Orgulho e Preconceito



Capítulo 3 – Orgulho e Preconceito


A confiança de Ginny desapareceu completamente quando chegou ao cima da escadaria. O tamanho daquela casa a surpreendeu, existindo um longo corredor que se estendia para lá de onde os seus olhos alcançavam. Virou-se para Harry, disposta a lhe dizer que tudo aquilo era um absurdo, mas ele já tinha desaparecido por uma porta à esquerda carregando a sua mochila no ombro. Ginny achou que seria prudente engolir o orgulho e seguir esse estranho homem, aceitando o desaforo…por agora. Tinha fome, muita fome. Agora que pensava nisso, não comia nada desde a noite anterior. A sua fome era tanta, que o ronco do seu estômago abafava os seus próprios pensamentos. Decidiu que assim que comesse e tomasse um banho desapareceria dali, para longe de Harry e das sensações que ele lhe provocava.


O corredor por onde ela seguia era amplo, o chão coberto por tapetes fofos em tons claros que ofereciam à pedra calor, atenuando a sua austeridade natural. Harry estacou junto à última porta e a abriu. A luz que escoou da porta lhe iluminou as feições e Ginny susteve a respiração com a beleza do que via. A porta dava para um quarto enorme, pautado por janelas largas com vista para o jardim, quente e acolhedor. Ginny pensou, com uma nota de divertimento, que se fosse ser mantida como refém naquele quarto quase valeria a pena o cativeiro. A cama albergaria uma família de quatro pessoas caso fosse necessário e estava coberta por um dossel branco. A ruiva desejou ardentemente deitar-se sobre aquela cama e deixar-se envolver pela escuridão dos sonhos, esquecendo tudo o que acontecera.


- O banheiro é ali – disse Harry, indicando o local com um gesto da mão. Ginny reparou como ela era comprida e máscula, se bem que delicada – Toma um banho. Eu espero você lá em baixo para o almoço, também ainda não comi nada hoje. Tive que me levantar cedo para ir até Palermo e…


- Não foi coincidência alguma a sua aparição frente à casa dos Firenzzi quando eu fui expulsa, pois não? – atacou prontamente ela – Você foi me buscar. E afinal, porque você processou o Firenzzi?


- Quanto ao Antonio Firenzzi…nós julgamos que ele possa ter sido responsável por uma morte – Ginny reparou que o corpo do jovem se contraíra e que a sua voz parecia mais fraca – Eu não imaginava que fosse encontrar você no meio da rua. No entanto, está certa, fui buscá-la.


- Não – respondeu ela, negando com a cabeça – você foi buscar uma Ginny Knight que não eu. Não posso ser a pessoa que você procura, tem de haver algum engano.


- Não, Ginny. Você cometeu o erro de vir até à Sicília à procura do seu namorado. Não vai conseguir impedir o casamento. Mas, agora, seja uma boa menina e vai tomar um banho. Falaremos de negócios mais tarde – e saiu do quarto sem fazer ruído, como um fantasma, deixando Ginny perplexa e arrepiada.


Aquilo não podia ser real. A qualquer instante iria acordar no serviço de urgências de um qualquer hospital e ouviria o médico dizer que ela sofrera um grave traumatismo craniano. Nunca antes pensara que um dia fosse ansiar por ter se despenhado no meio da rua e rachado a cabeça. Fez um esforço para voltar à realidade que se apresentava diante dela e analisar a situação. Segundo Harry, ela fora até ali para impedir o casamento do namorado. Mas ela não tinha namorado algum. E que tipo de negócio ele estaria falando?


Ginny aproximou-se de uma janela e observou a extensão dos jardins e o mar, azul e brilhante, ondulando no horizonte. Não fazia ideia de onde estava, a única coisa que sabia era que um estranho a tomara por uma pessoa que ela não era. Da sua mochila retirou os seus poucos pertences e decidiu entrar na sala de banhos. Existia uma máquina de lavar roupa naquela ampla casa de banho de mármore esbranquiçado, uma banheira enorme, um duche e os restantes sanitários, além de uma surpreendente quantidade de acessórios para o banho: óleos, loções e toalhas esponjosas perfeitamente dobradas e arrumadas sobre uma bancada.


“Esse homem tem estilo”, pensou enquanto se despia e colocava as suas roupas na máquina. Para além disso, Harry era o homem mais fascinante que conhecera em toda a sua vida. Não a assustava; mas simultaneamente a intimidava e a intrigava. Com todos esses pensamentos rodando na cabeça entrou no duche, tendo consciência que um banho acabaria com as escassas energias que lhe restavam, mas que tinha de lutar para as manter intactas.






