Marcado em mim



Capítulo 15 – Marcado em mim


We'll do it all
Everything
On our own


We don't need
Anything
Or anyone


If I lay here
If I just lay here
Would you lie with me and just forget the world?



A garota retirou, lentamente, o braço da frente do rosto e ele reteve o ar nos pulmões.


- Deirdre? – a voz tremeu, antes de a ver sorrir.



- Harry…? – ela ergueu-se de um salto – Não acredito que é você. Mas como é possível…? – olhou-o de forma confusa, antes de voltar a sorrir – Isso também não é importante, acho que é mais urgente sairmos do meio da estrada.


O moreno olhou em volta e reparou que o trânsito parara devido ao incidente e que as pessoas começavam a ficar impacientes. Fitou novamente a jovem loura, de olhos verdes, e indicou-lhe com um gesto que entrasse no carro. Ela hesitou.


- Ah, Harry, não tem necessidade…

- Eu não vou deixá-la aqui depois de quase ter feito um waffle com você – tentou sorrir – Venha, vamos dar uma volta.


Deirdre olhou-o longamente e depois assentiu, entrando no carro. Enquanto Harry dirigia pelas avenidas movimentadas, limitaram-se a ficar num silêncio algo constrangedor, mas ambos sabiam que existiam muitas palavras por dizer, pairando entre eles.


- Você continua igual – ela acabou por dizer – Tal e qual como eu me lembrava…


- E como é isso? – questionou, sentindo-se aliviado por ela ter tomado a iniciativa. Sentiu o olhar dela pousado sobre si.


- …Mas o Harry que eu conheci não teria feito essa pergunta. Ele era demasiado confiante e egocêntrico para não ter certeza que era recordado pelos melhores motivos – a voz dela estava repleta de mágoa e Harry não conseguia ficar imune.


- Deirdre…o Harry que você conhecia já não existe – disse simplesmente – Eu mudei muito, demais para conseguir colocar em breves palavras – ouviu-a rir baixinho, antes de se pronunciar.


- Aposto em como tem mulher metida nessa mudança – ele assentiu após uma breve pausa, mas achou por bem questioná-la.


- Porque diz isso?


- Porque sempre tem – respondeu ela, contemplando a rua pela janela da viatura – A mudança nos homens tem quase sempre a ver com mulheres. Por vezes coisas pequenas, como o perfume que usam, os gestos que utilizam, o tom de voz. Mas você… – ouviu-a respirar fundo enquanto o examinava – Tem algo mais. E por isso eu sei que não foi apenas mais uma.


Harry se sentia bastante desconfortável com a perspicácia da jovem, mas não tinha como fugir daquele assunto.


- Tem toda a razão. Eu fui alvo daquilo que você sempre disse que iria me apanhar um dia… – ela sorriu diante daquelas palavras.


- Então, Harry Potter, o homem mais cobiçado de toda a Sicília, está apaixonado? –perguntou de forma divertida.


- É mais do que isso, acho eu. Eu estou amando, Deirdre. – deitou-lhe um olhar breve e apercebeu-se de que ela ficara realmente sem resposta, a sua pele já alva ainda mais lívida.


- Grandes novidades, então. – acabou por murmurar.


O silêncio perdurou até que Harry lhe perguntou para onde ela queria ir, ao que ela respondeu que qualquer bar da cidade serviria. Ele arqueou as sobrancelhas mas nada disse, limitando-se a conduzir até a um pequeno bar de aspecto intimista e sossegado.


Saiu do carro, sendo imitado por ela, e preparou-se para se despedir. Contudo, ao olhar no fundo dos olhos dela viu coisas que não queria ver, muitas coisas do passado.


Todo o seu coração ansiava por correr e apanhar o primeiro avião que o levasse até Nova Iorque, até à mulher da sua vida…mas a sua cabeça sabia que ele ainda tinha coisas a fazer ali.


Desde que partira da sua casa que sonhava com o reencontro com a ruiva. Mas intimamente ele sabia que não bastava encontrá-la, ele teria que provar que era um homem diferente. Um homem em que ela poderia confiar, que estaria sempre ao seu lado, que sararia as suas feridas com um toque de amor. Um homem em paz com o seu passado, os seus medos, os seus traumas. E isso só aconteceria se ele resolvesse o que ficara para trás, encerrando pacificamente os capítulos da sua vida sem Ginny.


Olhando para aquela mulher, ele compreendeu o quão incompleta e inacabada era a sua vida. Uma história em que ele adiava constantemente a escrita do próximo capítulo, apenas porque temia tomar um rumo decisivo, fazer uma opção clara. Todo o seu corpo clamava por encontrar Ginny, tocá-la e beijá-la, mas sabia que teria de abandonar ali, na plácida Londres, o homem que um dia fora.


