Aos Seus Pés



N.A.Estou feliz por vários motivos! Primeiro porque a fic alcançou os tão desejados 100 comentários! *pula e faz festinha* Segundo, porque finalmente descobri que o que estou escrevendo é uma AR, realidade alternativa! Terceiro porque postei bem rápido!

Gabriela Twilight: Desculpe não ter te avisado da minha fic “Os Outros”… Podia jurar que tinha avisado. Foi mal… Bem, mas pra me desculpar, aqui está o capítulo 8. Beijos!

B.Black: Aaaah, uma leitora nova! *capota* Que bom que você gostou dessa minha humilde fic e do meu mais humilde ainda poema! Continue lendo!

Ana Bolena Black: Ih, minha filha, o clima só tá começando a esquentar… O que vai acontecer com o poema? Mistério… Só lendo pra saber. E quanto ao James, ele sabe que está agindo de um modo egoísta, mas não consegue evitar… Mas tudo bem, nessa fic ninguém vai sair de santo! Beijos!

Dark Princess: Eu não sei se sinto pena ou inveja da Lily… Tô mais pra inveja… E o James, ele é acostumado a ter tudo o que quer, daí começa a ficar nervoso. Mas não é o único que vai apresentar esse comportamento durante a fic. Fique atenta! Valeu!

Prizinha: O capítulo ficou triste mesmo, né? Sinto dizer que só vai piorar daqui pra frente… Que bom que você gostou mesmo assim! Continue lendo!

Ana Carolina_Patil: Eu deixei sim uma prévia do capítulo 8, mas você olhou antes que eu tivesse respondido os comentários, por isso não viu… Vou tentar ignorar a ameaça que você fez à minha humilde vida *carregando a espingarda*. Já estou postando, calma!

Gaby Evans Potter: É como você disse, uma briga definitiva teria que acontecer mais cedo ou mias tarde, só que vai ser lá pro final, e eles podem acabar voltando a ficar amigos… A gente nunca sabe. *vai ver se pode comprar uma arma, reforçando as fechaduras* Poxa, eu nem atrasei tanto assim… Ô gente obsessiva, tá parecendo até o Snape! Valeu pelo comentário 100! Beijos!

Flavinha Snape Kal: Ei! Quem disse que ela obrigatoriamente vai ficar com o James? Tudo pode acontecer… Depende muito do rumo que a história tomar… Não fique antecipando as coisas! Beijos!

alanitinha: Lógico que não, R/L é tudo de bom... Que bom que gostou do capítulo! Acho que você talvez goste ainda mais do próximo, que enfoca mais o Remie... Beijos!

Danny Evans: O James age assim porque é mais do instinto dele, ele ainda não amadureceu totalmente… E além disso, ele não pode evitar sentir ciúmes. Mas não vai ser o único que vai ficar achando que a Lily é sua propriedade… Nessa história, ninguém vai sair assim! O Remie realmente é o único que seria realmente capaz de cedê-la se isso significasse a felicidade dela e do James e do Sirius, por isso ele vai se declarar só depois… Valeu pelo comment!

Nice Grint: Não demora muito pra postar o próximo capítulo, eu estou ficando ansiosa… Valeu pelo comentário, e por gostar tanto assim da Perfume! Beijos!


N.A.:A música do capítulo é Things Don't Always Turn Out That Way, do The Calling, essa banda maravilhosa!


Capítulo 8: Aos Seus Pés


E então ela poderá ver o que ele tem morrido de vontade de dizer
Mas as coisas nem sempre terminam assim

(The Calling — Things Don’t Always Turn Out That Way)

Ele esperara ouvir muitas coisas naquela noite. Mas nenhuma tão desconcertante quanto aquela.

— Você o quê?!

— Eu fui a pessoa que mais amou sua mãe, Severus.

Era o resto de Faunt, o Faunt em frangalhos, que falava. E, subitamente, aquele rosto soturno despertou-lhe memórias muito, muito antigas, uma de suas primeiras lembranças…


Tinha quatro anos. Morava na Spinner’s End. E tinha cabelos curtos. Era realmente impossível para ele se imaginar de cabelos curtos, mas, quando ainda não tinha noção de estética capilar, sua mãe deixava seus cabelos bem curtos.

Ela estava realmente nervosa naquele dia. Andava para lá e para cá, nervosa, os olhos vermelhos e inchados e uma marca roxa perto dos lábios. Ele realmente queria saber por que ela estava tão nervosa, e por que ela se machucava tanto. E por que seu pai estava fora de casa.

Nos dias em que ela estava nervosa, ele perdia o apetite. E ficou mexendo com o arroz do prato, brincando com o garfo, sem ter realmente vontade de comer. Não gostava de vê-la nervosa.

Era a milésima vez que ela se levantava para olhar a janela.

— Sev, coma — disse ela com a voz carinhosa e preocupada ao mesmo tempo, olhando a janela.

— Tô sem fome, mamãe. Cadê o papai?

— Seu pai… eh… ele saiu.

— Ontem eu ouvi ele gritando. Estava bravo.

Eileen inspirou fundo, passando a mão no machucado do rosto sem perceber.

— Você sabe que seu pai se irrita fácil.

— É — disse Severus, olhando curiosamente para a mãe, que novamente espiava a janela. — Mamãe, tem alguém lá fora?

— Não — disse Eileen com um sobressalto, olhando para o garotinho. — Por que haveria, Sev?

— Não sei — disse o menino. — Mas a senhora tá olhando muito pela janela.

Eileen sorriu docemente.

— Você é muito inteligente, Sev.

Severus sorriu também, enquanto ela acariciava seus cabelos negros. Fechando os olhos para aproveitar melhor o carinho, enfiou uma garfada de arroz na boca.

Foi quando um súbito estalo, como o estouro de um escape de carro, fez-se ouvir. Eileen pulou para trás, e Severus saltou para a sua frente, disposto a protegê-la do que quer que pudesse vir. Mas, para sua surpresa, a campainha apenas tocou.

Ele olhou para a mãe. Ela parecia ainda mais nervosa que antes.

— Sev, não diga nada a seu pai sobre o que ouvir ou ver a partir de agora, está certo? Nada.

— Tá bem — disse Severus fazendo continência. — Quer que eu abra a porta?

— Ah… abra, Sev, abra.

Preparado para enfrentar qual fosse o monstro que deixava sua mãe tão nervosa, Severus se encaminhou para a porta. Com nervosismo, se esticou nas pontas dos pés, e girou a maçaneta.

Não era nenhuma quimera, nenhum espírito agourento nem um hipogrifo. Era apenas um homem de suíças.

— Olá — disse o homem.

— Olá — disse Severus.

— Você deve ser o Severus. Sua mãe fala muito de você.

— É — disse Severus, lançando um olhar à sua mãe, que parecia estar tentando se ocultar atrás do avental de cozinha. — Meu nome é Severus.

— Meu nome é Jason Faunt. Posso entrar?

Ele se virou para a mãe.

— Mãe, ele pode entrar?

Ela fez um aceno afirmativo com a cabeça. Então, com ares de anfitrião, Severus se pôs nas pontas dos pés, segurou firme a maçaneta e puxou a porta.

— Entre.

— Obrigado — disse Faunt cortesmente.

O homem entrou e parou diante de sua mãe. Severus deu um empurrão na porta com força e ela fechou com uma batida.

— Eileen.

Ela mal ousava erguer os olhos para o homem.

— Sev, pode me fazer um favor? Vá brincar um pouco no seu quarto.

— Tá certo, mamãe — disse Severus, saindo da sala.

Ah, tá, que Severus Snape iria perder aquela conversa e deixar de saber por que aquele homem fazia tanto mal à sua mãe. Se escondeu no corredor e espiou tudo com seus olhinhos negros.

— É meu filho — disse Eileen, ainda escondendo o rosto atrás do avental.

— Tem os seus olhos — sorriu Faunt.

— Eu sei — ela disse, e ele pôde ver um sorriso triste no rosto oculto de sua mãe.

Eles ficaram algum tempo em silêncio, e Severus já estava ficando entediado, quando Faunt disse, a voz levemente áspera:

— Lee, erga o rosto.

— Não, Jay, não posso — disse sua mãe.

Lágrimas eram visíveis através de seus dedos, e Severus se sentiu confuso. Não gostava quando Eileen chorava.

— Lee — disse Faunt sério. — Eu quero ver.

Tremendo, Eileen tirou as mãos do rosto. A mão de Faunt segurou o rosto de Eileen e olhou seu rosto. Ele viu os dentes do homem se trincarem de raiva.

— Desgraçado!… — exclamou Faunt. — Quando aquele homem chegar, eu o mato!