Uma hora mais tarde, acordou e deixou um gemido escapar pelos seus lábios ressequidos. Aquela maldita cama fora uma tentação impossível de resistir, embora ela pretendesse apenas deitar-se uns instantes. Três segundos de lucidez plena chegaram para que se levantasse como se um raio a tivesse atingido e se cobrisse com a coberta da cama. Havia um jarro de sumo de laranja e um copo sobre a mesa, coisa que ela tinha a certeza de não estar lá quando ela entrara. A porta se abriu de rompante e Harry surgiu, passando por ela como se não existisse até à janela, correndo então os cortinados.


- Assim não entra sol nem calor – informou trivialmente. Ginny ficou a olhar para ele, não conseguindo articular um único som, quanto mais palavras conexas. Harry despira o casaco e mudara de camisa, envergando agora uma cinzenta clara, tendo um aspecto fresco e imaculado. Observando-o ela se sentiu inferior e se lembrou que se deitara sem passar uma escova no cabelo, pelo que devia estar uma bela figura com aquela juba ruiva completamente despenteada.


- Espero que você se sinta melhor – ele a olhou com intensidade, fazendo-a corar levemente.


- Sim – murmurou ela, suspirando profundamente – Olha, desculpa se adormeci, mas… – ele a interrompeu erguendo a mão.


- Eu compreendo, mas acho que você tem um problema com a sua roupa. Reparei que colocou tudo na máquina. Mas, claro, pode ter feito de propósito – adiantou ele, os olhos verdes cintilando.


Ginny só compreendeu o que ele quisera dizer uns instantes depois e abriu os olhos de par em par, chocada. Harry franziu o sobrolho. As nuvens pareciam ter coberto o sol, pois o quarto se encontrava agora numa semi-obscuridade que ocultava parcialmente a expressão do jovem.


- Não pense que sou idiota, Ginny. Pode ser que esse tipo de comportamento influencie os seus namorados mas eu não faço parte desse grupo. Ver uma mulher nua sobre a cama com o sol lhe acentuado cada curva do corpo acelerou o meu pulso, mas depois de me lembrar como você é perigosa, matei qualquer coisa que pudesse sentir – sorriu de uma forma que fez a ruiva sentir uma mistura de raiva e vergonha. Ele pensava que ela tinha adormecido nua de propósito, só para o provocar!


- Você me acha uma espécie de vampira, não? – questionou, tentando controlar a raiva mas ainda assim tremendo – Uma devoradora de homens. Mas deixa que eu te diga, Harry Potter, eu não queria você nem que fosse o único homem à face do planeta. Pensei que você fosse diferente, mas é um homem. Apenas um homem – cuspiu, a mão passando pela testa carmesim de despeito. Ainda assim se segurou e afastando a coberta se levantou, nua e tremendo por dentro – Agora que já viu tudo, me dá licença! – atravessou o quarto e entrou no banheiro, batendo com a porta. Puxou uma toalha e se envolveu nela, deixando que o seu corpo escorregasse até se sentar no chão fresco da divisão.


Ouviu a porta do quarto fechar-se e respirou fundo diversas vezes, até se acalmar. Amaldiçoou-se por ser idiota ao ponto de adormecer nua nem sequer trancar a porta, numa casa desconhecida e com aquele estranho por perto. E agora não tinha nada para vestir! Abriu a porta da máquina de lavar e tirou tudo, as peças levariam algumas horas a secar…


A porta do quarto ouviu-se novamente e Ginny ficou imóvel.


- Deixei um vestido sobre a sua cama – informou Harry – Desça quando estiver pronta – Ginny ouviu os seus passos e a porta batendo e esperou cinco minutos até se atrever a sair. Envolvida na toalha se aproximou da cama e viu um deslumbrante vestido de seda azul pálido, tão leve que parecia feito de ar. Colocou-o sobre o seu corpo e notou que ficaria perfeito nela. Olhou para a etiqueta e notou que era de uma marca nova-iorquina conhecida pelos seus preços exorbitantes. Mas uma onda de raiva por Harry varreu o seu corpo e as palavras que este lhe dissera ecoaram sobre si, fazendo-a largar o vestido como se este a tivesse queimado. Para além disso, Harry devia ter alguém em Nova Iorque, uma vez que só uma mulher íntima deixaria roupa naquela casa. Ele tinha muito que aprender sobre ela se pensava que iria usar aquela roupa.






