Um longo adeus
Capítulo 12 – Um longo adeus
Eu,
prisioneiro meu
descobri no breu
uma constelação.
Ginny abriu as cortinas do seu quarto na mansão Potter. Um mês passou desde o ataque de que fora vítima, o acontecimento que mudara a sua vida para sempre. Naquele dia iria realizar-se o casamento do seu pai, especialmente por pedido dela, que queria ver a sua vida voltar à normalidade possível com a máxima celeridade. Não queria sentir-se um peso na vida das outras pessoas, um obstáculo numa felicidade há muito esperada.
Dirigiu-se ao quarto de banho, onde retirou com delicadeza a camisola de noite que usava e, sentindo uma coragem inaudita, virou-se para o espelho para observar meticulosamente o seu corpo. Partira o espelho numa noite de angústia, nem soltar um grito ou uma lágrima, apenas porque não queria ter consciência de si. Contudo, Lily colocara outro no lugar e ela não protestara. Não queria protestar, nem reagir, nem falar. Queria esquecer-se de quem fora, talvez assim pudesse aceitar quem era agora.
No seu rosto os inchaços e hematomas já tinham sarado e não sentia nenhuma dor no maxilar, mesmo quando o forçava. A sua face doce estava quase como antigamente, apenas com algumas marcas que o tempo poderia curar. No seu colo as marcas dos arranhões de Firenzzi permaneciam, linhas brancas sulcadas na sua pele. No interior das suas coxas ainda eram visíveis algumas abrasões e marcas, mas os médicos garantiram que a maioria delas desapareceria em breve. Retirou a faixa que ajudava a diminuir as dores nas costelas e apercebeu-se de que não lhe doíam, pela primeira vez em muito tempo.
Era estranho observar-se com aquela frieza e despreendimento. Belle já por várias vezes lhe dissera, com aquela franqueza típica das crianças que parecia guardar eternamente, que ela parecia estar morta por dentro, como se toda a sua alegria e vivacidade tivessem sido misteriosamente sugadas do seu interior. Ela sabia que era verdade, que devia estar a fazer um esforço para voltar a ser um pouco como antigamente. Mas ela já não era a mesma pessoa e aquela distanciação calculista garantia-lhe um bálsamo para uma dor atroz, uma dor que ela tudo fizera para calar.
Abriu a torneira do duche e entrou, deixando que a água morna lhe caísse pelo corpo e relaxasse cada partícula do seu ser. Sem querer, o seu pensamento desviou-se para Harry. Desde o dia do seu regresso a casa, em que tivera a sua primeira e única explosão, ela recusava-se a recebê-lo no seu quarto. Por outro lado, quando ia até outras divisões da casa e o encontrava, agia sempre como se ele não existisse. A ruiva pensou, com uma leve dor no peito, que talvez ele próprio já se tivesse convencido que deixara de existir. Ela conseguia ver nos seus olhos verdes, que ela fitava com frieza e desinteresse, uma sombra constante.
Belle dissera-lhe, tentando ao máximo manter um tom de conversa casual, que o irmão também não voltara a sorrir desde aquele dia. Aparentemente passava todo o tempo no seu quarto, na sala de música ou no jardim, sentando sob a árvore que era deles, abatido e perdido na sua culpa constante.
Ginny entristecia-se com o seu sofrimento, mas a sua própria dor cegava-a de uma forma cruel, tornando-a mais egocêntrica do que seria desejável. No fundo, sabia que o perdão das suas culpas faria bem a ambos, mas Harry representava tudo o que vivera naquele noite. Mesmo agora, enquanto fechava os olhos e deixava que a água caísse sobre si, conseguia ouvir-se a si própria, implorando para que ficasse, para que a ajudasse, para que não permitisse que ela fosse de outro homem.
Ela queria apenas ser sua, mas tudo lhe foi tirado, arrancado da forma mais brutal. Não conseguia apagar da sua memória o motivo da discussão daquele dia, o porquê de ele ter saído e a ter deixado à mercê de um patife da pior espécie, apesar das declarações de vingança do próprio.
Harry era um alvo fácil para a sua raiva, para o horror negro que se apoderava dela nas horas mais duras de cada dia. E ela abraçara esse facto, fazendo dele o culpado maior de toda a sua tristeza.