— NÃO! — exclamou Eileen num guincho agudo. — Não, por favor, não faça isso, Jason! Eu não quero que você vire um assassino por causa dele!

— Eileen, ele te bate!

— Ele é o pai do meu filho!

Severus sentiu como se um choque elétrico lhe sacudisse o corpo. Era por isso que sua mãe chorava? Era por isso que tão frequentemente ela se machucava? Seu pai batia nela?

— Lee… — disse Faunt, agora tristemente, vendo a mulher se desabar em lágrimas.

— Jay…

— Lee, como foi que tudo isso aconteceu? Como você se deixou levar?…

Como resposta, Eileen começou a soluçar alto, e Faunt apoiou a cabeça cacheada da mulher em seu peito. A Severus, parecia que seu estômago estava dando voltas.

— Você poderia ter sido o que quisesse, Lee… E no entanto…

— Eu… sei… — dizia Eileen entre soluços. — Mas aconteceu… Ele era tão gentil… e… eu engravidei de Sev… não havia mais como…

— Vamos fugir, Lee. Vamos levar Severus conosco.

— Não posso… — soluçou Eileen. — Sev é muito pequeno… Só tem quatro anos… Como vou explicar?…

— Céus, Lee, é da sua segurança que estamos falando!

— Por favor, Jay…

Faunt parecia inconformado ao olhar para Eileen.

— Eu nunca deixei de te amar — sussurrou.

— E eu percebo agora que eu não devia ter te deixado… Por causa de uma briga estúpida…

— Agora não adianta mais lembrar do passado — disse Faunt amargo.

— Jason… Por favor… Me promete uma coisa?

Faunt suspirou.

— O quê?

— Promete… que se eu morrer… se acontecer alguma coisa comigo… você vai cuidar do Sev?

— Severus?

— Sim… Eu… não posso deixá-lo nas mãos dele… Simplesmente não posso…

E sua mãe tornou a soluçar, enquanto Faunt dizia:

— Sim, eu prometo, Eileen.



— Era você — disse Severus de repente. — Era você o homem, daquele dia. Eu não sei como não me lembrei antes. Quando eu tinha quatro anos.

— Eu prometi naquela vez que iria cuidar de você — disse Faunt —, e renovei a promessa na beira do túmulo da sua mãe. Depois, seu pai faleceu… e eu vim para Hogwarts…

Severus fechou os olhos por um momento, tentando reorganizar os pensamentos. Cenas mal-iluminadas vinham em lampejos, uma após à outra, entre visões de seu pai batendo em sua mãe. Do dia em que Eileen Prince morreu num acidente de carro idiota, quando qualquer bruxo poderia tê-la salvado, mas seu pai simplesmente se recusara a levá-la para o St. Mungo’s ou qualquer coisa assim. E visões do dia em que encontrara seu pai, sentado na frente da lareira.


Severus estava com medo. Já tinha dezessete anos, era maior de idade, mas sabia que seu pai não se importava com nada daquilo. E voltar àquela hora da noite para casa era um dos motivos para seu pai dar-lhe uma surra de quebrar os dentes. Não podia fazer nada contra ele, pois se meteria em problemas com o Ministério. Por isso o temia. Sua impunidade.

Rezando para que seu pai estivesse dormindo, não tivesse bebido, e que a sorte o favorecesse, ele abriu a porta com suavidade.

Lareira acesa. Mão pendendo para fora do sofá. Garrafa de bebida largada no chão. Nada bom.

— Pai? — chamou Severus cauteloso.

Nenhuma resposta. Talvez ele estivesse dormindo. Talvez tivesse finalmente entrado em coma alcoólico. Talvez seus rins tivessem estourado.

— Pai? — tornou a chamar Severus, agora se aproximando da lareira.

Nenhuma resposta novamente. Ele não sabia por que, mas sentiu o seu estômago gelar. Silêncio demais.

Chegou perto de seu pai e o cutucou. Estava rígido. E frio.

— Pai?

Foi quando teve a visão completa. Seu pai, estirado na poltrona, um braço pendendo para fora do sofá e o outro estranhamente mole. Os olhos vidrados num brilho selvagem. Um misto de raiva e de terror gravado para sempre nas suas feições duras.

— PAI! — gritou Severus apavorado, tomando o pulso do homem à sua frente. — DROGA!!!

Tobias Snape havia deixado o mundo. E assassinado.


— Você veio para Hogwarts para cuidar de mim?

— Também — admitiu Faunt. — Meu sonho de adolescente sempre foi ser professor… Mas… quando te vi, Severus… compreendi que chegava a hora de te ajudar.

— E…

— E notei o que você sente por Lily Evans… Uma bonita garota. Como Eileen sempre foi.

Ali, sentado naquela sala escura, vendo aquele homem iluminado pela luz fraca e sombria das velas, Severus Snape finalmente pôde compreender o seu entrelaçado de enigmas particular, sua vida. Finalmente pode compreender o que realmente é amar, o que realmente seria capaz de fazer por Lily Evans. Ali, vendo aquele homem pensar em sua mãe, pode quase sentir que ele era o seu pai de verdade — e não hesitaria mais em aceitar conselhos de alguém que já havia amado tanto.

Well he can’t sleep tonight
(Bem, ele não pode dormir esta noite)





Enquanto isso, James Potter e Sirius Black chegavam à Sala Comunal da Grifinória.

O primeiro sentia seu coração pulsar descontrolado. Seu pensamento se confundia em remorso, em raiva, em medo. Sabia que o que fizera era errado, sabia que deveria ter se controlado, e não agido daquele jeito ridículo, socado Sirius! Desse jeito, ele só podia provar que Lily estava certa, que ele só tinha titica de galinha na cabeça!

Ei, eu não sou titica de galinha e estou na sua cabeça.

“Pelo amor de Paracelso, agora não!”

Você não devia ter feito aquilo. O jeito com que você falou. Não é à toa que a Lily não pára pra te escutar. Você parece um crianção.

“CALA ESSA BOCA!”

Você nunca poderá me calar, Jimmy. Eu sou sua consciência. A voz que fica martelando na sua cabeça até você implorar para morrer.

James se largou numa das poltronas diante da lareira. Vontade de se sufocar com os travesseiros.

— Prongs? — ele ouviu a voz hesitante de Sirius.

Ficou em silêncio. Tinha medo de vomitar se abrisse a boca.

— Prongs, eu… sinto muito. Por Circe, eu não… consigo nem dizer o quanto eu sinto.

James continuou sem nada dizer. O silêncio era mais encorajador do que a marca de punho que ainda doía no canto de sua boca, então ele continuou:

— Você sabe que eu não penso. Não pensei agora há pouco, quando não fui capaz de te entender, e quando falei aquelas coisas pra você. Eu me sinto um completo retardado só de ter feito aquilo. Merlin sabe como eu sofri essas semanas, como eu desejei que nunca tivesse visto Lily, que o mundo acabasse. Eu sei que eu não mereço o seu perdão. Mas… se eu não o tiver, eu não vou conseguir.

“Eu que bati nele, eu que fui o cavalo estúpido, e ele está pedindo desculpas?”

— Sirius…

— Me perdoa, James. Eu te imploro. Me perdoa.

— Padfoot…

Chocado, James viu o amigo cair de joelhos.

— Me perdoa, Prongs. Por favor…

Um grande conflito interno se iniciou dentro de James.

Perdoa ele, James. Você sabe que ele não fez para te magoar.

“Eu… não sei…”

Então, outra voz falou dentro de si, esta voz mórbida e insinuante:

Será que você deve mesmo perdoá-lo, James Potter? E se Sirius Black estiver encenando? E se ele estiver esperando uma oportunidade para ficar novamente com Lily?

James, não escute isso. Sirius é o seu camarada, o seu irmão. Ele nunca faria isso, nunca te enganaria tão displicentemente.

Ele já não fez isso uma vez?

“É… ele já me traiu uma vez.”

Não foi uma traição! Foi mais coisa das circunstâncias! E ele parece realmente arrependido… James, dê uma chance a ele.

Sim, dê uma chance a ele… Dê outra chance, torne a confiar nele, ele tornará a te trair! Quantos beijos mais você quer vê-lo arrancar de Lily?

“Não quero que ele fique com Lily! Lily é minha!”

Agora estamos falando minha língua. Se perdoá-lo… Sabe que ele se aproveitará… e se Lily não resistir, na próxima vez, e se ela o deixar ir mais além?

“NÃO!”

Controle-se, James! Você sabe que Sirius não faria isso com você, não depois de você ter deixado bem claro que não quer, que gosta mesmo de Lily! Sirius e você se conhecem faz tempos, você o conhece!

Será que conhece mesmo?