Uma hora mais tarde, Ginny aventurou-se a descer. Levava a sua própria roupa vestida. Pendurara uma camisa de algodão castanho e uma saia creme de tecido leve no terraço para secar. A cintura ainda estava húmida, mas qualquer coisa era melhor do que usar roupa da namoradinha dele. Atravessou a casa e encontrou-o nas traseiras, sentado numa mesa branca feita de ferro, num terraço que dava para o jardim. Tinha alguns papéis na sua frente e por cima de si a sombra das videiras tornava o ambiente mais fresco. Corria uma leve brisa que acariciava o cabelo escuro dele, formando uma imagem de harmonia plena com o ambiente em seu redor. Ao lado dele repousava um copo de água cristalina. Ginny respirou fundo como se estivesse pronta para mergulhar de uma prancha e falou em voz alta:


- Estou pronta para ir embora – a sua voz estava firme. Bebera o sumo de laranja e se sentia um pouco mais fortalecida – Lamento imenso, mas terá de me deixar na estrada mais próxima. Tenho a certeza que dado o seu erro não verá qualquer inconveniente em fazê-lo.


Ginny estava de pé, rígida, esperando que ele deixasse a sua arrogância de lado e se dignasse a olhar para ela. Por fim, foi o que fez.


- Você é surpreendente. Pensei que adoraria a oportunidade de vestir um vestido caro. Pelo menos podia ter engomado essa roupa antes de a colocar no corpo. Você não tem orgulho? – o tom dele era de chacota pura.


- É exactamente por ter orgulho que prefiro vestir a minha própria roupa, amassada e húmida, do que aquilo que a sua namorada já não quer – Ginny não conseguiu evitar que a sua voz a traísse. Harry olhou-a atentamente.


- Vejo que continua sem compreender nada daquilo que está acontecendo. Você não vai a lado algum…pelo menos, por enquanto. Temos de chegar a um acordo e só depois será livre. Não penso me arriscar a perder você de vista antes que tudo termine.


- Ah, sim, a história do casamento misterioso – Ginny fingiu um ar de curiosidade, voltando depois a uma expressão séria – Olha, eu não sei realmente do que você está falando, não sei quem vai casar e, para ser sincera, não me importo minimamente com isso. Quero apenas sair daqui e continuar a minha vida.


- Continuar com as suas pesquisas, você quer dizer – Harry suspirou, levantou-se e começou a juntar os papéis – Vou poupar algum trabalho a você, Ginny. Não quero que você o encontre. A vossa aventura já passou à história. Ele vai casar com a mulher que ama e não há nada que você possa fazer a respeito. Sei que deve ser doloroso, mas você é bastante jovem e poderá superar tudo com a maior das facilidades, e encontrar alguém que encaixe melhor no seu estilo de vida. Abordá-lo agora, a apenas umas semanas do casamento não seria bom para ninguém…


- Chega! – gritou Ginny, completamente fora de si. Já não conseguia aguentar aquilo. Alguém ia casar, isso era evidente, mas quem? Ninguém que ela pudesse conhecer, pois ela não conhecia ninguém na Sicília – Não sei de quem você está falando. Não tive aventura alguma e…


- Sim, bom, dizem todas o mesmo…- Harry parecia agora zangado, de uma forma que ela ainda não havia visto.


- E quem são essas todas? As mulheres, suponho eu, não é? – interpelou-o ela – Você, Harry Potter – pronunciou o nome dele como se estivessem destilando veneno – não sabe nada de nada!


Aquela explosão deixou-a esgotada, como se um fogo enorme tivesse consumido toda a sua energia. Continuar as suas pesquisas? Sim, ela andara pesquisando, mas para encontrar o seu pai. E Harry não podia saber nada sobre isso.


- Vou embora – disse finalmente, pegando na mochila que deixara aos seus pés – E nem tenta me impedir!


Ele agarrou-a antes dela ter dado sequer meia volta e com tamanha força que Ginny nem conseguiu reter a mochila no ombro.


- Vejo que é uma mulher decidida – sussurrou ele entredentes, os olhos dele queimando – O que precisa para compreender? Dinheiro? Quanto?


A ruiva ficou boquiaberta, sem reacção. Compreender o quê? Dinheiro? Aquele homem perdera completamente o juízo. E, de repente, viu o estranho baixar os olhos até aos seus lábios entreabertos, devorando-os com o olhar. Parecia que estava prestes a beijá-la, mas não, não podia ser. Sentiu o estômago encolher ao imaginar aquela boca carnuda sobre a sua e ficou ofegante.


