Assim como eu te vejo



Capítulo 6 – Assim como eu te vejo


“Existe uma hora do dia em que todos queremos ser amados. Um momento simples em que daríamos tudo para aquela pessoa nos abraçasse e nos fizesse sentir aquele aconchego no peito, aquela sensação quente e agradável. Vendo à minha volta os casais de pássaros voltando para o seu ninho no final de um longo dia, um par de borboletas voando em dueto por entre as flores, o sol e a lua quase se beijando no céu, eu realmente me sinto assim. Desesperada por ser amada. E o pior é que o meu coração já não deseja um rosto indefinido, uma lembrança do que nunca foi, um fantasma dos meus sonhos. Eu quero ao meu lado uma pessoa real e dói saber quem é essa pessoa. E dói ainda mais saber que nunca terei quem eu desejo. Talvez ele sinta algo por mim, mas ele não me conhece realmente. E sem conhecimento não há amor verdadeiro, apenas ilusão. Ele nunca me vai perdoar por todas as mentiras que eu possa ter dito ou que eu calei. E eu não sei se esquecerei todas as palavras que ele me disse, julgando me conhecer. Gostava de tê-lo conhecido numa outra circunstância, numa qualquer rua de Londres. Ter tropeçado nele e ter mergulhado nos seus olhos, ter sorrido e acabado os meus dias ao seu lado. Sei que em breve irei embora da vida dele para sempre e que nunca voltarei, perdendo o meu coração para sempre numa ilha no meio de um imenso oceano.”


Ginny escrevia essas palavras numa folha do seu bloco de desenho, sentada debaixo de uma árvore frondosa. Desde o dia da festa que Harry a evitava decididamente, e quando estavam juntos ele voltara a ter alguma da frieza de antigamente. Sempre que o olhava, a ruiva podia adivinhar nas linhas perfeitas do seu rosto a tristeza e a dor, sem saber que elas estavam igualmente reflectidas na sua própria expressão. Por vezes, ela desejava que ele falasse, que gritasse o que estava sentido, não só porque ela queria saber mas porque pensava que ele se sentiria um pouco melhor se o fizesse. Subitamente ela ouviu um ruído e soube que deveria ser Harry, vindo vê-la pintar como era seu costume. Escondeu apressadamente os seus desabafos escritos, virando as páginas até ao seu último desenho e apercebendo-se de que este já estava acabado. Levantou o olhar e viu Harry parado a olhá-la.


- Você ainda não começou a pintar? – perguntou ele, casualmente.


- É… - Ginny deu um sorrisinho nervoso, tentando desesperadamente encontrar uma justificação para estar ali há uma hora sem fazer nada - Eu…cochilei. Não tenho dormido muito bem esses últimos dias – e era a mais pura verdade.


- Eu acordei você? – perguntou ele, franzindo o cenho e parecendo algo preocupado.


- Não! – respondeu ela rapidamente – Tinha acabado de acordar quando ouvi você. Vou desenhar, você vem?


- Claro – olhou-a fixamente – Você quer ir para o mesmo lugar de sempre? – perguntou – Quero dizer, você já pintou aquelas flores um milhão de vezes – sorriu brevemente – Ainda não descobriu o panteão?

- Panteão?


- Claramente não. Vem comigo – pediu, estendo a mão para a ajudar a erguer-se. Ela aceitou e ele a puxou, terminando a subida quase encostada a ele. Ginny tinha perfeita noção de que aquele contacto podia terminar em descontrolo total e, por isso, se afastou rapidamente dele. Suspirou e seguiu-o. Pensava ter explorado todos os cantos daquele maravilhoso paraíso vegetal, mas quando o viu afastar uma exuberante madressilva, se apercebeu de que passara ao lado daquele local.


- Bem, não é um panteão no sentido estrito da palavra – explicou Harry por cima do ombro.