Abriu os olhos e agarrou uma esponja, começando a passá-la com suavidade pela sua pele, notando que as cicatrizes nos nós dos dedos começavam a desaparecer. Fisicamente ela estava curada, mas que médico, que enfermeira, que remédio pode curar uma alma quebrada?
Num flash as imagens daquela noite surgiram diante de si, como se vivesse tudo outra vez. Tentou tapar os ouvidos para não ouvir os seus próprios gritos de dor, a forma como implorava por tudo para que a largasse. Podia ver a expressão alucinada dele, senti-lo no seu corpo…Agarrando a esponja com força, esfregou com toda a força a sua pele, enquanto lágrimas caíam dos seus olhos.
Queria que ele saísse de si, que a água corrente levasse os testemunhos da sua tragédia. Queria arrancá-lo de si, pertencer para sempre apenas ao homem que amava, ao homem que culpava insanamente por não a ter protegido quando mais precisou. Sentia-se indigna de ser amada por alguém, de ser tocada com desejo, carinho ou paixão. Sentia-se imunda, suja de uma substância asquerosa e tóxica, que ninguém poderia tocar sob pena de ficar igualmente contaminado.
Esfregou até a pele estar vermelha e frágil. Então, desabou ali mesmo e chorou como uma criança indefesa, deixando que todo o horror se libertasse de dentro de si, sem ter para onde fugir de si própria.
Céus,
conheci os céus
pelos olhos seus
Véu de contemplação.
Deus,
condenado eu fui
a forjar o amor
no aço do rancor
e a transpor as leis
mesquinhas dos mortais.
- Ginny, posso entrar? – ouviu a voz do pai perguntar, enquanto penteava os cabelos sentada na penteadeira.
- Claro, entra – disse, virando-se para a porta. A porta abriu-se e viu entrar Arthur Weasley, vestindo um fato de noivo em tons de preto e cinzento. Sorriu levemente, enquanto ele se aproximava.
- Hoje a Lily vai apaixonar-se de novo por você, quanta produção –declarou. O pai sorriu e corou levemente, condizendo um pouco mais com a tonalidade dos cabelos. Fez uma carícia suave nos cabelos compridos e chacheados da filha e sentou-se perto dela, na borda da cama.
- Você também está linda, meu amor – sentiu um nó na garganta, emocionado por tudo o que a filha passara e feliz por ver que nada manchara a sua beleza. Mesmo sabendo que ela estava longe de estar pronta para uma vida normal. - O Harry… - interrompeu-se, sabendo que fora longe demais. Fitou a filha e viu o sorriso esmorecer e a cara voltar a fechar-se numa expressão dura e sofrida.
“Porque é que ele tinha de falar logo nele?”, pensou desesperada. Mas tinha de se animar, não podia entristecer o pai naquele dia tão especial. Levantou-se e foi até ele. Pegou um cravo branco que estava sobre a cama e prendeu-o minuciosamente na lapela, erguendo depois a cabeça para sorrir ao pai. Ele retribuiu o gesto e abraçou-a levemente.
Como era bom ter um pai! Um pai verdadeiro, alguém que se preocupa e sente cada coisa em perfeita sintonia com o filho. Há uns meses era tudo o que ela desejava, fora por este abraço que ela percorrera todo aquele caminho sinuoso até chegar ali. E encontrara-o à sua espera, disponível para a amar incondicionalmente…e, no entanto, ela sabia que já não pertencia àquele lugar desde uma noite há um mês atrás.
Ele soltou-a e observou, mais uma vez, a fantástica semelhança com Molly. Naquele dia envergava um vestido preto sem alças, justo no peito mas rodado a partir do busto. Escorria leve pelo corpo dela, indo até ao meio da perna. Usava umas sandálias de salto alto, uns brincos prateados e o medalhão da sua mãe. Maquilhara-se levemente, nada muito escandaloso, apenas realçando a sua beleza natural. Os cabelos vermelhos estavam soltos e brilhantes, emoldurando o seu rosto. Sentiu uma onda de amor paternal por aquele ser e perguntou-se como era possível amar tanto alguém que acabara de descobrir. Devia ser esse o tal instinto paternal.