“Sirius não é uma pessoa má, ele fugiu dos Black, se fosse sujo como ele estaria lá ainda…”.

Isso mesmo! Quer prova maior? Se ele fosse um aproveitador, estaria na Sonserina e não na Grifinória! Se ele fosse um aproveitador, estaria em Grimmauld Place, não teria morado em sua casa! Se fosse um aproveitador, não estaria aqui te pedindo perdão!

Perdão… A essência de Sirius pode até não ser má, mas quem garante que ele não mudou com o tempo? Ele te falou com todas as letras que ama Lily… Você deve confiar em uma pessoa assim?

James, o perdoe!

James, não confie!

“Parem! Não quero mais ouvir!”

James!

James!

Os joelhos de James bateram contra o chão, enquanto ele segurava a cabeça. Sirius ergueu a própria, surpreso.

— James? — chamou, cauteloso.

— Sirius… eu… te perdôo — as palavras saíram com esforço da sua garganta, que parecia entalada pela voz mórbida.

And he can’t do what is right
(E ele não consegue fazer o que é certo)


Parabéns, James Potter. Conseguiu passar o atestado de panaca.

“Eu vou perdoá-lo… Mas vou ficar de olho nele. Ai dele se ele pôr uma dessas mãos na Lily. Ai dele.”

Assim é que se faz. Viu, chegamos a um acordo.

— Você me perdoa? — perguntou Sirius emocionado.

— Sim, perdôo — disse James com um suspiro, mais para convencer a si mesmo do que ao outro. — Eu… perdôo você.

— Céus, James, eu não mereço…

— Eu sei que não. Mas… vamos dormir, vamos. Tivemos um dia difícil.

Sirius entendeu que James ainda não esquecera. Mas já o perdoara, era o primeiro passo andado.

— Vamos dormir sim.

E, juntos, os dois cabeças dos Marauders foram dormir. Cada uma de suas cabeças pensando em uma coisa diferente. James não conseguia pedir desculpas por ter socado a cara de seu amigo. E sabia que nem Sirius esperaria isso.




Se algum dia, em algum lugar, encontrasse o idiota que tivera a péssima idéia de colocar o dormitório da Sonserina nas masmorras, ele o mataria.

Não é que fosse frio; pelo contrário, eles tinham boas lareiras, e excelentes feitiços de aquecimento. Mas era um lugar pútrido e sombrio, com aquela terrível umidade no ar. Toda hora os elfos estavam tendo que renovar os feitiços contra infestações. Também, quem mandava dormirem praticamente embaixo do lago?

— Aí, Príncipe — disse Avery, quando ele entrou no dormitório. — Onde foi que andou, hein?

— Em nenhum lugar que te interesse, Avery — disse Severus asperamente, olhando com nojo para o teto escuro do quarto.

— Ah, Sev tem segredinhos — riu Rabastan. — O Príncipe Mestiço foi ver sua corte, é?

— Calem a boca, eu quero dormir — resmungou Lucius Malfoy, tacando uma almofada em Rabastan.

— Ah, não enche, monitor — disse Evan Rosier, bem acordado. — Tadinho do Lucinho, está cansadinho…

Uma outra almofada, certeira, acertou Rosier, que caiu pesadamente no chão, xingando. Severus suspirou.

— Bando de crianças.

— Olha, o adulto, aí — disse Rabastan rindo. — Sério, o Sev deve ter arrumado uns amigos novos, agora, não pára de esnobar a gente.

— Ou vai ver está se entrosando com sangues-ruins — riu Avery.

— Ou vai ver está se perguntando por que seus colegas de dormitório parecem velhas mexeriqueiras — disse Severus friamente.

Todos se calaram, mas Lucius Malfoy riu:

— Boa, Príncipe!

Severus fez um gesto de “tanto faz”, e se enfiou no seu beliche, fechando em volta de si as cortinas verde-escuro. Era impressionante como tudo naquele dormitório lembrava um pântano gosmento.

Encarando as suas cortinas fechadas, Severus deixou seus pensamentos vagarem. O verde-musgo das cortinas se transformou no verde brilhante de uma maldição que fizera seu pai não se levantar da poltrona quando ele chegou tarde. Depois, se transformou no verde das roupas que Eileen Prince vestia naquele dia quando abraçou Jason Faunt. E no verde do maldito carro que Tobias Snape, bêbado, dirigia naquele dia quando bateu em cheio num caminhão. Ele sobreviveu; mas sua esposa não teve a mesma sorte, morrendo de um modo ridículo e absolutamente desnecessário. Depois, sem que ele percebesse, o verde metálico do carro se transformou num verde-esmeralda de dois olhos. E o verde se misturou com o vermelho dos cabelos de Lily…

Talvez agora, com a orientação de Faunt, ele pudesse conquistá-la, ou pelo menos se aproximar; talvez ele pudesse vencer as barreiras de James Potter, Sirius Black e Remus Lupin.

Perdido em divagações, mal sentiu quando seus olhos se fecharam lentamente e quando mergulhou em sonhos profundos.

Tudo estava vermelho; vermelho-acobreado, vermelho-vinho, tudo vermelho. Demorou um pouco até ele perceber que eram os cabelos de Lily por cima de seus olhos, e que ela se debruçava sobre ele para acordá-lo; seus olhos verde-esmeralda cintilavam, travessos. Ele, também travesso, fingiu que estava dormindo. Quando a sentiu mais perto, a puxou para si e beijou-a longamente.

Porém, repentinamente o sonho mudou. Lily se desvaneceu em seus braços como se fosse de vapor; e no instante seguinte, ele estava preso no teto pelo seu próprio feitiço, e todos na escola riam, Porém, o que mais se destacou foi que, num canto, riam quatro pessoas: eles, os três — James, Sirius e Remus; e Lily. Lily passava dos braços de um para os braços de outro, rindo. A risada imprudente de uma cortesã.

Acordou subitamente, e descobriu que se encontrava levemente febril e reconheceu um dos efeitos de sua paixão. Só Lily era capaz de deixá-lo assim, totalmente rendido e sem defesas.

It was all because she came into his life
(Isso é tudo porque ela apareceu em sua vida)


Ainda pensando naqueles cabelos vermelhos, tornou a adormecer. Sonhou que discutia com Lucius Malfoy: ele afirmava veementemente que McGonagall era irmã de Madame Nor-r-ra, mas não podia ser, porque Peeves era o pai de McGonagall, mas afinal de contas tudo aquilo era ridículo, porque Tobias Snape tinha sido assassinado por Nearly Headless Nick com quarenta e cinco golpes de machado cego…

Quando acordasse, no dia seguinte, não se lembraria mais do que tinha sonhado.




Passaram-se dois dias desde a briga de James e Sirius no corujal. Frank tinha sido fiel à sua palavra; não os denunciara nem falara nada a respeito para ninguém, nem para Alice.

Mas sempre havia alguém de quem ele nunca conseguiria esconder nada. E esse alguém não era outro senão Remus Lupin.

— OK, Frank William Longbottom, agora pare de fingir que está tudo bem e me conte o que está acontecendo.

Foi esse o início do tranqüilo diálogo após saírem da torre de Astronomia, naquela noite. Remus e Frank eram os únicos alunos de NIEMs que cursavam Astronomia.

— O que foi, Remie?

— O que foi que eu sei muito bem quando meus amigos estão mal, e você está. Não sei se é a depressão conjunta, mas eu vejo que você tem andado estranho, principalmente quando James e Sirius estão por perto.

— Ah, Moony, você enxerga demais.

— Pode até ser. Mas enxergo do mesmo jeito. Vai falando.

— Só se me falar.

— O quê?

— O que você ia contar no dia da festa, e James chegou e você parou de falar.

— Caramba, faz dois meses que aconteceu e você ainda lembra?

— Pode até fazer dois meses que aconteceu, mas eu lembro perfeitamente, OK? Que tal me contar agora o que está te afligindo?

Acontece que, naqueles dois meses, após observar James, Sirius e Snape detalhadamente, e concluir que três pessoas, entre elas seus dois melhores amigos, disputavam a mesma garota que ele, fizera sua coragem escoar pelo ralo. E ele se sentia perdido e confuso.

— Não posso, Frankie. Foi… algo impensado. Já… passou.

— É, isso se vê claramente — disse Frank irônico. — Você só piora com os dias, Remus!

— Nem vem, se estamos falando de piorar, você também está piorando! O que aconteceu, hein?

Frank suspirou.

— Eu não sei se devo te contar…

— Tem a ver com você? Ou com Sirius e James?

— Tem a ver com eles.

— Então me conte. Tem a ver comigo também.

— Ah…

— Quando tem a ver com eles, eu tenho que saber também. Eles são meus amigos, Frankie. Eu me preocupo com eles.

