Música para nós dois



Capítulo 5 – Música para nós dois


- Você já conhece toda a casa? – perguntou certa manhã Harry, enquanto comiam. Naquele dia usava uns jeans e uma camiseta verde que parecia incendiar ainda mais o seu olhar, normalmente já desconcertante.


- Hm…acho que não – respondeu Ginny. Realmente tinha vindo a cuidar da casa, mas esta enorme e ela certamente não daria conta de tudo sozinha, por isso optara por organizar apenas as divisões em que ambos passavam a maioria do tempo.


- Acho que existe um lugar daqui que você iria gostar. Me lembrei porque ontem você falou que adorava música.


- É, eu amo mesmo – a ruiva sorriu timidamente, colocando uma madeixa teimosa atrás da orelha. Já estava ali há uma semana e meia e a sua relação com Harry melhorara muito. Ambos pareciam ter aceite um compromisso silencioso de evitarem os assuntos delicados. Contudo, a garota sabia que eles permaneciam entre eles, esperando a hora certa para ressurgirem.


- Então vem comigo, mas antes você tem que fechar os olhos – ele sorria e parecia realmente feliz naquele dia, mais atraente do que nunca.


- Para quê?! – a jovem se espantou. Aquele lugar devia ser mesmo especial para ele querer fazer tanto mistério.


- Você não confia em mim? – perguntou ele, fingindo-se triste.


- Hm…deixa eu ver…NÃO! – respondeu, rindo em seguida da expressão ultrajada dele.


- Ah, ta bom. Mas fecha os olhos de qualquer jeito, eu não vou morder você. A não ser que você queira, claro – a sua boca fez um esgar trocista e Ginny lhe jogou uma bola de miolo que o acertou bem num olho. Em seguida fechou os olhos e esticou as mãos para ele.


- Pronto, pode me guiar – Harry segurou as mãos dela nas suas e a olhou, certificando-se de que ela não estava espiando. Observou também o quão linda ela estava naquela manhã, radiosa como nunca nas suas roupas simples e práticas, já meio gastas pelo uso. Prendera o cabelo mas a rebeldia dele exigia que algumas madeixas se soltassem, dando-lhe um aspecto ainda mais adorável. O cabelo dela reflectia mil tonalidades acobreadas quando tocado pelo sol, formando aquilo que parecia a auréola de um anjo. A conduziu através das divisões, ambos rindo da situação. Quando chegaram perto de umas grandes portas de madeira ele a soltou suavemente, abrindo-as de par em par. Em seguida colocou-se atrás dela.


- Já pode abrir – murmurou.


Ginny julgou que estava sonhando quando abriu os olhos e se deparou com a mais bela sala que vira em toda a sua vida. Não existiam paredes – foi a sua primeira impressão, só depois notando que elas de facto estavam lá, só que feitas de vidro transparente. Ginny pôde observar que se encontravam no meio do jardim, de uma parte que ela ainda não conhecia, criando a ilusão de estarem ao ar livre. Quase poderia jurar que se esticasse a mão poderia colher uma pétala de rosa. Olhando para o chão, a ruiva observou que este era espelhado, reflectindo luz e cor. No canto da sala existia uma lareira de mármore branco e estrategicamente colocadas em frente desta estavam duas poltronas.


Mas o que habitava o centro da sala foi o que mais encantou Ginny. Ali repousava um piano de cauda branco e numa mesa de apoio – de cristal, apercebeu-se ela com apreensão – descansavam várias partituras desordenadas.


- Bem-vinda ao meu refúgio – disse ele baixinho, tanto que ela não ouviu, elevando depois o tom de voz – Não vai entrar?