Deirdre fora a sua primeira namorada séria. A sua primeira grande amiga. A sua primeira mulher. Com ela descobrira os meandros da paixão, do ciúme, do desejo. No corpo dela descobrira as formas de uma mulher e, desde então, via-a um pouco em todas as mulheres que haviam passado pelos seus braços.


E, no entanto, aquela não era uma história feliz, uma lembrança quente e acolhedora. Ele conhecera Deirdre quando se mudara para os Estados Unidos com a mãe e Belle. Haviam sido colegas de turma, porto seguro um do outro…estavam sempre lá, em todos os acontecimentos importantes. Ela acolhera-o quando ele chegara, um garoto italiano e circunspecto, e amara-o ainda assim. Ela vira nele o seu sonho, esplendoroso. Ele, embora não retribuísse o amor da mesma forma que ela, sentia-a como uma parte de si. Eram carne, sangue e coração um do outro. Até que um dia, algo mudou.


Num dos bailes de Primavera bebera mais do que em qualquer outro que se recordasse. Mal se sustinha em pé e ria de forma descontrolada, enquanto balbuciava incoerências. Deirdre estava ao seu lado, como sempre estivera. Ela levara-o a casa e quisera ter a certeza de que ele ficaria bem. Colocou-o no duche, rezando para que a água gelada lhe devolvesse algum bom-senso.


Quando a situação se abateu sobre ela, tinha um Harry praticamente sem roupa à sua frente, molhado e quase alucinando. Ele olhara para Deirdre, com aqueles olhos profundamente verdes, e avançara para a beijar. Ela achara aquilo inacreditavelmente certo.


No momento em que Harry acordou, o sol já ia alto no céu e tinha uma Deirdre adormecida nos seus braços…e ambos estavam sem roupa alguma. Não precisou de ver o sorriso enorme, com que ela o presenteou ao acordar, para saber que cometera o maior erro da sua vida.


Com a culpa queimando-o e a pena e arrependimento enchendo o seu peito, não foi capaz de a desiludir de forma tão atroz, contando-lhe que não só não se lembrava do que acontecera entre eles, como também que nunca o teria feito se estivesse sóbrio.


Sem que a dor abrandasse, mas tomando a opção que achava mais justa, optou pelo silêncio salvador. Esperava que com o tempo a amiga compreendesse que a sua relação não poderia passar da amizade, mas ela exibia agora livremente o amor que reprimira durante tanto tempo.


Com o passar dos meses, acabou por se acostumar brandamente ao facto de todos verem Deirdre como a sua namorado, incluindo a própria. Ela oferecia-se a ele e, embora soubesse que aquilo que fazia não era mais do que uma traição para consigo mesmo e para com ela, ele aceitava-a e fazia dela objecto da sua luxúria.


Ela era…”ainda é”, uma mulher linda. Ele conseguia sentir paixão, desejo, ternura…mas não a amava e não achava que fosse bom o suficiente naquele jogo para que a pudesse enganar. Assim, quando ela dizia que o amava ele limitava-se a prender os lábios nos dela e esperar que o tempo lhe concedesse o desejo de amar. Amar tão profundamente e desesperadamente quanto ela o amava. E a vida dera-lhe o que pedira, mas não para Deirdre...


O facto do seu coração não pertencer de todo à loira, fez com que se permitisse olhar para outras mulheres. E fora assim, ao ser apanhado com outra em plena acção, que acabara com o seu namoro, com a paixão, com a amizade. Ela mudara-se para Londres com a família e Harry fora até ao aeroporto para se despedir dela.


Era assim que a relembrava…triste, desiludida, mas ainda capaz de lhe sorrir e dizer adeus. Seja feliz. Era esse o tamanho do seu amor por ele.


Lembrava-se da conversa decisiva que tiveram um dia, debaixo do salgueiro no jardim dela. Deirdre perguntara-lhe, cheia de dor, se valera a pena trai-la só pelo sexo. Ele respondera a verdade, que não. Estar com ela, estar sem ela, estar com outra…nada fazia com que aquele vazio desaparecesse de dentro de si. Não valera a pena. Até ali, nada valera a pena…muito menos quando fizera com que a única coisa pura e estritamente boa que tivera em toda a sua vida se perdesse. A sua amizade com Deirdre.


Desde o dia em que ela partira nunca mais a vira, embora ela lhe escrevesse ocasionalmente para Nova Iorque…mas ele nunca respondera a nenhuma carta, porque ela as mandava sem remetente.


Deu um breve sorriso e apontou para o bar.


- Acho que podíamos conversar um pouco – sugeriu. Ela varreu-o com os olhos e assentiu.