— OK — suspirou Frank. — Eu conto. Mas eu conto só porque eu sei que, se tem alguém que pode fazer alguma coisa a respeito, é você.

Remus fez um aceno afirmativo e esperou.

— Bem… antes de ontem… Eu… estava fazendo a minha ronda noturna… E então ouvi vozes exaltadas e guinchos vindos do corujal. Resolvi ir lá pra averiguar, quando ouvi um barulho como se tivesse algo desabando no corujal. Achei que a coisa tava feia e fui lá… e…

— …encontrou Prongs e Padfoot — completou Remus. — E o que eles estavam fazendo lá?

— Não tenho certeza… Mas acho que estavam brigando.

Foi como se Remus tivesse batido em uma parede invisível.

Brigando?

— É, brigando. James estava vermelho, suado, ofegando; Sirius estava no chão, a boca dele estava escorrendo sangue, e tinha uma marca de punho bem visível. Ele me disse que caiu, e eu resolvi não insistir, mas é óbvio que não foi isso. Eles estavam se olhando com quase… eu diria… nojo.

Remus sentiu-se fraquejar. Toda a verdade, sobre tudo o que estava acontecendo, sobre ele, Sirius, James, Snape e Lily, relampejou em sua mente incrivelmente rápido.

— Em que teia de aranha fomos nos meter… — disse febrilmente, passando a mão na testa.

— O quê? — estranhou Frank.

— As coisas já estão indo longe demais, Frankie — disse Remus com um suspiro. — Longe demais…

E não diria mais nada pelo resto da noite, por maiores que fossem as insistências do amigo.

It’s a deep obsession, taking up his time
(É uma obsessão profunda, tomando todo o seu tempo)





Manhã seguinte. O Salão já estava cheio, faltava apenas meia hora para o início da aula, e haviam quatro pessoas muito impacientes pela chegada de uma.

Severus Snape comia ao lado de Rabastan Lestrange, na mesa da Sonserina.

— Ei, Príncipe, não vai comer nada? — perguntou Rabastan, apontando para o prato intocado do amigo.

— Não — disse Severus com indiferença, os olhos pregados na porta do
Salão Principal.

— Então posso pegar seus ovos fritos?

— À vontade.

— Oba — disse Rabastan, apanhando o prato de Severus e transferindo seus ovos para seu próprio prato. — É melhor não desperdiçar comida.

— Aham — disse Severus, sem saber com o que concordava.

Severus sabia bem que não comia desde o jantar do dia anterior, mas não sentia fome. A obsessão tirava-lhe o apetite, e, enquanto o corpo enfraquecia, ele sentia o espírito arder.

Foi quando ela entrou no salão.

Desorganizada, afobada, os cabelos ruivos caindo desalinhados pelo rosto, ela se sentou à mesa e desatou a falar como uma doida varrida. Severus não pode deixar de notar como ela era bonita, mesmo afobada assim. Como seus movimentos, mesmo apressados, mesclavam graça e delicadeza. E como desejaria ter aqueles dedos macios tocando seu rosto…

She’s all that he wants, she’s all that he needs
(Ela é tudo o que ele quer, ela é tudo que ele precisa)


Displicentemente, furtou um ovo frito do prato de Rabastan.

— Ei, você disse que não queria! — exclamou o outro, indignado.

— Mudei de idéia — disse Severus rindo, comendo outro ovo.

Mas parou de comer quando viu Lily conversando com Remus Lupin.

— Eu não sei o que me fez acordar oito e meia — ela enfatizava como se fosse o fim do mundo. — Oito e meia! Eu estou ficando louca, Remie, os NIEMs estão me deixando maluca.

— Ah, não tem nada de errado em dormir mais um pouquinho, Lily — disse Remus sorrindo, para em seguida baixar a voz em tom confidencial: — Ei, Lily… Você… eh… você…

— Eu…

— Você… viu se… James e Sirius brigaram? Alguma vez, perto de você?

— Se eles brigaram? — perguntou Lily em tom demasiado alto.

— Psiu!

Remus olhou agitadamente à volta, vendo se alguém captara os sentidos das palavras da ruivinha. Não parecia, mas ele podia perceber; sentados um pouco adiante, Prongs e Padfoot olhavam fixamente para eles.

— Baixe a voz, Lily, por favor, não quero que ninguém escute — recomendou, desviando o olhar dos amigos.

— OK — disse Lily em tom sussurrado. — Você quer saber se eu vi James e Sirius brigando?

— É… Ou se olhando feio, algo assim… Perto de você.

Lily pensou um pouco.

— Não… não muito… quer dizer, lembro de ter visto eles me olhando algumas vezes… mas… fazendo como você e o Snape… nunca.

— Ah, bem… é que… como assim como eu e o Snape?

— Eu vi vocês dois na biblioteca — ela disse com simplicidade. — Aquilo sim era se olhar feio.

Remus esfregou os olhos, se recuperando da surpresa.

— Ah, aquilo não foi nada, não — se apressou a dizer. — Sabe que ser um Marauder é não se dar bem com Snape.

— Tudo bem — sorriu Lily. — Mas, falando de Potter e Black, por que eles deveriam estar brigando?

— Por quê… Ah, Lily… Se eu te contar um negócio, você promete não contar a ninguém?

Não havia como não ser sincero com ela.

— Prometo — disse Lily sorrindo.

— É que… Frankie viu os dois no corujal, esses dias… E, segundo ele, pareciam ter brigado… E… eu pensei… Não sei como falar com eles sobre isso… Por favor, Lily, não conte nada para ninguém, se eles não falaram nada é porque não querem que ninguém saiba.

Nem mesmo os olhos astutos e sensíveis de Remus poderiam captar o que Lily sentiu naquele instante. Um vislumbre de desespero, e, em um instante, ela também estava entendendo porque James e Sirius poderiam ter brigado. “Por Morgana… Será que eles brigaram… por mim?

Um barulho ressoando ao longe, uma sineta…

— Vamos indo, Lily? — perguntou Daisy, ajudando a amiga a se levantar. — Aula de Trato das Criaturas Mágicas, agora.

Sentiu-se caminhando entre abismos enquanto se afastava se apoiando em Daisy.




Ele a observava febrilmente.

Ela estava apenas do seu lado; mas, ao mesmo tempo, sua gentileza e doçura, o modo como pegava os ingredientes de Poções nas mãos e como eles competiam em um duelo silencioso para ver quem seria o autor da melhor Poção da Incoerência. Era um trabalho difícil, enquanto rompiam sementes de papoula com o punhal de prata e deixam seu óleo escorrer dentro do caldeirão.

Ela olhava em seus olhos, sorrindo, enquanto faziam isso. E ele, perturbado, tentava se concentrar nos cogumelos do tipo Amanita que ele picava.

Isso. Concentre-se. Agora pegue aqueles cogumelos Psilocybe ali. Pique-os. Preste atenção.

— Snape?

Ele virou tão rápido o pescoço que pôde ouvir um estalo forte. Ela o olhava, seus doces olhos verdes piscando com curiosidade. Parecia uma aparição divina de fogo.

— Sim, Evans?

— Você pode me emprestar um pouco do peiote, por favor?

Claro. Peiote. Aquele cactozinho feio. Apenas meros ingredientes de Poções, meras aulas. Eram colegas de classe. Nada mais. Nem amigos.

E, mesas adiante, eles a devoravam com o olhar. Sentiu seu peito se inchar de orgulho. Nenhum deles estava sentado ao seu lado, aspirando seu perfume inebriante de lírio. Apanhou o peiote com as luvas de dragão, e estendeu a ela, e quando fez isso, aproveitou para roçar de leve sua mão naquele primor da natureza que ela possuía. Um arrepio percorreu suas costas de cima a baixo.

— Obrigada, Snape… — ela disse, aquela voz doce e clara.

— Disponha.

“O que é que vem agora mesmo? Ah, é, cortar o peiote em cubinhos e colocar na poção. Isso, mexe duas vezes no horário, duas no anti-horário… Repita sete vezes o ciclo…”

Ela era tão linda, mexendo a poção com aqueles dedos delicados; dedos que tinham sido feitos para as poções, para o suave vapor de beberagens, para a meticulosa tarefa de separar os ingredientes, cortá-los, picá-los, mexê-los até que obtivessem a integração perfeita…

Pare, Severus. Concentre-se na poção.

Isso. Cortar os ramos de cipó, descascá-los, acrescentar a casca na poção a fim de que ela atingisse um tom azul elétrico…

Lily Evans era a personificação de tudo o que ele não queria para si, mas não podia evitar. Ela era sangue-ruim, e só isso deveria ser o suficiente para que ele não se aproximasse dela, enojado, para que preferisse a companhia dos corvinais da mesa ao lado.