Para Ginny tudo aquilo parecia irreal, demasiado perfeito para existir realmente. Avançou lentamente pela sala, os passos tão suaves que poderia jurar não tocar o chão com medo de quebrar o encanto. A divisão era bastante ampla e ela foi até ao piano. Ergueu a mão tão devagar que se perguntou se o tempo não teria parado à sua volta e acariciou timidamente o tampo. Sentiu Harry se aproximar e recolheu a mão. Sorriu, encantada e sussurrou:


- É lindo. Obrigado por me mostrar – voltou-se e viu que Harry tinha um olhar cristalino, como se a beleza que via morasse agora nos seus olhos para sempre. Com um aperto no peito, notou também que havia tristeza na sua expressão, embora não soubesse dizer o que a denunciava. O moreno afastou-se de costas para ela até à mesa, de onde retirou algo. Olhou para ela profundamente, como se estivesse pensando bem em algo e voltou para junto dela. Debruçou-se sobre o piano e se afastou, desobstruindo-lhe a visão sob aquilo que trouxera. Ginny viu que era uma caixa de porcelana em tons suaves.


- Abra – Harry meio pediu, meio mandou. A ruiva obedeceu prontamente e imediatamente a música encheu a sala. Observou enquanto duas figuras de porcelana se erguiam, um casal de bailarinos que rodopiava entrelaçado ao som da sonata. Ginny sentiu a música entrar dentro dela e reconheceu-a como uma sonata famosa de Beethoven. Quando a consciência a envolveu de novo, já estava sentada no banquinho do piano, tinha levantado o tampo e as suas mãos passeavam pelas teclas acompanhando a sonata. Os seus olhos mantinham-se fechados, deixando que a música a guiasse pelos seus segredos. Abriu os olhos e procurou Harry, que estava de pé observando-a como se a estivesse vendo realmente pela primeira vez. Os seus olhos tinham um brilho diferente, especial, e a sua expressão estava cerrada. Ginny desviou os olhos para a caixa de música e observou o movimento dos amantes, porque ela não duvidava nem por um segundo do amor que unia aquele par, dançando junto para a eternidade. Subitamente sentiu um acorde que instintivamente sabia não ter saído dos seus dedos e pelo canto dos olhos viu um outro par de mãos percorrer as teclas, acompanhando a mesma melodia que ela ouvia e que ia para além da que ecoava na sala. Sentiu um corpo encostar-se ao seu e soube que Harry se sentara ao seu lado, tocando consigo uma sonata de amor a quatro mãos. As suas mãos se cruzavam e quase se tocavam, no entanto nunca chegando a se encontrar. Nenhum deles estava fora da magia daquela composição, o que um tocava não prejudicava a perfeição do outro. Pelo contrário, eles se completavam como aqueles amantes, nunca atingindo a plenitude antes daquele momento. Nenhum deles queria que aquele som se fosse embora, pois ambos sentiam que algo de poderoso e maravilhoso desapareceria com isso.


Harry se esticou de forma a alcançar uma tecla e o seu rosto tocou numa madeixa de Ginny, se aproximando muito da sua face. Aquele ínfimo instante pareceu durar muito tempo, tempo esse em que a ruiva se apercebeu de que aquele Harry era uma pessoa completamente distinta da que a acolhera nos primeiros dias. Sentiu o seu hálito fresco, como a hortelã, e o seu perfume entorpecedor. Harry, por sua vez, notou as leves sardas que pautavam o rosto delicado da garota e como a sua pele era alva e macia. Estavam-se deixando conduzir pela música e, aparentemente, a música os estava conduzindo a um lugar de onde talvez não existisse volta possível, os dois sabiam que tudo seria diferente quando as suas mãos em constante movimento adormecessem finalmente, calando o piano. Ginny olhou profundamente nos olhos de Harry, que lhe devolveu a força do olhar, e continuaram tocando assim, perdidos na alma cristalina um do outro.


Quando a sonata finalmente terminou ambos se quedaram em simultâneo, numa sincronia perfeita. Tudo era perfeito naquele instante. Ginny ofegava e reparou que Harry também, ambos com a respiração pesada e descompassada, como se tivessem corrido milhares de quilómetros ou tido uma intensa noite de amor. Algo naquela música, naquela partilha, naquela união, os tinha unido irremediavelmente. Os seus dedos e almas talvez tivessem realmente se unido numa dança de amor.