- Tudo bem – e entrou pela pequena porta envidraçada, esperando que ele a seguisse. Sentaram-se ao balcão, em dois bancos altos e pediram dois cocktails. Durante um tempo se limitaram a falar sobre assuntos leves e a trocar informações sobre os novos acontecimentos nas suas vidas, como dois velhos amigos que ainda poderiam ser.


Mas inevitavelmente, enquanto os cocktails iam passando e os assuntos se esgotando, o silêncio incómodo se abateu sobre eles. Restava apenas um assunto para discutir agora e nenhum deles se sentia com coragem para o iniciar.


Após pedir ao barman um whisky duplo, respirou fundo e passou os olhos pelas feições suaves e doces de Deirdre.


- Você…me perdoou? – questionou subitamente, fixando o copo enquanto o girava levemente na mão – Por tudo o que eu te fiz?


- Pelo facto de me ter traído ou de me ter enganado durante tanto tempo? – ela perguntou algo sarcástica, mas acabou por sorrir brandamente – Eu perdoei porque isso é algo que você pode decidir com a cabeça, Harry. A pergunta certa não é essa.


- E qual seria, então? - deitou-lhe um olhar de relance. Ela cruzou sensualmente as pernas e Harry não conseguiu deixar de reparar em quão encantadora ela era, com o vestido branco lhe moldando cada curva e os olhos verdes brilhando intensamente.


- Se eu esqueci… – ela prosseguiu, de forma suave e quase gentil, como se receasse magoá-lo com as palavras – Se eu superei – vendo que ele ia abrir a boca para falar ela interrompeu-o – Eu não esqueci, nem superei completamente…mas sobrevivi.


Harry deu um longo gole no seu copo e apontou para que o barman o enchesse novamente. Ela bebeu um pouco da sua marguerita e sorriu-lhe.


- Será que está com crise de consciência agora, Potter? – acentuou o último nome como fazia quando eram grandes amigos e queria irritá-lo, pelo que ele soltou uma risada alta.


- Eu acho que estou… – hesitou – Eu preciso enterrar o meu passado para poder seguir em frente e isso implica ter a certeza de que você ficou bem – ela fez uma expressão surpreendida.


- Desde quando você se preocupa com esses detalhes, Potter? – ele notou que ela estava irritada, embora tentasse ocultar.


- Como eu já disse, eu mudei…muito – tragou o resto do líquido forte do seu copo, sentindo que este começava a fazer algum efeito – Estou mudando.


- Sim, por essa tal Ginny de que você estava falando… – deu um sorriso torcido – Confesso que é demais para mim essa mudança. O meu egocêntrico e prepotente Harry convertido no cachorrinho dócil e meigo de uma inglesinha…tão romântico que chega a ser irreal.


Harry corou levemente enquanto era servido da dose número…ok, ele já perdera a conta.


- Olha, eu sei que me portei mal com você…


- Mal? Você despedaçou meu coração, me enganou e atraiçoou e ainda me vem com esse papo de perdão para a salvação da sua alma, tudo para cair nas graças de uma outra mulher. O que você pretende ouvir de mim?


- Eu… – puxou o ar com força, tentando acalmar-se – Eu pretendo ouvir que fui, e provavelmente ainda sou, um terrível idiota. Que magoei tanto você que tudo o que poderia aliviá-la era me ver sozinho e acabado. Que você já não me ama. Que já não pensa em mim…


- Só porque você não pensa em mim, eu também deveria apagá-lo das minhas memórias? – ela riu nervosamente – O meu amor te embaraça?


- Você…nunca…me…embaraçou – ele aproximou-se dela e vincou bem cada palavra – Eu te amava de um jeito que apenas era diferente do seu.


Ela soltou uma risada baixa e fria.


- Sim, um jeito mais cruel e pior – olhou-o directamente nos olhos e ele sentiu-se pequeno – O seu amor machuca, Harry. Tudo porque não consegue dar nada de você, mas espera tudo dos outros. O seu amor é para com você primeiro e só depois para com a pessoa que diz amar.


Aquelas palavras atingiram-no directamente onde mais doía. A imagem de Ginny deitada no chão frio da sala coberta de sangue. Ginny dormindo na cama do hospital. Ela gritando que o odiava, que a culpa era dele. Ela dizendo-lhe adeus com um sorriso, sem que ele soubesse que era uma despedida. Cerrou os punhos e tentou evitar que lágrimas quentes e ardentes lhe nublassem a visão.


Deirdre viu como os olhos dele se toldaram e se encheram de sombras, bem como o seu corpo tremendo. Quando falou, a voz dele era baixa e extremamente cansada e a jovem não pôde deixar de notar, pela primeira vez, as enormes olheiras que lhe sulcavam os olhos.