Ela tinha uma intensidade na vida que ele desaprovava. Ser intenso e entregue às sensações era passo certo para se perder, para sofrer, para que os outros lhe passassem uma rasteira. Ter amizades tão profundas quanto às que ela tinha, para que depois elas a traíssem, parecia ingenuidade. Se dedicar às causas e às lutas, como ela se dedicava à justiça, quando o defendia dos Marauders, era apenas uma tolice, afinal, toda forma de poder é uma forma de morrer por nada.

E, por fim, sua gentileza, delicadeza, com os outros. Para que ser delicado com as outras pessoas? Para que ser delicada com aqueles que iriam lhe torcer o nariz quando ela virasse as costas? Para que ser gentil com aqueles que só a desprezariam? Ele não conseguia entender nada daquilo.

Talvez fosse esse o motivo. Ele amava Lily Evans porque ela era tão completamente diferente daquele ser repulsivo que ele era.

She’s everything he just won’t believe
(Ela é tudo em que ele não acredita)


— Vamos ver sua poção, Severus? — perguntou Slughorn, que já passeava alegremente pelas mesas.

Severus baixou os olhos para seu caldeirão e sentiu como se um choque elétrico o sacudisse.

O que era para ser uma poção de um negro puro e luzidio, como piche, transformou-se numa poção de um verde peçonhento e pantanoso. Como as cortinas do dormitório da Sonserina. Como as teias pegajosas que envolviam seu coração… Mas nada parecido com os olhos verde-esmeralda de Lily…

— Desandou com a poção hoje, Severus? — disse Slughorn, olhando para seu caldeirão num misto de incredulidade e decepção.

— Desculpe, professor — sussurrou Severus, sem ter a coragem de erguer os olhos negros. — Eu me distraí… Problemas em casa — mentiu.

— Ah — disse Slughorn entendendo imediatamente.

Afinal, não se pode esperar que um aluno que, num espaço de três meses perdera a mãe e o pai, e agora vivia com avós, tenha concentração nas poções.

— Entendo, Sr. Snape. Tudo bem.

E ele se afastou. Severus Snape sabia muito bem que todos os olhares dos alunos estariam colados em si, num misto de descrença, surpresa, e desdém. Ao finalmente erguer os olhos, pôde ver Potter e Black dando risinhos cúmplices, vitoriosos com seu fracasso.

Foi quando sentiu a mão dela sobre seu ombro, e a voz suave como uma brisa, veio provocar cócegas em seu ouvido:

— Não tem problema, Severus. Às vezes acontece… é só se concentrar mais da próxima vez.

Ele encarou seus olhos verdes num misto de surpresa e deleite. Ela olhava diretamente em seus olhos. Ela o chamara de Severus.

E, para completar a bem-aventurança, Potter e Black estavam ali. Com os queixos caídos. Onde estava o sorrisinho vitorioso?

Na boca de Severus, quando ele saía para o período livre.




— O Feitiço de Conjuração é muito mais complicado que os Feitiços de Desaparição, pois envolve retirar matéria do nada. Por isso, é preciso concentração e de…

As palavras da Profª McGonagall pareciam um emaranhado de “blábláblá” aos ouvidos de Sirius, que estava debruçado sobre a carteira, os olhos fixos num ponto do quadro à sua frente. Seus pensamentos começaram a vagar de Feitiços de Conjuração, os quais já dominava desde o quarto ano, para o corredor a alguns andares acima, e para o corujal do outro lado do castelo.

Os olhos acinzentados se fixaram da nuca de James Potter, sentado na carteira da frente. A reação dele o assustara, e o enchera de raiva, mas ele conseguia entender. Ele também não cederia Lily. Aliás, vendo aqueles cabelos ruivos, ali, na primeira carteira, e aquele olhar tão dedicado, tão… singelo e meigo, tão diferente e cheio de personalidade, como ele nunca vira em nenhuma garota, em nada. E então seus olhos voltaram para a nuca de James.

Droga, Sirius Black, será que você não consegue pensar em outra coisa?

“Por que tudo tem que ser tão difícil? Eu falei aquelas coisas para James… Eu que deveria ter compreendido ele!”

Pelo menos isso você entende. Deveria compreendê-lo, e eu sei que ainda não compreende!

Take away his doubt, turn him inside out
(Tire a sua dúvida, vire-o do avesso)


“Mas… ele falou aquilo tudo… Como se Lily fosse sua propriedade!

Ele estava furioso, Sirius, e você sabe muito bem porquê. Você sabe que foi um traidor, um insincero, um mentiroso…

“Sei, disso tudo, sei. Mas ele também não precisava ter agido assim! Ele reclamou a propriedade dela. O jeito que ele falou… Parecia o Malfoy ou qualquer um daqueles sonserinos arrogantes, não o meu amigo!”

Ele tinha motivos. Ora, Sirius, ela sempre foi a garota dele. Ele sempre amou ela. De repente, você vem e se intromete, e ele fica desesperado. Só você tem direito de falar coisas sem pensar?

“É que…”

— Sr. Black, eu sei que deve ser um enorme sacrifício da sua parte prestar atenção à minha aula, mas eu penso que, talvez, se você pretende prestar os NIEMs, seria importante para o senhor.

Ele ergueu a cabeça, despertando de um turbilhão de pensamentos e encarando o rosto frio e severo da Profª McGonagall. Um rosto respeitável.

— Desculpe, professora — disse Sirius baixando a cabeça para os exercícios que deveria estar copiando.

Viu os olhares de James, Remus e Frank nele e deu apenas um sorrisinho, para indicar que não, ele não estava tendo um surto. Depois, fixou os olhos em McGonagall, que agora demonstrava a forma cabalística. E ele não tardou a sentir os olhos piscarem, e a imagem do rosto da professora saiu de foco…




Runas Antigas. A aula mais tranqüila do mundo, ao menos para Severus Snape. Nunca havia ninguém que pudesse atrapalhar seus pensamentos, que pudesse vir com brincadeirinhas idiotas.

Poucas pessoas freqüentavam o curso dos NIEMs de Runas Antigas, com o Prof. Robert Vortigern. Ao todo, eram sete alunos: ele, Remus Lupin, Frank Longbottom, Heloise Cooper e Anne Marie Field. E, como não poderia deixar de ser, Lily.

E ele era sempre o primeiro a chegar na sala. E foi quem a viu entrar, os longos cabelos ruivos num balanço sensual, enquanto conversava alegremente com ele. Um dos Marauders. O Marauder que ele sabia ser capaz de dominar seu coração inocente.

E ele viu seus olhos cor-de-mel se voltarem para ele por não mais que um segundo, com algo entre o hostil e o infeliz. Ao ver por um instante seus olhos, ele pôde entender — Remus Lupin sofria demais por causa dela. A tristeza transparecia nos seus gestos mais leves, no seu sorriso cansado, e no modo um tanto insistente como ele o consultava pelo olhar.

“Que sofra. Ele nunca esteve nem aí pro meu sofrimento.”

Ele até podia sentir pena de Lupin, do modo triste como ele olhava Lily. Como se ela fosse uma estrela muito longe do seu alcance. Mas, entre o Marauder e ele, preferia ele. Afinal, Lupin nunca cederia nada só por causa dele. Sempre tivera que se garantir sozinho. E Lily… Lily não era uma coisa que se cedesse. Era o centro de sua vida.

— Boa tarde — disse o Prof. Vortigern, conhecido entre os alunos simplesmente por Prof. Robert, porque seu nome era muito complicado para se ficar falando a toda hora.

Ele era um homem alto, espadaúdo, de feições quadradas e sérias, que na verdade ocultavam uma aura gentil e dedicada ao trabalho.

Ouviram-se alguns murmúrios de boa tarde na sala.

— Então, hoje, vamos estudar os falsos cognatos. Quem pode me dizer o que é um falso cognato?

Quase todas as mãos se levantaram, de modo que ao professor só restou o trabalho de escolher.

— Sr. Longbottom?

— Um falso cognato é uma palavra que aparenta outra na língua inglesa, mas que na verdade, tem um sentido diferente.

— Exato. Dez pontos para a Lufa-Lufa.

Ele geralmente gostava de Runas Antigas, mas já havia um tempo que sua atenção oscilava, como um rádio mal-sintonizado. Ele só conseguia ficar fitando os cabelos ruivos de Lily. E pensando em tudo que queria dizer para ela.

