração apertou-se e ela soube. Não precisava que os seus olhos vissem ou que alguém lhe dissesse. O seu corpo respondia ao dele, estavam ligados por um elo que nem o tempo ou a mágoa tinham conseguido destruir. Harry estava ali, esperando por ela.
- Bom, eu acho que tenho qualquer coisa importante para fazer agora. Talvez dormir a sesta. – Arthur tinha um ar maroto – Vejo você mais tarde, querida.
Ele avançou para o caminho que contornava a casa, rumo à porta principal, deixando Ginny pregada ao chão. Quando se virasse ele estaria ali e depois disso não existiria mais nada.
Sentiu quando o corpo dele parou a centímetros das suas costas. Fechou os olhos, sentindo o enorme calor que emanava dele e o perfume que tanto gostava.
Ele rodeou-a vagarosamente, como se vivessem um momento em que a velocidade do mundo à volta deles diminuíra. Harry parou bem à sua frente, os olhos verdes cheios de luzes e amor.
Encararam-se por longos momentos, em silêncio, saboreando o destino que lhes fora oferecido para cada escolha que tinham feito. Foi ele quem falou primeiro, após humedecer levemente os lábios.
- Você veio. – não era uma constatação, notou ela. Era mais como um sonho realizado.
- Eu vim. – respondeu, sorrindo abertamente – Resolvi que gosto demasiado da Sicília para desperdiçar uma hipótese de viver aqui.
- E eu?
- Bom…digamos que você é a principal atracção local. – ele gargalhou, aproximando-se dela cada vez mais.
- E quando você cansar de mim? – ele colocou-lhe uma madeixa ruiva atrás da orelha, tomando o rosto dela nas mãos.
- Oh, eu ainda não sei. Gostava de conhecer outros países, quem sabe encontre um guia turístico. Um que invada a minha vida, faça tremer as minhas fundações, me leve para uma casa com encanto próprio, faça refém o meu coração. Um como você! – riram ambos, os lábios quase se colando.
- Eu lamento…pelo Will. – sussurrou ele, sentindo o corpo dela retesar-se. Uma sombra toldou os olhos castanhos, mas depressa passou e Harry compreendeu que ela encontrara a sua própria forma de viver com a ausência dele, que nunca seria completa.
- Eu sei.
E antes que ele fizesse qualquer movimento ou formulasse mais alguma palavra, ela abraçou-o pelo pescoço e tomou-lhe os lábios com intensidade. Harry estreitou-a contra o seu corpo, a glória de sentir novamente aquele doce gosto preenchendo-o por completo. Ambos perceberam que nenhuma palavra trocada falaria tanto por eles quanto aquilo.
Ela pressionava o corpo contra o dele, numa urgência que ele nunca antes sentira nela. Ginny comandava o beijo naquele reencontro, dispondo dos seus lábios e entrando na sua boca, tal como comandara a vida dele desde que ele descobrira o quanto a amava.
O jovem quebrou o contacto, buscando ar, mas ela logo se dedicou a plantar beijos ardentes na linha do seu pescoço, fazendo o sangue pulsar mais rápido nas suas veias.
- Vem… – chamou-a, apertando a cintura fina – Quero te mostrar a nova decoração do meu quarto. – soprou-lhe perto da orelha, aproveitando para mordiscá-la. Ela riu do contacto e da voz maliciosa dele.
Percorreram o caminho que os separava da casa em constante provocação, ela arranhando-lhe o peito sobre a camiseta que ele usava e ele subindo as mãos sob a blusa dela, incendiando-lhe a pele fresca com aquele contacto.
Ambos agradeceram mentalmente por Arthur e Lily estarem fora de vista, pelo que não se demoraram a entrar no quarto e recuperar todo o tempo perdido, calando a saudade gritante.
Aquela casa estava cheia de memórias, mas muitas outras estavam por vir. Lembranças que ocupariam o lugar das sombras que ainda restavam em cada divisão, já extintas do íntimo de cada um deles.