- Você está certa, total e completamente certa. E te garanto que aprendi isso da pior forma, perdendo o amor da minha vida…a pessoa que me fazia sentir vivo. A vida me deu o troco, me tirou agora aquilo que eu tirei de você. E tudo o que eu queria era poder voltar atrás – os olhos dele estavam presos nos dela – Nunca te magoar para que aquela parte de você que eu amava nunca tivesse morrido. Para que uma parte de mim nunca tivesse morrido. Eu matei em mim cada pedacinho bom que nascia…eu consegui até isso.


- Harry… – ele podia ver, nos olhos de Deirdre, a pena e o arrependimento pelas palavras duras que lhe dirigira, mas não se deteve.


- E agora eu estou perdido. Eu sou novo nessa história de ser abandonado, de me preocupar com alguém antes de me preocupar apenas comigo. Não sei nada sobre confiança ou amor, simplesmente porque passei metade da minha vida fugindo dessas coisas. Só sabia sobre sofrimento e decepção, e eu aprendi porque era tudo o que eu conseguia causar nos que eu amava. E pela primeira vez, sinto que não sei nada, não sou ninguém.


- Nunca mais diga isso – ela estava quase encostada nele, e as suas mãos repousavam nos ombros do moreno – Eu via o meu mundo nos seus olhos, eu ainda consigo ver. Não se menospreze dessa forma só porque uma mulher…


- Ela era mais do que uma mulher, Deirdre. Ela era tudo. Tudo o que eu queria e conhecia, e tudo o que eu queria conhecer.


Aquelas foram as palavras mais duras que ela teve de suportar vindas dele. Piores que discussões, desculpas ou mentiras, aquele tom de desespero na voz dele era insuportável. Ainda era. As lágrimas vieram sem permissão e ela mordeu o lábio para se impedir de demonstrar toda a sua fraqueza e tristeza. Pela dor dele…e por a causa de toda essa dor não ser ela.


Ela sabia o que ele precisava. Certamente não mudara assim tanto. Era tudo o que ela tivera para lhe oferecer durante a adolescência e seria o mesmo que daria agora. Aproximou-se suavemente e envolveu-o nos seus braços, num abraço silencioso e forte. Ele suspirou e deixou-se envolver pelo calor daquela loirinha, sabendo que tudo podia melhorar depois.


Quando se soltaram sorriram um para o outro e um grande peso saiu dos seus corações. Continuaram a beber durante um longo tempo e Harry já se sentia bem tocado pelo álcool. Deirdre bebera consideravelmente menos e ria das piadas enroladas que o moreno ia dizendo.


Quando o barman lhes disse que teriam de sair pois o bar estava a fechar, ela amparou-o e colocou-o no carro.


- Você não se importa que eu dirija, não é Harry? Afinal você não conseguiria ver a estrada…


- Mentira! Eu só teria que descobrir se é a da direita, esquerda ou a do centro – riu baixinho, enquanto tentava focar a visão.


- Claro – sorriu brevemente, enquanto colocava a viatura em marcha – Em que hotel você está?


- Eu ainda não tinha procurado um – ele murmurou, a voz arrastada. Ela suspirou.


- Certo. Então vou te levar para minha casa, acho que nenhum hotel decente vai aceitar você nesse estado.


I don't quite know
How to say
How I feel


Those three words
Are said too much
They're not enough


If I lay here
If I just lay here
Would you lie with me and just forget the world?



Viajaram durante algum tempo, em direcção aos subúrbios da cidade, rindo ocasionalmente daquilo que a situação e as bebidas lhes proporcionavam. Chegaram finalmente a um apartamento espaçoso, mas de aspecto simples e acolhedor.


Deirdre segurava Harry pelo braço e arrastou-o até ao quarto com a intenção de o deitar, porém ele agarrava-a constantemente e dava passos de dança como se ouvisse um tango dentro da sua cabeça. Ela achava a situação bastante engraçada, mas sabia que o melhor seria dar-lhe um banho frio de forma a despertá-lo.


- Vem Harry, você precisa de um duche gelado agorinha… – fez força para que ele andasse, mas ele parecia mais interessado na cama dela – Anda!


- Eu vou – ele abraçou-a pela cintura – Mas só se você vier comigo, meu amor… – sussurrou perto do ouvido dela, fazendo-a estremecer.


- Droga, Harry! Daqui a pouco deixo você aqui no chão do jeito que está – foram até ao quarto de banho anexo ao quarto, onde Deirdre abriu a torneira do chuveiro e o empurrou para debaixo do jacto de água gelada.


- Porra, Deirdre! – gemeu ele, enquanto sentia alguma lucidez voltar ao seu espírito. Passado alguns momentos saiu para o chão do banheiro, pingando por todo o lado. A jovem estava encostada à ombreira da porta com os braços cruzados. Ele aproximou-se dela e colocou uma mão de cada lado da cabeça loira, prendendo-a naquela posição.