Then she can see what he’s been dying to say
(Então ela poderá ver o que ele tem morrido de vontade de dizer)


Seus olhos se desfocaram em devaneios…

Lily estava ali, na sua frente, e ele se declarava para ela. Ele dizia: “eu te amo, Lily. Sou todo seu…” E então ela sorriria, e diria: “Também te amo, Sev… Te amo mesmo, como nunca amei ninguém…”. E ele perguntaria: “Nem mesmo os Marauders? Potter ou Black ou Lupin?”. E ela diria: “Nunca os amei. Nem mesmo os suporto. Só amo a você…”.

Ele não sabia há quanto tempo estava mergulhado nessa fantasia; já estava pensando em como seriam as reações de Potter e Black, em ver o sorriso presunçoso arrancado do rosto daqueles dois, e se deliciando com a prematura vingança, quando a sineta tocou.

Pulou num sobressalto, procurando a garota de suas fantasias, que se desvanecera com um simples apito. Viu-a, pouco adiante, saindo com Longbottom e Lupin. Sorrindo encantadora, como sempre. Os seus olhos verdes, sempre brilhantes. Mas caminhando para longe…

But things don’t always turn out that way
(Mas as coisas nem sempre terminam assim)





— Ei, James! Onde é que você tá indo?

— Vou aproveitar o período livre, vou pro dormitório tirar um cochilo. Tô… uaaah… morrendo de sono…

— Bem, eu vou indo que eu tenho Estudo dos Trouxas.

— Te acompanho, Sirius!

— Eu também…

— OK, tchau, Padfoot, tchau, Frankie, tchau, Pete…

— Até o jantar!

Após o breve diálogo com seus amigos, James correu até o dormitório. Danem-se todos os deveres de casa. Danem-se as aulas, dane-se qualquer coisa que não envolva travesseiros, colchões, e, principalmente, cobertores.

— Maldito frio do outono! — resmungou, enquanto subia as escadas em caracol.

Odiava aquele frio “chove não molha”, odiava aqueles ventos cortantes, aquelas folhas caindo… Para James, a pior estação do ano era o outono; o inverno, ao menos, tinha casacos quentinhos, sopa, guerra de neve com os Marauders, e ele suplicando para Lily dividir o cachecol…

Lily… Era quase insuportável agora…

Agora, nos momentos menos propícios, se pegava pensando nela, mas com um novo fogo… Uma pontada de ciúme… Sentia raiva ao vê-la falar com outros garotos, pensava em quantos a teriam beijado, em quantos a teriam amado, e se ela tivesse deixado alguém ir mais longe? Ele queria ter sido o primeiro, e quantos já deveriam ter passado por sua cama, quantos já deveriam ter provado seus beijos, quantos…?

Chega disso, James Potter. O que você está fazendo é pura especulação, você está exagerando! Conhecendo Lily como você conhece, deveria saber que ela nunca deixaria alguém ir mais além sem ter nada especial com a pessoa, e se fosse o caso você saberia!

Será?…

E, para piorar, aquela nova voz, que vivia atormentando seus pensamentos com suas falas sombrias, sempre o enchendo de inquietação…

Será, James, que ela nunca deixou ninguém ir mais além? Quem sabe quantos?

“Ela não deixou. Ela não faria isso.”

Você também achava que Sirius nunca o passaria para trás, mas ouviu de seus próprios lábios que ele ama Lily… As pessoas nos surpreendem, às vezes, sabia?

Sirius está arrependido. Não vê como ele fica fazendo palhaçadas só pra te animar? Eu sei que ele realmente não devia ter feito aquilo, mas você também está pensando nisso um pouco demais.

“Não, não estou… Ele continua olhando para ela…”

É, bem, isso é verdade.

Vê, James? Sirius continua amando-a. Agora, irá esperar outra ocasião, irá esperar você baixar a guarda, voltar a acreditar nele, e irá novamente requestá-la… Da outra vez ela cedeu até um ponto… Quem sabe o que ela pode ceder desta?

“Eu não vou baixar a guarda. Nunca.”

Não baixe a guarda mesmo, fique atento. Mas também não precisa ser tão radical. Afinal, Lily não é sua propriedade, James, enfie isso na cabeça. Se ela quiser ficar com outra pessoa…

Ou com outras… Com várias pessoas… Com vários garotos… Se vendendo…

“Que merda, vocês não sabem me deixar em paz?”

Eu nunca me calo. Vou estar sempre fazendo você enxergar seus erros, James, e agir como se fosse o dono dela é um desses erros.

E é assim que você fala comigo? Eu vim aqui para te fazer enxergar a realidade, estar sempre alerta, pois mulheres são seres demoníacos… Em um dia, olham para você, no dia seguinte olham para outro…

“Eu só quero dormir, e parar de pensar… Pelo menos por um pouco de tempo… Só isso, por favor…”

Mas imagens doentias invadiam sua mente e o deixavam prostrado e doente… E, mesmo quando fechou os olhos, já não pôde descansar… Ele beijava Lily… Acariciava ela… Ouvia palavras de amor… Mas, de repente, não era ele quem a beijava, era Sirius; depois outro, outro, e mais outro, e todos ouviam as mesmas palavras…

And he must confess
(E ele vai confessar)
All the impure thoughts of his beautiful temptress
(Todos os pensamentos impuros de sua linda tentação)


— AAAAAH!! — ele gritou, acordando sobressaltado.

Um ruído forte de batida, alguém rolando pelo chão, barulho de coisas caindo e um grito alto de uma voz bem conhecida:

— CARALHO!

— Ai, que foi?… — disse James, apertando os olhos, procurando os óculos no dormitório às escuras.

Ele pôs os óculos e acendeu a luz com a varinha. A primeira coisa que viu foi Sirius, estatelado no chão debaixo do peso de vários livros que pareciam ter despencado da escrivaninha.

— Caramba, vou falar bem sério com o Moony a respeito desses livros! — exclamou, acariciando a cabeça. — Isso é lugar que se deixe, na beira da escrivaninha?! Quase me mataram!

— Para falar a verdade, Sirius, os livros são seus. Aqueles livros de Defesa contra as Artes das Trevas que você pegou para fazer o trabalho de contra-azarações…

— Ah, é — notou Sirius, ao examinar a capa de um dos livrões pesados. — Droga, vou ter que passar a noite inteira escrevendo esse bagulho.

— O que foi que aconteceu, você tropeçou ou caiu de maduro?

— Olha só quem está falando! Eu que tenho que perguntar o que foi que aconteceu! Eu aqui, inocente, indo acordar meu amigo para o jantar, e de repente, você acorda berrando como se o mundo fosse acabar!

De súbito, James se lembrou do sonho, e sentiu-se como se tivesse engolido uma pedra de tamanho desagradável.

— Prongs?… — chamou Sirius cauteloso.

— Hã? — ele ergueu a cabeça.

Ver Sirius só piorou a sensação de que suas entranhas haviam congelado. Lembrar-se daquele sonho, lembrar-se dele beijando Lily…

— O que está acontecendo?

— Não é nada não, Sirius…

— Não está se sentindo bem?

— É, é isso — disse o rapaz, agarrando a desculpa de bandeja. — Janto depois, vou tomar um ar lá nos jardins.

— Precisa de alguma coisa? — perguntou Sirius com o tom respeitoso e cuidadoso que se usa ao falar com doentes.

— Não, pode deixar… Vai jantar e fazer esse teu trabalho aí, ou tentar convencer o Remie a te emprestar a dele…

E saiu precipitadamente do quarto, deixando Sirius confuso. Esses rompantes de James o assustavam, e o faziam se sentir culpado…

E não é à toa.

“Ah, cala a boca.”




Salão Comunal da Sonserina. Severus Snape estava reclinado sobre um sofá de três lugares, verde — “Por Slytherin, não tem nada nesse lugar que não lembre um pântano?!” — e ouvindo a tagarelice fútil das garotas do seu ano. Narcissa dominava a conversa, falando sobre mil idiotices de meninas. Ele tinha até um certo carinho pela garota, como uma criança tontinha, mas que você gosta mesmo assim. Mas Lily nunca falaria de tantas bobagens — nas vezes em que a ouvira falando, fora só sobre coisas interessantes.

Lucius apareceu, e foi a deixa para todas as garotas começarem a rir feito tolinhas, cutucando Narcissa, que se levantou parecendo um tomate, e se adiantou para ele. Entediado, Severus ficou observando.

— Oi, Lucius… — disse ela sorrindo com um tremelique.

— Oi, Cissy… — sorriu Lucius, passando uma das mãos nos cabelos louros, num gesto arrogante.

Severus suspirou.

“Parece que todo mundo se acerta nessa vida, menos eu…”

— Olá, Sev — disse Rabastan, chegando. — Dá espaço no sofá.

Severus se sentou reto, permitindo que Rabastan se largasse ao seu lado.

