Para sempre, Ginny Weasley
Capítulo 9 – Para sempre, Ginny Weasley
Ginny voltou a casa, arrastando os pés. Não queria estar ali, mas também não havia forma de se ir embora. Ia ter de vê-los a todos à hora do jantar e a tensão acumulou-se no seu interior.
Não havia esperança para Harry e ela. Como poderia revelar a verdade? Arthur nem sequer sabia que ela nascera e se amara realmente a sua mãe, como Belle afirmara convictamente, ficaria destroçado ao descobrir a verdade. Isso até podia alterar os seus sentimentos para com Lily, a mulher com quem iria casar, a mãe de Harry.
A alternativa era oferecer o seu amor a Harry e enterrar aquele segredo no mais profundo do seu ser. Teria força suficiente para o fazer? Iria precisar de muita força para viver na mentira, negando aquilo que desejara em toda a sua vida: o amor de um pai verdadeiro.
Mas, mesmo que fosse capaz de dar esse passo gigante, como iria explicar a Harry a razão pela qual procurara Arthur? Teria que voltar a admitir que era sua amante e para quê de novo tanta angústia?
Não havia ninguém na cozinha e Ginny ficou junto à porta, alerta ao mais pequeno som. Imaginou que deviam estar descansado devido ao calor da tarde. Também precisava de descansar, de dormir, de esquecer. Estava exausta, tanto física como mentalmente. Não havia lugar para ela naquela família e, após tanto sofrimento, não conseguiria conhecer o seu pai.
E Harry? Ele era a causa da maior de todas as suas dores. Encontrara nele o amor e perdera-o porque não fora sincera e ele parecia também não ter sido. Possuíra-a por um instante, mas só porque ela se jogara sobre ele.
Conteve a respiração quando, ao abrir a porta do seu quarto, viu Belle deitada sobre a cama e a dormir profundamente.
- Shh…
A jovem deu um salto quando Harry lhe agarrou o braço para guiá-la através do corredor. Abriu outra porta e fechou a mesma atrás de si, sem fazer qualquer barulho.
- Aquele era o quarto da Belle e por isso é que mudei as tuas coisas para o meu – explicou calmamente – É assim que todos esperam que seja.
Ginny ficou atónita, mas cerrou os dentes e se soltou dele.
- Ninguém espera nada disso! Há muitos quartos nessa casa e você só quer me magoar com essa atitude, me castigar por ter vindo abalar a sua vida perfeita. Pois eu não penso colaborar, Harry! Não penso partilhar essa cama com você.
- Mas vai – retorquiu ele, friamente – Não pensa que aquilo que faremos nela seja mais do que dormir. Não vai ter essa sorte… – esboçou um sorriso gelado e cruel, que congelou Ginny por dentro.
- Sorte?!? Você é o homem mais prepotente e vaidoso que conheci em toda a minha vida! Mas ainda nem sei porque me surpreendo. Depois daquilo que acabei de saber sobre você e a sua família… – baixou rapidamente o olhar. Não podia deixar que a raiva a fizesse dizer coisas das quais se arrependeria amargamente mais tarde. Tentou, por isso, mudar estrategicamente de assunto – Onde estão as minhas coisas?
- Guardadas no armário. Mas o que é que a Belle te contou? – o tom era grave, reflectindo o seu desagrado. Ela não conseguia lhe responder. Sentia-se muito fraca, tão indefesa…Aproximou-se da cómoda e abriu uma gaveta. Era a da roupa interior dele. Fechou-a de um golpe. - O que é que ela te disse? – insistiu ele. A ruiva abriu outra gaveta e encontrou a sua roupa.
- A história da família.
Um longo silêncio caiu sobre eles, até que Harry quebrou o momento.
- Não é uma história muito bonita, pois não?
- Eu diria que essa é uma forma suave de expor a situação – respondeu Ginny, em voz baixa, apoiando-se na cómoda.
- Isso te magoou? – Ginny voltou-se para olhá-lo.