Olhou em volta, observando as paredes do quarto onde a sua filha se escondia do mundo, e a sua atenção quedou-se numa caixa de porcelana. Apontou para lá e perguntou:
- Foi Harry quem lhe deu, não foi?
Ginny sentiu-se muito desconfortável com aquela lembrança, mas acenou positivamente. Arthur sorriu ligeiramente e saiu de perto dela, indo até ao objecto de tons suaves. Pegou-lhe e abriu-a, com um cuidado e delicadeza extremos. A sonata invadiu o quarto, trazendo à memória da ruiva a primeira incursão à sala de música.
- Soa exactamente como antigamente – notou o homem, baixinho, fechando-a em seguida e devolvendo-a ao lugar original. Ginny fez uma expressão curiosa – Essa caixa, minha filha, eu mandei fazer especialmente para a Molly. A sua mãe adorava tocar piano e essa era uma das suas sonatas predilectas – uma onda de ternura e tristeza invadiu Ginny – Ela deixou-a na minha cabeceira na noite em que partiu. Eu a dei a Harry, muitos anos depois disso, penso que no dia em que ele fez uns quatorze anos, e fiz um pedido ao que ele acedeu.
- E…que pedido foi esse? – a voz dela tremeu, ameaçando não sair da sua garganta. Ela temia aquela resposta, sabia que só aumentaria a dor que a devorava. Ainda assim, sabia que tinha de fazer aquela pergunta.
- Eu pedi para que ele a desse à pessoa que mais amasse no mundo, à mulher com a qual ele quisesse passar o resto da sua vida – a voz de Arthur saiu embargada e rouca – E agora sei que ele cumpriu a promessa – concluiu, olhado-a nos olhos. Ginny sentiu-se pequena e uma lágrima balançou no canto dos seus olhos.
Tentou olhar em volta e descobrir algo para dizer, outra coisa sobre a qual falar, mas estava presa no mundo Potter.
- Ele te ama como eu nunca pensei que ele um dia fosse amor alguém, digo isso sinceramente – disparou ele tranquilamente, observando-a com atenção – Ele daria a vida por você. Ele quer estar com você, mas você não parece querer estar com ele.
Aquelas palavras evocaram a memória de umas outras, ouvidas numa tenda escura : “Um estranho. Ele mudará a sua vida. Já está mudando, eu posso ver. Ele levará você ao seu passado por revelar e ao seu futuro por viver. Eu vejo sofrimento. Tanto sofrimento. Dor. Tanta dor. Ele estará com você, mas será que você estará com ele?” – Ginny arrepiou-se e não pôde deixar de ver verdade em todas aquelas sílabas.
- Você acha que está agindo bem? – continuou o homem. Ginny engoliu em seco, os olhos queimando, mas não respondeu. Colou os olhos na cama e recordou um momento vivido numa cama praticamente igual, numa manhã depois de uma tempestade. A manhã em que fora de Harry pela primeira vez.
- Pai…o que significa “Siete tutto che abbia sognato mai. E siete reali...”? – tinham sido aquelas palavras que ele murmurara para ela, dizendo que um dia compreenderia. Esse dia parecia finalmente ter chegado.
- Hm…algo como “Você é tudo o que eu sempre sonhei. E é real…” – limitou-se a responder, sabendo que aquela era uma coisa privada, que ela não queria partilhar.
As lágrimas assomaram aos olhos da garota e começou a tremer desocontroladamente, tentando sufocar um soluço de angústia. Arthur passou-lhe o braço pelos ombros e abraçou-a, acariciando a sua cabeça. Aquela demonstração de carinho reconfortou-a e, em breve, as lágrimas cessaram. Fungando, tentou aliviar o clima:
- Acho que devia me retocar, a minha cara deve estar parecida a um biscoito com pepitas de chocolate – apontou para os olhos e tentou sorrir, mas apenas saiu um esgar de tristeza. O pai apertou-lhe suavemente a mão e disse para ela descer quando se sentisse pronta, porque em breve os convidados chegariam. Ela acenou em concordância e ele saiu.
