Um coração traidor
Capítulo 19 – Um coração traidor
In a little while
This hurt will hurt no more
I'll be home, love. (In a Little While, U2)
Abriu os olhos e deparou-se com a luz vaga que entrava pela janela. A madrugada aproximava-se a passos largos e logo um novo dia chegaria. O seu olhar pousou, depois, no emaranhado de cabelos ruivos que descansava na almofada ao seu lado, com as pernas entrelaçadas nas suas.
Enquanto observava o arco elegante das costas de Ginny, nua e coberta apenas por um lençol a partir da cintura, relembrou a noite anterior.
Tinham festejado o novo ano em Rockfeller Center, acompanhados por Belle e, depois, foram para o apartamento onde continuaram a festa pela noite fora, juntando alguns amigos de Ginny e Harry. Todos se divertiram muito, mesmo Draco, especialmente animados por Belle que contou todo o seu plano de juntar os dois.
Aliás, o novo par não passara despercebido. O amor que partilhavam era evidente e nenhum deles pretendia escondê-lo do mundo, por mais um minuto que fosse. Will exultara quando, chegando na tarde do dia de Natal, os vira de mãos dadas e enormes sorrisos no rosto.
Já a morena batera na porta do quarto da ruiva pela manhã, perguntando se estavam decentes e entrara, saltando para cima da cama sobre eles. Ginny ainda tentara fazê-la sentir-se vagamente culpada por ter arquitectado tudo aquilo, mas ela não parecera nem um pouco envergonhada, nem quando confessara que fora ainda responsável pela ruptura do sofá que conduzira Harry até à cama (E ao coração! – rira ela) do amor da sua vida.
Mas para ele a noite só ficara completa quando Ginny, com um sorriso do tamanho do mundo, o conduzira pela mão até ao quarto, reclamando algo sobre começar o ano novo com o pé direito.
Sorriu ao observar a forma engraçada como a respiração dela fazia oscilar uma pequena madeixa do seu longo cabelo e admirou a expressão pacífica e doce que ela tinha ao dormir.
Uma súbita vontade de amá-la, uma vez mais, irrompeu no seu peito. Tanto tempo de separação apenas contribuíra para que o seu desejo por ela aumentasse. Já não era apenas uma vontade quente, mas sim uma necessidade.
Ele precisava dela. Muito. Desesperadamente. De amá-la e tê-la de todas as formas possíveis, pois apenas junto a ela encontrara o amor. E se encontrara.
Muitos diziam que para cada pessoa que caminha sobre a Terra, existe mais do que uma pessoa certa. E talvez, até certo ponto, aqueles que o afirmavam tivessem razão, porém ele simplesmente não estava disposto a tentar descobrir. Nada era tão difícil quanto tentar encontrar um outro alguém, alguém que faça o coração bater mais depressa, encha a vida de esperança e sonhos, quando se tem certeza de já ter encontrado uma pessoa capaz de o fazer com perfeição.
Com movimentos lentos e em intervalos constantes, ergueu-se na cama e aproximou o corpo do dela. Estava disposto a decorá-la, ainda que no seu íntimo sentisse que ela seria sempre uma aliciante descoberta para ele.
Em cima da omoplata esquerda ela tinha um pequeno sinal, que ele achou adorável. Num ímpeto, cobriu aquela marca com a boca, depositando um beijo suave nas costas dela. Aguardou uns instantes, mas ela não teve nenhuma reacção e continuou a dormir.
Sorriu de forma malandra e decidiu que era uma hora perfeita para acordá-la. Afinal, dormir podia bem ser uma tremenda perda de tempo.
Afastou os cabelos vermelhos, expondo totalmente a pele das costas, alva e suave. Debruçou-se mais sobre o corpo de Ginny, aspirando o perfume floral que se desprendia de cada poro. A sua boca cálida foi magneticamente atraída, quase a despeito da sua vontade, para a nuca dela, beijando-a demoradamente.
Lentamente, foi deslizando sobre o tronco, delineando um rasto de pequenos beijos na coluna da jovem. Ela não demorou a suspirar e, quando ele tinha atingido o meio das suas costas, despertou e tentou virar-se para o encarar.
No último instante, ele esticou-se e segurou-lhe os braços, mantendo-a na posição em que estava.
- Harry, ainda é de madrugada. O que é que você está fazendo? – reclamou, mas pela voz dela, ele diria que ela estava plenamente acordada.
- Te amando. – respondeu ele, numa voz rouca e baixa.
- Eu ainda queria dormir! – voltou a protestar a ruiva, desta vez ainda mais fracamente.