- Me entristeceu, Harry – respondeu ela – Seria impossível não sentir nada perante uma tragédia assim. E essa é a única razão pela qual vou fazer aquilo que me pediu e continuar com essa farsa. Fingirei ser a sua amante, mas só por essa noite e apenas em frente à tua mãe e à Belle. Amanhã você inventa qualquer coisa para que eu vá embora. Não importa o que seja, por mim pode até dizer que o sultão da Arábia veio me buscar para o seu harém. Você já mentiu bastante sobre a nossa relação, mais mentira menos mentira, não fará diferença alguma.
- Já disse que não gosto de mentir! – Harry elevou o tom de voz.
-Pois eu acho que adora! Disse à Belle que vamos nos casar e eu diria que essa é uma versão muito distante da realidade.
- Eu não disse nada disso – defendeu-se – Ela supôs que nós iríamos casar – corrigiu, prendendo o seu olhar no dela – Já disse que ela é muito inocente e ela deve achar que se alguém tem uma aventura, acaba sempre por se casar.
Ginny riu quase histericamente.
- Ela não supôs nada! De facto, até se interroga porque é que os pais vão casar agora. É uma jovem muito liberal.
- Ela disse isso apenas para esconder os seus verdadeiros sentimentos. Está tão desesperada para que esse casamento se consume quanto eu. Sempre viveu com um pai a tempo parcial e agora vai tê-lo para sempre.
Ginny tentou conter as lágrimas por Belle. Entendia os sentimentos da irmã muito melhor do que Harry podia imaginar e tentou ignorar o seu próprio desespero.
- Essa é mais uma razão para que eu vá embora – adiantou, rogando com o olhar para que ele não dificultasse ainda mais aquela tarefa – Agora compreendo a importância dessa união, muito mais do que antes de conhecer a Belle. Eu tenho uma…história com o Arthur, algo…algo do qual não me orgulho, e seria um erro ficar aqui nem que seja mais um minuto do que o absolutamente necessário.
Ele aproximou-se. Era uma ameaça para o seu coração e corpo que, por sua vez, começou a tremer como gelatina. Mas, felizmente, Harry se deteve a uns metros dela.
- Por favor – disse ela, humedecendo os lábios – Não me faz passar por isso…
- Vai ficar porque eu quero que toda a gente seja feliz – afirmou, desafiando-a.
- A felicidade é uma oferta do destino – balbuciou – e não sua, Harry Potter!
O moreno obrigou-a a olhá-lo de frente, sustentando-lhe o queixo com a mão tépida. Ginny afastou-se daquela mão tentadora com um só movimento, mas não havia para onde fugir. Estava presa, totalmente encurralada, entre ele e a cómoda.
- Se…se me obrigar a ficar – ameaçou-o entredentes – não me responsabilizarei pelo que…pelo que possa dizer e você não quer que isso aconteça. Sou…sou um perigo para todos. Durante o jantar, podem fazer perguntas que eu não saiba responder e então tudo estaria perdido…
- Então, mente tal como acusa os outros de fazer! – Harry agarrou-a fortemente pelos ombros.
Meu Deus, o mal que fizera ao acusar Arthur de mentir!
- E não deve ser assim tão difícil fazer-se passar por uma garota inocente e virginal. Que interpretação! – murmurou ele, completamente transtornado, uma máscara de dor cobrindo o seu rosto – Quase acreditei que você tinha sido amante do Arthur, mas houve algo que te delatou – os seus dedos cravaram-se na pele dela – Fiz amor com você essa manhã e você nunca foi amante de ninguém! Fez tudo muito bem, mas há coisas que nem você pode disfarçar. Ou pensa que eu não vi a mancha no lençol? Ou mais que isso, que não senti a tensão do seu corpo que antecipava a dor? Foi a tua primeira vez, Ginny, e naquele momento me encheu de felicidade, mas agora sinto apenas nojo de você.
- Nojo? – a voz dela saiu fraca e quase sem vida.
- Sim, nojo – os seus olhos verdes estavam cheios de raiva e ressentimento – É evidente que o Arthur não te deu aquilo que você queria no vosso primeiro encontro, mas você não se rendeu e o seguiu até aqui.