Belle estalou os dedos, tentando afastar o nervosismo. Naquele exacto momento, na distante ilha italiana, os seus irmãos deviam estar envolvidos num profundo diálogo não verbal se tudo tivesse dado certo.
Olhou para uma foto de grupo, que repousava na sua estante. Fora tirada no último Natal, mas parecia já muito longe. Will ainda estava ali, aquele sorriso honesto que iluminava tudo e todos, reflectindo na perfeição a sua natureza bondosa. Pegou na fotografia e acariciou com delicadeza a face do amigo, de quem sentia muita falta.
Quando a vaga de emoção já tinha passado, os seus olhos foram atraídos pela figura loira também presente naquele retrato. Suspirou, colocando o retrato no seu devido lugar.
Sentia-se tão idiota. Não sabia se por aquele sentimento que despontara a contragosto, ou por ainda não ter feito nada para vivê-lo mais intensamente.
À medida que empilhava os livros do seu curso, dando graças por finalmente estar livre dos exames, pensou que os seus irmãos tinham lutado demais para poderem, por fim, desfrutar do laço que os unia.
E ela, o que já tinha feito para lutar por aquilo que queria? Nada! Pelo contrário, tudo o que fazia era aumentar a distância que a separava de Draco, fugir dele e do que sentia, recuar a cada investida que ele fizera. Agora, parecia que ele cansara e ela poderia realmente culpá-lo por aquela atitude?
Sentou-se no banco em frente da janela, olhando para a multidão que percorria as ruas movimentadas de Nova Iorque. Quantas daquelas pessoas viveriam com o peso do arrependimento? Quantos daqueles rostos anunciavam alguém que não lutara até ao fim, que não travara o verdadeiro combate pela felicidade? Quantos dariam tudo para ainda existir uma hipótese, para não terem apenas sentado e visto a vida passar devagar?
Ela queria ser uma daquelas pessoas? Não, definitivamente, não. Ela queria viver, mais e mais, cada dia mais intensamente. E desde há um bom tempo a sua vida gritava apenas um nome: Draco Malfoy. Estava na altura de parar de enterrar a cabeça na areia, calar os lamentos pela imperfeição que tanto odiara nele (e que aprendera a ver em si própria, graças a ele) e experimentar tudo o que ele tinha para lhe oferecer.
Levantou-se impetuosamente e foi em direcção à porta, abrindo-a de supetão. Iria à procura dele, bater-lhe-ia se fosse preciso, mas viveria intensamente aquele dia.
Surpreendentemente, não teve que procurar muito. Draco Malfoy estava parado bem diante da sua porta.
- Bom dia. – resmungou ele. Belle, depois de respirar fundo para evitar cair redonda no chão com o susto, observou que umas grandes olheiras sulcavam os olhos de aço do jovem.
- O que você quer? – mordeu a língua, após aquele resmungo. Iria ter que contrariar o hábito se queria conseguir alguma coisa. – Erm…quero dizer, tão cedo.
- Eu…não conseguia dormir. – a voz dele era mais baixa e fraca do que o normal. Bom, de facto, ele tinha o ar de quem não conseguia dormir no mínimo há umas três noites.
- E eu tenho cara de psicóloga, por acaso? – trincou a bochecha desta vez. Argh, ela não tinha mesmo jeito.
- Não… - ele parecia reanimado, como se trocar palavras ácidas com ela fosse a principal razão da sua existência – Você parece mais uma couve lombarda mirrada.
A morena ficara vermelha de fúria e a sua mão voou para a cara de Draco que, prevendo aquela atitude, segurou o braço dela no ar. Ela sacudiu-se, tentando libertar-se, mas ele sorriu maliciosamente e torceu-lhe o braço atrás das costas.
- O que você pensa que está fazendo, idiota?! – rosnou ela, enquanto tentava pisar-lhe o pé.
