Quantos estranhos tem uma vida
Capítulo 14 – Quantos estranhos tem uma vida?
Won't you please just let it be.
Cause I've been there and all I can say,
Is that it slips away from me.
With the memory of yesterday's grace,
She spins away from me,
So I can go on.
As cold as the void of the night,
The dark's surrounding me.
She leaves me there every time,
As alone as I can be.
And I drift with the thought of her eyes.
She's all that I can see,
But I will go on.
O avião sobrevoava o território americano, descrevendo a rota entre Los Angeles e Nova Iorque. Ginny dormira durante algum tempo, mas quando acordara permanecera na mesma posição e de olhos fechados. Sentia, de tempos a tempos, a deslocação de ar produzida pelos movimentos de Will.
Tudo nele era estranho. Ele era estranho. O seu sorriso, sempre sincero e doce, era bem estranho, um daqueles sorrisos que não se fazem mais. Um gesto reservado para as crianças de cinco anos, que deixam de ser fabricados depois dessa data. Os seus modos eram gentis e discretos, mas não se tornavam menos másculos ou dignos de confiança, apenas mais…estranhos, especiais.
Após se terem acomodado, não voltaram a falar. Ginny limitara-se a fechar os olhos e tentar adormecer, abrindo-os ocasionalmente para vislumbrar o que o seu companheiro de viagem fazia. Ele lera desde o primeiro minuto, sempre com um sorriso curioso nos lábios, mas não voltara a dirigir a sua atenção para ela.
Abriu um pouco os olhos. Ele continuava com o seu inseparável volume na mão, aparentemente já chegando ao fim. Moveu levemente a cabeça, de forma a conseguir ver o título, mas deparou-se com uma capa de couro completamente negra e lisa. Quando ergueu o olhar para ele, viu que o sorriso aumentara. A curiosidade começou a corroê-la e acabou por perguntar, quase sem querer:
- O livro está assim tão engraçado?
- Não, mas a sua cara está. Você fingindo que está dormindo há quase… – lançou um olhar divertido para o relógio no seu pulso – uma hora.
A ruiva corou furiosamente, mas resolveu não se dar por vencida tão facilmente.
- Eu não estava fingindo, estava mesmo dormindo – mentiu.
- Claro que estava. - ele fez uma careta, mas não desviou o olhar para ela. Ela soprou com força, mas viu que nem assim teria a atenção dele. Recostou-se no banco e olhou pela janela para o mundo espumoso de nuvens que atravessavam.
O seu pensamento desviou-se inevitavelmente para a Sicília, a família que deixara, Harry. Será que ele já perdoara a sua fuga? Iria continuar preso à vida que haviam partilhado durante fugazes, mas apaixonados, tempos? Ou iria seguir com a sua vida, esquecendo-a rapidamente? O seu peito se apertou com a ideia de que ele já podia ter outra mulher nos seus braços, alguém a quem amar. Alguém que não estivesse indelevelmente marcado pela mágoa e dor, por memórias tristes de acontecimentos que ninguém deveria ter de viver.
Lembrou cada traço do rosto dele, no último momento que partilharam, palavras silenciosas debaixo de gotas de uma chuva inesperada e forte. Adjectivos que poderiam ser utilizados também para descrever o seu amor, surgindo louco e triunfante, sem esperar licença nem resposta. Viu diante de si, uma vez mais, os olhos verdes cheios de amor e esperança e teve um vislumbre desses mesmos olhos, marejados de lágrimas e repletos de dor.
Suspirou profundamente e, subitamente, sentiu uma mão quente sobre a sua. Rodou rapidamente a cabeça e encontrou Will, o rosto sério, o livro pousado sobre o seu colo e os olhos presos nela. Demorou alguns instantes a se aperceber de que tinha a cara molhada pelas lágrimas. Limpou-as rapidamente com a palma da mão e forçou um sorriso, que não foi mais do que um esgar de profunda infelicidade.
Will continuava ali, apertando um pouco mais a sua mão e respeitando o momento. Mais do que qualquer outra coisa foi aquele momento, aquele gesto, que fez nascer uma amizade cúmplice entre eles, uma amizade de uma vida.