A ruiva debateu-se com tanta força para se soltar que ele quase não conseguiu controlá-la. Sentia a garganta a ferver de raiva e as lágrimas assomavam-lhe os olhos. Num golpe com uma força que nem julgava possuir, conseguia empurrá-lo e correu. Apenas correu. Para tão longe dele quanto conseguisse.
O calor da tarde apertava cada vez mais, a tarde aproximava-se do seu expoente máximo. Bateu na porta do quarto e ninguém respondeu, pelo que a abriu e viu que estava vazio. Tinha a certeza que ele não estava no jardim e nem na cozinha, e a casa continuava no mais absoluto silêncio, pelo que tinha uma forte suspeita de onde poderia encontrá-lo. Caminhou até encontrar as portas familiares e abriu-as de par em par. Ele estava lá, sentado ao piano e, portanto, de costas voltadas para ela. As nuvens tapavam de quando em quando o sol, criando um conjunto indefinido de sombras que se projectavam pela sala. Parou perto da entrada e falou para as costas dele, decidida a dizer tudo aquilo que sentia e que o afastasse dela para sempre.
- Eu te odeio. Você é o ser mais…
- Sabe perfeitamente que não – interrompeu-a ele, sem se voltar – Você me ama tanto como eu te amo… – a sua voz era cansada e cava.
Toda a fúria e força no interior de Ginny se extinguiram naquele exacto momento como uma pirâmide de cartas, até ficar reduzida a um monte inanimado.
- Porquê, Gi? Porque é que acusou o Arthur de ser um mentiroso quando era você que estava mentindo? – a ruiva aproximou-se lentamente dele, como se fosse um planeta orbitando em volta de uma estrela, até parar perto dele – Porque é que me obriga a descarregar toda a minha raiva em você, quando tudo o que eu mais queria era te abraçar e fazer amor com você até ao fim dos meus dias? – a cabeça dele estava inclinada, de forma que ela não podia ler-lhe os olhos. Mas, pelo tom de voz, ela poderia jurar que ele sofria amargamente – Porquê? Porque é que nos está fazendo passar por essa agonia?
“Porque a verdade magoaria muitas pessoas!”, quisera gritar. Harry ergueu-se levemente e, soerguendo-se do banco, puxou-a para si e a beijou nos lábios. Ginny sentiu um soluço bloquear na sua garganta, os olhos se fecharam e a magia dele arrasou o seu corpo que, apesar de estar extremamente fraco, ainda sentia o fogo que ardia nele.
- Vou fazer amor com você, Gi – murmurou Harry quando a sentiu tremer – porque é a única maneira de te obrigar a dizer a verdade.
Pegou-a pelas pernas e levantou-a até à altura do piano, onde a sentou. Ginny ficou ali, muda, observando-o com os olhos abertos de par em par, enquanto ele se despia, sem deixar de a olhar profundamente, um olhar abrasador e faminto, um olhar apaixonado e desesperado. Que verdade seria aquela? O que queria Harry? A verdade sobre Arthur jamais a saberia, pois a mesma iria destroçá-lo e aos outros. Tentou sair, mas ele a impediu, puxando-a para perto do seu corpo e colocando-se entre as suas pernas, de tal forma que as coxas dela envolviam a sua cintura. Observou o fundo daquelas íris verdes e encontrou um absoluto e profundo desespero.
- Por favor, Ginny, coloca um fim a tudo isso, eu te imploro. Já não consigo suportar a tua dor nem a minha.
Então, beijou-a com tal ternura que ela sentiu que estava tudo perdido. Sentiu que derretia por dentro e o desejo de lutar abandonou-a, deixando apenas a vontade de se entregar por completo. Agarrou-se a ele, moldando o corpo com o do homem amado. Ele abriu a camisa dela e ela deitou-se sobre o piano, deixando que a mão do moreno viajasse desde os seus lábios até à sua barriga, palmilhando um rastro de fogo tão intenso que ela se sentiu marcada para sempre. Os beijos seguiram-se, eles apenas afastavam os lábios um do outro para retomarem o ar, ainda que ambos pensassem que não precisariam dele para viverem, apenas daquele sentimento que os aquecia e modificava a cada instante. Harry despiu-a e acariciou-a até ela gemer, arqueando-se, embebida na paixão. A ruiva retribuía, prendendo-o mais contra si e passando o língua pelo seu pescoço, peito, lábios.