- Imaginei que não – respondeu ela, sorrindo para ele. Com um gesto da cabeça, o moreno indicou-lhe que abrisse uma porta de ferro que encerrava um muro de pedra cinzenta. Ginny já podia ver através do portão aquilo que se encontrava do outro lado e o que apareceu perante os seus olhos foi extraordinário. Ouviu Harry falar e olhou para ele.


- Esse é o templo dos deuses da minha mãe. Quando ela está aqui, colecciona esculturas e estátuas de pedra dos deuses, como você pode ver – fez um gesto abrangente com a mão. A ruiva olhou em volta e pensou estar perante a colecção de estátuas de pedra e mármore mais impressionante que vira fora do Museu Britânico. Aquela área reservada do jardim era muito maior do que tinha imaginado inicialmente, sulcada por caminhos cobertos de folhas e flores, bem como lindos bancos de pedra onde poderia se sentar. Cada estátua estava colocada entre a folhagem de pequenos arbustos aromáticos: lavanda, tomilho, salva, alecrim. Os cheiros eram penetrantes após o calor do dia e a jovem se sentiu muito perturbada com o efeito do conjunto.


- É maravilhoso – exclamou em voz suave – Sua mãe tem muito bom gosto. Se chegasse a conhecê-la, tenho a certeza que gostaria muito dela.


Harry ergueu o rosto e Ginny reparou que os seus olhos brilhavam. Fitaram-se durante largos momentos até que ele desviou o olhar.


- Duvido – murmurou ele baixinho, mas não o suficiente para que ela não ouvisse. Aquele comentário tinha sido bastante estranho. Engoliu em seco e afastou o olhar dele. Perto do sítio onde ela se encontrava, dois amantes de pedra se beijavam abraçados, os seus corpos quase se fundindo num único golpe de pedra. Algumas daquelas estátuas eram abertamente eróticas e ela não conseguiu evitar fazer uma comparação com o modelo que tinha mais perto de si: Harry Potter. “Ele sai ganhando de qualquer deus clássico”, pensou com alguma malícia e corando em seguida. Mordeu o lábio e procurou uma estátua menos reveladora.


- Bom, o que pintarei hoje? Ah, esqueci! – deu um tapa na sua própria testa – Deixo sempre o Padfoot sair a essa hora e ele adora ficar fazendo companhia enquanto pinto. Além disso…- não terminou a frase pois Harry deteve-a.


- Hoje não – disse ele suavemente. Os seus olhares se encontraram e Ginny pôde ler a mensagem que os olhos dele transmitiam. Padfoot não deveria entrar ali, pois não permitiria que ele se aproximasse dela. O jardim secreto era rodeado por muros, totalmente escondido do mundo – aliás, nem parecia fazer parte do mundo –, embriagado em perfume, tremendamente sensual. A ruiva sentiu que Harry a devorava com os olhos, fazendo com que o seu sangue respondesse, fluindo a toda a velocidade pelas veias. Tentou furiosamente mudar de assunto.

- Então, o que desenho primeiro?


- O que você acha de desenhar a minha boca? – a voz dele soou grave e sensual, os olhos dele queimando-a pela intensidade que emanava deles. Antes de saber o que acontecera, já ele se inclinara sobre o banco onde ela havia se sentado, se apoderando dos lábios dela que tremiam, dando-lhe um beijo firme que rapidamente se transformou em algo suave e muito mais erótico. A sua boca era tão sensual, uma tentação tão doce naquele jardim de Éden, todo o ambiente actuando como um afrodisíaco. Ela se lembrou do beijo desesperado e doce que haviam dado na festa, e reconheceu esses mesmos sentimentos, bem como muito desejo. Com que facilidade poderia ter-se deixado levar, deixar que ele a amasse até se transformar em pedra e ficar imortalizada para sempre. Ela não se importaria, desde que ele ficasse ali com ela, beijando-a para a eternidade.


Por fim, Harry se afastou e Ginny abriu lentamente os olhos. Talvez algum daqueles deuses da mitologia a transformasse em sapo, como castigo por desfrutar tanto daquele beijo. O seu corpo paralisara, apesar de por dentro se sentir como lava, ardente e líquida.