Existem certas coisas na vida das pessoas que as forçam a ser amigas, a formar alianças emocionais. Ter aquele apoio silencioso e calmo, sem exigir respostas ou motivos, fez com que a ruiva visse em Will um amigo num mundo hostil.
Quando conseguiu recuperar um pouco da calma fria que cultivava desde o fatídico dia, olhou o moreno nos olhos e apertou devagar a mão em resposta, um sinal que ele pareceu entender como uma licença para se pronunciar.
- Eu…eu não vou fazer perguntas. Quando você quiser, se quiser…eu posso ser um bom ouvinte. Eu vi, desde que te olhei directamente nos olhos, no meio do chão de um aeroporto, que existe um grande sofrimento em você. A sua vida para trás, qualquer que ela tenha sido…você parece ter esquecido. Eu vejo em você a desconfiança de alguém que acabou de renascer para um mundo que a desiludiu, magoou, matou. Eu não pretendo estar aqui repetindo um monte de ideias feitas, até porque você mal me conhece mas…dê uma chance para o futuro. Depois deste avião existe um mundo lá fora, e ele pode ser maravilhoso. A vida está esperando por você.
Ginny não conseguiu evitar um sorriso, um dos mais verdadeiros dos últimos tempos da sua vida. Definitivamente, ele era estranho. Num momento engraçado e de espírito aguçado, noutro ponderado e até algo filosófico.
- Você dá consultas ao domicílio ou só em bancos de avião? – ele rolou os olhos e riu.
- Eu já vivi. As pessoas quando vivem muito, inevitavelmente acabam aprendendo alguma coisa com isso. Eu sou apenas bom por partilhar o meu conhecimento profundo com almas carenciadas como a sua – fez um sorriso de diabrete.
- Você fica de mãos dadas com todas as suas alminhas protegidas, ou guarda esse agrado para as ruivas solitárias? – retorquiu ela, reparando que permaneciam de mãos dadas. Contudo, aquele gesto não lhe parecia desadequado, mas natural e reconfortante. Sem malícia ou segunda intenção.
- Não. Eu preferia as morenas, mesmo. E antes que você pergunte… – completou, vendo que a ruiva ia falar – Sim. Eu tenho sempre resposta para tudo.
Ginny riu. Algo dentro de si se manifestou, exigindo que ela contasse tudo para Will. Ele era um desconhecido, mas o seu instinto dizia que em breve ele não seria apenas mais um na sua vida. Humedeceu os lábios e ficou séria.
- Will… – ele ergueu o sobrolho ao ouvir o seu nome e ficou imediatamente mais compenetrado – Eu quero contar o que me faz chorar, o que me faz sofrer, o que me fez fugir. Mas não agora, não hoje.
- Tudo bem. Mas existem coisas que você deve poder contar, coisas normais. Antes de saber os detalhes profundos, gostava apenas de saber quem você é. A pessoa por detrás do nome sonante…Ginny Knight-Weasley – readquirira parte do seu ar levemente trocista, mas a ruiva percebeu que ele a levava muito a sério.
- O que você quer saber?
- Coisas normais e simples – repetiu – Idade, país, profissão, gostos, tipo de sangue, cantor favorito, música que mais gosta de ouvir, coisas que adora, que odeia, o seu gosto inconfessável, nome do primeiro namoradinho, zeros à direita na conta bancária, posições predilectas… para dormir, Ginny, você pensa logo mal de mim – fez um ar amuado, mas não aguentou e riu em conjunto com ela.
- 18, artista em progresso. Ler, pintar, tocar piano. Zero positivo. Música só escutando para dizer, gosto de tudo um pouco. Adoro chocolate, partidas e ter razão – sorriu, meio encabulada – Odeio que queiram mandar em mim, crueldade e mentira. Gosto inconfessável…Um casaco vermelho e amarelo que eu tinha, parecia uma árvore de Natal já enfeitada, mas ele era lindo! – riu, os olhos brilhando com aquela lembrança - Zack foi o primeiro garoto de que gostei relativamente a sério, tinha uns doze anos. E o resto…não é da sua conta, Fortune! – deitou a língua de fora. Ele acenou, rindo da sua descrição pessoal – Agora você.