Ao penetrá-la, ele conteve a respiração e ela sentiu-se perdida para sempre. Os movimentos ritmados de ambos, actuando como um único ser, faziam com que o piano soltasse breves notas que ecoavam pela sala e, quando ocasionalmente os seus corpos tocavam numa tecla, o piano parecia cantar uma canção nunca antes ouvida, uma canção só deles, uma canção de amor.
- Você está linda, Gi – disse Harry, junto às escadas. Estivera à espera dela e a jovem sentiu-se satisfeita com o elogio e o sorriso radioso que ele lhe deu. O moreno estava lindíssimo, vestido a rigor, e foi então que a jovem se apercebeu de que não estava adequadamente vestida. Ofereceu-lhe um sorriso incerto e Harry levou a mão dela aos lábios para a beijar.
- Está como sempre quis você…radiante – disse, sorrindo – Seja corajosa. A minha mãe também está muito nervosa, mas sem dúvida vai adorar você, tal como eu.
- Espero que sim – sussurrou a jovem com os olhos resplandecentes de felicidade ao aceitar o braço masculino – Não estou demasiado nervosa; se ela for parecida com a Belle, não tenho nada que me preocupar.
- Já estão aqui? – perguntou Belle atrás de ambos – Bati à vossa porta, mas ninguém atendeu. Acho que adormeci sem dar conta. Gi, você está linda…diferente, especial – lançou-lhe um olhar cheio de ternura – Já conheceu a minha mãe?
- Está na sala de jantar – informou Harry, enquanto a irmã entrava na cozinha, envergando o vestido azul que ele oferecera a Ginny no primeiro dia da sua chegada. Os cabelos acastanhados meio presos e meio caídos, conferiam-lhe um ar realmente adorável – a dar os últimos retoques na mesa que era suposto ter sido você a preparar – repreendeu-a.
Rindo, Belle mudou de direcção.
- Pois, mas não te faria mal algum ajudar… – opinou a morena de nariz empinado, deitando a língua de fora.
- Foi o que fiz. Preparada? – perguntou ele a Ginny. Ela assentiu, sentindo-se quase com vontade de rir devido aos comentários dos dois irmãos. Ia correr tudo bem. Tomara a decisão correcta; não renegaria o amor de Harry, mas guardaria para si o segredo do seu nascimento.
Lily estava junto à mesa que Ginny adorara polir até à perfeição durante os dias que permanecera naquela casa. Estava de costas para ela, colocando os talheres de prata sobre a mesa e, ao ouvi-los, virou-se com um amplo sorriso no rosto. Um sorriso que, de repente, ficou gelado nos seus lábios. Foi uma sensação instantânea, uma espécie de apreensão na expressão de Lily, mas não passou despercebida à ruiva. Parecia ter ficado surpreendida ao vê-la.
Ginny procurou desesperadamente a aprovação nos seus olhos espantosamente verdes, os olhos de Harry. Imaginara que a mãe dele deveria ser bonita e não se enganara. Talvez Lily procurasse o mesmo nela…aproximou-se. Ela era diferente dos seus filhos, mas ao mesmo tempo ambos tinham muito dela. O cabelo era ruivo escuro, uma cor levemente diferente da sua própria cor de fogo, era magra e muito elegante. Trajava um vestido cor de vinho, adornado com uma linda corrente de ouro branco no pescoço na qual se encontrava pendurada uma estrela.
- Tenho imenso prazer em te conhecer, Ginny – disse ao inclinar-se para a beijar e a jovem se comoveu ao sentir que as suas mãos também tremiam ligeiramente. Depois, a voz de Harry encheu a sala, mas Ginny não se apercebeu daquilo que ele dizia.