A ruiva sentou-se novamente na penteadeira, olhando para a imagem que o espelho lhe devolvia. Viu uma garota muito parecida com alguém que conhecera no passado, mas também profundamente marcada. Essas marcas nenhum espelho do mundo poderia mostrar, mesmo sendo tudo o que ela conseguia ver no momento. Focou-se nos seus próprios olhos e tomou uma decisão, uma decisão que mudaria ainda mais profundamente a sua vida. Conseguia ver com nitidez a dor e sofrimento pelas quais passaria, mas soube com igual clareza que a sua cura não estava ao seu alcance naquele lugar. O seu pai tinha razão. Harry não era directamente culpado por aquilo que passara, ainda que fosse tudo o que ela se permitia sentir na sua presença. Existia uma única solução, um só caminho e ele abria-se diante de si.
Abriu uma gaveta e retirou uma resma de folhas brancas, bem como uma caneta, e começou a escrever.
Vou,
entre a redenção
e o esplendor
de por você viver.
Sim,
quis sair de mim
esquecer quem sou
e respirar por ti
e assim transpor as leis
mesquinhas dos mortais.
O casamento realizar-se-ia num altar rodeado de flores, bem no centro do imenso jardim dos Potter. Ginny desceu a longa escadaria e misturou-se com os inúmeros convidados que já circulavam pelas salas amplas e bem iluminadas, todos visivelmente bem-vestidos e alegres. Por todo o lado se viam arranjos de flores e travessas com diversos aperitivos e pequenos snacks. Belle e Lily ainda deviam estar nos andares superiores, pois Ginny não as avistou. Arthur estava por ali, conversando com dois homens de aspecto agradável e sóbrio.
Estar entre aquela multidão, com várias pessoas a olharem-na com descarado interesse, fê-la sentir-se muito oprimida. Saiu pelas grandes portas envidraçadas da sala em direcção ao jardim, onde também se avistavam inúmeros convivas. Um pouco afastada de todos estava uma figura.
Ginny aproximou-se lentamente, parando para cumprimentar algumas pessoas, tentando sorrir de forma simpática, e viu que o solitário era Harry. Encostado a um tronco de árvore, de olhos fechados, parecia desfrutar da brisa. A posição relxada, com as mãos nos bolsos do terno cinzento, sugeria que encontrava alguma paz naquele local.
De repente, como se tivesse sentido a sua presença, ele abriu os olhos e deparou-se com Ginny. As suas íris verdes brilharam intensamente. Humedeceu os lábios como se fosse dizer alguma coisa, mas Arthur interrompeu o momento, anunciando o início da cerimónia. Ginny lançou um último olhar ao moreno, tentando guardar aquela imagem e seguiu o pai para o local onde o juíz iria presidir ao casamento.
Sentaram-se nas cadeiras almofadadas que haviam sido dispostas de ambos os lados, formando um corredor central por onde a noiva surgiria. Ginny sentou-se nas cadeiras da frente do lado direito, para os convidados do noivo, e Harry nas da esqueda. A ruiva sentia o olhar dele pousado sobre si, mas se forçou a não olhar de volta.
A conversa dos convidados parou e Ginny voltou-se para observar Belle avançar em frente a Lily. Belle trajava um vestido cor-de-rosa pálido, até aos pés e sem costas, os cabelos meio presos e meio soltos. Lily usava um vestido branco comprido, com um pouco de cauda. Os cabelos arruivados presos de forma elegante e um grande ramo de rosas de várias tonalidades completava na perfeição o conjunto.
Quando Lily chegou perto de Arthur e Belle se colocou ao lado de Ginny, sorrindo para ela, a ruiva compreendeu como nunca a grandiosidade daquela união. Aquele casamento significava muito para o seu pai e para as duas mulheres que ela já aprendera a amar como sua família e, tinha certeza, também para Harry. Os noivos sorriam um para o outro, completamente embevecidos e de mãos dadas, vivendo na plenitude aquele momento há muito esperado.
Foi uma cerimónia simples, mas muito bonita. Todos os presentes se sentiam mais leves e felizes, depois de verem concretizado um amor tão antigo, indestrutível e dedicado.
Agoniza virgem Fênix (O amor)
entre cinzas, arco-íris e esplendor
por viver às juras de satisfazer
o ego mortal.
Coisa pequenina,
centelha divina,
renasceu das cinzas
Onde foi ruína
pássaro ferido
hoje é paraíso.