- Posso considerar isso uma vingança? – a loira sentia o cheiro forte da bebida no hálito normalmente fresco e suave do moreno e desviou a cabeça, concentrando-se furiosamente no facto de ele não estar no seu estado normal.


- Você precisa dormir, parece que o banho não resolveu o seu problema – resmungou, levando-o para a cama e sentando-o – Tira essa camiseta, está pingando a minha cama.


Foi até ao armário e tirou uma toalha, atirando-a prontamente para Harry. Ele despiu a peça e ficou com o tronco nu, enquanto esfregava o cabelo molhado com a toalha em movimentos lentos e, na opinião da loira, muito sensuais.


- Vou fazer um café bem forte, certamente está precisando – mencionou ela, já a caminho da cozinha. Precisava sair do alcance dele, libertar-se daquela visão do passado que reaparecera em cheio na sua vida. Não podia negar que ele ainda exercia um poder esmagador sobre si…ela ainda o queria, apesar de tudo. E queria muito.


Regressou com uma chávena cheia de café fumegante e encontrou-o quase adormecido, todo estirado em cima da cama dela. Uma das mãos descansava ao seu lado, enrolada na colcha branca da cama, enquanto a outra repousava no abdómen definido. Deirdre podia observar enquanto a mão subia e descia ao ritmo da respiração dele e desejou, mais do que nunca, poder estar perto dele.


Aproximou-se e esticou a mão até ao peito de Harry, sentindo o calor que emanava mesmo antes da palma tocar na pele. Antes de compreender completamente o que fazia, inclinou-se e depositou-lhe um beijo nos lábios entreabertos. Ele abriu os olhos e prendeu-os nela demoradamente, como se a visse pela primeira vez.


Sentindo que ele não a iria rejeitar, colocou-se por cima dele, com uma perna de cada lado do corpo másculo do moreno. Os lábios percorriam a pele descoberta, explorando, instigando, querendo. Fixando os olhos nos dele, colou os corpos e invadiu a boca sensual de Harry.


Ele sentia um enorme vazio, uma dor opressiva no peito. Precisava de qualquer coisa, qualquer coisa que o fizesse sentir vivo. Deirdre podia fazê-lo sentir vivo durante alguns instantes, por mais breves que fossem. Até mesmo uma dor qualquer o faria sentir-se mais vivo, apenas porque tinha a certeza de que nenhuma suplantaria a que viva dentro de si.


Deirdre passou as mãos pelo peito dele, arranhando-o ao de leve e fazendo-o gemer baixinho.


O vazio no peito, no lugar onde antes estivera Ginny. Ginny


Deirdre desceu as mãos e começou a abrir o fecho das calças, enquanto ele a olhava com amor. Aquele cabelo ruivo, aqueles olhos ardentes e doces…


- Ginny…eu te amo tanto – a voz dele soou calma e quente, antes de procurar a boca dela e beijá-la com ardor e fome. Ela sentiu a profundidade daquele contacto, o quanto dele estava naquele beijo e uma lágrima caiu dos seus olhos. Nada daquilo era para ela, nem era seu o nome pelo qual ele chamara embebido na paixão.


Não era ela que ele queria, mas ela o queria tanto…tal como quisera na primeira vez.


Subitamente ele pareceu despertar e rodou, fazendo com que ela saísse de cima de si com gentileza.


- Deirdre…eu lamento – acabou por dizer, passando as mãos pelos cabelos molhados.


- Eu posso te fazer feliz, Harry – ela chorava e as suas lágrimas apenas aprofundavam o vazio dentro do moreno – Nem que seja por essa noite.


- O homem que eu fui teria aceite. Mas eu já não sou o mesmo…eu mudei, eu quero mudar – fixou o olhar no tecto, tentando suprimir a vaga de desejo que se apossara dele.


- Você precisa mudar para ela voltar… – ela colocou a mão no rosto dele e fez pressão, fazendo com que ele fosse obrigado a olhá-la directamente – Ela não te ama de verdade. Amar apesar de todos os defeitos, do jeitinho que você é...isso é amar de verdade. E eu…eu te amo.


- Isso não é verdade – ele ripostou, o tom rouco e baixo – Eu já não sou aquele Harry…


- Mas pode voltar a ser – disse Deirdre, os olhos ardendo de dor e necessidade.


- As coisas são diferentes agora, não podem simplesmente voltar ao que eram – Harry levantou-se e pegou a camiseta do chão, vestindo-a de costas para ela – E eu…eu não quero mais aquela vida. Eu não quero uma vida sem ela…isso não é vida. Não é nada.


- Harry… - ela murmurou, erguendo-se e aproximando-se dele.