- Você pode sempre tentar continuar a dormir. – sugeriu, sorrindo interiormente. Beijou-a na coluna uma vez mais e continuou descendo, rumo à base das costas, incitado pelos suspiros que ela soltava. Quando alcançou a fronteira, delimitada pelo lençol, roçou os lábios na pele dela.
Ginny arqueou-se, lutando um pouco contra as mãos dele, que continuavam a prendê-la. Quando ele passou suavemente a língua pela sua pele nua, um arrepio frenético atravessou-a de alto a baixo. Harry podia sentir o seu próprio coração ribombando contra as costelas, bem como a excitação crescente dela.
Sem sequer se aperceber, as mãos dele já viajavam pelo corpo da ruiva, deixando-a livre para se voltar e corresponder a um beijo forte e exigente, ainda cheio de saudade. Ambos colocaram tudo de si naquele contacto, uma complexidade de sentimentos que parecia um enorme buraco negro resultante da explosão de uma supernova. A estrela mais brilhante do céu viera procurar abrigo no peito no peito de cada um deles e inundara-os com uma fome pelo outro que nada parecia calar.
Enquanto Ginny lhe depositava beijos ardentes no pescoço e o arranhava suavemente nas costas, em resposta às constantes provocações dele, Harry sentia-se à beira de um precipício. Se desejava equilibrar-se ou cair, saboreando a energia descomunal de um salto no vazio, ele não saberia dizer. Estar perto de Ginny era um pouco dos dois e, instintivamente, ele sabia que qualquer uma das hipóteses o deslumbraria.
Olharam-se nos olhos, desejosos e expectantes. Harry viu, naqueles olhos castanhos que ele tanto amava, o mesmo medo que deveria estar reflectido nos seus. O medo profundo de ser tão completamente de alguém, sem um único reduto de existência que não pertença totalmente a essa pessoa. Era aterrador, porque ambos tinham consciência de que estavam para além da união física.
Depois de tudo o que tinham vivido, Harry e Ginny estavam finalmente juntos. Juntos. Esse sentimento de pertença e dádiva abatera-se sobre eles naquele momento e os dois estavam, simultaneamente, gratos e hesitantes.
Harry sorriu. Um sorriso luminoso e extasiado, como se tivesse acabado de acordar para um mundo novo e maravilhoso. Não importava mais o que viesse, o que acontecesse a seguir. Naquele momento ele tinha-a nos braços e iria amá-la como nunca outra mulher fora amada por ele; e ele se entregaria totalmente para ela, esperando humildemente que ela o quisesse ali para a vida inteira.
Ginny correspondeu com um sorriso doce e acenou suavemente, estabelecendo um entendimento silencioso. Ambos tinham medo porque aquele sentimento era muito maior do que eles e, no entanto, nascia daquela união. Das bocas coladas, das mãos dadas, dos corações batendo a um mesmo ritmo.
A garota soltou-se com gentileza do amplexo do moreno, rolando para o lado e deitando-se de forma a poder observá-lo. Ele voltou-se de lado, de forma a encará-la de volta. Ginny observou que ele respirava com força, os olhos ardendo de desejo de completar o momento. A pele dele parecia tão quente que ela se admirou por não soltar ondas de vapor. As mãos cerradas estavam fechadas com força, como se ele estivesse fazendo um esforço colossal para se impedir de puxá-la e mergulhar nela.
- Gi… – ele meio chamou, meio gemeu. – Eu quero você. Volta aqui...
Ela gargalhou perante o tom desesperado da frase dele e, provocante, dedicou-se a enrolar com um dedo uma madeixa de cabelo que caía sobre o seu peito. Sentiu os olhos de Harry serem imediatamente convocados para aquela parte do seu corpo e viu que ele engolira em seco e apertara mais ainda as mãos.
- Eu te amo, Harry. – murmurou baixinho, como se fosse um segredo importante e vital. – Mas vai ter que aprender que eu não sou obediente e que você não é o único com capacidade de persuasão por aqui.
- Certo. – resmungou ele.
Com um movimento quase felino, a ruiva já estava por cima de Harry, segurando-lhe as mãos. Ele riu, mas logo em seguida quase se engasgou ao sentir a língua da ruiva passear pelo seu peito.
Ginny sabia que ele poderia ter-se soltado, mas também estava ciente de que ele respeitava os seus desejos e vontades, a todos os níveis. Provocando-o ainda mais, plantou uma linha de beijos pelo abdómen de Harry, sentindo a pele ardente dele arrepiar-se perante o contacto com a sua boca húmida e fresca.