Lily não devia tê-la aprovado. Sentia-se pequena, mal vestida e inferior perante a elegância da mãe de Harry….sentia-se mal…insegura…
Belle entrou pela sala adentro e abraçou-a com força.
- Não é linda, mamãe? Não sei o que é que ela viu no Harry – lançou um olhar de provocação ao moreno.
Houve um rápido e simpático intercâmbio de palavras entre irmãos, e todos se riram. Então, Ginny olhou de lado para Lily que, do outro lado da mesa, sorria com os olhos brilhantes.
- Sim – ouviu-a dizer em voz baixa – É linda e estou muito feliz pelos dois.
Foi uma noite deliciosa, informal e quente. De vez em quando, a jovem distanciou-se de tudo, em paz consigo mesma, certa de conseguir guardar o seu segredo entre gente tão adorável. Falou-se pouco do casamento e, já de madrugada, depois de terem ajudado Belle e Lily a arrumar tudo, ela e Harry, abraçados, foram deitar-se enquanto elas as duas ficaram a conversar no terraço. Passou toda a noite abraçada ao homem que amava, sem dormir, apenas pensando nos caminhos que a sua vida tomara e velando pelo sono tranquilo de Harry.
Ginny desceu as escadas na manhã seguinte. Ainda ninguém acordara e, vestida com o mesmo vestido que usara na noite anterior para não acordar Harry, saiu até ao terraço e respirou fundo o ar perfumado da manhã.
Sentia-se feliz, mais do que estivera em toda a sua vida, e queria partilhar aquela felicidade, pelo que correu a toda a velocidade até à casota de Padfoot. O animal cumprimentou-a com a sua habitual exuberância.
- Olha o que você fez ao meu caderno de desenhos, Padfoot! Dormiu em cima dele? – perguntou, lembrando que se esquecera ali do caderno no dia anterior. – Eh! Espera por mim! – exclamou, mas o animal já corria pela relva a fora.
Cheia de calor e sem alento quando chegou ao muro de pedra, Ginny apoiou-se no mesmo para descansar e apreciar a linda vista daquele mar tão espectacular. Nada podia ser mais perfeito. Riu-se da figura do cachorro, tentando apanhar um coelho que corria por ali. Afastou as longas madeixas ruivas da cara para que a brisa refrescante a tocasse e o caderno caiu-lhe da mão.
Mas não chegou a atingir o chão.
Ginny deu um salto e sentiu que todo o seu interior se encolhia ao virar e encontrar-se frente a frente com Arthur Weasley. O seu coração parecia ter parado. O mundo deteve-se. A brisa do mar tornou-se subitamente gélida.
- Não se assusta – murmurou ele com uma voz profunda e os seus olhos castanhos pareciam atingir directamente a alma dela. Tinha o seu caderno na mão.
A primeira ideia de Ginny foi correr. Como é que fora capaz de imaginar que a mentira pudesse durar para sempre? Como é que pensou que poderia guardar o seu segredo quando enfrentasse, cara a cara, o seu verdadeiro pai? Pela primeira vez estava diante dele. Aquele homem ruivo, de aspecto amável e honesto, era o seu pai. Com os olhos devorou cada ruga, cada traço, procurando algo em comum com ela, com as suas delicadas feições. Eram diferentes, mas tão, tão iguais. Arthur estendeu-lhe o caderno e ela baixou o olhar.
- Hm…obrigada – balbuciou, olhando um ponto algures atrás dele, mas não recuperou o caderno. Tinha a mão suspensa no ar.
Arthur tinha os olhos cheios de lágrimas e Ginny franziu o sobrolho. O seu coração batia apressadamente e, então, ele sorriu.
- Sim, acho que é verdade – disse. Baixou o olhar para ocultar as lágrimas e folheou o caderno. As aguarelas de flores surgiram às cores e Arthur suspirou – Sim, é verdade – repetiu.
- O que…o que é que é verdade? – inquiriu ela, a medo.
- Acho que você já sabe.
E, de repente, soube. As suas emoções voaram, interrogando-se como é que aquilo tinha acontecido. Sim, sabia quem ela era.