- Os seus olhos estão brilhando – murmurou ele, percorrendo a curva do queixo feminino com o polegar.


- Ah, é? – ela não conseguiu evitar sorrir, sentindo-se derreter como chocolate no verão.


- Posso pintá-los? – questionou ele, continuando perto dela.


- Pintar…? – balbuciou ela, engasgando.


- E o resto também – murmurou ele, beijando-lhe a ponta do nariz. A confusão apoderou-se de Ginny e, sem nada dizer, viu-o abrir o bloco de desenho dela, procurar uma página em branco, abrir a caixa das cores e segurar um pincel. Por fim, recuperou a fala:


- Você pinta? Não me tinha dito.


- Você não perguntou – murmurou, sorrindo, sem a olhar – Eu estudo Belas-Artes em Nova Iorque. Não ganharei nenhuma fortuna, mas com todo o dinheiro que a minha família tem eu me atreveria a dizer que não precisaria sequer trabalhar. Essa casa, por exemplo, era do meu pai.


- Eu nunca perguntei porque não parou de me colocar perguntas idiotas, como porque é que utilizava azul para as sombras.


- Ah, eu pergunto essas coisas porque cada pessoa tem a sua própria forma de fazer as coisas e despertou minha curiosidade ver que você via coisas que eu não via. Costumo utilizar o cinzento para as sombras, porque para mim são dessa cor. O mundo é diferente segundo o olho que o observa. Por isso é que dois quadros nunca podem ser iguais. Você não acha? – ele a olhou de vislumbre, continuando a mexer nas tintas. Ginny abriu e fechou a boca várias vezes sem dizer nada. Ele levantou o olhar e reparou no seu atordoamento.


- Você não concorda, é?


- Estou surpreendida, é só. Jamais imaginei que você tivesse esse tipo de talento – suspirou, pensando que se soubesse teria cometido ainda mais erros no meu trabalho. Em seguida, riu – Estou dando como certo o seu talento, quando até pode ser que você não seja muito bom – ela desafiou, fazendo-o rir.


- Sim, é possível, mas poderá julgar o meu trabalho quando eu terminar. E agora, não olhe – apontou para um assento de pedra – Sente-se ali. Assim eu te vejo melhor; além disso você é uma tentação demasiado grande se estiver tão perto – fez um sorriso malandro e ela corou, sentando-se onde ele indicou. Permaneceu em silêncio, mas os seus pensamentos se sucediam rápidos como o vento. As coisas que ele lhe dizia e a forma como o fazia, os seus olhares, os beijos. Escolhera não pensar em nada daquilo pois sentia um medo enorme. Sentiam-se irremediavelmente atraídos um pelo outro, mas ambos tinham tentado tudo para esconder e enterrar esse sentimento. Se um dos dois o fizesse vir ao de cima, acarretaria muitos problemas. Mas parecia que ambos tinham falhado e agora as consequências eram insondáveis.


Harry era muito unido a Arthur, mas não sabia tudo sobre ele, tal como demonstrava a própria existência de Ginny. O moreno nada sabia sobre a filha ilegítima de Arthur e o passado do seu pai parecia ser realmente obscuro. Faria parte desse passado aquela garota tão encantadora que, ao que parecia, era sua meia-irmã? Suspirou com toda esta confusão e Harry queixou-se como uma careta. Tentou se descontrair, mas não conseguiu. Tentou branquear a mente, mas falhou igualmente. Aquele estranho à sua frente ocupava agora um lugar na sua vida, um lugar que ela julgara condenado ao vazio.


- Porquê você está tão tensa? Descontraia. – pediu ele.


- Espero que você esteja me melhorando. As suas pinceladas voam sobre o papel, tem certeza que sabe o que está fazendo? – arriscou. Desconfiava que devia ser uma caricatura, afinal ela não estava sentada numa pose elegante. Deixara-se simplesmente cair no banco, apertando as mãos no colo.


- Sei precisamente aquilo que faço. Afinal, tive um excelente tutor.