- 20, eu…estudo – Ginny reparou que ele fez uma pausa, como se hesitasse em dizer algo, mas ignorou – Sou americano, mesmo, nascido e criado em Nova Iorque. O meu tipo sanguíneo é igual ao seu, por isso está salva comigo por perto – ela sorriu, trocista – Pearl Jam. Adoro nadar, caminhar, fazer yoga. Odeio odiar seja o que for – ela se sentiu impressionada pela forma ardente como ele disse aquelas palavras – Mas a violência e intolerância me desesperam. O meu gosto inconfessável…ajudar ruivas indefesas. Ah, ta bom! Não tenho nenhum – respondeu apressadamente, diante de um fingido olhar frio da garota – Carol foi o meu primeiro amor. Eu gosto de ocupar espaço quando durmo, todo estirado. E é isso – completou.
- Agora fiquei com vontade de saber mais – murmurou ela, em tom de pedido, enquanto se aninhava no assento do avião.
- O que mais? – ele questionou, com ar resignado.
E continuaram trocando dados e confidências durante o resto da viagem.
Every long night,
Every whisper,
Every song that never saw it coming,
And she says it's oh so right.
Every cold night,
Every shiver,
Every time I didn't feel it coming.
She says it's oh so right.
- Vazia? Tem absoluta certeza de que ninguém voltou cá desde que partiram?
- Claro. Desde que a Ginny viajou, a casa ficou fechada e ninguém entrou nem saiu – a velhinha olhou para aquele homem de olhar triste e abandonado e, apesar da sua idade avançada, não conseguiu evitar sentir uma pontada de pena por ver um garoto tão bonito com um ar tão deprimido.
- Bom, muito obrigada então – ele preparou-se para voltar costas, mas a senhora chamou-o novamente.
- Porque não vai até casa do Dean? Talvez ele saiba algo sobre ela…afinal, eles foram namorados durante tanto tempo – Harry fechou a cara. Embora conhecesse a história do relacionamento entre os dois, a lembrança não lhe agradava.
- Farei isso… adeus – cumprimentou a senhora com um gesto de cabeça educado e foi até ao carro que alugara para se poder deslocar em Londres. Fora até aos arredores da cidade, sempre acalentando uma esperança terna de encontrar Ginny na sua antiga casa, segura e esperando por ele. Contudo, ao chegar ali, cedo percebera que fora uma falsa ilusão e apenas inquirira junto à vizinha para garantir que ela não estivera mesmo ali, nem de passagem.
Pegou no telefone e ligou para as informações, dando alguns dados que conseguira recolher das suas memórias de conversas com a ruiva e das suas investigações e obtendo rapidamente uma morada. Após terminar a ligação, colocou o carro em marcha e dirigiu-se para a casa de Dean Thomas.
Quando chegou encontrou uma casa normal dos subúrbios, com bom aspecto e bem cuidada. Avançou até à porta e bateu. Passado alguns instantes, um homem novo, praticamente da sua idade, abriu a porta e ele soube que estava perante o ex-namorado de Ginny.
- Você é o Dean? – questionou, perante o olhar interrogativo do outro.
- Sou, sim. E você, quem é? – o jovem moreno cruzou os braços e demonstrou uma antipatia imediata por Harry.
- O meu nome é Harry Potter. Eu procuro uma pessoa que penso que você conhece…Ginny Knight…? – achou que devia ir directo ao assunto. Dean cerrou o maxilar e fechou ainda mais a expressão.
- Sim, eu a conhecia, mas já não sei nada dela desde que partiu para a Itália.
- Não voltou a vê-la? A falar com ela, trocar cartas, nada? – Harry não conseguiu reprimir a nota de ansiedade na sua voz, apesar de saber que estava entrando num jogo perigoso ao ser tão insistente.
- Já disse que não – o inglês parecia realmente irritado agora – Você é da polícia ou algo assim, para ficar fazendo tantas perguntas?
- Não, eu sou apenas um…amigo preocupado – preparou-se para encerrar a conversa e partir, mas parecia que Dean começara a ficar interessado.