- Ah, ta… – disse ele com um breve sorriso quase maldoso – Acabou de me dar o seu preço – terminadas essas palavras ele a beijou. Não foi o beijo que a apanhou de surpresa mas o que ela sentia vindo dele. A ferocidade, a loucura, a força. Ele a estava beijando de forma selvagem, sem nenhuma doçura, como que jurando a si próprio que nem ela nem ele poderiam gostar disso. Ele a estava beijando só para demonstrar que estava com a razão. Ginny sentiu uma força misteriosa se elevar dentro dela e trincou com força o lábio dele. Ele parou o beijo imediatamente e a ruiva se felicitou ao verificar que o havia machucado. Os olhos dele brilharam perigosamente e ele avançou de novo para ela. Aí, sem parar para pensar nos porquês nem nas consequências, ela levantou a mão e deu uma tremenda pancada na cara dele. Ele levou a mão à cara com os olhos verdes muito abertos, e Ginny sorriu mentalmente com a certeza de que ele nunca tinha levado um tapa na vida e nem pensava que tal fosse possível. Não pôde evitar dar uma risada perante o ar incrédulo do moreno.


Subitamente ouviu um ruído vindo detrás de si e sentiu a mão de Harry pousar sobre o seu braço.


- Não se mexa – advertiu, sem a olhar. Em seguida gritou de forma autoritária e ríspida em italiano, mas o barulho se intensificou. Ginny voltou-se lentamente e se deparou com o intruso. Era um cão, um grande exemplar de pastor alemão e a garota tentou avançar para ele, mas Harry estava tão tenso que não permitiu.


“Está em pânico”, pensou, simultaneamente divertida e surpreendida. Mas Ginny não tinha nenhum medo de animais, bem pelo contrário. Voltou a tentar soltar o braço e dessa vez foi bem sucedida, estendendo depois a mão e chamando-o.


- Vem cá, menino – o rosnar do cão cessou de imediato, mas assim que Harry voltou a apoiar a mão no ombro dela, como se pretendesse afastá-la, recomeçou.


- Me solta – avisou em voz baixa – Ele está rosnando para você e não para mim. Você tem medo e eu não, e ele sabe disso.


Contrariado, Harry a soltou, murmurando que não tinha medo por ele, mas por ela. Ginny achou isso muito engraçado. De repente, o animal se transformou numa enorme e carinhosa bola de pêlo e trotou até junto da ruiva. Ela estendeu a mão e afagou-lhe as orelhas fofas.


- Você é lindo – disse, deliciada – De onde você veio?


- Ele só entende italiano – informou Harry. O cão olhou para ele e rosnou de novo.


- Lá porque você é estúpido, não quer dizer que o cão também seja, sabe? – Ginny disse descaradamente, um sorriso travesso espelhado no rosto. Harry ficou vermelho pimentão e se aproximou de novo dela, fazendo o cão mostrar os dentes. Ginny ergueu a mão e começou a educar o cachorro – Ora, ora! Não é bonito você grunhir ao seu dono. Anda, me deixa fazer cócegas na sua barriga – empurrou-o para o lado e ouviu a exclamação de surpresa de Harry ao ver o pastor alemão se deitar de barriga para cima. A jovem riu, encantada, e esfregou a barriga até ele mostrar a sua alegria. Ginny devolveu a sua atenção a Harry.


- Os animais gostam de mim – explicou, não conseguindo parar de sorrir.


- É, dá para notar. É suposto essa criatura ser um cão de guarda – lamentou, olhando para o cão que se deitava aos pé de Ginny.


- E é, mas está me guardando. Não se esqueça disso – olhou seriamente para ele – Se tiver a audácia de voltar a me beijar terá de prestar contas a mim e a ele.


Um sorriso tenso surgiu na boca de Harry: - Ele costuma estar fechado, mas deve ter fugido quando ouviu a sua voz.


- Então essa foi a última vez que aconteceu, porque eu estou indo embora – pegou novamente na mochila. Para seu espanto o cão começou de imediato a uivar. Parecia que ele não queria que ela fosse embora.


- Desculpa, mas tenho mesmo de ir – adiantou ao cão em voz baixa - Eu e seu dono não conseguimos falar a mesma língua. Lembra daquilo que eu disse e seja bom para o seu dono…


- Ele não é meu – interrompeu Harry, colocando as mãos nos bolsos – Daí a animosidade. É da governanta que está trabalhando noutra casa nos preparativos do casamento.