Harry levantou a mão e a aproximou do rosto de Ginny, acabando por a tocar na face. Foi um toque tão delicado quanto uma brisa de verão, a sua mão cálida no seu rosto ardente e jovem, a sua mão descendo lentamente até aos seus lábios perfeitos. Ele estava prestes a tocá-los quando Ginny sentiu que não aguentaria aquele toque sem se perder para sempre e se afastou apressadamente, fugindo dele e dos seus sentimentos. Respirou profundamente e o mirou, a confusão espelhada nos seus olhos. Ela queria falar, dizer qualquer coisa, mas sabia que o eco da sua voz quebraria aquele momento delicado e puro como cristal e, por isso, reprimia as palavras na garganta. Contudo, elas acabaram por se soltar:


- Eu…eu não sabia. Que você tocava, quero dizer – falou casualmente, desejando se enfiar num buraco qualquer. Os olhos de Harry ficaram mais escuros, como se tivesse acabado de acordar de um sonho, de uma visão que o fascinava.


- É, eu também não sabia – ela observou com um baque a língua dele humedecer os lábios depois de se pronunciar. Só passados uns instantes ela se apercebeu do conteúdo das suas palavras e fez uma cara de ponto de interrogação. Ele sorriu.


- Eu não tocava há…muito, muito tempo. Já nem lembrava mais do que era capaz de fazer – ela notou que ele se entristeceu por uns momentos, recuperando a pose de seguida – Você também toca muito bem.


- Eu tive lições desde os seis anos, o piano é a minha paixão – mencionou. Ele hesitou como se pensasse se devia dizer algo, mas aparentemente decidiu que sim.


- Sua única paixão, Ginny? – ele perguntou, desviando os olhos da imagem da garota e se inclinando para a frente, repousando a testa sobre o piano. A sua voz não era uma acusação, e nem era fria como o usual, sem emoção. Pelo contrário, ela diria que nunca vira tanta emoção numa única pergunta. Mas não uma emoção perceptível, identificável. Mal ela desconfiava que nem ele sabia ao certo o que estava sentindo, embora definitivamente desconfiasse e isso o deixasse aterrorizado.


- Eu…eu… - Ginny não sabia o que responder, queria dizer a verdade mas ela nem sabia que verdade era essa – Eu tenho de ir arrumar tudo, quero dizer…- o olhou e pensou que ele fosse insistir, a prensar como costumava fazer.


- Vá – foi tudo o que ele disse, continuando encostado no piano e voltando a face para o lado oposto àquele em que ela se encontrava. Ginny teve a impressão de ter visto uma lágrima se soltar daquelas incríveis íris verdes antes de ele se mover. Saiu da sala lentamente e foi até à cozinha, onde se encostou num armário e deixou cair todas as suas lágrimas por chorar.






Ginny estava deitada na sua cama, pensando que não queria voltar a sair daquele quarto tão cedo. Não vira Harry desde manhã, após abandonar a sala de música e, sinceramente, não estava se achando com força para o encarar, ainda que no seu peito um coração clamasse por ele. Envolta nos seus pensamentos ouviu ao longe uma batida na porta e se erguendo um pouco disse:


- Pode entrar – parecia que ia ter de enfrentar o seu medo antes do que esperara. Viu a maçaneta rodar e a porta abrir, oferecendo passagem ao moreno. Ele encostou a porta e se aproximou da cama.


- Eu estive pensando e talvez você se sinta cansada de estar trancada nessa casa, por melhor que ela seja – ele disse. Ginny olhou para ele atentamente. Será que a ia deixar sair?


- Bem, eu – clareou a garganta – gostaria de sair se fosse possível, conhecer um pouco mais daqui. Sem precisar de ir muito longe – acrescentou, achando que assim as hipóteses de ele concordar ficavam maiores.