- A Lily telefonou para mim esta manhã, muito cedo, e estou aqui desde madrugada à sua espera.
- A Lily? – Arthur olhou-a com sinceridade.
- A Lily conheceu a tua mãe. Eram as melhores amigas – explicou com suavidade – Ontem à noite…A Lily disse que ontem à noite o fantasma da Molly tinha entrado na sala para a conhecer e que esse fantasma era a mulher que o seu filho mais ama no mundo – esboçou um sorriso – Você sabia que é a imagem viva da sua mãe quando eu a conheci?
Com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto abaixo, Ginny só conseguiu responder com a cabeça. Um suspiro de angústia arrebatou-lhe a garganta e depois tudo saiu como uma erupção que a fez tremer e soluçar descontroladamente.
- Queria filha…querida filha… – Arthur abraçou-a com força, também ele a tremer de emoção – A sua procura terminou e o meu coração está repleto de felicidade – afiançou, continuando a abraçá-la durante um longo tempo, com o sol a incidir sobre ambos e a brisa do mar a ondular os cabelos flamejantes. Depois, Arthur ergueu o queixo da garota e olhou-a de frente, sorrindo por trás das próprias lágrimas
- Não soube o que pensar quando o Harry veio ter comigo com o retrato que fizera de você para ver se eu era capaz de elucidá-lo sobre o mistério de uma jovem chamada Ginny. Não consegui ajudá-lo, mas a tua imagem me inquietou. Era tão parecida com aquela jovem inglesa que eu tanto amei…Depois, ele explicou que você andava tentando me localizar – encolheu os ombros – Não podia imaginar qual seria a razão pela qual uma linda jovem como você arriscaria a vida para vir até aqui me procurar.
- Como é que podia imaginar? Não sabia que…nem sequer sabia que eu…tinha nascido – murmurou ela, a respiração entrecortada. Ele assentiu.
- Quando vi o retrato nunca me lembrei que podia ser minha filha. Como é que poderia pensar tal coisa? Você tem toda a razão, eu nem sabia do seu nascimento. Foi simplesmente a tua parecença com a Molly que me surpreendeu. Mas depois a Lily me telefonou e me contou que tivera a mesma impressão.
- Eu não entendo. Como é que ela sabe…? – Arthur sorriu levemente.
- Vem, Ginny. Vamos dar um passeio – passou a mão pelo ombro dela e caminharam juntos.
- Ginevra – repetiu, desfrutando do seu nome como se o pronunciasse pela primeira vez, saboreando a sensação – Era o nome que eu e a Molly tínhamos escolhido para a nossa filha se fosse uma menina, antes do nosso mundo ter desabado. Você sabia que é italiano? – Ginny abanou a cabeça negativamente – Pois é. Significa “A justa”. A Molly dizia que era um nome muito sério e que te chamaria sempre de Ginny – sorriu, os olhos perdidos no horizonte, claramente vivendo nas suas lembranças – Por isso, e porque eu tinha uma certeza instintiva de que seria uma menina linda e ruivíssima, eu lhe dei um medalhão com esse nome gravado. O mesmo medalhão que você tem no seu pescoço – apontou. Ginny sentiu-se preenchida e uma paz doce aqueceu-a por dentro.
- A Lily e eu não temos segredos. Nós nos conhecemos há muito tempo e ela sabe como amei a tua mãe. Sabia que ela me tinha escrito de Inglaterra para me dizer que perdera o bebé e que não regressaria. Ela sempre soube disso e me ajudou a ultrapassar essa dor tremenda. E agora, anos mais tarde, dá de caras com a namorada do filho que é a imagem viva da Molly, a tua mãe. Então, ela matutou sobre tudo o que o Harry lhe contara sobre você…uma garota inglesa que trabalhava em Palermo, com enorme talento artístico, dois anos mais velha que a Belle…e que fora adoptada.
- E deduziu tudo – concluiu a ruiva, sorrindo – Mas a Lily sabia que eu andava a fazer perguntas sobre você? – Arthur apertou suavemente o ombro da filha e desatou a rir.