As mesas de toalhas imaculadas em tons pastel flutuavam levemente ao sabor do vento, enquanto a maioria dos convidados dançava num grande espaço disponível ali perto, ao som de uma banda jazz. Ginny estava sentada na mesa onde ficara com uma Belle encantada da vida e com outras pessoas desconhecidas, algumas delas da sua nova família com muitas gerações de distanciamento.
De vez em quando não conseguia evitar lançar a Harry um olhar discreto e apercebeu-se que ele passava a maior parte do tempo calado, sentado numa mesa ali perto, rodeado por outros homens jovens (muitos deles eram seus amigos, segundo dissera Belle). Já tinha sido convidado para dançar umas vinte vezes mas não aceitara, dando um sorriso educado e um não suave.
Agora estavam ambos sozinhos, cada um em sua mesa, debatendo-se para não olharem constantemente um para o outro. Finalmente, o moreno pareceu tomar uma decisão (ou reconquistar alguma coragem perdida) e aproximou-se da mesa. Estendeu a mão e fez uma vénia gentil, claramente chamando-a para dançar.
Ela pensou em recusar imediatamente…mas algo, provavelmente a enorme tristeza que lia naqueles olhos verdes, fez com que ela oferecesse a sua mão e se deixasse ser conduzida até ao centro da pista de dança.
Quando encontraram um espaço vazio pararam, temendo tocar-se. A banda contratada tocava uma balada em saxofone. Evitando os olhos um do outro, aproximaram-se simultaneamente. Ginny colocou as mãos em volta do pescoço de Harry e ele depositou-as na cintura da garota. Balançaram com doçura, as lágrimas ameaçando correr dos olhos de ambos que agora não queriam desgrudar. Harry encostou a testa na dela e fechou os olhos, suspirando e deixando cair uma lágrima. À sua volta, as pessoas pareciam dar-se conta da aura que os envolvia. Era amor tranformado em dor e dor transformada em amor, era triste mas extasiante. Ginny pedia por tudo aos céus que ele não a apertasse nos seus braços, pois realmente não sabia como iria reagir. Podia esquecer tudo, ou fazer com que tudo voltasse. E se sentia tão conspurcada, tão pouco digna de ser amada por ele. Olhando as feições duras e perfeitas daquele rosto masculino, a ruiva teve mais certeza do que antes da decisão que tomara.
Mesmo ali, nos seus braços, a história deles os marcava. Se o tivesse encontrado pela primeira vez naquele mesmo instante, sabia que teria sido dele para sempre. Mas tinham um passado, palavras que rodavam na sua mente, lembranças dolorosas, feridas por sarar.
- Gi…eu amo você – Harry sussurrou de forma quase inaudível, a convicção marcando cada palavra – Eu queria poder voltar atrás…eu daria tudo…tudo…
- Schh – Ginny colocou um dedo perto dos lábios dele, não ousando tocá-los. Desprendeu-se com delicadeza das mãos fimes dele e olhou-o profundamente, querendo guardá-lo assim para sempre. A camisa branca meio bagunçada, os primeiros botões abertos. O olhar doce e perdido. Os cabelos negros e sempre revoltos. Enquanto se fitavam como se quisessem decorar cada linha um do outro, a chuva começou a cair.
Foi um aguaceiro, daqueles que caem com o sol espreitando no céu, mas suficiente para que os convidados e os noivos corressem para se abrigarem no interior da residência. Eles apenas ficaram se olhando, trocando palavras silenciosas cujo significado só o coração conhece.
Já estavam completamente sozinhos e a chuva encharcava os seus corpos, roupas, cabelos; mas nada parecia interromper aquele momento, o primeiro em que voltaram a ser um do outro.
Harry iniciou um movimento, tentando alcançá-la, mas o gesto despertou a garota do encanto e ela voltou costas, correndo para longe dos seus braços. Quando estava a uma distância prudente, gritou-lhe:
- Você devia ir trocar de roupa ou vai ficar doente – sorriu. Um sorriso breve, mas ainda assim um sorriso. O primeiro que Harry via em muito tempo, especialmente para ele. Ela voltou costas, os longos cabelos ruivos balançando encharcados nas suas costas.
Luz da minha vida,
pedra de alquimia
Tudo o que eu queria
Renascer das cinzas.
