Instinto de Nagini
Os dias que se passaram depois que Rony e Hermione reataram foram basicamente um mosaico de imagens que se resumiam aos beijos dos dois, ás frases que Harry não conseguia terminar para os dois continuarem seu romance, entre outras coisas ligeiramente constrangedoras.
As aulas estavam cada vez mais impossíveis. Smith se mostrava um professor extremamente severo, ocupando com hesito o lugar de McGonagall, que, a propósito, ele citava em média três vezes por aula, sempre para elogiar sua capacidade admirável como Animago, seus poderes invejáveis e sua brilhante carreira como professora de transformação. A primeira aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, na quarta-feira, foi adiada por que o professor havia sido chamado no ministério, mas a segunda aula, na sexta feira; foi realmente interessante.
Fullham, apesar de muito rígido e sério, era um ótimo professor, e mostrou isso nos primeiros minutos de aula, demonstrando firmeza e convicção.
- Estou aqui não para convencer vocês do perigo das artes negras, mas sim para ensiná-los a se proteger contra ela. – os alunos da sonserina, que estavam em sala com os grifinórios, deram risinhos debochados. – posso ensiná-los quase tudo que se tem para aprender, mas não posso convencer vocês da carreira tortuosa e incriminadora das Trevas.
Alguns engoliram em seco. Harry sentiu-se intimamente impressionado.
- Bem – falou ele, olhando sério para a sala silenciosa, seus olhos preto-opacos demonstrando uma certeza absoluta, e quase entediada – vamos começar por uma leve revisão das Artes das Trevas nos últimos séculos, estudar suas táticas, suas maneiras de convencer tantas pessoas ao proscrito, de modo a ficarmos temporariamente mergulhado nas Artes Negras.
Os alunos da Sonserina não conseguiam esconder seu contentamento. Malfoy até se empertigou na cadeira, seus olhos brilhando.
Sim, Malfoy estava na sala. Na terça feira a professora McGonagall resolvera absolvê-lo, depois de uma sessão de Legilimência com o próprio Fullham em que o homem descobrira que Malfoy fora dominado pela Maldição Imperius, e obrigado à tentar o homicídio de Harry, embora Draco não conseguisse se lembrar, e nem mantivesse nenhum registro mental, do seu atacante; mas não foi absolvido de graça, tampouco, principalmente depois do episodio da entrada de comensais no castelo graças a ele. Não, ele poderia estudar, mas seria supervisionado pelos professores e colegas de modo reforçado, além de que o ministério estaria sempre prestando atenção nos feitiços que ele fazia ou deixava de fazer. Não podia, também, usar uma varinha, a não ser durante as aulas. Harry achou muita graça nisso. Quando via o garoto no corredor, com o nariz abaixado e andando rápido sem parar pra respirar; Harry gostava de chamá-lo de meio-aborto. E o melhor de tudo, Rony lhe lembrou rindo-se, era que ele não podia revidar com magia, no máximo podia flexionar os punhos e xingar de volta, rancoroso, com lágrimas nos olhos. Hermione, que não aprovava essa atitude, cruzava os braços e ficava momentamente surda.
- É covardia, Harry, principalmente agora que ninguém é amigo dele... Todos o estão evitando... – falara ela, emburrada, na terceira vez que o garoto fazia isso. – ele não tem varinha... E nem vale a pena ficar falando com ele...
Mas Harry ignorava completamente.
Nesse momento Harry achou muito inconveniente, pra não dizer incriminador, ficar tão obscenamente interessado em Artes das Trevas.
- Vocês já têm uma boa base em Defesa, graças à Snape, eu já sei... – continuou Fullham, passando o dedo por uma pauta na escrivaninha, sua careca reluzindo bizarramente. – mas falta um contato mais profundo... – ele olhou no relógio de bolso dourado, antes de fechá-lo e falar em voz alta e eficiente: - sigam-me para a floresta.
Os alunos se entreolharam assustados. Ele parou com um ligeiro tropeço, a meio caminho da porta, com os olhos arregalados de surpresa para a hesitação da sala; mais ou menos como se eles estivessem à caminho de um bosque ensolarado com coelhinhos e riachos.
- Bem, vocês não vêm?
Então todos pareceram levar um choque. Levantaram-se ao mesmo tempo, ainda surpresos, arrumando as vestes e apanhando os casacos no encosto da cadeira.
- Um tanto apressado ele, não? – perguntou Rony para Harry, com os olhos abertos de espanto. Hermione parecia um pouco amedrontada, um pouco excitada.
- Vai ser fascinante estudar o ecossistema da floresta pelo ponto de vista de Defesa! – exclamou ela, andando a frente dos dois, agitando os cabelos. Levava um pergaminho e um lápis na mão.
Quando passavam pelo saguão de entrada as pessoas olharam impressionadas o professor passando impetuosa e decididamente pelas portas de carvalho e descendo as escadas sem olhar para os lados, e os alunos precisavam correr um pouco para seguir os passos largos do homem.