- Um amigo… – repetiu – Sei. Eu também já fui esse tipo de amigo dela – Harry apertou os punhos ao ouvir aquelas palavras, mas controlou-se perfeitamente.
- Não sei do que está falando.
- Ela tem essa triste mania de nos deixar queimando e fugir…
- Ela não… – Harry ia partir em defesa de Ginny, mas não conseguia formular uma resposta concreta. Ela fugira, fugira dele. Nossa, como aquilo ainda doía!
- Talvez para você ela tenha dado um pouco mais – um sorriso distorcido e feio espalhou-se nos lábios de Dean, tornando-o menos atraente e mais fraco – Eu queria até casar com ela, mas nem assim ela cedeu…
- Se você não tem mais nada que preste para dizer, eu vou andando – Harry voltou costas, mas Dean ainda não tinha terminado.
- Ou talvez ela tenha traído você…! Aquela ruiva deixa os homens loucos, o corpo e o temperamento perfeitos para incendiar qualquer alma. Provavelmente ela foi com qualquer um e você tentou viver sem ela, mas não conseguiu. Como ela é oferecida… – Dean estava agindo como um homem despeitado, Harry conseguia ver com toda a nitidez. Ainda assim, as suas mãos queimavam e cada fibra do seu ser desejava acertar naquele rosto. Talvez o contacto do seu punho com o corpo do outro fizesse com que doesse menos. Nenhuma dor, independentemente de qual fosse, conseguiria suplantar a que vivia permanentemente no seu peito.
O seu punho já estava fechado, quando se lembrou de Ginny. Viu-a diante de si como a tivera pela última vez, sorrindo para ele com os olhos cheios de ternura. Uma paz imensa invadiu-o, as palavras dela quando batera no homem da festa, recriminando a sua cabeça quente, rodavam dentro de si.
Respirou fundo e olhou directamente o outro homem. Ele tinha uma expressão triunfante, quase expectante, como se esperasse que ele fosse reagir numa explosão. Harry fez o seu sorriso mais cativante e charmoso, capaz de desarmar até homens e voltou costas, avançando pelo passeio até ao seu carro.
Agora tinha certeza de que mudara. Ginny mudara-o, muito mais do que ela própria sabia. Aquela reacção indicava que uma nova pessoa estava nascendo, uma pessoa melhor. No entanto, continuava longe de descobrir o paradeiro da responsável por toda a sua evolução. Entrou na viatura e ligou o motor, sem certeza de para onde ir. Apenas sabia que para onde fosse, levava o seu amor como um talismã.
As heartless and cruel as can be,
She moves away from me.
Still I need to be hers every time,
With all that I can be.
As she calls in the deep of the night,
She takes all I've got from me,
So I can go on.
Every long night,
Every whisper,
Every song that never saw it coming,
Baby don't you know that it's not allright,
It's not allright, no, no, no.
Em breve o avião destinado a Nova Iorque aterraria no aeroporto de La Guardia. Ginny já se sentia íntima de Will, embora a sensação de que ele era uma personagem misteriosa e inquietante persistisse. Quando finalmente o transporte pousou e o desembarque autorizado, a ruiva apercebeu-se de que não tinha pensado exactamente para onde iria.
A resposta mais óbvia seria para casa dos seus pais, mas instintivamente sabia que não era o local certo para proceder à sua cura, a uma reconstrução da sua integridade física e psicológica.
Imersa nos seus pensamentos não reparou que Will a fitava intensamente, até que ele segurou a mão dela, causando-lhe um estremecimento inevitável, e começou a puxá-la para que caminhassem juntos pela área de desembarque. As pessoas em volta sorriam, provavelmente imaginando que eram um casal, mas mesmo essa hipótese não a incomodou, simplesmente porque a companhia de Will era agradável…ele fazia tudo parecer melhor.
Depois de terem apanhado a respectiva bagagem, sempre rindo e conversando, chegaram ao terminal do aeroporto. Ginny sabia que teria de seguir o seu caminho, mas queria ter a certeza de que voltaria a ver o rapaz…apenas não sabia como dizê-lo sem parecer carregar uma segunda intenção, que não era de longe sua.