Quando o frio vem
nos aquecer o coração
Quando a noite faz nascer
a luz da escuridão
e a dor revela a mais
esplêndida emoção
O amor.
Ele entrou em casa, passado uns momentos. Foi até ao seu quarto e procurou uma outra roupa adequada para vestir, porque a festa ainda demoraria para acabar e o bom tempo em breve regressaria, permitindo que voltassem ao jardim. Sorriu ao lembrar-se daquele momento mágico com Ginny no jardim, um momento que lhe dera esperança num futuro cheio de sol para ambos. Ela era tão linda!
Resolveu tomar um banho rápido, de água bem quente, para garantir que não ficava doente. Quando terminou de se aprontar voltou para o salão, onde todos se haviam instalado. A banda fora até ali e improvisara um palco, de forma que a música e a animação prosseguiam.
Procurou ansiosamente por Ginny, mas não a viu. Avistou Belle ao fundo, conversando de forma espalhafatosa com algumas amigas, e foi até ela.
- Belle, você viu a Gi? – perguntou, cortando a conversa. Belle hesitou por um momento, mas depois abanou a cabeça negativamente.
- Não, não a vejo desde que a chuva começou – respondeu, analisando-o. Ele agradeceu a informação com um gesto de mão e continuou procurando um vulto ruivo pela casa.
À medida que o tempo ia passando um desespero insano ia-se apoderando dele. Não sabia explicar que sensação era aquela, nem o que a provocava. Repetia incessantemente para si mesmo que a encontraria na sala seguinte, na seguinte, na seguinte. Mas não a encontrou em lado nenhum e o desespero crescia no seu peito, uma certeza tentando brotar e ele tentando a todo o custo contê-la.
Deixara deliberadamente o quarto dela para último, esperando que ela tivesse adormecido ou algo assim. “Ela está lá e vamos ter uma conversa séria. Depois vai ficar tudo bem entre nós, para sempre”, repetia para si próprio. Chegou à porta do quarto e, mesmo antes de bater, sabia que ela não estava lá dentro. Assim como sabia que ela não estava mais naquela casa, nem em qualquer outro lugar onde ele a pudesse alcançar.
Abriu a porta a medo e entrou. Estava tudo como se ela tivesse acabado de sair, ainda se podia sentir o seu leve aroma floral no ar. E, ainda assim, ela não estava mais lá. Sem esperança abriu a porta do quarto de banho e viu que estava igualmente vazio. Retornou ao quarto e olhou em volta, completamente sem rumo.
Os seus olhos bateram num envelope esquecido em cima da penteadeira. Aproximou-se e leu “Para o Harry”. Sabia a quem aquela letra pertencia, era delicada e perfeita como a dona, e já a vira em alguns desenhos e listas de compras. Abriu o envelope, retirou a folha que continha, sentou-se na cama e leu:
“Harry,
Sei que quando você ler essa carta eu já estarei indo para longe. Me desculpe pela falta de honestidade que constitui essa partida…ou será de coragem? Sobretudo quero que não se zangue com a Belle por me ter deixado ir e não ter contado para você. Eu perguntei para ela se seria capaz de guardar um segredo de você e ela me disse que é tão minha irmã quanto sua e que revelaria apenas se achasse que estava pondo alguém em perigo. Depois de lhe contar, ela olhou longamente para o horizonte e disse que era um erro, mas que respeitaria a minha vontade. Não a pressione, ela sabe tanto quanto você saberá no final desta carta.
Tudo muda, eventualmente. A vida é assim, simplesmente, e não temos nenhum controle sobre essa mudança. Como, por exemplo, pessoas que julgamos que fossem estar sempre perto de nós, elas também desaparecem. Sabe…as pessoas morrem, vão embora e crescem. Tudo muda, Harry. E eu…eu mudei. Da pior forma possível, da mais cruel. Mas eu mudei, inegavelmente. Já não sei quem sou, não reconheço como minha a imagem que vejo nesse mesmo espelho. Como poderia ser…? Essa imagem me mostra igual ao que eu fui, mas eu me sinto sangrando por dentro. Se ela mostrasse um rosto deformado e quebrado em mil ínfimos pedaços, então ele se aproximaria bem mais da realidade. E eu não consigo viver me sentindo presa dentro de mim própria. Preciso de achar a velha Ginny, ou uma nova. Preciso de me achar, de qualquer jeito. Infelizmente, essa forma não pode te incluir.