- Também pensei que sim. Por isso eu vim – sorriu levemente, um sorriso que não alcançou os seus olhos – Queria convidar você para vir comigo numa festa que vai ter aqui perto, naquela aldeia por onde a gente passou quanto vinha para cá.


- Você quer que eu vá com você? – Ginny deixou escapar a pergunta, atónita. Os olhos dele brilharam levemente.


- Achei que você poderia gostar mas se preferir ficar aí… - começou a caminhar para a porta e Ginny saltou da cama e foi até dele.


- Não, Harry. Eu gostaria de ir sim – sorriu levemente.


- Esteja pronta às sete – murmurou ele, antes de sair do quarto. Ginny se entristeceu porque ele parecia estar evitando partilhar o mesmo espaço que ela. Mas por outro lado, aquele convite. Se jogou na cama e abraçou a almofada, jurando tirar aqueles pensamentos da sua cabeça. Eis quando outro drama surge. “NOSSA!”, sua cabeça gritou e ela deu um tapa na testa se levantando de novo e indo até ao armário. Abriu a porta e analisou com um olhar de soslaio as suas parcas roupas.


- Eu não tenho nada aqui para sair com ele – se interrompeu, mordendo o lábio e se emendou – Para sair com qualquer pessoa que seja.


Pegou em algumas peças, pensando em como resolver aquele problema quando se lembrou de uma peça que trouxera de Londres e que nunca tirara sequer da mochila. Planeara vestir aquilo no dia em que encontrasse o seu pai, para causar boa impressão, mas teria de servir para aquele momento.






Harry estava esperando Ginny no fundo das escadas, com alguma impaciência. Para a ocasião vestira um fato preto, de corte moderno e elegante, e usava uma camisa branca imaculada com os últimos botões abertos. Não usaria gravata, obtendo um equilíbrio perfeito entre sobriedade e modernidade. Olhou de relance para o topo das escadas, não esperando realmente vê-la mas foi o que aconteceu. Ginny começara a descer as escadas, trajando um vestido branco esvoaçante, que se estendia até ao joelho. O decote deixava os seus ombros desprotegidos e o seu pescoço alvo e delicado era ornamentado pelo habitual medalhão, que reluzia à luz dos candeeiros. O seu longo cabelo ruivo estava meio apanhado de um lado com uma pregadeira em forma de borboleta e completamente solto do outro, brilhando como um diamante vermelho. Passara uma maquilhagem leve, que lhe dava um ar muito natural mas mais sensual ainda do que o costume. Harry engasgou com aquela visão e tossiu levemente, tentando recompor-se se forma a poder articular sons. Não que não estivesse habituado a mulheres deslumbrantes como companhia, mas aquela ruiva parecia desabrochar a cada dia, surgindo sempre uma nova pétala e aproximando-se do seu esplendor. Os seus olhos brilharam quando ela se aproximou dele.


- Você está linda – mencionou, sorrindo levemente. O seu tom de voz era sincero e agradável, deixando Ginny mais confiante.


- Você também não está nada mal – disse, gargalhando quando viu uma sobrancelha de Harry erguer-se, fazendo uma cara de dúvida muito engraçada – Pronto, está muito bem. Vamos?


- Sim. Mas antes…eu tenho algo para você. Espera aqui – Ginny observou enquanto ele saía da sala por uns instantes, se perguntando sobre o que estaria ele preparando. Quando regressou, trazia nas mãos a caixa-de-música. Aproximou-se dela e estendeu as mãos na sua direcção, claramente dizendo que aquilo era para ela. Como ela não reagisse ele murmurou – Quero que fique com isso. Você gostou dela e toca essa composição como eu nunca tocarei – Ginny enrugou a testa perante aquela frase, pois ele tocava tão bem ou melhor do que ela – Por favor aceite – foi a forma como ele disse, mais do que as palavras, que fez com que ela aceitasse. Ele colocou a frágil peça de arte nas suas mãos e Ginny ergueu os olhos para se deparar com um Harry de olhar determinado e levemente corado. A ruiva se surpreendeu com aquela atitude, que não combinava nada com o Harry que conhecera. Definitivamente, ela estava vendo outras facetas dele, talvez só agora vendo o Harry verdadeiro.