- Foi bom te ver…prometo escrever, dessa vez. Adeus, Deirdre – voltou-se e encarou-a, e ela sentiu toda a determinação que fluía em cada fibra daquele corpo.


- Adeus, Harry – murmurou, enquanto ele saía do quarto e atravessava o corredor, batendo com a porta ao sair.


Forget what we're told
Before we get too old
Show me a garden that's bursting into life


Let's waste time
Chasing cars
Around our heads


I need your grace
To remind me
To find my own



Ela também não estava ali. A sua única esperança era que ela tivesse procurado refúgio na casa dos pais adoptivos, mas nem aparecera. Nova Iorque era uma cidade gigante, de milhões de habitantes e, aparentemente, tinha tragado Ginny Weasley.


Harry caminhou pela rua enquanto a noite caía, respirando o ar frio e tentando lutar contra o gelo que crescia dentro de si. Ela podia estar em qualquer lugar, vendo qualquer rosto, olhando para uma qualquer estrela que não a mesma que ele fixava. Ela estava longe dele mas tudo o que desejava era tê-la por perto, para sempre. Não sabia como, nem quanto tempo levaria, mas iria encontrá-la e devolvê-la ao lugar que fora feito para ela. E então, os seus braços vazios e doloridos ganhariam uma nova vida e ele iria carregá-la com ele, envolta no seu coração.


Ele estava prestes a experimentar a verdade nas palavras daqueles que dizem, com um sorriso nos lábios, que o verdadeiro amor nunca morre. O seu coração se contraiu com a ideia de que pudesse esquecê-la. Ele poderia lutar contra qualquer homem, qualquer mulher, qualquer culpa. Mas poderia lutar contra o tempo que tudo apaga, tudo cura?


- Não vou esquecer você – olhou para o céu e jurou para a estrela mais brilhante, a única que poderia ser a dela – Está marcada em mim…e se ainda existimos sobre o mesmo céu, existe esperança para nós dois.


If I lay here
If I just lay here
Would you lie with me and just forget the world?

Forget what we're told
Before we get too old
Show me a garden that's bursting into life

All that I am
All that I ever was
Is here in your perfect eyes, they're all I can see



- É aqui? – Ginny olhou para Will, buscando confirmação. De facto, quando lhe pedira ajuda para encontrar um lugar onde ficar e ele dissera conhecer o sítio ideal, não imaginara exactamente aquilo.


- Sim – ele deu-lhe a mão e ajudou-a a sair da mota vermelha de alta cilindrada que lhe pertencia – Aqui você vai ser muito bem tratada.


- Mas… – hesitou, ao vislumbrar o edifício sóbrio num bairro calmo – Isso não é…um…


- Convento – sorriu levemente e Ginny reparou, uma vez mais, nas covinhas que se desenhavam – Exacto. Mas eu não pretendo te forçar a ser freira… – sorriu ainda mais e Ginny corou – Elas acolhem algumas jovens em troca de algum trabalho. Suponho que você não se importe? – ela acenou em concordância e ele segurou-a pela mão.


- Obrigado por me ajudar – repetiu ela pelo que devia ser a milésima vez. Ele fez uma careta engraçada assinalando esse facto e acompanhou-a durante todo o tempo em que falaram com a madre.


- Bom, suponho que agora você ficará bem – disse Will, enquanto voltavam à rua para fazerem as despedidas uma vez que tudo fora acertado e Ginny ficaria hospedada ali.


- É…eu vou ficar bem – a voz dela parecia algo incerta – Mas eu gostava de falar com você. Eu preciso falar…sobre todas aquelas coisas que eu não consegui contar antes.


- Tem certeza? – ele questionou, olhando-a nos olhos. Ela devolveu-lhe o olhar e ele viu a sua determinação e tristeza – Muito bem. Tem um jardim aqui perto, podíamos ir até lá – sugeriu ele e ela concordou de imediato.


Ele conduziu-a a um jardim nas traseiras do convento, um recanto de flores e plantas, com um lago de dimensões consideráveis no meio. Tudo aquilo lhe lembrou o maravilhoso jardim siciliano, o jardim onde pensara ir ficar para sempre. Estava dolorosamente consciente de que as suas lembranças nunca a abandonavam, de que Harry permanecia sempre com ela.


Foram até à beira do lago, onde existia um pequeno ancoradouro com um barquinho a remos, e sentaram-se lá observando os peixes bailando nas águas claras e os cines deslizando pela superfície de cristal.


Ginny respirou profundamente e uma calma imensa invadiu-a, enquanto começava a falar. Contou praticamente toda a história, desde a sua procura pelo pai, passando pela sua história com Harry e pela violação. E a cada palavra que dizia se sentia um pouco mais leve e mais exausta, como se um veneno fosse sugado à custa de todas as suas forças, de toda a sua resistência.