Quando se deu por satisfeita com o estado de ansiedade em que ele já deveria estar, ergueu os olhos e viu que o moreno tinha os olhos fechados e mordia o lábio quase ao ponto de fazer sangue. Soltou-o e as mãos grandes voaram automaticamente para o seu corpo, puxando-a para cima, onde a boca dele pudesse alcançar a dela, e rastreando a fogo o arco das suas costas.
Ela deslizou sob o corpo dele, aumento o contacto e ganhando em troca um trilho de beijos na boca, bochecha, queixo e pescoço. Um último beijo, em que as línguas dançaram harmoniosamente, sem que nenhuma conduzisse, selou o momento. Ofegantes e suados, concordaram com um olhar que nenhum deles aguentava mais. Precisavam de se dar, de sentir, de ser.
As mãos de Harry colocaram-se na cintura esguia de Ginny, colocada sobre ele, e apertaram-na suavemente quando, finalmente, se encontraram por completo. Trocaram um último olhar abrasador antes de se lançarem rumo ao abismo, guiando e acompanhando o outro.
Voavam, cruzando os ares e vendo águas límpidas e céus de cristal. Chamavam um pelo outro, garantindo que continuavam juntos, sempre juntos. Murmuravam para as estrelas o seu amor, o quanto se queriam, cada vez mais. Mais.
Quando sentiram que não existia nada mais, que já atravessavam os céus à velocidade da luz, entrelaçaram as mãos, preparando a queda.
E ela veio. Uma vertigem que anunciou que haviam alcançado o zénite e em breve ambos caíam, a uma velocidade inimaginável. Ainda juntos. Sempre.
O ar preso numa fronteira, em que não permitia o alívio de uma respiração completa, mas os pulmões sempre cheios. Harry abriu os olhos, sentindo que aquele fora, sem dúvida, o derradeiro momento da sua existência. Os seus olhos prenderam-se em Ginny, imponente na sua figura feminina descoberta, os olhos chocolate com um fogo puro, o cabelo ruivo beijando a pele sob a qual caía. Em todo o seu esplendor, ela assemelhava-se a uma deusa do amor, intensa e perfeita.
Ela deitou-se sobre ele, repousando o corpo saciado mas mantendo-se sempre próxima. Harry beijou-lhe o topo da cabeça, mergulhando os dedos por entre as madeixas ruivas, num carinho reconfortante. O outro braço rodeou-a, garantindo que ela ficaria ali.
Ginny era a sua árvore frondosa e verdejante, que um dia daria frutos perfeitos, e ele seria sempre a terra fértil aos seus pés.
Um beijo delicado na testa acordou-a. Harry sorriu-lhe, de banho tomado e já vestido, com uns jeans escuros, uma camisola quente e um casaco. Preguiçosamente, ela abraçou-o e fez força para que ele voltasse a deitar-se.
- Não posso. – ele parecia realmente lamentar – Eu tenho uns assuntos urgentes para tratar em casa, parece que finalmente a canalização está pronta. A Belle fez um bom trabalho, – fez uma careta, perante a recordação das medidas extremas da irmã – mas vamos poder voltar para casa.
- Quer dizer que eu vou ficar sem companhia para dormir? – a ruiva fez um bico cómico e Harry acariciou-lhe os cabelos.
- Não. Quer dizer que nós vamos poder variar mais de sítio. – murmurou-lhe perto do ouvido de forma sugestiva, produzindo uma descarga eléctrica na garota – E também quer dizer uma outra coisa, mas acho que isso você vai ter que descobrir.
Ginny franziu a testa, tentando perceber do que ela estaria falando. Um último beijo e um sorriso luminoso de Harry, e ele tinha desaparecido pela porta do quarto.
A ruiva levantou-se, vestindo o roupão que jazia aos pés da cama, e foi até ao closet, onde seleccionou um vestido que ia até ao joelho, de malha preta, com mangas e gola. Para completar o conjunto umas botas pretas e um sobretudo do mesmo tom. Prometera encontrar-se com Will, encontro para o qual já estava consideravelmente atrasada.
Colocou a roupa sobre a cama e foi até ao quarto de banho. Ainda pairava algum vapor da água escaldante com que Harry tomara banho. Quando a luz se acendeu completamente e olhou para o espelho, um enorme sorriso apareceu nos seus lábios.
Alguém, sem dúvida Harry, escrevera no espelho embaciado: “Amo você. Casa comigo.”. Como assinatura, ele desenhara um bonequinho de cabelos arrepiados que era inconfundível.
Já debaixo do jacto de água quente, Ginny ponderou se ainda seria necessária uma resposta depois da última madrugada. Mas resolveu que sim e que a daria naquela mesma noite, quando ele a tivesse novamente nos braços, num daqueles instantes que era unicamente deles.
Apressou-se a vestir e correu para procurar um táxi, despedindo-se rapidamente de Belle, que estudava na mesa da sala.