- Não, mas o Harry me confessou que quando te encontrou, desconfiou que você e eu éramos amantes. O pobre tem andado com os nervos à flor da pele devido ao casamento. É muito sensível, mas é claro que já deve saber isso – sorriu ironicamente – Tem umas ideias muito claras sobre os assuntos do coração. Demasiado claras para o seu próprio bem. Já me disse muitas vezes que eu fui um idiota…tudo para proteger a Lily, claro – suspirou, e deteve-se para a olhar – Cometi muitos erros, Ginny, e as coisas podiam ter sido diferentes se a Molly e eu…
- Não! Foi tão triste que…a Molly, a minha mãe, morreu…morreu quando era pequena…
- Eu sei. Quando o me pai acabou por admitir que fora ele o responsável pela nossa ruptura, tentei localizá-la e descobri que tinha morrido num acidente de automóvel. Devia ter investigado melhor o assunto e descoberto que você fora dada para a adopção após a sua morte – suspirou – Porque é que ela não me contou…tudo podia ter sido diferente.
- Suponho que era jovem e tinha medo. Não devia ter família. O seu pai expulsou-a do país e com certeza que pensou que não teria outra opção. Fez o que pensou ser melhor para ela, para você e para mim…acho que nunca saberemos como teria sido – sorriu para afastar a angústia que a sua mãe devia ter sofrido – Mas o destino é assim mesmo. Se assim não fosse, você não estaria agora prestes a casar com a Lily, que é uma mulher maravilhosa que sempre esteve ao seu lado, e também não teríamos a adorável Belle nas nossas vidas, e eu não teria vindo à Sicília, nem teria encontrado o homem que amo e que…
- …adora o chão que você pisa – concluiu Arthur. A ruiva riu.
- Eu ia dizer que deve andar às voltas no terraço, louco por tomar café.
E enquanto caminhava de regresso a casa, contou-lhe aquilo que lhe acontecera desde que encontrara os papéis de adopção. Também contou o que acontecera entre ela e Harry, como se tinham apaixonado e como, precisamente por esse amor, decidira não revelar o seu segredo para assegurar a felicidade de todos. Quando chegaram a casa, com Padfoot atrás de ambos completamente exausto depois de tanta correria, estavam abraçados e riam de boa vontade. Uma vez no terraço, Arthur virou-se para ela.
- Ginny, querida, não tenha medo de não pertencer a esta família. A Lily compreende tudo e, ontem à noite, ela e a Belle falaram muito. Pelo que, assim que entrarmos e dissermos que você é a minha filha, será para todos uma enorme alegria. A Belle sempre quis ter uma irmã e agora vai ter uma, apesar de já te adorar. A partir de hoje, você é uma Weasley de pleno direito.
A ruiva sentiu que o seu coração batia descompassadamente. E Harry? Voltaria a confiar nela?
Arthur abraçou-a com força antes de a deixar no terraço, depois de lhe prometer que teriam muito tempo para preencherem os espaços vazios que existiam entre eles e, então, viu que Harry a aguardava no jardim, à sombra de uma árvore. Quando Arthur se retirou, Harry levantou-se e aproximou-se dela. O seu rosto era indecifrável e estava carregado de tensão. Assustada, Ginny recuou. Vira os gestos de afecto de Arthur e devia pensar que…
- Não é o que você pensa! E não negue! Pensou que…que… – as lágrimas caíam novamente, a emoção de conhecer o seu pai fora demasiado forte. Nunca chorara tanto na sua vida – Ele é meu pai! – gritou – Como é que eu podia te contar? Como é que podia te dizer nas vésperas do casamento dele com a sua mãe? Você nunca acreditaria e…
- Gi, eu sei. Eu sei… – abraçou-a com força, beijando-a no alto da cabeça – Já sei e te amo muito por ter sido tão corajosa.