- Eu – a garota arrepiou-se quando sentiu o hálito fresco dele contra o seu pescoço. A boca dele estava quase colada ao seu ouvido – estou apenas tentando que se acalme um pouco, para que ouça aquilo que eu vim cá dizer.
- E o que seria isso? – ela continuava a debater-se, ainda que de forma inútil. Ele era maior e mais forte, além de que tinha perfeito controlo da situação.
- Continuo à espera que peça um beijo meu.
Belle sentiu o coração disparar e as suas forças esvaírem-se com rapidez. Num movimento fluído, o loiro fê-la rodopiar e prendeu-a de frente para si.
- Eu sei que você quer… – eles estavam próximos, demasiado próximos na opinião de Belle. Ela sentia no seu rosto a respiração profunda dele, observava como os olhos cinzentos se prendiam nos seus lábios. Oh sim, ela definitivamente queria um beijo dele.
Viu como o rosto masculino se ia aproximando do seu. Cada vez mais próximo…dentro de segundos eles estariam novamente numa luta feroz pela posse da boca um do outro…e era tudo o que ela queria.
Fechou os olhos, esperando o contacto iminente. Mas ele não veio. Draco não só não a beijou, como a largou e se afastou vários passos. Ela fitou-o descrente, a respiração rasa.
- Peça, Isabelle.
- Eu não vou fazer isso. - ela engoliu em seco e desviou os olhos – Isso não está certo.
- Porque eu sou tudo o que você odeia… – a voz dele estava baixa e Belle notou, com impacto, que ele parecia realmente magoado, a pose eternamente superior finalmente abandonada – Não consegue aceitar que, apesar de todos os meus defeitos, eu seja tudo o que você quer…tudo o que você precisa.
- Draco… – ela apertou as mãos, ganhando forças. Bom, ele acertara em grande. Mas ela também havia decidido que hoje tudo seria diferente.
- Eu sei que sou egoísta, mimado, caprichoso, arrogante…
- Draco…
- …e que não devo ser o seu sonho de consumo. Afinal, quem poderia sonhar em querer precisamente tudo o que mais odeia, tudo o que sempre lhe disseram que deveria evitar…? – o loiro esfregava a testa com a mão, atropelando as palavras.
- Eu…
- E eu nem sei direito o que sinto. Provavelmente você sonha com uma grande declaração, mas eu não tenho nada disso para te oferecer, porque eu não sei. Eu não sei…não sei o que sentirei amanhã, Isabelle. Eu só sei que neste exacto momento eu só penso em você. Toda a tensão que existe entre nós, não pode ser simplesmente inimizade. Há algo mais, algo maior e muito mais…intenso.
- Draco…pode…
- Afinal, eu sou o Drácula. – ele parecia chateado, prestes a pontapear a parede – E nós nem conseguimos falar dois minutos seguidos sem ofensas mútuas!
- DRACO! – ele assustou-se com o grito da garota e olhou-a como se só agora reparasse que ela continuava ali, durante todo aquele discurso quase esquizofrénico – Nós não precisamos de nada disso.
- Quê…? – ele parecia confuso e a morena quase gargalhou do seu ar abatido. Com calma, aproximou-se dele. Ele dissera tudo o que ela precisava ouvir. Ele não faria uma promessa de amor eterno, não lhe ofereceria nada que ainda não tivesse certeza de poder dar. Aliás, o futuro também ainda era obscuro para ela.
Mas estava disposta a arriscar.
- Não precisamos falar dois minutos seguidos. Há outras coisas com que podemos ocupar esse tempo. – chegou a ele e sorriu-lhe. Ele pareceu maravilhado e aterrado por aquele sorriso sincero, que fez questão de retribuir.