No entanto, chegou ao local onde combinara com Will com um atraso de quase uma hora. Ele ainda lá estava, sentado na mesa habitual daquela sala de chá que ambos gostavam de frequentar.
- Desculpa o atraso, Will. – desbobinou ela, mal tinha aterrado na cadeira diante dele. Esperava que ele sorrisse pacificamente e lhe tirasse as preocupações, como sempre, mas não foi o que aconteceu.
- Eu disse que era importante, Ginny. – ela captou de imediato o tom chateado que ele adoptara. Observou-o com cuidado e viu que ele parecia ansioso e zangado, o que nele era extremamente raro. Suspirou, apreensiva, antes de responder.
- Eu sei, mas eu me distraí. Ontem com a festa de passagem de ano e o Harry… – tinha vacilado e estava disposta a retratar-se com ele, contudo ele não parecia disposto a deixar ficar por ali.
- Claro, agora que vocês voltaram só existe ele, não é mesmo? – as mãos dele apertavam a beira da mesa e os nós dos dedos estavam totalmente brancos – Pois saiba que o mundo não se resume a vocês os dois, Ginevra!
O uso do seu nome completo soou como uma campainha aos seus ouvidos. Ela realmente se atrasara, mas para quê todo aquele desacato da parte dele?
- Você não tem o direito! – rosnou-lhe, lívida de fúria – De qualquer forma, o que pode ser mais importante do que eu ter voltado finalmente com o Harry? O que pode ser mais valioso do que a felicidade? Pensei que também era o que você queria, William!
Ele pareceu abater-se como um balão furado. Passou as mãos pela testa, nervosamente, e pressionou os olhos com a palma das mãos. Suspirou e, quando voltou a fixá-la, Ginny viu que o Will de sempre tinha retornado.
- Tem razão. Me desculpa, Gi. – agarrou a mão dela e apertou-a delicadamente, esboçando um sorriso desmaiado – Eu realmente fui injusto.
- Tudo bem. – ela respirou fundo e acedeu – Mas o que aconteceu para te deixar assim? Do que queria falar, afinal?
- Problemas na paróquia. – respondeu ele, após hesitar. A impressão de que ele mentia apoderou-se da ruiva. Mas ele nunca agira assim antes, porque o faria agora? Não, certamente era apenas uma sensação errada.
- Em que posso ajudar? – prontificou-se.
- Na verdade, eu queria apenas desabafar mas…eu vou ter que ir. Infelizmente, eu tenho um compromisso no outro lado da cidade e devo ir para lá imediatamente.
- Ok. Nos falamos depois, então? – a garota quis garantir que, de facto, ficara tudo bem entre eles.
- Claro. – ele sorriu, mas ainda parecia triste e muito desanimado aos olhos da ruiva. Beijou-a suavemente no rosto e partiu.
Quando a campainha tocou, Belle bufou de impaciência. Um exame importante na faculdade aproximava-se e ela ainda mal começara a estudar. Tinha perdido muito tempo traçando os planos para juntar aqueles teimosos que eram os seus dois irmãos; não que desse o tempo por perdido, uma vez que tudo funcionara muito bem, mas agora teria que se aplicar em dobro nos assuntos escolares.
Ao abrir a porta, a sua vontade foi de voltar a fechá-la, ao deparar-se com Draco na soleira, ostentando o seu melhor sorriso presunçoso.
- A Gi não está, por isso pode dar meia volta e seguir o seu rumo. – disse displicentemente, preparando-se para bater a porta no nariz dele.
- Eu posso esperar, não estou com pressa de qualquer forma.
Era a última coisa de que precisava, ter aquele sapo bexigoso lhe infernizando a vida enquanto lutava para decorar os enormes calhamaços do curso de veterinária. Mas, para seu grande desagrado, a casa não era dela e não tinha o direito de proibir a sua entrada.
Relutante, deu-lhe passagem. Ele sorriu, o canto esquerdo retorcido, um sinal que ela associava à perspectiva de passar um tempo agradável com ela. Observou-o a instalar-se no sofá novo de Ginny e, encolhendo os ombros, sentou-se novamente à mesa para prosseguir com o trabalho.
- Então, o que você está estudando? – inquiriu o loiro, despreocupadamente. Belle apertou os olhos, desconfiada.
- Você está tentando ser agradável, Drácula? Isso não faz minimamente o seu estilo.
- Na verdade… – mesmo ao longe, ela viu os olhos cinzentos dele cintilarem – Eu me perguntava como é que deixam uma lagartixa descamada estudar numa faculdade, qualquer que ela seja.