- Ah, sim? E quem era? Leonardo Da Vinci? Miguel Ângelo? Talvez Picasso? – ela troçou dele.


- O Arthur, claro – respondeu ele com um sorriso meio tenso – Sabe bem o talento que ele tem, não?


As palavras de Harry giraram em torno da sua cabeça como um tornado. O calor que lhe acendeu o corpo nada tinha a ver com o sol. Quantas vezes sonhara com a possibilidade de ter herdado o talento artístico do seu pai? Mas agora que tinha essa confirmação, em vez de encher o vazio com felicidade, esvaziara-a por dentro até aos ossos.


- Mas, claro, também pode não saber – disse ele, após uns instantes – Talvez estivessem tão atraídos fisicamente que nem houvesse espaço para algo puramente estético – o seu tom era fio como o gelo e a jovem sentiu que o seu estômago se contraía. Não podia assimilar aquela sórdida acusação e se levantou, olhando-o bem nos olhos. De repente, a atmosfera do jardim se tornou sufocante e aquelas malditas estátuas pareciam troçar dela.


- Você se atreveu a falar disso com ele? – perguntou acidamente, entredentes – Acho que não. Mas comigo sim, você usa esse tom cínico e frio porque eu não sou um homem, sou apenas a amante de um bom amigo seu, que não merece respeito. Maldito seja, Harry Potter, pela sua atitude, arrogância, frieza…por tudo! – rebentou, tentando alcançar o portão e sair dali. Contudo, ele colocou-se entre ela e a saída, segurando o seu braço.


- Desculpa – disse ele, a sua respiração quente embatendo no rosto dela – Queria poder retirar aquilo que disse mas já é demasiado tarde – continuou – Lamento muito, mesmo.


- Estou farta! – gritou ela, sacudindo-se para se soltar – Farta dos seus insultos seguidos de desculpas! Dos seus beijos intervalados de uma frieza cortante! Cansei – sentiu-se quebrar completamente.


- Se você se desse ao trabalho de pensar naquilo que eu disse, saberia porque é que o fiz – murmurou ele.


- Não sou telepata – protestou, cansada e furiosa – Além disso, sei muito pouco sobre você, além da sua ridícula obsessão com o Arthur e comigo…


- Sim – sussurrou ele, os olhos brilhando – uma obsessão que me está devorando vivo Ginny. Está me comendo vivo porque eu quero você para mim…


A ruiva recuou, atónita. Ele tinha ciúmes dela! (N/A – nossa, esperta essa garota. Demorooooou, não? XD) Não sabia o que dizer nem como agir, ou sequer o que pensar. Respirou fundo, enquanto se olhavam mutuamente. Ele não disse nada; limitou-se a continuar a perfurá-la com os seus olhos verdes, empurrando-a com as íris para que dissesse ou fizesse algo. Ela se virou, de repente, sentindo que não conseguia respirar perto dele. Pegou nas suas coisas e foi então que viu o retrato que Harry fizera.


Não era nenhuma caricatura; era simplesmente o mais bonito, o mais…Deus, ficara sem palavras. Era ela, Ginny, mas não a Ginny que estivera sentada como um cepo sobre o assento de pedra, com a estátua de Minerva vigiando-a por trás. Era ela no dia da sua chegada, deitada nua sobre a cama de lençóis de seda, com a cabeça de um lado e a cabeleira ruiva espalhada sobre a almofada, completamente em paz com o mundo. E, no entanto, cada pincelada desenhara o erotismo do seu corpo. Estava a dormir, mas todo o seu corpo parecia chamá-lo aos gritos: de braços abertos, palmas das mãos voltadas para baixo, mas ligeiramente curvadas, pernas levemente entreabertas, convidando-o, e aquele esboço de sorriso nos lábios. Aquela não era ela, a verdadeira Ginny Knight. Mas simultaneamente era ela, de uma forma que ela nunca antes soubera existir.


Olhou para Harry, que aguardava uma palavra sua, a mão passeando nos cabelos. O que podia lhe dizer? Era o retrato mais bonito e mais sensual que vira em toda a sua vida, e era ela! Era e não era ao mesmo tempo.