Como sempre, William Fortune simplificou tudo.
- Gi…para o caso de ser preciso – ele olhou-a bem nos olhos e entregou-lhe um cartão que continha um número de telefone – Eu estarei sempre à distância de uma chamada, a qualquer hora, ok? Caso não precise de mim…gostaria que me ligasse na mesma – ele riu e ela acompanhou-o.
A ruiva agarrou o cartão, fixando os números, e num impulso abraçou-o com força. Quando se soltaram, ele parecia mais sério mas também satisfeito. Estendeu-lhe a mão “à moda inglesa!” e quando a apertou Ginny reparou que ele tinha uma tatuagem no antebraço, um crânio com uma serpente saindo da boca. Um arrepio percorreu-lhe a espinha diante daquela visão, tão diferente do homem que começara a conhecer.
Every cold night,
Every shiver,
Every silent scream,
And she never listens.
Well it's not alright, not alright.
She rides with the gods of the night,
She rules the tides in me.
She crushes the waves with her sigh,
And she...oh lord... becomes a part of me,
But her care is as sharp as a knife.
I'll say, for how can she step away from me,
How can you just walk away from me?
Harry caminhava por Trafalgar Square, olhando em volta sem no entanto fixar nada nem ninguém. A cada momento que passava sentia-se mais longe de Ginny, como se a perdesse mais um pouco. E se um dia já não conseguisse recordar com exactidão o contorno dos seus lábios, a luz do seu sorriso, o vermelho dos seus cabelos? Se chegasse o dia em que o seu amor seria apenas uma lembrança doce, mas presa num passado impossível de recuperar? Não podia permitir que isso acontecesse, tinha de a encontrar a qualquer custo.
Parou para observar um pintor de rua, que desenhava o contorno de um rosto feminino, um rosto ainda indefinido e frágil. Ainda assim, ele pôde ver nele a mulher que nunca abandonava os seus pensamentos. Ele a vida em todas as mulheres, em todas as coisas. Ela era tudo, tal como ele dissera para Lily.
“Eu vou encontrar você, não importa quanto tempo demore. Nunca vou esquecer!” – pensou, continuando a andar sem rumo pelas ruas frias de Londres.
Subitamente o telefone tocou e ele o buscou no bolso para atender.
- Sim?
- Harry…é a Belle!
- Oi, tudo bem por aí? Alguma novidade?
- Sim, sim, tudo bem! – a voz da garota parecia ansiosa - Harry…a Gi telefonou para a mansão. Fui eu quem atendeu o telefone, ela falou rápido e disse só que estava bem e para não ficarmos preocupados, acho que ela nem queria me deixar responder, mas aí…eu consegui ouvir uma voz ao longe.
- Uma voz? Fala logo, Belle! – o moreno não conseguia conter a sua impaciência.
- Bom, eu ouvi uma voz electrónica, daquelas de terminais de aeroporto. Essa voz…ela anunciava a chegada de um avião. Harry…a Gi foi para Nova Iorque – o coração dele pareceu cair aos seus pés. Claro! Os pais adoptivos dela estavam em Nova Iorque, obviamente ela fora para junto deles.
- Eu vou para lá assim que houver vaga num avião. Se ela voltar a telefonar, tenta saber mais alguma coisa.
- ‘Ta bom – a voz de Belle parecia mais alegre agora – Vai logo e traz essa menina para junto da gente. A mãe e o meu pai estão muito preocupados, mas tentam não demonstrar e prosseguir com a vida normal. Eles estão aqui mandando beijos para você. Amo você, seu teimoso de olhos verdes.
- Também te amo italianinha metida –ouviu a irmã rir às gargalhadas antes de desligar. Assim que colocou o telefone no lugar, ele correu ao longo da avenida larga de volta para o carro, entrando e arrancando sem sequer se permitir parar para pensar.
Dirigiu pelas ruas movimentadas e cheias de tráfego, com o único pensamento de tentar chegar o mais rápido possível ao aeroporto. Concentrado demais até para ter em atenção os sinais de trânsito, ignorou o sinal de passagem de peões e continuou.