- Isso pode correr terrivelmente mal, você pode arrepender-se…
- Descobri que prefiro me arrepender das coisas que fiz, do que viver na incerteza por nem ter tentado. – os braços dele envolveram-na e ela colocou-se em pontinhas dos pés, pondo as faces dos dois ao mesmo nível – Agora, Drácula, cala a boca e me beija.
E foi o que ele fez. Colocou todas as suas dúvidas e incertezas naquele gesto, mas também todo o fogo que o queimava cada vez que a via, que a ouvia, que sonhava acordado com ela. Por uma vez eles estavam dispostos a serem mais um para o outro do que dois inimigos, descobrindo que o desafio era igualmente aliciante.
Aquilo podia correr maravilhosamente mal. Ou, só talvez, terrivelmente bem.
- Quando terminar de se vestir desça, eu te espero lá em baixo, ok? – Harry deu-lhe um beijo demorado antes de sair pela porta do quarto. Naquela noite iriam sair para jantar fora, num restaurante acolhedor e romântico, de comida típica.
Afastando o roupão, começou a passar o creme hidratante pelo corpo. Era estranho estar novamente ali, onde tudo acontecera, observando uma vez mais as leves marcas que ficaram no seu corpo. Que permaneceriam para sempre.
Aqueles pensamentos não conduziriam a lugar nenhum, decidiu. Ela superara o que acontecera, dentro do humanamente possível, e não deixaria que nada perturbasse a felicidade que vivia ao lado de Harry.
Observou uma fotografia que espreitava da sua carteira aberta. Will. Essa seria uma dor que ela teria que acalentar um pouco mais, porque era o reflexo do imenso amor que sentira por aquele homem. O seu anjo.
Secou as lágrimas que escorriam dos seus olhos, sorrindo interiormente. O americano odiava vê-la chorar, embora fosse o primeiro a reconhecer que, por vezes, é tudo o que alguém precisa para se sentir melhor.
Terminou de se vestir e, quando recolhia a toalha que usara para secar o longo cabelo ruivo, reparou numa foto que jazia na cabeceira de Harry. Acercou-se dela, intrigada.
Franziu a testa ao ver que na imagem estava Harry, um pouco mais novo, junto a uma garota loira muito atraente. Estavam abraçados e pareciam felizes.
Mais que isso.
Apaixonados.
Com as mãos a tremer virou o retrato e leu a dedicatória, escrita numa letra elegante “Agora estaremos juntos para sempre, eternamente apaixonados. Amo você, Ass.: Deirdre”
A foto escorregou das suas mãos e caiu, enquanto o seu coração parecia ter esquecido de bater.
Enganada. Ela fora enganada por ele. Aquela era a prova de que existia uma outra mulher na vida dele, uma a quem ele também se dera.
“Pode ser apenas uma recordação antiga.”, tentou acalmar-se. Certo, então porque estava bem ali, no quarto dele, como se fosse algo que ele estimasse e gostasse de admirar?
Apertou as mãos ao lado do corpo, lutando contra a vaga de desespero que ameaçava submergi-la. Aquela tinha sido a última vez que permitira que ele a magoasse, que a trouxesse ao céu apenas para tornar a descida ao inferno mais prolongada e dolorosa.
Abriu a porta num rompante e saiu do quarto, deixando atrás de si a fotografia caída no chão. Praticamente saltou as escadas e entrou no terraço onde Harry a aguardava.
Ele voltou-se e sorriu-lhe. O seu coração travou pela segunda vez em poucos minutos e ela ponderou as hipóteses de que ele resolvesse, pura e simplesmente, não voltar a bater. Ela não queria que ele voltasse a bater, não se fosse para pulsar constantemente por Harry.
O moreno estava muito elegante e brilhava de felicidade mal contida. Havia uma rosa nas suas mãos, de um vermelho intenso e puro, que ela sabia ser para ela. Naquele momento, ela quase desejou esquecer o que vira e deixar que ele fosse apenas um menino, em frente à sua menina, rogando-lhe com aqueles olhos verdes para que nunca o deixasse.