- Obrigado – agradeceu simplesmente. Andou até uma mesa ali perto para depositar aquele presente inesperado, mas a meio caminho voltou atrás e se aproximou novamente do moreno. Se esticou e aflorou a face dele com os lábios, um beijo grato e delicado. Virou novamente e colocou a caixa em segurança, voltando para junto de um Harry ainda algo surpreso. Com o quê, ela não saberia dizer.


Foram juntos até ao exterior da casa, onde ela encontrou novamente a limusina que a guiara para aquela estranha etapa da sua vida. Recordou os seus dias com os Firenzzi e se contentou por perceber que pareciam muitos distantes, num passado longínquo. Harry abriu a porta e indicou para que ela entrasse, entrando também para o lugar do condutor e colocando o carro em marcha. Ele guiava em silêncio e ela não conseguia pensar em nada para dizer, algo que não os mergulhasse num mar turbulento de emoções e sentimentos. Por fim desistiu e se encostou, observando as sombras envolverem as árvores e campos, até que a noite caiu por completo.


- Chegámos. Você vai ficar aí? – a voz de Harry a despertou de uma quase sonolência e ela se moveu, saindo do carro. Apenas quando saiu constatou que toda a aldeia estava em festa. Ela pensava que iam numa festa particular, mas aparentemente era uma festa de rua mesmo, com todos os habitantes da região saindo e se reunindo. Algo perplexa reparou que, no entanto, todo o mundo estava bem vestido mesmo e portanto não destoaria muito. O som da música entrava pelos seus ouvidos em grande força e, por isso, procurou o ouvido de Harry para poder comunicar com ele.


- Essa festa tem motivo? – quase berrou ela, tendo certeza que mesmo assim ele mal a ouvira. Harry sorriu e respondeu do mesmo modo.


- Isso aqui é para agradecer ao mundo por ser tão maravilhoso – disse ele meio sério, meio rindo. Ginny não teve certeza se ele estaria falando para valer. Ele agarrou a mão dela, fazendo o coração de Ginny disparar em galope, para não a perder no meio da multidão e a levou até ao centro de uma praça onde parecia estar a maior animação. Por todo o lado se avistavam barraquinhas vendendo vários tipos de comida e a bebida parecia não faltar por aqueles lados. Existiam também tendas temáticas, como se fosse uma grande feira. Ginny tinha que confessar que não pensava que aquele lugarejo fosse tão animado e contemporâneo. Ela e Harry comeram em vários sítios, provando tipos diferentes de comida com ingredientes que ela, inclusive, jurara nunca provar. Falaram sobre seus gostos e sobre a festa, actuando como dois amigos de longa data. Ginny tinha que confessar que estava morta para ir dançar um pouco, mas ele não a convidara e ela não tinha a certeza se seria muito boa ideia arriscar dançando sozinha, no meio de gente que ela nunca vira na vida e com aquela etiqueta de estrangeira quase colada na testa.


Harry se aproximou dela e a puxou para si, colocando-a mais perto e ela percebeu que ele queria lhe dizer algo.


- Eu vou buscar algo para beber, você quer?