- Ora, Drácula, depois que você conseguiu frequentar Belas-Artes, até cães coxos podem tentar a sua sorte. – um lampejo de vitória apossou-se do rosto doce da garota, mantendo-se compenetrada no livro em que tomava notas. Ele fez um sorriso amarelo, engolindo a provocação. Era amarga. Muito amarga.Definitivamente.
- Eu apenas me surpreendi de como você teria conseguido encontrar o caminho para a escola. Talvez o seu irmão rafeiro a tenha ajudado…? – molhou os lábios, sabendo que enviara a farpa para o sítio certo. A pele da jovem pareceu estalar de electricidade e parou imediatamente de fingir que a presença dele não lhe causava incómodo algum.
- Não ouse falar do meu irmão, ouviu? Já não é o primeiro aviso, por isso coloque-se no seu lugar. – rosnou-lhe, voltando-se novamente para os livros.
- E qual seria o meu lugar? Oh, eu sei onde você gostaria que fosse… – atiçou-a, levantando-se e plantando-se diante da cadeira em que ela estava sentada. Ela sorriu, aparentemente divertida.
- Jura? O facto de você sequer pensar me surpreende, então as suas certezas certamente me deixarão maravilhada para além do humanamente possível.
- Você adoraria me ter na sua cama, não é mesmo? – prosseguiu ele, circundando a mesa até se debruçar e folhear alguns volumes.
Belle gargalhou, como se Draco tivesse dito a piada do século.
- Claro Draco, mas primeiro eu espalharia alguns pregos nela. Até que você ficaria engraçado, parecendo um queijo suíço todo furadinho. – riu ainda mais.
Os olhos dele chisparam e voltou a dirigir-se ao sofá. A tarde transcorreu vagarosamente, Belle fingindo que a sua atenção era devotada unicamente à anatomia dos animais e Draco parecendo francamente interessante no que a TV tinha para oferecer.
Quando os últimos raios de sol entravam pela janela, Belle deu-se por vencida e decidiu fazer algo para comer. Ginny e Harry deveriam ter combinado um jantar romântico algures e chegariam mais tarde.
- Lesma gosmenta, eu realmente não sei quanto tempo a Gi ainda vai demorar. Tem certeza que quer continuar aí, parecendo um cepo? – rabujou enquanto juntava os livros.
- Eu ficaria melhor se você não estivesse aqui, parecendo um espantalho horroroso, mas posso viver com isso.
- Como assim um espantalho horroroso? – a morena não conseguiu evitar que a pergunta saísse disparada da sua boca.
- Você sequer se penteou hoje, garota? – apontou ele, desdenhoso. Belle sentiu que estava perdendo o controle e, em breve, estava gritando a plenos pulmões com o loiro.
- Você é o ser mais ODIOSO e NOJENTO que eu jamais conheci, sabia? Não sei como a Gi te aguenta, pois ninguém mais tem estômago para isso…nem seus PAIS te suportam, nem seus colegas. Todos sentem DESPREZO.
- Quem você julga que é? – berrou-lhe ele de volta, aproximando-se dela e puxando-a pelo braço com força. Belle estremeceu com o contacto, sentindo toda a fúria que emanava dele. – A dona suprema da verdade? Você acha que é perfeita, hein?! RESPONDE!
Ele soltou-a com um esticão. Ela tinha os olhos arregalados em surpresa pela reacção brusca dele. Draco respirava pesadamente e olhava-a, as íris estreitas e frias como gelo.
Então, como se fosse o passo certo para se ter a seguir, ele avançou para ela. As mãos, pálidas e finas, tremiam quando pousaram na cara dela. Um toque receoso e surpreendente, para ambos. Num impulso, ele puxou-a e os lábios de ambos encontraram-se.
Não foi um beijo tímido, ou doce. Foi um beijo forte e sôfrego, em ambos buscavam adquirir controle, em que tentavam ceder o mínimo e acabam entregando tudo ao outro. Foi um beijo que descreveu uma relação.
Belle constatou que a boca dele era invulgarmente doce, especialmente para alguém que era perito em distribuir palavras amargas. Ele beijava de um jeito diferente de qualquer outro que ela já beijara; era um beijo à la Draco Malfoy, único e inesquecível na sua forma muito peculiar.
Draco descobriu que a boca dela era perfeita para a dele. O tamanho dos lábios, o gosto, a textura da língua, a sensação que provocava. A sensação. Beijá-la e entrelaçar os dedos nos cabelos dela era infinitamente melhor que discutir. Tal como ele pensava, era um meio para chegar a um fim desejado.