- É assim que eu te vejo, Ginny – salientou simplesmente ele, como se adivinhasse os seus pensamentos – É assim que desejo você, tal como você me deseja – concluiu, sem medo. E como para provar as suas palavras a tomou num beijo profundo e desejoso, querendo senti-la ao máximo. Mordeu ao de leve o lábio da garota, ao que ela rapidamente respondeu com um leve puxão nos cabelos negros. As suas línguas se esfregavam, tornando o contacto mais íntimo. Harry a segurou nos seus braços, como se soubesse que ela cairia se a largasse, apertando-a contra si. As suas mãos estavam na cintura dela, se movendo depois pela sua perna até à coxa protegida pelo tecido da saia, acariciando-a. A boca máscula do moreno saltou para o pescoço da ruiva, beijando-a e passando a língua pela pele dela, fazendo-a ofegar de prazer. Ela puxou com mais força os cabelos dele e mordiscou o lóbulo da orelha de forma sensual. As suas bocas logo se procuraram de novo, sedentas, e então Harry se tornou mais selvagem e impetuoso. A mão dele levantou levemente a saia dela e dançou sobre a coxa bem torneada e suave da garota, beijando-a sempre com mais e mais desejo e ternura. Ginny se sentia ardendo, arfando quando sentiu o contacto da pele dele na sua perna. Passou as mãos pelo peito rijo de Harry, procurando a abertura da camisa de forma a passar suavemente com as unhas pelo tórax desnudo do homem, arranhando-o de forma sensual e fazendo-o gemer. Ele largara a sua perna e agora as suas mãos subiam pelo corpo da ruiva, passando as palmas pela barriga dela e subindo, até roçarem levemente num seio. Ela susteve a respiração, sentindo um estremecimento percorrer o seu corpo, uma mistura perfeita de prazer e receio. Ele principiou a desabotoar a blusa dela e foi aí que o sinal de alarme surgiu no seu espírito.


- Harry, pára…- murmurou ela, hesitante, enquanto ele continuava a beijar cada centímetro de pele que encontrava – Pára, por favor! – empurrou-o suavemente, mas com determinação. Ele a olhou, não entendendo nada.


- Você não me quer? Eu pensei…que você…eu…eu… – Harry respirou fundo.


Ginny quisera encontrar algo para responder, mas os seus olhos se encheram de lágrimas por algo que ela sabia e ele não: que desejar não era o suficiente, nem possível. Havia demasiado em jogo, demasiados sentimentos para serem protegidos. Os do seu pai, para começar. Ele ia casar e ela seria um balde de água gelada para ele. E a filha dele, sua irmã, de quem ela nem sabia o nome. Nenhum deles merecia que lhes fosse imposta a presença de uma filha ilegítima.


E Harry? A ele nada acontecia se não saciasse o seu desejo. Ela não passava de alguém passageiro. E quanto aos seus próprios sentimentos…Não se sente saudade de algo que nunca se teve, ou sente? Jamais tivera a sensação de pertencer a alguém de corpo e alma.


Contendo as lágrimas, fugiu, deixando-o só no jardim perfumado e com as estátuas como companhia.





- Padfoot, não fica aí deitado – rogou Ginny, ao abrir a porta da casota do animal. Costumava esperar junto à porta e foi até lá que ela se dirigiu depois de abandonar Harry no jardim. Precisava desesperadamente de se afastar dele e pensar, deixar de lado tudo aquilo que lhe dissera e fizera sentir. Não podia ficar ali. Tinha que se ir embora.


Atravessou a zona da relva, falando distraidamente com Padfoot enquanto se aproximava. Contudo, Padfoot continuava deitado na casota com a cabeça de fora e a respiração um pouco agitada. Preocupada, Ginny agachou-se ao seu lado.