Will escutou-a com uma expressão branda, sem nunca interromper a não ser para esclarecer uma ou outra passagem. Agia nos momentos certos, quando a sentia vacilar, apertando a mão dela na sua e oferecendo-lhe o conforto da terra calma nos seus olhos. Quando Ginny terminou, a noite já caía e uma brisa leve varria o lago, formando pequenas ondulações.


- Então você procura uma cura… – ela olhou-o confusa – Não falo de um medicamento para o esquecimento. Ginny…isso não existe – ela sorriu com tristeza – E eu receio também que nunca vá esquecer. Mas você pode se curar e isso é algo que sarará muito melhor suas feridas. Simplesmente porque você já não é a mesma…agora. E no final será uma pessoa melhor, em paz consigo e com os seus fantasmas. O esquecimento seria um bálsamo temporário, uma fuga…você precisa aceitar o que aconteceu para poder seguir em frente.


- Eu sei – ela afastou uma madeixa de cabelo ruivo que bailava sobre os seus olhos – Mas a lembrança constante não ajuda. Eu me sinto no centro de um enorme buraco negro do qual não posso escapar, porque ele já é quase parte de mim. E eu não quero viver nessa escuridão, Will.


- Cada pessoa tem o seu próprio buraco negro, Gi. O seu trauma, o seu passado, o seu fantasma no armário. Mas inevitavelmente vivemos com eles e tentamos transformar a escuridão atrás de nós em luz à nossa frente – o olhar dele pareceu escurecer um pouco.


Ela hesitou antes de perguntar, mas abrira-se tanto com ele…talvez fosse bom para ele saber que também podia conversar com ela.


- Qual é o seu? – ele voltou-se rapidamente, olhando-a quase desprotegido. Mas Ginny sentiu a enorme força que vinha dele, uma paz interior que ele tinha e que ela apenas almejava um dia vir a possuir.


- Eu tenho os meus próprios demónios, Gi – observou enquanto ele passava distraidamente a mão no antebraço. Num flash relembrou a marca da caveira com a serpente que vira no aeroporto. Não sabia se fora a brisa ou essa memória, mas sentiu o frio penetrar no seu peito – Eu fui trevas durante muito tempo…de onde eu vim, o que eu vi, o que eu fiz – a voz dele estava levemente embargada – Não são coisas que eu escolha recordar. Mas é uma vida que eu abandonei faz já algum tempo.


- O que você fazia? – o bom-senso mandava que ela ficasse calada, mas ardia em curiosidade. Queria saber mais e mais sobre aquele homem que a estava salvando de si própria. Ele olhou para o lago como se ponderasse as suas palavras e acabou por suspirar.


- Eu nasci num bairro pobre, na zona mais miserável do Harlem. As minhas origens são parcialmente latinas – ela sorriu, constatando que aquele tipo de fogo que ele tinha no olhar era muito típico dos latinos – Tudo o que eu conheci enquanto criança foi ódio, violência, incompreensão. Quando eu cresci o suficiente eu apenas me entreguei nas mãos de tudo o que eu sabia que existia.


A ruiva engoliu em seco ao pensar naquela vida, em como ele devia ter sofrido. O sentimento abrandou um pouco ao ver o quão maravilhoso ele tinha se tornado apesar de tudo.


- Essa marca – ele arregaçou a manga da camisa e mostrou-lhe a tatuagem que ela já antes vira – é a marca consagrada de um dos piores gangs urbanos de Nova Iorque, os Devoradores da Morte. Eu roubei, Gi. Eu agredi…eu matei até um membro de um outro gang – ela podia sentir a dor que ele estava sentindo, enquanto o seu coração batia acelerado – E por isso eu passei dois anos numa instituição para delinquentes juvenis. Mas eu não iria mudar, eu iria entrar num caminho sem volta…um caminho que eu vi todos aqueles que eu chamava de amigos trilharem. Um que acabava inevitavelmente na morte ou na prisão.


- Will… – ela murmurou, enquanto apertava a mão dele, transmitindo-lhe força para continuar.


- Mas o que era a morte ou a prisão comparada com tudo o que fiz? Tudo o que eu vi outros fazerem sem impedir? O que seria a morte para alguém que já estava morto de muitas formas, desde o dia em que nascera? Um alívio, eu suponho.


- Mas você não percorreu esse caminho… – Ginny relembrou.


- Um dia eu fui ferido, um tiro de revólver. Eu estava sangrando muito, apenas via manchas e tudo estava desfocado, mas me arrastei até uma igreja. Lá dentro… – respirou fundo – Lá dentro estava uma menina, talvez de uns oito anos agarrada à boneca. Ela estava sentada num banco em frente ao altar, com os olhos fixos na cruz. Eu entrei, agarrando as costas (eu levei um tiro por trás) e a vi. Eu nunca havia visto aquele ar de serenidade, de plenitude imensa em ninguém. Nunca me senti tão imundo como naquele instante, carregando uma arma em frente a uma criança com aquela inocência, com os olhos cheios de amor.