- Pode ser, mas qualquer coisa sem álcool – ela sorriu perante o ar trocista dele. Ele se espantara quando ela confessara ser abstémia e só beber em ocasiões muito raras. O observou enquanto se afastava, feliz por terem voltado a uma harmonia que demorara a encontrar. Enquanto o esperava se sentou numa das muitas cadeiras espalhadas pelo recinto e foi aí que um homem, relativamente jovem e bonito, a interpelou em italiano. Como ela deu mostras de não entender uma palavra, ele fez uma mímica engraçada de dança. Ela riu e abanou a cabeça, aceitando o convite. Ele a levou para a área da praça que estava servindo de pista de dança e começaram a dançar, a maioria das músicas eram internacionais e bem alegres, conhecidas em qualquer país do mundo. O homem dançava bem, se aproximando e afastando dela, ora a puxando ora dançando meio sozinho. Ela percebeu que ele estava meio tocado pela bebida. Quando um ritmo latino começou ele se chegou para bem perto e ela, rindo, o seguiu em alguns movimentos arrojados e sensuais. Ela estava simplesmente achando divertido, ele não fizera nada para a desrespeitar até agora. A segurando por uma mão, a fez rodopiar acabando de costas para ele. Ele a abraçou por trás, colocando as mãos na sua barriga e movendo o quadril junto com ela. A mão dele escorregou para a perna dela e apertou a sua coxa, e ela ia justamente falar para ele não ser abusado e sair dali quando uma mão voou e acertou na cara do italiano. Ela se voltou e viu Harry, os olhos incendiados de raiva, socando o homem que já estava no chão.


- Pára, Harry! – ela gritou, tentando puxar o moreno de cima do homem – O que você pensa que está fazendo? Harry! – ela o agarrou e ele a sacudiu, mas ela não se deu por vencida, se colocando no chão do lado da vítima da ira, que já estava meio desacordada, e colocando seu corpo entre o dele e de Harry. Quando ele percebeu que se continuasse a bater desalmadamente, a iria machucar também acabou cedendo e saiu de cima do homem. As pessoas em volta acorreram e ampararam o desgraçado, levando-o para uma cadeira ali perto. Aparentemente não sofrera nada de sério, fora a sua cara parecer ter sido atravessada por um camião. Quando se certificou que ele ficaria bem, Ginny foi até Harry e colocou as mãos no peito dele, tentando acalmá-lo mas simultaneamente tendo vontade de lhe bater também.


- Porque você fez isso? – a sua voz soou dura e decidida. Encarou o moreno e viu que os olhos dele estavam flamejando de ódio.


- Me deixa! – ele tentou afastar-se, mas ela colou – Você estava se amassando com ele, era? Por isso teve pena que eu tivesse chegado?


- QUÊ?! – Ginny exclamou, atónita. De que raio estava ele falando? Ela não estava fazendo nada errado. Os seus olhos brilharam também perigosamente, soltando chispas – Eu não estava fazendo nada. Você não viu?


- O que eu vi foi aquele carinha se lambuzando e você permitindo. Talvez você quisesse. Se eu não tivesse chegado você teria ido com ele para algum beco, é? – ele parecia meio enlouquecido, e agora gritava audivelmente. Ginny sentiu os seus ouvidos estalarem, como se estivessem tocando tambores ali próximo.


- Eu não permito a você que me fale assim! Eu sei cuidar de mim e eu o teria afastado se você não tivesse chegado e partido para a ignorância.


- Teria? Eu não tenho tanta certeza…afinal, você é uma… - Harry foi interrompido pela mão de Ginny que voou para a sua cara e lhe deixou uma marca que certamente ele não esqueceria.


- Me esquece, Harry Potter! Você não presta mesmo – e correu dali, a raiva ardendo no seu peito e nem lhe permitindo enxergar o porquê de se sentir desse jeito, tão magoada mas ao mesmo tempo com a luz de uma certeza crescendo dentro dela.






- Me perdoa – ouviu uma voz baixa, num tom de arrependimento e dor, sussurrar. Há quase duas horas que estava ali sentada, meio oculta por uma árvore. Estivera pensando sobre tudo e nada, esperando apenas que o turbilhão no seu íntimo acalmasse. Nem precisou olhar para reconhecer o autor do pedido – Eu fui um idiota, embora ainda ache que você deixou que ele tomasse demasiada liberdade – ela bufou, mas ele não se deteve – Ainda assim, fui um asno. Você está certa, eu não tenho nada a ver com isso. Eu fui ver como ele está e já pedi desculpas também, ele as aceitou.