Quando o loiro mordeu levemente o lábio dela, as mãos descendo pelas costas rumo à cintura, ela despertou e empurrou-o. Não foi um gesto furioso – na realidade, foi muito mais delicado do que qualquer palavra que tivessem trocado antes daquele instante.
- Eu…nós… – passou as mãos pelos cabelos longos, tentando acalmar-se – O que foi isso?
- Um beijo. – fez uma careta perante a resposta idiota – Algo que eu queria muito fazer mas que só hoje consegui. Porque estava furioso e queria te calar, de algum jeito. Do melhor jeito.
Belle abriu e fechou a boca como um peixe fora de água, observando enquanto ele colocava as mãos nos bolsos e fitava o vazio para além da janela.
- Você quis me beijar a tarde inteira? – balbuciou, a voz baixa.
- Sim. – ele resolveu encará-la de frente, olhos nos olhos.
- Mesmo quando estava gritando comigo. – constatou a morena. Ele acenou, um pequeno sorriso despontando nos lábios.
- Especialmente quando eu estava gritando com você.
Belle engoliu em seco e torceu as mãos.
- Então…isso é…uma espécie de…novo desenvolvimento na sua vida? – repreendeu-se pela pergunta tosca.
- Querer te beijar? Não. É como se estivesse sempre lá…como…os serviços secretos ou…a ameaça de uma catástrofe nuclear ou um barulhinho irritante de torneira pingando. É apenas algo a que você se habitua, tenta não dar importância e ultrapassa de alguma forma. – a garota corou levemente e sentiu um estranho calor no peito.
- E a sua forma…
- …é discutir tanto que até para mim parecesse impossível e horrível sentir vontade de te beijar. – ele parecia quase zangado consigo próprio.
- Funciona…?
- Na verdade, não. Nunca tente, é uma péssima ideia. A única que eu jamais tive, claro. – ele sorriu novamente. Um sorriso que em nada se parecia com o habitual sorriso frio e sarcástico. No entanto, aquela deixa pareceu lembrar Belle de que estava tendo esse diálogo com DRACO MALFOY.
- Nunca mais faça isso. – murmurou – Por favor. – acrescentou, quase em surdina – Você é apenas um garoto mimado, egocêntrico, que pensa que pode dispor assim das pessoas! – a face dela estava carmim. Se a maior irritação era dirigida a Draco ou a ela mesma, por ter desfrutado tanto daquele contacto, ela não tinha certeza de querer saber – Pensa que é superior, mas na verdade não é nada!
O sorriso dele morreu instantaneamente. O olhar dele ficou vazio e o rosto contraiu-se numa máscara de raiva.
- Claro, Isabelle! – ele praticamente cuspiu o nome. Aquilo desequilibrou-a, mais do que qualquer outra coisa. – Porque você se julga perfeita! Mas fique sabendo que não é. Faz juízos sobre as pessoas sem ter a menor ideia de quem elas são, na verdade. É, no mínimo, tão mimada quanto eu, além de que tudo tem que ser do seu jeito ou simplesmente não é. Julga que é muito madura, mas age que nem criança quando alguém te desafia. Pelo menos, eu conheço os meus defeitos, enquanto você apenas se preocupa em apontar os dos outros.
Ela tremia, quase chorando de raiva e despeito, enquanto ele vociferava aquelas coisas. Draco encaminhou-se para a porta, deixando-a totalmente sem reacção.
- Embora julgue o contrário, você não me conhece. Não faz a menor ideia. – acusou, saindo e batendo com a porta.
Belle permaneceu imóvel, demasiado chocada com os últimos acontecimentos. O seu peito doía, tudo ardia e se incendiava.
Mas doía porque ele a acusara injustamente… ou porque, no fundo, ele tinha razão?
Foi até ao candeeiro, apagou a luz e sentou-se na escuridão, sentindo-se mais confusa do que em qualquer outro momento da sua vida.
Acendeu a luz e procurou o telefone que tocava. Ginny dormia encostada ao seu peito, depois de uma noite muito feliz. Jantaram num restaurante pequeno e romântico, passearam no parque e conversaram sobre o futuro, que se adivinhava mais risonho do que nunca. Deitaram-se e adormeceram abraçados, contentes por estarem vivos e mais unidos do que nunca.
Finalmente, encontrou o aparelho sem fios caído debaixo da cama.
- Sim? – atendeu, esfregando os olhos para ganhar clareza mental e compreender o que lhe diziam. Um arrepio gelou-o por completo, enquanto a voz do outro lado falava. Quando finalmente agradeceu, dando a chamada por encerrada, sentiu-se muito pequeno.
Como iria dizer-lhe uma coisa assim, sem a assustar e preocupar demais? E ela já estava acordando…
- Harry, o que foi? – indagou, a voz meio entaramelada. O olhar com que ele lhe respondeu deve ter sido significativo, porque ela se sentou de imediato, bem acordada.