Um vulto branco atravessou-se em frente ao carro, fazendo com que ele travasse a fundo no último momento. Com a respiração acelerada e a adrenalina correndo pelas veias, saiu para fora do carro a fim de ver o estado da criatura que se colocara à sua frente. Era uma mulher jovem, com um vestido branco colado ao corpo e estava encolhida a centímetros do pára-choques. Ele debruçou-se sobre ela, ajoelhando-se ao seu lado com grande preocupação, para verificar que estava salva e fora apenas um susto.
A garota retirou, lentamente, o braço da frente do rosto e ele reteve o ar nos pulmões.
- Deirdre? – a voz tremeu, antes de a ver sorrir.
Every cold night,
Every whisper,
Every silent scream,
And you never listen.
And you say what?...It's allright,
Well it's not allright, no, no.
Every last time,
Every shiver,
Every dirty game.
Well it just isn't right,
It just isn't right.
Subiu os degraus da pequena casa, igual a todas as outras que a sua vista alcançava. Chegara, finalmente. Atrás daquela porta estavam duas caras que ela conhecera toda a vida, o seu passado imaculado…longe das atribulações sicilianas.
A noite acabara de cair e a rua estava deserta. Ergueu a mão para bater à porta, mas simplesmente não foi capaz. O seu braço não lhe obedeceu. Ficou ali por longos momentos, ciente do ridículo da situação: uma garota com uma mochila ao ombro, tremendo pelo frio da noite, parada na soleira de uma porta, com uma mão levantada e quase encostada à porta.
Não soube o que a fez decidir virar costas e partir para sempre. Talvez ali já não fosse o seu lugar. Talvez nunca tivesse sido. Aquele seria o primeiro lugar onde seria procurada e, no entanto, a vantagem que via em procurar o parco conforto dos seus pais adoptivos não conseguia superar o medo de ser encontrada, de ver os seus horrores voltarem em toda a força.
Cada noite de pesadelos, cada estremecimento ao ser tocada por qualquer pessoa, cada instante em que tentava lutar contra a imagem que via reflectida no espelho, da mulher destruída e marcada…tudo isso fazia parte dela agora. Não havia como voltar atrás e tentar retomar a vida a partir de um ponto que há muito passara.
Ela tinha de dizer adeus ao seu passado, adeus às suas dores, às suas lembranças. Adeus à vida que poderia ter tido. Adeus, Harry.
Mas como viver uma vida depois de conhecer e amar Harry Potter? Como seguir em frente sem nada além de uma vaga esperança… sem alma, sem corpo, sem coração?
A vida estaria mesmo à sua espera lá fora, como dissera Will? Existiria algo além de dor e sofrimento?
Ela tinha de se reinventar, colar cada pedacinho da enorme estatueta de vidro que um dia fora…e que havia sido quebrada, sem dó nem piedade. E isso implicava dizer…adeus.
Caminhou até encontrar uma cabine telefónica. Tirou o cartão do bolso, relembrando o sorriso que Will lhe dera antes de se separarem e discou o número.
- Will?
She wakes at the dawn of the day,
And takes my heart from me.
Leaves me with nothing to say,
Nothing left for me,
But the fever of final goodbyes,
She spins away from me,
So I can go on...
I can go on.
N/A – Ai ai...e agora? Quem será a Deirdre? E a tatuagem do Will, vocês viram? Nossa…será que ele é do bem ou do mal? Huahaua. Adoro colocar perguntas e não dar respostas. Teremos mais um capítulo e depois um salto temporal de 2 anos…e a partir daí tudo volta a acontecer em grande força. Toda a gente tem segredos…qual será o das minhas personagens? Ahah. O capítulo ficou bonitinho, não? Nem muito arrastado nem demasiado mexido…a tal transição, ainda. Se bem que gostei mais desse do que do anterior, saiu bem melhor de dentro de mim. Para todos os que escreveram veementemente contra um romance entre o Will e a Gi…respirem fundo. Eu sei o que estou fazendo, ou já não confiam em mim? (cai uma lágrima, enquanto a autora esconde um frasquinho de mentol atrás das costas). Ah! A letra é dos Kane, a música é Let it be.
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