— Ei, Príncipe, estou pensando em armar uma vingancinha contra o Potter.

— Contra o Potter? — perguntou Severus ligeiramente interessado.

— Ei, se for contra os Marauders em geral, eu tô nessa — disse Evan Rosier, aparecendo. — Principalmente se for contra aquele maldito Lupin.

— Você e a sua fixação pelo Lupin — riu Avery, aparecendo. — Eu, por mim, preferia ver o Black indo pelos ares.

— Nem vem que o Black sou eu quem vai mandar pelos ares — disse Rabastan. — O cara pensa que pode me azarar, e sair assim na boa, só porque é Black. Vou lembrar a ele quem é que manda aqui nesse colégio.

— Então o Potter é meu — reclamou Severus. — Eu tenho umas contas a acertar com ele.

— Lupin! — disse Rosier erguendo a mão. — Eu vou me encarregar de fazer aquele idiota se ferrar.

— Então pra mim só sobra o Pettigrew? — perguntou Avery com as sobrancelhas erguidas.

— Ah, pensa bem, Avery, um adversário à sua altura — debochou Rabastan em duplo sentido: além de Peter ser um péssimo duelista, era baixo em estatura, como Avery.

— Vai à merda, Lestrange.

— Vai você.

— Ah, vão vocês dois — disse Rosier, entrando na brincadeira.

As provocações pioraram até ficarem os três se xingando numa disputa absolutamente sem sentido, e Severus tornou a se sentir entediado e infeliz. Tudo tão diferente de Lily…

— Ei, Príncipe, onde você vai? — perguntou Rosier ao ver Severus se levantando.

— Enfermaria — resmungou Severus. — Não estou me sentindo muito bem.

E, sem hesitar, ele saiu. Rabastan olhou para Avery.

— O Príncipe tá estranho, né?

— É… Não fala mais com a gente direito, fica por aí desse jeito esquisito, não acha graça em mais nada…

— Eu diria que está apaixonado — disse Lucius, entrando na conversa e se largando no sofá verde.

— Apaixonado? — riu Rosier. — Mas por quem? Será que é alguma das garotas?

— Sei lá… Sei que deve estar com dor de cotovelo, eu duvido que guria alguma desse colégio fosse querer ficar com aquela coisa feia — disse Avery maldosamente.

Todos riram por um bom tempo.

Although he keeps it all bottled up inside
(Embora ele mantenha tudo guardado dentro de si)
Although he keeps it all safe within his mind, oh yeah
(Embora ele guarde tudo em sua mente, oh yeah)





— LI-LY!

— Aaaaah! Vão dar cagaço na mãe de vocês!

— Não é tão interessante quanto matar você de susto quando você está lendo…

Esse diálogo se passava na biblioteca, entre uma certa ruivinha e suas duas amigas. Como Lily estava compenetrada fazendo o trabalho de Aritmancia passado naquela tarde, elas se aproveitaram para pular em cima da garota. Com todo aquele estardalhaço, logo a bibliotecária, a Madame Pince, veio olhar feio para elas.

— Desculpa, Madame Pince — disse Daisy inocentemente.

— Em silêncio, meninas, ou terei que tirá-las daqui — disse Madame Pince severa.

Daisy bateu continência, e Lily e Alice sufocaram risinhos.

— E então, o que minha amiga mais maluca está fazendo aqui, nessa biblioteca fria, em vez de aproveitar o calor da lareira da Sala Comunal? — perguntou Daisy sorrindo.

— E o que minhas amigas estão fazendo aqui, nessa biblioteca fria, em vez de patrulharem os corredores? — perguntou Lily no mesmo tom.

— Hoje é o turno da Anne Marie e do Frank — disse Alice.

— Amanhã é o seu, Alice?

— Meu e do Kingsley.

— Eu nunca pego um turno com o Kingsley — danou Daisy. — Eu sempre tenho que patrulhar os corredores com Malfoy.

— Como diria o Black, “mau jeito, Daisy” — riu Lily, para depois sentir algo frio a envolvendo.

Pensou em James e Sirius, e na suposta briga. Teriam eles mesmo brigado por causa dela? Será que ela tinha provocado uma ruptura naquela fantástica amizade? Se arrepiava só em pensar nisso.

So wipe that smile of your face
(Então tire esse sorriso do rosto)
Before it gets too late
(Antes que seja tarde demais)


— O que aconteceu, Lily? — perguntou Daisy, desconfiada.

— Não me diga que andou escondendo coisas da gente de novo! — recriminou Alice.

Lily fez um gesto desanimado.

— É que… é só uma suspeita… Pode ser que eu esteja me estressando à toa.

— Mas você vai nos contar, mesmo que seja tudo produto da sua imaginação — disse Daisy. — Queremos saber tudo o que te deixa aflita.

— Ah… É que… Remus me contou umas coisas… Daí ele falou que não queria que eu contasse pra ninguém — Lily tentava arranjar todas as desculpas.

— Mas você vai contar pra gente, que a gente não vai sair espalhando por aí. Eu prometo que não conto nem pro Kingsley — disse Daisy.

— E eu não conto nem pro Frankie — disse Alice.

— Pode falar pro Frankie, ele já sabe. Ele contou pro Remus, que contou pra mim.

— Mas o que ele contou?

Lily olhou para baixo.

— James e Sirius brigaram… — ela gemeu, como se nessa simples frase pudesse dizer o que a estava atormentando desde o café da manhã.

Daisy e Alice se olharam surpresas e ficaram em silêncio por um momento. Depois, Alice falou:

— Eh… Lily… Eu sei que isso é chato, e tudo o mais, e que ninguém imagina James e Sirius brigando, mas não precisa ficar nervosa assim… Veja, eles parecem normais e tudo, e…

— Não, Alice, você não entendeu — disse Lily tristemente. — É que… eu acho que eles brigaram… por minha causa.

There’s only so much time
(Há muito pouco tempo)
For you to make up your mind
(Para você se decidir)


As duas se entreolharam novamente.

— Ah, agora entendi — disse Daisy. — Você tem medo que eles tenham brigado por causa de você?

— É! — exclamou Lily. — Afinal, o James sempre gostou de mim, isso nunca foi segredo pra ninguém… E de repente, o Sirius começou a gostar de mim também… E os dois tiverem se desentendido por causa disso? Eu não queria fazer mal a ninguém…

— Ah, Lily, isso tudo é pura especulação… E, mesmo que seja verdade, a culpa não é sua…

Lily não parecia muito convencida, quando levantou. Mas não pensou mais muito nisso, pois, no momento em que ficou de pé, sentiu uma forte vertigem e se apoiou na mesa.

— Lily! — exclamou Alice, ajudando a amiga a ficar de pé. — Está tudo bem?

— Acho que está — disse Lily, pondo a mão na cabeça. — Estou só um pouco tonta… Acho que preciso ir na enfermaria…

— Vem, vamos te levar — disse Daisy.

— Não, não precisa. Eu posso me arranjar.

— Você pode desmaiar, Lily.

— Não, não, eu só estou um pouco tonta, a enfermaria não é muito longe…

— A enfermaria fica a três andares abaixo, sua doida!

— Eu consigo, tá bem?! — disse Lily, empurrando as amigas e indo para o corredor com seu andar levemente trôpego.

— Tem certeza? — perguntou Daisy.

— Tenho! — disse Lily teimosa. — Não precisam me seguir, tá?

Daisy e Alice simplesmente ficaram paradas na porta da biblioteca, apreensivas, observando Lily andar cambaleante até as escadas.




Severus logo percebeu que seu caso não era caso de enfermaria. Nem chegou a entrar dentro do lugar. Ficou apenas parado na porta, respirando. Sabia que sofria de um mal cujo único remédio era Lily… E ainda podia ser que ela não quisesse dá-lo…

Mas ela tinha que dá-lo. A culpa era dela. A culpa daquilo tudo, de todo aquele sofrimento, era dela…

She’s all that he wants, she’s all that he needs
(Ela é tudo o que ele quer, ela é tudo o que ele precisa)


Lembrou-se da conversa que tivera com Faunt, na mesma noite em que ele tinha contado sobre sua mãe.


— O primeiro passo é se declarar, Severus, para ver quantas chances você tem.

— Mas, e se ela me repudiar?

— É um risco que terá de correr. Ela não é adivinha nem legilimente para saber o que você sente por ela.

Severus suspirou.

— Tenho medo — confessou.

— Não é preciso. Já percebi que ela não deixa de ter simpatia por você, e simpatia sempre pode evoluir para um sentimento mais forte — sorriu Faunt.

— Quer dizer que você espera que ela diga que me ama também e que vamos nos casar e ter filhos? — perguntou ironicamente.