Quando chegou junto a ele, o vestido castanho volteando na brisa de final de tarde, os olhos cheios de raios dourados da última luz do dia, ela queria apenas que ele compreendesse tudo, sem que precisasse explicar.
Mas ele parecia demasiado imerso na visão que tinha diante de si, desejoso de a apertar contra o seu peito, porque sorriu ainda mais e pousou a testa no topo da cabeça dela, abraçando-a.
- Não, Harry. – Ginny agradeceu por a sua voz ter voltado a tempo de impedir que ele tomasse os seus lábios. Ela não aguentaria sentir de novo aquele falso amor, que ela tanto desejara ter para si.
- O que houve? – o sol estava cada vez mais baixo e o rosto dele era, agora, meio ocultado por sombras. A sua voz era suave, mas a ruiva sentiu a tensão que, sem dúvida, ela passara para ele.
- Não tem nada para me dizer? – murmurou friamente. Harry sentiu-se confuso com aquela súbita mudança de atitude.
- Para além do quanto te amo…? – tentou quebrar a barreira gelada que se erguera entre eles, mas pela expressão no rosto da garota, falhara redondamente.
- Talvez queira partilhar comigo os seus planos? – os nós dos dedos de Ginny estavam brancos, tal a força com que apertava as mãos. O seu tom de voz subia progressivamente, deixando Harry ainda mais confuso – Dar a conhecer qual o meu lugar no meio da sua história com….Deirdre?
Harry sentiu uma tontura e um mal-estar crescente. Como ela soubera de Deirdre? Aparentemente, qualquer que tivesse sido o meio, ela compreendera tudo mal.
- O que eu tenho com Deirdre é só isso mesmo, Gi. Uma história. – tentou voltar a segurá-la pela cintura para forçá-la a olhar nos seus olhos e ver a verdade neles, mas ela voltara-lhe costas e fitava o jardim onde a pouca luz existente brincava em cada canteiro.
- Uma história de amor.
- Não. Uma história de “era uma vez…”. Porque é só isso que existe para nós agora, um passado.
- É mentira! – gritou a garota, batendo as mãos no bordo de pedra da varanda – Eu vi a foto, não vale a pena tentar me enganar e dizer que ela não significa nada para você!
- Eu não estou enganando ninguém aqui, Gi! – desesperou-se o moreno, levantando também a voz. A sua cabeça rodava e ele sentiu-se mais cansado do que em qualquer outro momento da sua vida. Cansado de tentar lutar contra o mundo que parecia insistir em separá-los – Não posso simplesmente apagar o meu passado, apenas para te deixar mais segura!
- E então…você faz questão de mantê-lo bem vivo ao lado da cama onde disse que me amaria todos os dias da sua vida?
- Eu recebi uma carta dela, a foto vinha junto. É apenas isso, uma coincidência! – segurou-a pelo braço, fazendo com que ela se virasse para o encarar. Os olhos castanhos estavam vermelhos e faiscavam, cheios de dor e dúvida. De falta de confiança.
Harry sentiu-se completamente derrotado.
- Caramba, Harry, a sua vida é cheia de coincidências! – a ruiva praticamente cuspiu a palavra que ele utilizara, de forma venenosa e mesquinha. Ele afastou-se, descrente e magoado.
- Eu não acredito que não vai confiar em mim. Não depois de tudo o que vivemos…
- Você jurou que eu tinha sido única. Era mentira, Harry! Tudo é mentira, eu simplesmente não sei quem você é! Eu não consigo confiar, te dar o benefício da dúvida para que possa aproveitar e me magoar mais um pouco. Eu não quero isso para mim, Harry…não mais!