Espero que você consiga compreender. O meu amor por você não mudou, eu sinto. Estou também dolorosamente consciente do teu imenso amor por mim. Mas nada parece aplacar esse sentimento que me devora, nada consegue me trazer à tona deste inferno negro em que mergulhei. Eu quis culpar você porque precisava encontrar um culpado, precisava de descontar esses sentimentos vazios e terríveis que me corroem. Quero que saiba que não culpo você daquilo que não é culpado, apenas daquilo que realmente fez: a sua falta de confiança e de entrega. Mas quero também que você saiba que é igualmente culpado por alguns dos melhores momentos da minha vida.
Eu não acreditava em amor perfeito. Ainda não acredito. Mas acredito com todo o coração que me resta na existência de pessoas cujas vidas estão ligadas, querendo ou não. A minha vida estará sempre ligada à do meu pai, Lily, Belle e, acima de qualquer outra pessoa, à sua.
Parto em busca de uma cura. Poderia dizer de esquecimento, mas sei que ele nunca virá…e não estou certa de querer esquecer o que vivi na Sicília. O que vivi ao teu lado…
Doi estar longe de você. Doi já não me sentir a mesma. Doi já não me sentir digna do seu amor, da sua paixão. Doi não tocar você. Doi não ver as estrelas de mãos e almas entreçadas com você. Doi querer sair do meu corpo, ser outra pessoa. Doi desejar em certos momentos esquecer você. Doi imaginar uma vida longe de você. Doi imaginar a vida que teria com você se continuasse aqui. Doi estar perto de você. Doi tanto dizer adeus…
Deixo o meu caderno de desenhos. Sei que estará em boas mãos. Lá dentro tem um presente, algo que fiz antes de tudo acontecer. É seu.
Tenha uma vida feliz. A vida que teriamos se aquele dia simplesmente não tivesse existido. Mas existiu e nos marcou para sempre. Você me marcou para sempre.
Eu amo você,
Ginny Knight-Weasley, sua Gi.
P.S. – Gostaria que as minhas últimas palavras para você tivessem sido diferentes. Mas tentei sorrir e te levo comigo para sempre. Guardado no coração.”
Harry terminou de ler a carta, com as lágrimas escorrendo incessantemente pelo rosto. Ela fora embora, para sempre. Olhou em volta, esperando algo que o viesse salvar daquele martírio, e viu o caderno de desenhos pousado sobre a almofada da cama. Pegou-lhe e abriu-o. Na primeira página estava um desenho que ele nunca vira. Uma imagem de um homem moreno e uma mulher ruiva, abraçados, sob um céu cheio de estrelas. Reconheceu-se a si mesmo e a Ginny, uma noite no jardim. Fechou os olhos e perdeu-se naquele céu, o mesmo céu que levaria para longe o seu coração.
Quando o frio vem
nos aquecer o coração
Quando a noite faz nascer
a luz da escuridão
e a dor revela a mais
esplêndida emoção
O amor…
N/A – Eu me pergunto se vocês ficarão tão deprimidos ao ler esse capítulo quanto eu fiquei ao escrever. Não me interpretem mal, eu adorei escrever e acho que até está legal, mas bateu cá no fundo sabe…(aponta para o peito). Bom, a música é do Jorge Vercilo e se chama Fênix. Eu gosto bastante e acho que a letra enquadrava bem neste capítulo…depois me digam se concordam. A frase italiana pode não estar muito correcta (olha em volta esperando ver surgir algum italiano em fúria), mas eu utilizei um tradutor automático. No próximo capítulo…uma nova personagem. Uma personagem masculina…será que eu conto mais alguma coisa?…acho que não…ahahah. Bom, me perguntaram quantos capítulos teremos mais. A minha previsão é que no final teremos mais ou menos o dobro dos actuais, ou seja, uns 24. Mas não garanto, pode ser mais ou menos…por vezes uma cena me vem na cabeça e acaba saindo quase um capítulo disso ou, por outro lado, uma coisa se resolve mais depressa do que eu esperava. Mas é isso…
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