— Não, mas eu espero que ela diga que vai pensar no assunto, ao menos.



Aquilo lhe parecia uma possibilidade infinitamente distante.

— Eu sou sonserino, ela é grifinória. Eu sou tudo o que ela detesta, ela é tudo em que eu não acredito.

Mas opostos se atraem…

— Isso só funciona para magnetismo, e não há magnetismo entre pessoas, e sim entre ímãs. Não sou um ímã. Não atraio meu oposto. Eu a amo tanto, mas ela provavelmente vai querer um igual, um grifinório, um Marauder…

Parou de falar ao ouvir passos no corredor.

— Quem está aí? — perguntou, erguendo a varinha em guarda. — Rabastan?

Nenhuma resposta. Apenas o som de uma respiração arfante no começo do corredor.

— Identifique-se! Ou eu o azaro! — ele exclamou, pensando que era um dos Marauders.

— Não, por favor! Não vou fazer nada! — gritou a pessoa.

Ele estremeceu. Não podia ser ela…

— Evans?

— Snape — disse Lily se aproximando, trôpega. Severus pôde distinguir seu vulto esguio no escuro.

— Precisa de ajuda? — perguntou, notando a forma com que ela andava.

— Não, eu só estou um pouco…

E desmaiou.

She’s everything he just won’t believe
(Ela é tudo em que ele não acredita)





— Vai ficar tudo bem, Snape. Ela só precisa comer.

— Tem certeza que é isso, Madame Pomfrey?

— Afinal, quem é a enfermeira aqui, eu ou você?

Severus suspirou. Levara um tremendo susto quando Lily desmaiara na porta da enfermaria, quase nos seus braços, e não podia deixar de se preocupar com seu estado.

— Mas como assim, ela só precisa comer?

— Tensão dos NIEMs. Acontece cada vez mais… As pessoas ficam tão ansiosas com os exames que param de comer. Daí desmaiam de fome. Como se não precisasse de mais nada para adoentar os estudantes…

Ela se aproximou de Lily, que estava apoiada em cima de uma maca, ainda inconsciente, os cabelos ruivos se chocando com o travesseiro. Nas mãos, um frasco com uma poção de um laranja violento e uma enorme barra de chocolate.

— Ei, por que vai dar uma Poção para Animar para ela? — perguntou Severus, as sobrancelhas negras formando um arco.

— Por que ela precisa acordar para se alimentar, Snape — explicou Madame Pomfrey pacientemente.

Severus ficou atrás da enfermeira, os braços cruzados, como se estivesse fiscalizando o seu serviço. Ressabiado, observou ela abrir a boca de Lily e fazê-la engolir a poção. Após alguns minutos de aflição, Severus viu os olhos verdes de Lily se abrirem.

— Graças a Slytherin — suspirou.

— Madame Pomfrey? O… que aconteceu? — perguntou Lily, piscando para se acostumar à claridade da enfermaria.

— Você tem comido direito, Srta. Evans?

Lily pensou um pouco e corou em seguida.

— Não como nada desde ontem no café… Tirei o almoço pra estudar um pouco, e não consegui jantar… Acordei atrasada hoje e não consegui comer nada mais tarde…

— Você não deve fazer isso — repreendeu Madame Pomfrey. — Isso te deixa fraca, doente. Já ouviu falar que “saco vazio não pára em pé”? Os NIEMs são importantes, mas não valem sua saúde, garota.

— Tá bem — disse Lily com um gesto afirmativo, envergonhada.

— Coma, e vá para o seu dormitório. E nada de estudar, durma, você precisa poupar energias. E não esqueça de comer!

— Está certo — disse Lily, se perguntando se conseguiria passar alguma coisa pelo nó que se formara em sua garganta de manhã.

— Snape, eu realmente acharia bom que você acompanhasse a Srta. Evans até o dormitório, só para não corrermos o risco.

Foi quando Lily notou a presença de Severus, acanhado, atrás dele. Ele deveria tê-la trazido até a maca. Sua expressão de preocupação, no jeito como ele torcia as mãos, a surpreendeu; ele não era Severus Snape, que a chamava de sangue-ruim, que desprezava grifinórios?

Os pensamentos giravam na sua cabeça. Comeu um pedaço do chocolate e se sentiu bem menos confusa. Era como se o sangue voltasse a fluir para o cérebro.

— Acha que pode ir, Evans? — perguntou Severus delicadamente.

— Sim — garantiu Lily, ficando de pé.

— Então é melhor irem — disse Madame Pomfrey. — Estou com outros casos bem sérios aqui na enfermaria — e indicou um sextanista, que tinha o rosto todo coberto por crostas marrons de aspecto desagradável.

Lily comeu mais um pedaço de chocolate e saiu da enfermaria, seguida por Severus e seus passos sinuosos.

Um silêncio constrangido perdurou entre eles até chegarem ao terceiro andar. Foi quando Severus lembrou-se das palavras de Faunt.

Ela não é adivinha nem legilimente para saber o que você se sente por ela.

"Essa é a minha grande chance!”

Take away his doubt, turn him inside out
(Tire sua dúvida, vire-o do avesso)


— Evans?

— Sim?

— Como é que você deixa de comer para ficar estudando?

Lily ficou surpresa, mas respondeu mesmo assim:

— Eu tenho andado muito ansiosa. São coisas que vêm acontecendo… Mais os estudos… Tenho medo de não passar.

— Claro que você vai passar — disse Severus. — Você é muito inteligente.

“Por Slytherin, o que diabos eu estou dizendo?”

— Hum… obrigada. Mas você não acha estranho dizer essas coisas para uma sangue-ruim? — perguntou Lily com ironia.

Severus sentiu o sangue afluir às faces.

— Ah, aquilo… Peço que me perdoe, Lily… Você acaba me encontrando em situações difíceis, quando estou com muita raiva daqueles quatro, e acabo falando coisas que não devo.

Ela entendeu.

— Eu sei… Às vezes, Potter e Black podem ser incrivelmente irritantes.

— Mas você fala com eles normalmente — disse Severus com um leve vestígio de mágoa na voz.

— Após sete anos, você acaba se acostumando — disse Lily desviando o olhar. — Isso não significa que eu concorde com o que eles fazem.

— Eu sei.

Andaram por mais algum tempo em silêncio, até que Severus respirou fundo.

— Lily… — era a primeira vez que a chamava pelo nome. Achou uma sensação maravilhosa.

— Sim, Severus? — ela também o chamara pelo nome.

— Eu… preciso te dizer uma coisa…

Then she can see what he’s been dying to say
(Então ela poderá ver o que ele tem morrido de vontade de dizer)


— Pode falar.

Ele não disse. Apenas a segurou pela cintura, empurrando-a de encontro à parede. Pôde ver sua expressão assustada, mas não se intimidou. E então, como sempre quis fazer, como sempre desejou em todos os seus devaneios, deixou que seus lábios tocassem os dela, suavemente…

De início, sentiu-a corresponder ao beijo, a língua desajeitada e trêmula, mas, de repente, ela começou a se debater em seus braços, empurrando-o. Quando ele recuou, viu verdadeiro desespero em seu olhar.

— Não, Severus, eu não posso!

— Lily, por favor, me escute!

— Severus…

Ele foi taxativo:

— Meu coração está em suas mãos, Lily. Cabe a você decidir o que fazer com ele.

— Severus, não faça isso comigo…

As mãos de Severus novamente encostaram na cintura de Lily, que o empurrou.

— Me desculpe!… — ela disse, num gemido.

E não houve mais tempo para palavras ou atos. Sem olhar para trás, ela saiu correndo, os cabelos ruivos indo para a frente e para trás.

As fantasias de Severus não tinham esse final.

But things don’t always turn out that way
(Mas as coisas nem sempre terminam assim)


— Eu deveria saber… Deveria saber que as coisas não iriam ser fáceis para mim… — um sorriso estranho se formou em sua face. — Mas ela será minha. Ou não me chamo Severus Snape.


N.A.: A frase "toda forma de poder é uma forma de morrer por nada" é de uma música dos Engenheiros do Hawaii, Toda Forma de Poder.

N.A.2: Gente, fiquem atentos com as aulas, pois em algumas aparecem informações importantes no confronto final!

Aí vai a prévia:

O que fazer quando sua vida perde o sentido? Quando você nutre um amor sem esperanças, quando se afunda no desespero, quando ama a mesma garota que seus dois irmãos, e, ainda por cima, perde seu pai?

Sem Chance


"— Eu quero morrer, Frankie! Só isso!"


N.A.: Reforçando o convite... Quem quiser, dá uma passadinha nas minhas songs...

Incondicionalmente
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Shining Like a Diamond
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Os Outros
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