- ÓPTIMO! – a cólera de Harry subira a proporções que a ruiva nunca antes testemunhara. O rosto bonito dele fora quase transfigurado por uma mistura de desespero e raiva – Então eu farei um favor a ambos e vou sair daqui, porque eu não sei mais o que fazer para quebrar essa redoma de que você se rodeia! – começou a andar, rumo às escadas para o pátio de entrada da casa e o jardim – Talvez um dia você ainda compreenda que eu nunca fiz nada para te magoar e que sou apenas um humano, Ginevra. As pessoas têm esse triste dom, de machucar sem querer, quando na verdade tudo o que desejavam era fazer a coisa certa!
A ruiva teve vontade de jogar um sapato contra Harry, apenas porque ele parecia inatacável naquele momento. Talvez porque estivesse dizendo a verdade…? Não, ele certamente era apenas um mentiroso muito bom.
- Eu cansei, Ginny! – já não era um grito, na verdade a voz não soara nem alta, apesar da clareza. Era apenas um desabafo, uma constatação. Era duro, sonante e verdadeiro – Eu queria tanto que a minha palavra bastasse para você, mas creio que precisará disso aqui – terminou, atirando-lhe para os pés um envelope branco que retirara do bolso.
A garota observou, com uma indiferença forçada, a forma como ele lhe deu as costas e desceu cada degrau, até chegar ao seu carro e arrancar.
Com os dedos trémulos, apanhou a carta do chão e deslizou até ficar sentada na pedra fria e crua. As letras dançavam na sua frente e Ginny demorou alguns instantes a atingir um estado de concentração suficiente para entender a generalidade do conteúdo. A visão turvou-se, à medida que os olhos se enchiam de lágrimas e que os soluços irrompiam da sua garganta, o alívio misturando-se com a tristeza pelo mal que acabara de causar à sua relação com Harry.
- Droga, Harry! Me perdoa…
Respirou fundo, contendo uma náusea que crescia no seu âmago, e precipitou-se para o jardim, a carta amarfanhada na sua mão direita. Dessa vez, ela conseguira realmente estragar tudo. E nem podia culpar Harry, porque qualquer namorada confiante nos sentimentos envolvidos na sua relação, teria pelo menos ouvido a explicação antes de partir para conclusões precipitadas e, para piorar, isentas de verdade.
Afastou-se da casa, andando sem rumo pelo meio do arvoredo. Desejou que Belle estivesse ali, pois ela sempre tinha um conselho para as alturas de maior desesperança, ainda que dificilmente os seguisse ela própria. Arthur e Lily também não podiam ajudá-la, já que tinham saído para um jantar com amigos.
Ela também deveria ter saído para jantar com Harry, uma noite que seria só dos dois. Uma noite para celebrar a sós o noivado que anunciariam dentro de poucos dias.
Ouviu um restolhar atrás de si e voltou-se prontamente, os sentidos alerta.
Quase conseguiu sorrir ao ver um esquilo que brincava alegremente com uma bolota e que fora o aparente causador daquele distúrbio no silêncio do local. Voltou-se para prosseguir, quando uma voz congelou o seu mundo.
- Voltamos a encontrar-nos, Ginevra. É um prazer indescritível.
Ginny não precisava realmente de ter visto o homem surgir diante de si para reconhecer aquela voz, aquela figura odiosa. O mesmo rosto que a assombrava há mais de dois anos, o homem que quase a destruíra como mulher e como ser humano.
António Firenzzi não mudara particularmente, o que só tornava tudo um pouco pior. O estômago da ruiva revolveu-se instantaneamente e ela lutou contra a náusea violenta que lhe sacudiu o corpo, à medida que as imagens ocupavam a sua cabeça.
Apertou as mãos, enterrando as unhas nas palmas para sufocar o grito de puro ódio e horror que lhe assomou à garganta. Um grito ao qual apenas faltava o desespero para ser em tudo igual aos que ecoavam na sua memória, os constantes pedidos de socorro e as súplicas que ela lhe fizera.
- Eu não posso dizer o mesmo. – estava pálida e suava frio, o medo que sentia escorrendo pelos poros.