Ginny olhou-o e admirou-se por ele não reconhecer em si próprio aquelas qualidades…ou talvez na altura elas ainda não existissem.


- Então, ela me ouviu. Ela se voltou e sorriu para mim e depois notou que eu estava ferido. A menina rasgou um pedaço do vestido e tentou estancar a minha hemorragia enquanto eu desabava em frente a ela. Eu sabia que eles viriam atrás de mim, os membros do gang rival do meu… – a voz dele tremia – Ela correu para a porta para pedir ajuda para mim e foi aí…


A mão dele apertava tanto a dela que já não a conseguia sentir, mas nem estava dando importância. Ele estava lívido, mas parecia resignado e forte, um autêntico herói mítico enfrentando os seus demónios pessoais e triunfando uma vez e outra.


- …eles entraram no momento em que ela estava saindo pela porta. Gritaram para ela se afastar e ir embora, que o assunto era só comigo. Mas ela não foi, Gi… – os olhos dele estavam rasos de água, mas permanecia convicto – ela correu para perto de mim e se colocou na minha frente. E foi na minha frente que ela morreu, quando eles atiraram.


Ginny conteve um soluço, visualizando toda a cena na sua frente e compreendendo o peso enorme que também ele devia carregar todos os dias da sua vida.


- Quando a polícia chegou ao local o corpo dela ainda estava quente, mas tinha parado de respirar. Eu nem sei dizer como, mas ainda estava vivo. Vivo e chorando como o menino que nunca fui, chorando a vida dela que fora desperdiçada pela minha. Mas eu não tinha uma vida que valesse a pena. Eu nem sei dizer direito por quem eu chorava mais, se por mim se por ela…acho que pelos dois. Ambos morremos naquela noite, de formas diferentes.


Ele interrompeu o relato e olhou para ela. Despiu o blusão e colocou-o à volta do corpo quente e frágil de Ginny, com um sorriso doce e repleto de ternura.


- Eu cumpri pena por seis meses e depois saí. Mas eu sabia que não estava saindo para a mesma vida. Foi assim que eu conheci a madre e esse convento. – olhou em volta – Ela me acolheu aqui, por excepção e em plena consciência de toda a minha história. Mais do que a minha forma de vida, muita coisa mudou em mim naquela noite. Por mim…por ela.


A jovem sentiu um orgulho súbito por pertencer à mesma espécie que Will, um homem capaz de assumir os seus erros e viver com eles. Não podia negar o horror que sentira ao saber que ele matara alguém…mas essa pessoa parecia-lhe tão distante do homem que tinha diante de si.


- Eu queria mudar de vida, como você – ela murmurou, os olhos presos nos dele – Mas não sei se tenho essa força.


- Isso é algo que podemos descobrir – ele sorriu-lhe, um sorriso franco e bonito que a aqueceu por dentro. O sorriso de um amigo.


- Tudo o que eu consigo pensar é em fazer de conta que tudo está bem, que tenho a vida que sonhei, que Harry não continua comigo para onde quer eu vá, assim como as marcas da violência. Fingir. Fingir tanto que acabe por se tornar real – a sua vontade saiu num mero sussurro.


Will inclinou a cabeça e, num rompante, puxou-a para um abraço apertado. Quando se separaram, Ginny reparou novamente na minúscula cicatriz que ele tinha no canto da boca. O jovem devia ter reparado no seu olhar, porque logo em seguida esclareceu a sua curiosidade.


- Mais uma marca daquela noite…


Estavam tão perto que ela já conseguia sentir a respiração rápida e forte dele. Olhou para os lábios dele e aquilo pareceu correcto. Uma forma de se confortarem mutuamente. Não que sentisse algum desejo ou paixão…apenas uma necessidade de o ter perto de si, a primeira presença reconfortante e o sinal derradeiro de esperança na sua vida. Aproximou os lábios dos dele, quando o sentiu recuar.


- Há mais uma coisa que você devia saber, Gi. Depois que eu saí eu decidi dedicar a minha vida a algo maior. Eu…eu estou estudando para ser padre – ela ergueu o olhar e reparou que ele corara e que os seus olhos brilhavam com algo que parecia desapontamento.


I don't know where
Confused about how as well
Just know that these things will never change for us at all


If I lay here
If I just lay here
Would you lie with me and just forget the world?



N/A - Só para deixar um mega beijo a quem tem passado por aqui e tem lido! Muito obrigada ^_^














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