- Foi a Lily? O meu pai? O que aconteceu, Harry? Fala! – ela procurou a mão dele e apertou-a.
- Gi… - inspirou, tomando coragem – O Will está no hospital, a enfermeira que ligou disse que o encontraram caído na sacristia da igreja.
- Ele…ele está…? – Harry surpreendeu-se com o olhar forte que ela lhe dirigiu, como que garantido “Eu aguento, mas quero a verdade”.
- Ele está vivo. – ela suspirou e apertou a testa entre as mãos – Mas parece que é muito grave.
Ela saltou imediatamente da cama e ele não precisou de perguntar para onde ela ia.
- Eu vou com você. – disse brandamente, sentindo a angústia que começava a prevalecer. Ela acenou e, de passagem para agarrar uma roupa, apertou-lhe a mão com força.
Quando chegaram ao hospital, dirigiram-se a um médico que, por sua vez, lhes indicou que o médico responsável pelo acompanhamento de Will era um Dr. Bogart. Procuraram-no e indicaram a enfermaria em que poderiam encontrá-lo.
Era um homem de meia-idade, mas com o cabelo quase completamente branco. Os olhos eram de um tom quase amarelado e presenteou-os com um sorriso pacífico que, de alguma forma, os acalmou. Quando Ginny se identificou, ele pareceu hesitar, como se reconhecesse o nome e tivesse pena por isso.
- Miss Weasley, o Will está à sua espera. Ele pediu expressamente para que fosse vê-lo assim que chegasse.
- Dr. Bogart, eu não…eu preciso saber o que se passa com ele. – disse ela, a voz soando forte.
- Eu compreendo, mas creio que ele mesmo lhe explicará tudo. Quarto 113.
Ginny deitou-lhe um último olhar, mas optou por fazer o que ele lhe indicara. Harry beijou-lhe levemente os lábios, antes de ela se voltar e desaparecer pelo corredor. Em seguida, ele virou-se e encarou o médico, aguardando pela explicação que sabia que viria.
Abriu a porta e observou o quarto. Uma cama perto da janela, rodeada por inúmeros aparelhos que faziam diversos registos e medições. Um sofá perto da porta, com uma mesa de apoio, sugeria um canto de descanso para as visitas. Um candeeiro ali perto iluminava parcamente o aposento, deixando na obscuridade.
Aproximou-se da cama, olhando para Will. Ele estava acordado e olhava para a janela, que ficava imediatamente a seguir à cama. Estava pálido e os lábios repletos de gretas, como se estivesse profundamente desidratado.
- Will? – chamou baixinho. Ele virou-se para a olhar e sorriu fracamente, enquanto ela se sentava numa cadeira ao lado da cama e agarrava a mão dele. Estava fria, como mármore.
- Desculpa por ter sido acordada a meio da noite, mas você foi a única pessoa em que eu pensei.
- Bom, eu realmente ainda estava devendo todas aquelas noites em que te acordei para me reconfortar dos meus pesadelos. – ela sorriu, tentando parecer animada, mas as lágrimas espreitavam. Observando com atenção, era visível que ele respirava com alguma dificuldade, uma inspiração rasa e superficial, e parecia realmente abatido e enfraquecido.
- Eu ia contar…hoje. – ele desviou os olhos, como se as palavras que estava prestes a pronunciar fossem dolorosas – Por isso fiquei tão zangado. Eu sabia que tinha de te contar, porque algo assim podia acontecer…mas fui fraco, usei o seu atraso como desculpa. E ainda te tratei mal por estar feliz.
- Esquece isso. – implorou ela – Eu fui uma idiota, não devia ter te dado menos atenção ou importância, apenas porque o Harry voltou à minha vida.
- Eu estou realmente feliz por vocês, Gi. – insistiu ele, como se aquilo fosse vital para ele. – Ele te ama e é o homem certo para você.
- Will… – as mãos tremiam-lhe e sentia um frio imenso e cortante – O que ia falar hoje? O que se passa com você, afinal?
Ele apertou mais a mão dela, ganhando coragem e passando-lhe força.
- Eu vou morrer. Em breve.
Aquelas palavras actuaram como facas, acertando em pleno o coração da garota. Tremia e as lágrimas finalmente faziam a sua descida pela face dela.
- Não, não é possível! – negou ela, tentando respirar e manter a calma. Passou a mão livre pelos olhos, mas mais lágrimas brotavam.
- No dia em que eu te conheci – começou ele – em Los Angeles, no aeroporto, eu vinha do médico. Eu fui até lá para consultar um especialista e nesse dia eu descobri que tinha, no máximo, dois a três anos de vida.