- Ora, ora. O nosso último encontro foi tão…agradável – o homem sorriu de uma forma que fez Ginny ter vontade de esvaziar o estômago na mesma hora – Mas você não foi uma boa menina.
- É, eu tenho essa mania. – a ruiva olhou em volta, procurando ajuda ou uma saída. Mas, tal como da primeira vez, não existia nada nem ninguém para a ajudar.
- Eu disse que era para você morrer… – o mesmo riso grotesco e hediondo, transformando-se numa gargalhada sinistra – Decidi voltar para acabar o que comecei. Potter e o seu pai não parecem ter aprendido em condições, então é prudente reforçar a lição.
Ginny puxou o ar com força, enquanto observava a faca longa que ele empunhava e que mantivera escondida atrás das costas até àquele momento. Ela ainda podia sentir o contacto frio da crueza do metal contra o seu pescoço…o seu ventre…a escuridão que viera a seguir.
Avaliou as suas hipóteses de fuga. Ele estava a dois passos de distância agora e parecia duplamente desesperado. Olhando para os seus olhos maldosos, Ginny compreendeu que ele sabia que seria apanhado e, como tal, não tinha nada a perder. Harry roubara-lhe tudo e, antes de ser preso e julgado, António Firenzzi viera garantir que o moreno sairia a perder tanto quanto ele daquela disputa.
Harry tirara-lhe poder, dinheiro e influência, as coisas com que ele mais se importava. Ele tiraria do jovem a sua coisa mais preciosa, como pagamento por tudo o que lhe fora destituído.
Não adiantaria correr, ou isso apressaria ainda mais o final. O final…ele chegaria. Depois de tudo, ela ainda iria morrer às mãos do homem que mais odiava. Os seus pesadelos aproximavam-se perigosamente da realidade naquele momento, deixando para trás toda a luta que travara para se reconstruir e reencontrar a felicidade.
- Não adianta fugir, querida… – o mesmo trejeito asqueroso com a língua. O tempo não passara mesmo para ele e Ginny quase riu histericamente com aquele pensamento – Ninguém virá para te salvar. Apenas morra…! Pode ser rápido e indolor se colaborar. Você está sozinha mais uma vez, apenas eu e você e um final adiado.
- Quanto a isso, eu lamento informar que se enganou. Ela não está sozinha dessa vez, nem nunca mais vai estar. – a ruiva rodou a cabeça e arfou ao ver Harry. Ele estava a alguns passos de distância de Firenzzi e fazia mira com um revólver prateado.
N/A – Nhai, finalmente o penúltimo capítulo (que, na verdade, é a primeira parte do último ahah), o Paraíso Perdido. Eu sei que nesse momento vocês devem estar dizendo “MAS COMO ASSIM? COMO OUSA DEMORAR PRATICAMENTE UM MÊS E ESCREVER ESSA COISIQUINHA?”. Em minha defesa, eu estive doente (uma virose chata) e atolada na escola (por aqui estamos entrando numa fase crucial do ano e eu não POSSO deixar nada ao acaso, afinal eu já tive que adiar o meu sonho uma vez). E, por último, mas acima de qualquer outra, eu tive O bloqueio mimimi. Na verdade, ele não está ultrapassado por completo, mas eu fiz muita força para terminar esse capítulo e não deixar o povo na ignorância por mais tempo. Eu espero realmente que gostem, embora a segunda parte vá ser francamente melhor (Belle e Draco em grande, para compensar, e o desfecho do confronto tão aguardado). Obrigada pelo carinho na minha nova fic – Ecos de Sudeste – e passem na minha homepage. É o meu Multiply e lá vocês podem encontrar algumas coisas úteis à leitura das minhas fics, bem como novidades em primeira-mão sobre o andamento dos capítulos. Prometo não demorar para postar o último gente…reviews ajudariam imensamente, ahah. Beijooooos!
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