- Ah! Espero que cuide dele enquanto ela estiver fora. Você devia soltá-lo, para um animal desse tamanho é muito frustrante estar fechado. Além disso, assim você poderia ficar amigo dele – sugeriu a ruiva.


- Tenho mais que fazer do que passar o meu tempo a brincar com ele – afirmou o moreno displicentemente e Ginny fitou-o com raiva, odiando aquela atitude.


- Mas você toma bem conta dele, não toma? – tentou saber. Harry encolheu os ombros.


- Eu dou alguns restos de vez em quando.


Ginny olhou para ele ainda mais irritada. Não podia suportar a ideia de que não estivesse cuidando do bichinho como devia.


- Como você pode ser tão frio com ele? Ele não gosta de você porque você nem liga para ele e os cães entendem perfeitamente essas coisas. Se eu estivesse aqui, me certificava de que ele comia o suficiente, faria exercício…


- Mas você quer ir embora, não é? – a interrompeu – E se for embora nunca saberá como ele vai ser tratado, não? - ele estava sério, mas Ginny não queria acreditar que ele estivesse falando para valer.


- Está me assustando, não é? Fingindo que não cuida do cão para que eu fique. Que cobardia, Harry Potter – ele encolheu os ombros e ela viu que não tinha como ter certeza, não o conhecia assim tão bem. O cachorro sentou-se prontamente e olhou de forma implorante para ela, com a pata erguida, pedindo brincadeira - Tudo isso é ridículo.


- Acho que o Padfoot está de acordo - disse Harry e o cachorro inclinou a cabeça, olhando para ela. Ginny negou-se a demonstrar fraqueza, mas o animal a derretia por dentro.


- Utilizando um animal para fazer chantagem. Será que perdeu a fé nas suas capacidades de sedução? – questionou a ruiva, cruzando os braços.


- Tenho a fé de que preciso – respondeu ele num tom folgado – No entanto, sei que um pouco de peso emocional pode fazer com que se sinta mais feliz. Enquanto estiver aqui pode tratar dele.


- Você é incrível! – exclamou ela, indignada - Como pode ser assim…tão tão…


- Maravilhoso? – Harry soltou uma gargalhada - Bom, enquanto vocês se conhecem melhor eu vou fazer o almoço. Pode levá-lo para casa, por favor? – pediu educadamente, apontando para o fundo do jardim e entrando depois em casa.


- Isso é tudo culpa sua – ralhou com Padfoot – Quem é que vai impedir que ele me lambuze – tentou desesperadamente não pensar no episódio do beijo – quando você não estiver comigo? – o animal ladrou energeticamente – Você entende, não é? – suspirou – É uma pena que Harry Potter não me entenda. É incapaz de aceitar um não como resposta. É uma pena que você não possa falar. Estou certa de que é o único com bom-senso por aqui.


Padfoot ouvia tudo com extrema atenção e então os seus lindos olhos cor de chocolate olharam mais além e Ginny virou-se. Harry estava junto à porta com os braços cruzados sobre o peito. Parecia ter ouvido o monólogo (ou diálogo?) dela com o cão, apesar do seu rosto permanecer tão impenetrável como sempre. Ainda há pouco estavam de boca colada. Parecia impossível que pensasse que aquele era o seu preço e que ela estava interpretando um papel de sedutora perigosa…


Ginny deu meia volta, evitando olhar para o jovem e assobiou para que Padfoot a acompanhasse. A necessidade de compreender continuava ardendo no seu íntimo, mesmo ao avistar aqueles jardins embriagantes. Sicília era uma ilha maravilhosa…a sua herança. O seu pai estava ali algures e ela estava decidida a encontrá-lo.






- Estou convencida – disse a ruiva, regressando ao terraço meia hora mais tarde – de que tudo não passa de um lamentável engano. Harry esperava por ela com um verdadeiro banquete sobre a mesa de ferro. Ela sentou-se e começou a servir o seu prato – O Padfoot tem uma casa excelente à sombra de uma enorme árvore, água, um lugar para correr.


Começou a comer. A salada estava simplesmente divinal, tinha um tempero diferente do normal. Levantou a cabeça para olhar para Harry mas este nada disse, limitando-se a contemplá-la com aqueles misteriosos e insondáveis olhos verdes. Ainda não começara a comer, mas tinha um copo de vinho tinto na mão. Ginny deixou cair os talheres sobre o prato.