- Não… – gemeu ela, abanando a cabeça. Beijou a mão dele, molhando-a com as suas lágrimas, como se a pura negação da realidade a fizesse menos verdadeira.
- Gi…eu tenho uma doença de coração, incurável. Eu consegui ter uma vida normal até hoje por efeito da medicação, que retarda os sintomas, mas ela não pode mais fazer nada por mim. Daqui a alguns dias eu não estarei mais aqui. – a voz dele era doce, repleta de aceitação.
- Mas nós podemos consultar outro médico…uma segunda opinião… - soluçou ela.
- O médico de Los Angeles é um dos especialistas de maior renome a nível mundial. Ele foi a terceira opinião, após o Dr. Bogart e um outro médico igualmente competente. Todos disseram exactamente o mesmo…
Ela soltou-se dele e andou pelo quarto, as lágrimas caindo agora em cascata, o desespero devorando-a.
- Eu nunca vou esquecer o dia em que te conheci, Gi. – a voz dele era paz pura – Porque eu soube que iria morrer, mas você foi uma brisa de vida na minha vida. Eu comecei um trabalho que vai realmente mudar a vida das pessoas, eu te amei e fui feliz por muitos dias. Eu vivi mais nesses dois últimos anos do que no resto da minha vida e, em muitos momentos, eu consegui esquecer que tinha uma data para morrer. E agora eu devo partir e vou descobrir se, de alguma forma, eu tive a redenção por todo o mal que fiz.
- Will…você tem o melhor coração que eu conheço, como é que ele pode estar doente? – ele quase sorriu perante a pureza das palavras da garota.
- Eu quero que você saiba…eu preciso te dizer uma última vez. Enquanto o meu coração bater, ele estará batendo sempre por você, Gi. – as lágrimas caíam também dos olhos dele, juntando-se às dela no momento em que ela o abraçou com força, esperando poder contrariar a morte e retê-lo naquele abraço.
Ele iria morrer. Não iria fazer uma simples viagem ou mudar de cidade…a qualquer instante ele poderia estar indo embora, para sempre. Para um lugar onde ela não o poderia seguir, onde ele acreditava que teria de responder por toda a sua vida. E se Ginny apenas testemunhara a sua grandeza, sabia também que as faltas dele deveriam pesar-lhe imensamente agora.
Quando tentasse recordar-se daquela noite, a fatídica noite em que descobrira que teria de dizer adeus a uma parte substancial do seu coração, Ginny não se recordaria de nada mais. Apenas das palavras, que nada mais eram do que palavras. Palavras que não o salvariam da morte e nem o privariam do medo, da espera sádica. Will esperava agora pela morte e ela serviria de testemunha, impotente e desarmada. Recordar-se-ia também de que ele sorrira e fora forte, mais do que ela seria em qualquer momento da sua vida. E de como deram as mãos, até que ele adormecesse e ela, ansiosamente, se certificasse de que ainda não era o sono sagrado, o último momento da vida de um grande homem. De um grande amigo.
Saiu do quarto e viu que Harry a esperava. Pela sua expressão, Ginny percebeu que ele também já sabia da cruel verdade. Ele abraçou-a e amparou as suas lágrimas. E ela quebrou totalmente, no conforto do seu refúgio.
Naquela noite nenhum deles dormiu, pois começara uma luta contra a morte. Uma luta que eles não poderiam ganhar e, ainda assim, teriam de travar.
N/A – Quem quer matar a autora nesse momento coloca o braço no ar! (autora pondera a hipótese de comprar passagem para as Bahamas para fugir do povo em fúria). Começando pelo princípio. A NC não ficou muito explícita, mas eu gosto assim. Sei lá, acho que tentasse escrever com mais amasso ficaria uma droga, então…saiu isso. Draco e Belle são fofos, não? Eu acho que eles se merecem, no bom sentido! Quem gosta desse casal, ainda vai ser feliz ahauhua. E, por fim, o Will. Eu tinha planeado isso desde o início e fazer com que vocês o admirassem fazia parte do plano. Podem até achar que é sofrimento demais, mas a vida É assim. E eu prometi que seria a minha última maldade (nessa fic), tinha que ser marcante. Se odiaram mandem reviews de qualquer forma, expressando o vosso desagrado e enumerando formas atraentes de me torturar. Espero realmente que ninguém abandone o barco agora, tão pertinho do fim e com tanta coisa bem pensada para acontecer.
O que há mais para dizer? Ah sim, espero que tenham tido um Natal óptimo e um Ano Novo maravilhoso! E muito obrigada pelas reviews carinhosas *_*
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