- Então, amigo, o que é que se passa? – perguntou ela, reparando que a parte traseira das orelhas do animal estava a arder. A jovem puxou a coleira para que saísse e pudesse observar melhor, o cachorro tentou levantar-se, mas só conseguiu cair de barriga para baixo. O problema ficou exposto de imediato. Uma pata traseira estava tremendamente inchada. Naquela manhã, fora passear com ele para a estrada de gravilha e Padfoot correra alegremente. Agora, ele parecia sofrer tamanha dor que Ginny sentiu vontade de chorar. Ginny viu que Harry estava no terraço, olhando para o jardim, perdido nos seus pensamentos.


- O Padfoot está ferido – gritou. Harry chegou ao seu lado em poucos instantes, observando o enorme cão.


- Tem uma infecção muito feia – disse ele – Acho que podemos tratar dele – examinou minuciosamente a pata – Deve ter alguma coisa no interior…um prego ou um vidro. As infecções evoluem rapidamente com o calor.


Harry pegou no animal ao colo, sem esforço aparente e foram até à cozinha. A jovem correu todos os armários até encontrar uma manta de viagem, que estendeu sob o chão para que Harry pousasse cuidadosamente o animal ferido. Ginny segurou o focinho enquanto o moreno examinava mais profundamente a ferida.


- Acho que é um prego – acabou por dizer ele – Está enfiado no interior da pata e provocou tudo isso. Tem que ser removido.


- Aonde você vai? – perguntou, preocupada, quando o viu sair da cozinha.


- Tenho alguns instrumentos de corte no estúdio. Pode ferver água enquanto eu vou? – perguntou alto, não esperando pela resposta. Ginny colocou água no lume e se apercebeu do peso da responsabilidade. Tinha que manter Padfoot quieto durante a operação, não fosse ele tentar abocanhar Harry. Engoliu em seco quando o viu entrar novamente na cozinha, com a caixa de primeiros-socorros e um canivete. Achou melhor ter certeza antes de avançarem.


- Tem certeza que quer fazer isso? Pode ser perigoso – perguntou a medo. Ele sorriu levemente para acalmá-la.


- Não tenho outra opção. Não conseguiria aguentar o ódio da minha governanta e o seu se algo acontecesse a esse cão. Além disso, não sou tão mau assim. Também tenho coração, Ginny.


- Você vai precisar de mais do que um coração, talvez de nervos de aço.


- Não se preocupa, tenho nervos de aço em abundância – respondeu ele com cinismo – E muita paciência – adiantou – apesar de já ter gasto parte da minha reserva desde que te fui buscar a Palermo.


A jovem suspirou. Realizaram a tarefa de retirar o prego da pata de Padfoot com o máximo de calma e cuidado possíveis, sendo que o cachorro tinha adormecido, possivelmente com as dores. Harry sorriu triunfante e mostrou o pedaço de prego enferrujado.


- Você conseguiu!- exclamou ela, envolvendo a pata do animal com ligaduras . Levantou-se ao mesmo tempo que o jovem para fazer a primeira coisa que pensou: lançou-se sobre o pescoço dele para o abraçar ternamente – Nem sequer o magoou, aposto em como ele agora vai amar você incondicionalmente.


- Já sabe o que isso significa. Agora posso estar perto de você.


Ginny recuou rapidamente, vermelha como um tomate, rindo e chorando ao mesmo tempo que nem uma tontinha.


- Ele vai ficar bem, não vai? – perguntou.


- Claro que sim. – respondeu Harry, detendo-se diante dela - Mas o mais importante é se nós vamos ficar bem.


A jovem observou-o, de início, sem compreender, mas depois compreendeu que o incidente com Padfoot passara e que tinham voltado a falar de ambos. A atracção era poderosa entre eles e de nada serviria negar. De facto, ela já admitira tudo, se não por palavras certamente em acções. Ginny sabia como se sentia e ele devia ter-se apercebido do mesmo, mas qual seria a resposta? Humedeceu os lábios e viu que Harry seguia fascinado o movimento dos seus lábios.


- Não…não sei.


Harry apoiou as costas contra o lava-louça enquanto secava as mãos, sorrindo.