- Desculpa – murmurou – Devia ter esperado por você – repreendeu-se.


Harry arqueou as sobrancelhas e sorriu: - É incrível como você não pára de me surpreender. Agora compreendo o seu segredo…uma ruiva esplendorosa, alegre e efervescente. Acho que ele deve ter-se apaixonado por você dos pés à cabeça. Mas vocês não fazem um bonito casal. A diferença de idade é o principal problema.


A jovem ficou tão imóvel quanto uma montanha. Ele estava falando do seu suposto amante, claro. Teve vontade de protestar e esclarecer tudo, mas a curiosidade fê-la calar-se.


- Também compreendo que você se tenha sentido atraída por ele – prosseguiu – Um homem mais velho, maduro, experiente e tremendamente poderoso. Mas Arthur Weasley tem uma fraqueza: as mulheres. Você não é a mulher dele, mas sim a mulher com quem ele vai casar. Deviam ter casado há anos, mas…


O coração de Ginny gelou. Arthur Weasley. Estava a falar do seu pai! De repente, teve uma tontura e apertou as mãos sobre o colo.


- Sei que isso deve ser doloroso para você – ouviu Harry falar como se o som chegasse do fundo de um túnel – mas acho melhor saber a verdade.


Mas Ginny não queria saber. Meu Deus, porque é que viajara até à Sicília? Porque é que não ouvira Dean? Aquele lugar só lhe trazia dor e desamor.


- Toma, bebe um pouco de água. Você ficou muito pálida - Ginny viu-o encher um copo de água como se estivesse suspenso na neblina e aceitou-o tremendo - Me desculpe – ouviu-o pedir em voz muito baixa.


Ginny despejou o copo inteiro pela garganta e pousou-o sobre a mesa. Parecia que tudo estava mergulhado num nevoeiro perpétuo, num gelo glacial. A ruiva não tardou a compreender que a fonte desse frio era ela própria. Se a cabeça lhe caísse do pescoço não se surpreenderia muito. O seu pai ia-se casar e Harry Potter pensava que ela era sua amante. Que tipo de pessoa seria o seu pai? Que tipo de pessoa pensava Harry que ela era, ao sugerir que ela viera até ali para perseguir um homem bastante mais velho com idade para…para ser seu pai?


A simples ideia revolveu o seu estômago e fez com que desejasse não estar ali, nunca ter encontrado aqueles malditos papéis. Desejou ter continuado a sua vida monótona e infeliz em Londres. Fora para a Sicília para encontrar um pai que não conhecia e Harry encontrara-a antes disso. Julgava que ela era uma mulher despeitada…despeitada devido ao próprio pai, embora dessa parte ele nem desconfiasse. E este só iria desprezá-la se soubesse que ela estava ali. A última coisa que devia desejar naquele momento era ter por perto uma filha ilegítima da qual já se esquecera.


- Eu…tenho de ir – balbuciou. Tentou levantar-se mas as suas pernas falharam, não tinham qualquer força.


- Você sabe que isso não é possível – ouviu-o dizer cautelosamente – Não posso arriscar na hipótese de o encontrar e causar um escândalo. Ele não quer nem precisa de você, e é meu dever manter você afastada dele para que não possa causar qualquer problema.


Ginny sentiu uma pontada fria no coração, como se um punhal se tivesse cravado ali. Quisera protestar, mas não conseguira. Aquelas palavras a magoaram demais.


Com coragem, levantou o rosto para olhar de frente para o homem que a magoara da forma mais profunda em toda a sua vida. Ele olhava-a com cuidado, como se fosse um aviso, julgando-a talvez capaz de querer vingança. Isso a magoou igualmente.


“Porque é que me importo com aquilo que ele pensa de mim?” interrogou-se, no limiar do desespero. Mas se importava.



N/A – Bom, algumas coisas ficaram um pouco mais claras nesse capítulo. Mas outras respostas surgirão no próximo, a partir daí teremos mais foco na história H/G e depois voltarão as questões existenciais ahah. E aí, estão odiando muito o Harry? Nesse capítulo eu o odiei, mas consegui me acalmar pensando no que vai vir por aí X). Dêem um desconto para ele e não me agridam já, ok? Espero que as atitudes da Gi sejam compreensíveis para vocês como são para mim! Outra coisa: eu sei que o Padfoot não era um pastor quando se transformava, mas eu precisava de um nome para o bichinho…e saiu (se protege das pedras). Espero que gostem!





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