- Ele deve ser melhor pessoa do que eu – murmurou Ginny. Suspirou e o olhou – Ele estava embriagado, Harry. Você poderia ter feito algo de que se arrependesse mais tarde. Eu posso perdoar você, mas e você? Se perdoa a si mesmo?


- Eu não sei. Mas eu odiei ver ele perto de você, na altura nem pensei direito – ele a olhou de volta, olhos nos olhos.

- Porquê? – foi tudo o que saiu da boca dela e ela viu, mesmo com o escuro da noite que os envolvia naquele recanto um tanto longe da festa que ele mordeu o lábio e seus olhos escureceram. Ele procurou a mão dela e a segurou dentro da dele, apertando-a docemente.


- Vem – implorou ele, baixinho.


- Onde?


- Fazer aquilo que deveríamos ter feito logo – ele declarou misteriosamente. Ela deixou que ele a levasse até ao centro da festa, já não restava muita gente, onde ele fez um gesto para que ela aguardasse. Ela o seguiu com o olhar e viu com surpresa ele ir até à cabine de som, falar e gesticular com o moço que estava cuidando da música e depois regressar. Se aproximou dela, inclinou e desfez todas as dúvidas dela:


- Você aceitaria dançar comigo? Eu fui pedir uma música especial, a minha música predilecta. Curiosamente não é italiana – explicou – Por favor – acrescentou em seguida, a olhando nos olhos. Ela limitou-se a acenar em concordância e foram para o centro da pista de dança. Ele colocou a mão dela na sua e a buscou para si, a abraçando pela cintura e colando os seus corpos. Ginny tremeu com aquela proximidade, sentindo cada fibra do corpo másculo e jovem de Harry. A música começou a tocar e Ginny se apercebeu de que era linda, mas terrivelmente triste. Eles dançavam como se uma redoma os isolasse do mundo, apenas eles e aquela música que parecia dizer tudo sobre quem eles eram. Ela encostou a cabeça no ombro dele, tentando conter as lágrimas quando ele aproximou a boca da sua orelha e, mais falando do que cantando, soltou as palavras daquela canção:


If I had the chance love
I would not hesitate
To tell you all things I never said before
Don’t tell me it’s too late
Cause I’ve relied on my illusion
to keep me warm at night
and I’ve denied in my capacity to love
but I am willing to give up this fight


Been up all night drinking to drown my sorrows down
But nothing seems to help me since you’ve gone away
I’m so tired of this town where every tongue is wagging
When every back is turned
They’re telling secrets that should never be revealed
There’s nothing to be gained from this but disaster



Harry se calou, embora a música continuasse, como se fosse demasiado doloroso continuar. Apertou mais Ginny nos seus braços e ela ergueu a cabeça para o olhar, vendo que uma lágrima solitária e silenciosa caía dos olhos verdes, molhando a face da garota devido à proximidade. Contudo, ele sorriu tentando ocultar o que sentia e segurou uma madeixa do cabelo dela, puxando carinhosamente. Depois depositou aquela mesma mão na nuca dela, massajando suavemente. Ela colou as mãos ao tórax dele, sentindo o bater acelerado do coração dele e reconhecendo que estavam em perfeita sintonia até nesse ponto. Subiu uma das mãos até ao rosto do jovem, sentindo a pele dele, uma pele nem demasiado macia nem demasiado rude, perfeita para um homem. Os olhos deles estavam pregados, enquanto a música corria eles iam dançando tão suavemente que nem sentiam os seus movimentos. Sem nenhum dos dois tomar a iniciativa em primeiro lugar as suas bocas se aproximaram, como se o mesmo pensamento tivesse cruzado as suas mentes. As suas respirações corriam enquanto se preparavam para algo que parecia natural e inevitável mas que ambos vinham lutando contra. Por fim, as suas bocas se uniram num beijo doce, mas forte e apaixonado, desesperado. Harry colocou os braços na sua cintura e parecia não a querer deixar fugir nunca mais dali, daquele lugar que parecia feito para ela. Ginny correspondia com paixão, repuxando os cabelos dele na nuca com uma mão. O beijo estava cada vez mais profundo, as suas línguas numa dança sensual que os conduziria à loucura se não parassem. Mas pararam. Harry libertou-a subitamente e a segurou pelos braços, a respiração descompassada. Ela o observou, desanimada por terem interrompido aquele contacto tão agradável, por não sentir mais aquela sensação que nunca antes experienciara, nem mesmo com Dean na época dos seus melhores amassos.