- Harry… – gemeu, agarrando-se a ele com todas as suas forças – Eu te amo tanto que não podia te perder. Não teria dito nada…não podia fazê-lo…mas a Lily conhecia a…e ela soube…descobriu tudo…
- Ela me contou esta amanhã e encaixa tudo na perfeição. A Belle e ela estiveram levantadas quase toda a noite, à espera do Arthur, confiantes de que ele saberia a verdade. E vi a cara dele, a felicidade inigualável dele e a tua.
Ginny separou-se, limpando o rosto com as costas da mão.
- Harry, não queria magoar ninguém. Só há algumas semanas atrás é que soube da existência do Arthur. Toda a minha vida desejei saber o que é ser querida. Tinha que o encontrar, mas…te encontrei e caí numa enorme embrulhada. Mas estava decidida a não revelar a verdade, a não admitir que ele era meu pai. Mas agora todos sabemos e apesar de ser maravilhoso e de me sentir no céu, também sei que é demasiado…para todos – Harry voltou a abraçá-la.
- Você ainda sabe pouco sobre nós, Gi. Também é filha do Arthur, uma parte profunda dele. E de mim também, porque te amo com todo o meu coração. E da Lily e da Belle. Será que você pensou que te íamos colocar de lado? Você pertence a esta família e pertencerá para sempre, e isso só fará com que o casamento da minha mãe e do teu pai seja ainda mais especial.
- Harry…eu te amo tanto…mas você vai ter de me ajudar, me dar a tua segurança. Estou encantada, mas ao mesmo tempo me sinto culpada pelos meus pais adoptivos mesmo sabendo como eles são…
- Shhh! Agora se cala, Gi.
Ginny riu e colou-se a ele, pressionando-o e beijando os seus lábios para lhe demonstrar até onde chegavam os seus sentimentos por ele. Um grave grunhido ecoou atrás deles e, juntos, viraram-se para olharem para Padfoot que os contemplava roído de ciúmes.
- Chega, Padfoot! – suspiraram em uníssono, caindo na risada em seguida. E o animal, com o rabo entre as pernas, caminhou até eles e se deitou aos seus pés com um gemido de derrota. Harry suspirou e voltou a beijá-la com doçura. Ao se separar dela, murmurou com suavidade:
- Será que a minha governanta concordará em deixá-lo ficar connosco?
- Você não tem escolha – respondeu Ginny, sorrindo com malícia – Estamos ambos no mesmo pacote – ele sorriu e atacou a barriga dela, fazendo-lhe cócegas. Quando estavam ambos deitados na relva, suados e corados, após uma terrível luta de risos, ele voltou-se para ela, que observava a luz dançar na copa da árvore, e murmurou:
- Casa comigo, Ginny Weasley. Casa comigo e me faz o homem mais feliz da terra.
Antes que ela aceitasse, Padfoot levantou-se, ladrou três vezes e lambeu um dos pés descalços de Harry.
- Aí tem a sua resposta, meu orgulhoso amante siciliano – respondeu ela, rindo abertamente – Sim, sim, sim.
E as suas bocas voltaram a unir-se num beijo para selarem a promessa.
Foi um dia perfeito. Ginny não conseguia descortinar o que teria sido mais fantástico: se o reencontro com o pai que sonhara em ter toda a sua vida; se os momentos passados com Harry, finalmente livre de culpas e ressentimentos; se o momento em que Belle se lançara sobre o seu pescoço e a arrastara para o seu quarto a fim de uma conversa de irmãs básica, sobre namorados e roupas; se Lily beijando-a, emocionada, e dizendo que era um orgulho tê-la ali; se o jantar no jardim, sobre a luz das estrelas e o perfume das flores, todos reunidos pela primeira vez; ou se a noite que passara nos braços de Harry, o homem que amava e que amava de igual modo. Parecia que seriam felizes para sempre, a partir daquele dia. Mas não foram.
N/A – e PRONTO, finalmente gente! *bate palmas e dá graças* Como foi? Muito meloso? Muito chato? Emocionante? Esse capítulo quase poderia ser um final, se não existisse um capítulo seguinte. E bom, no próximo capítulo…ah, quer saber?...não vou contar nada, já toda a gente sabe que eu venho anunciando uma coisa ruim ahah.
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