- Sabe uma coisa? Sei mais sobre você pela forma como trata o Padfoot do que pela forma como me trata.


- E…o que é que você sabe? – perguntou, tentando parecer decidida, apesar da sua voz não lhe parecer mais que um sussurro por cima do bater do seu coração. Harry não respondeu de imediato, mas acabou por olhá-la frontalmente.


- Que é doce e que se preocupa, e que gostaria que fosse a mãe dos meus filhos.


Ginny sentiu que o seu sangue corria endiabrado pelas veias até à cabeça começar a andar à roda. A mãe dos seus filhos? Que tipo de comentário era aquele? Ficou especada no centro da cozinha, atordoada com o ruído dos batimentos do seu coração que, estava certa, ele também podia ouvir.


Harry aproximou-se lentamente com um pequeno sorriso nos lábios. Deslizou o polegar pelo sue lábio inferior e, suavemente, fechou a boca dela que ficara entreaberta.


- O único problema – disse devagar – é que já não tenho certeza se devo confiar ou não o meu próprio juízo. Vejo uma jovem doce, linda, terna e enigmática que fala com os animais, e certamente faz o mesmo com todos os seres vivos. Tem talento e génio, e, às vezes, é forte e outras, vulnerável. Acima de tudo, me confunde com uma sensualidade que parece desconhecer e, no entanto, é, ou foi, amante de um homem cujas exigências nesse campo são muito elevadas.


Estavam novamente falando de Arthur. Olhou-a fixamente, como se pretendesse encontrar algo que ela não podia dar-lhe, algo que ele queria muito ouvir. Uma negação daquilo que dissera? Que lhe voltasse a dizer que estava enganado e que nunca fora amante de Arthur Weasley? “Apenas uma pessoa no mundo pode demonstrar-lhe toda a verdade”, pensou com tristeza. Mas esse encontro jamais se daria. Naquele momento da sua vida, Arthur não suportaria a verdade. Não queria sabê-la e ela também não queria mostrar-lha. E, subitamente, soube o porquê de tudo aquilo. Porque é que Harry a olhava daquele jeito, dizendo aquelas coisas. Não que fosse muito experiente, mas sentia que ele estava contendo-se, que sentia dentro de si as chamas de uma paixão avassaladora, por alguma razão. Por aquela razão.


- Harry – hesitou – acho que sei o você quer me dizer. Você é demasiado orgulhoso para ter uma…relação comigo…por causa de Arthur. Ele está muito unido a ti e você a ele, e não suportaria a indignidade de estar comigo…sendo o segundo e não o primeiro – as suas próprias palavras a surpreenderam, apesar de ter a certeza de que acertara pela forma como Harry a olhava. Quase zangado, atónito por ela ser capaz de o ler tão perfeitamente, mas não indignado nem ultrajado – Não posso ajudar você com esse problema – continuou, dando de ombros – Não posso fazer nada para aliviar a sua confusão e orgulho. Isso é uma coisa que só a você diz respeito. Mas eu não me sinto nada confusa. Não há nada que eu possa dizer ou fazer para que se sinta melhor. Mas você pode me aceitar tal como sou – completou, simplesmente.


Harry negou com a cabeça.


- Não é assim, Ginny – admitiu com dificuldade. Ginny acertara, mas teve que baixar a cabeça pois não era capaz de suportar o facto de ele estar a sofrer. A verdade era sempre a melhor opção, mas impossível naquele caso. Como poderia dizer a verdade? Podia até acreditar que ela era filha de Arthur, mas então o peso do dilema recairia sobre os seus ombros. Iria sentir-se obrigado a dizer a verdade ao amigo e…isso abriria a caixa de Pandora a três dias do casamento. Se afastou dele e da tentação de o tocar e beijar. Não estaria levando tudo aquilo demasiado a sério? Afinal, admitira que a desejava, mas não que amava. Olhou para si própria, uma pessoa completamente normal, ao contrário dele, que tinha o poder de parecer sofisticado vestisse aquilo que vestisse. Ginny podia parecer sofisticada com muita produção, mas Harry vira muito pouco disso e a queria apenas porque ela era levemente diferente das conquistas habituais.