- Eu…acho melhor irmos – foi tudo o que ele disse e foi tudo o que ela precisou de ouvir para saber que aquilo que estavam fazendo era errado, especialmente com todas as coisas que ele não sabia sobre ela. Ele caminhou em passo largo, a mão passando pelos cabelos como se estivesse procurando uma luz que o guiasse e Ginny o seguia a uma distância segura, relembrando apenas a ternura e paixão que sentira nos seus braços. Quando passaram por uma tenda ela se deteve, tendo uma sensação estranha, e olhou para o seu interior. Aproximou-se da entrada da tenda e viu a figura de uma velha senhora, os cabelos completamente brancos. Tinha um xaile cinza pelos ombros e quando a olhou, directamente nos olhos, Ginny deparou-se com uns inquietantes olhos azuis céu. Ginny, como se atraída por um íman gigante, se aproximou dela e sem dizer uma palavra estendeu a sua mão. A velha agarrou relutantemente a sua mão e a observou. Parecia estar a lê-la como se estivesse a ler um livro de enredo profundo e intrigante. Por fim, a sua voz cava e profunda ressoou na cobertura de tecido:


- Um estranho. Ele mudará a sua vida. Já está mudando, eu posso ver. Ele levará você ao seu passado por revelar e ao seu futuro por viver. Eu vejo sofrimento. Tanto sofrimento. Dor. Tanta dor. Ele estará com você, mas será que você estará com ele? Um estranho na sua vida…


Ginny sobressaltou-se com a veracidade de algumas daquelas afirmações. Parecia que algumas daquelas coisas já estavam acontecendo e que outras ainda estavam para acontecer, mas pela cara da senhora ela diria que o seu futuro não seria nenhuma maravilha. Respirou fundo e sorriu, tentando permanecer calma.


- Eu nunca acreditei nessas coisas. Mas obrigado, ainda assim – voltou costas e já estava quase saindo quase ouviu a voz – Ele ama você – Ginny virou-se rapidamente.


- Quem lhe disse isso?


- O seu coração – a velhinha se levantou e desapareceu nas sombras das traseiras da tenda.


Ginny saiu dali e procurou Harry, encontrando-o encostado ao carro. Sem trocarem palavras entraram no carro. Ginny o olhou, mas ele parecia demasiado concentrado na estrada para lhe dar atenção. Aninhou-se no banco e olhou pela janela. Pensando em tudo o que acontecera naquele dia, encostou a cabeça ao vidro e fechou os olhos.



N/A –Esse capítulo foi aquele que eu mais gostei de escrever até agora, tem momentos muito especiais. Espero que vocês gostem tanto de ler quanto eu gostei de o escrever. A música que o Harry “canta” para a Ginny é da Sarah McLachlan e se chama Dirty Little Secret e eu a aconselho a todos! A letra ficou quase toda aqui, falta só um trecho. No próximo capítulo nós ficamos perto, muito mais perto de grandes momentos. Eu sei que vocês querem que a Ginny conte logo tudo para o Harry, mas e a minha fic gente?! Tem que ter emoção X) De qualquer maneira a verdade não virá só no final da fic, isso eu prometo. E ninguém garante que tenha de ser a Gi a contar, talvez o Harry tenha as suas formas de descobrir ahah.


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