E ela queria mais. Sem o olhar sequer, sabia o que sentia por ele e era muito mais profundo do que gostaria de admitir. Era maior, muito mais maravilhoso e muito mais terrível. Agitada, aproximou-se de Padfoot e se ajoelhou junto ao mesmo para o acariciar enquanto dormitava, de costas para que o moreno não pudesse ler o desespero que o seu rosto espelhava. Um débil queixume do animal afastou todos os pensamentos e, com coragem, se virou para o anfitrião.


- Você se importa que ele fique aqui na cozinha, só por hoje? – a sua voz apagou-se. Harry olhava-a desolado e algo irritado.


- Faça aquilo que lhe pareça melhor – respondeu friamente – E não se incomode em fazer jantar para mim, vou sair.


Sair? Aquela palavra foi como um tapa de mão cheia. Estavam vivendo num mundo irreal de isolamento só os dois, escondidos num paraíso no qual o exterior não existia, era apenas uma remota lembrança. Pelo menos para ela, claro. Mas ele tinha negócios, preparativos para o casamento e, sem dúvida, mulheres. Levantou-se do chão e vestiu a máscara de mulher decidida.


- Tudo bem. Deixo algo preparado para quando você voltar – disse. Ele nem sequer lhe agradeceu, limitando-se a olhá-la com aquela estranha intensidade que Ginny nem sempre conseguia decifrar.


A tarde sem Harry foi interminável. A casa estava triste e escura sem ele, e Ginny perguntou a si própria desde quando a sua felicidade passara a depender tanto daquele estranho. A noite chegou. Acendeu todas as luzes, mas não conseguiu se sentir melhor. Estava muito calor e o retumbar longínquo dos trovões provocou-lhe um calafrio. Passar por uma tempestade, sozinha, naquele casarão e com um cão doente, parecia-lhe mais do que aquilo que conseguia aguentar. E nada voltaria a ser igual entre ela e Harry. Tinha-o renegado de alguma forma e ele era muito orgulhoso. Além disso, parecia incapaz de superar o facto de ela ter sido, supostamente, amante de Arthur. Sentia ciúmes e não conseguia tirar isso da cabeça, se é que nutria algum sentimento por ela que não desejo. Ela sabia o que queria que ele sentisse, o que ela sentia. Agarrou na folha que escrevera, que entretanto arrancara do bloco de desenho e acrescentou por baixo:

“Eu me sinto confusa, quente, gelada, feliz, triste, no topo do mundo, no fundo da fossa, capaz de voar, frágil como cristal, inquebrável, indestrutível, ciente da minha vida, da minha mortalidade, extasiada, desejosa, perdida, encontrada, assustada, alucinada, insana, lúcida, feminina, o própria Ogre. Me sinto esse mundo e o outro, quero tudo e não quero nada. Ou antes quero apenas uma coisa, um toque, uma pessoa. Ouvi dizer que a isso se chama amor.”


N/A – Aweeee, consegui terminar esse capítulo. Me sinto algo honrada de dizer que ultrapassei o meu primeiro bloqueio de escrita, o que vale é que foi relâmpago e não durou meses a fio X) Esse capítulo tem duas coisas que eu gosto muito, a primeira é toda a parte do panteão e a segunda são os escritos da Ginny. Acho que ficou legal, não sei o que vocês acham =) No próximo capítulo…conto?....hm…acho que não…(risada maléfica)…ok, ok…no próximo capítulo teremos NC (oba!). Essa parte é algo que eu realmente tenho medo de escrever, medo de ficar muito vulgar ou banal mas veremos como sai. Por outro lado, as revelações se aproximam, ou melhor, estão mesmo aí chegando! Mas o final da fic não vai ser seguido, ainda alguma água vai rolar por debaixo da ponte (ahah). Eu tenho uma coisa planeada desde o inicio da fic para acontecer, e espero sinceramente que não me odeiem muito por isso =X Pronto, agora eu já falei muito.


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