Quando passavam pela cabana do Hagrid o professor acenou animadamente para ele, bom sinal pensou Harry, também acenando para o meio-gigante.
Na orla da floresta, um pouco mais aquém da cabana, o professor parou. Alguns alunos frearam na frente, e os que vinham atrás se chocaram nas costas deles. Fullham examinava uma entrada entre duas árvores, apertando ligeiramente os olhos. Os alunos cochichavam nervosos e olhavam apreensivos para as folhas altas das árvores sinistras da floresta...
- É bem aqui – falou Oxfrom, se virando com agilidade para os alunos enfileirados.
Ele puxou a varinha com rapidez e saiu à frente da turma. Mais uma vez, porém, ele parou e chamou os alunos com um gesto silencioso e irritado.
Hermione positivamente tremia de animação, a expressão ansiosa estudando rapidamente a paisagem selvagem da floresta que os engolia aos poucos, junto à luz do sol, que se retinha nos topos das árvores, tornando-a um lugar extremamente abafado. Harry, que já estava perfeitamente acostumado com o lugar, nem deu muita atenção a isso: estava mais interessado no que o professor iria mostrar.
Ele caminhava cauteloso, evitando galhos secos e quebradiços, cujos ruídos ecoavam muito na floresta modorrenta.
Harry caminhava despreocupado, desviando de vez em quando, assim como o professor, dos galhos e folhas ressequidas.
Hermione anotava furiosamente enquanto observava a floresta, pela primeira vez do ponto de vista acadêmico. Rony estava muito assustado, erguendo a varinha a qualquer ruído do chão coberto de folhas.
Harry observou que Lilá olhava amuada para Rony, fungando de vez em quando, principalmente quando ele abraçava Mione pelas costas para assustá-la, ou algo do gênero. Ela também parecia nervosa com a floresta. Bem enquanto Harry observava, ela olhou assustada por cima do ombro, como se tivesse ouvido alguma coisa.
E de repente, com um estrondo ensurdecedor no chão coberto de plantas, um vulto caiu na frente da turma, provocando berros por todo o lado.
- Grope – Harry suspirou, indo a frente da turma apressado, erguendo os braços para acalmar o gigante.
Ele olhou confuso para o garoto, colocando o dedo na boca como se tentasse lembrar da onde o conhecia.
Então, arregalando os olhos, ele berrou com voz roufenha:
- Rarry!
- Oi, Grope... – cumprimentou ele, hesitante, ainda com as mãos no ar para sinalizar para o gigante se sentar. Ele usava a mesma combinação que usara no enterro de Dumbledore, um colete de retalhos gigantesco e um bermudão esquisitíssimo.
As meninas, todas, estavam encolhidas, algumas atrás de árvores, outras agarradas em meninos; Malfoy se refugiara atrás de Pansy Parkinson, assim como Rony atrás de Mione.
Logo os dois vieram, junto à Harry, Rony pigarreando, querendo disfarçar.
- Grope, você pode sair do caminho? – perguntou Hermione do seu lado, falando pausadamente.
Grope parou por um segundo, e logo depois, sinalizando seu entendimento, pulou para o lado, provocando outro estrondo descomunal.
Todos passaram erguendo a varinha e correndo, assustados.
Quando longe da ameaça, o professor chegou perto de Harry, perguntando “Mas o que diabos?...”, mas Harry apenas respondeu “Fale com o Hagrid...”. O professor pareceu desconcertado, mas continuou andando com a varinha firme na mão.
Quinze minutos depois ele parou, observando tudo com cuidado, passando a mão em troncos de árvore, e colando o ouvido a eles, dando pequenos cascudos na madeira.
Os alunos, por sua vez, preferiram se sentar em pedras salientes, descansando.
- Aguamenti! – ordenou Harry, apontando a varinha para a própria boca. Um jato de água cristalina saiu pela ponta dela, satisfazendo sua sede.
Enquanto isso Rony tentava, inutilmente, chamar a atenção de Hermione, que continuava fazendo anotações das poucas coisas que o professor dissera no caminho.
- E ai, Potter? – chamou uma voz arrastada, vinda de uma pedra ao seu lado.
Malfoy se sentava ali, contemplando a floresta com cara de desagrado. – parece que você ficou amiguinho de mais um professor de Defesa... Parabéns.
Ele falou isso debochadamente, girando a varinha entre os dedos.
- Draco, por mais que eu queira manter um assunto com você, e eu quero mesmo; meu amiguinho novo está me chamando... – e era verdade, o professor o chamava do outro lado da clareira – então vem falar comigo uma hora dessas, Draco, quem sabe quando você puder usar uma varinha... – Harry terminou a frase acidamente, se levantando descontraído.
Foi até o professor com as mãos no bolso, curioso.
- Harry, eu queria que você mantivesse distância do garoto Malfoy. – falou ele, apressadamente, parecendo preocupado. Seus olhos esquadrinharam a feição desdenhosa de Malfoy e se cerraram de desagrado. – depois de toda aquela ajuda para os comensais, quero dizer, vamos raciocinar...
- Professor – interrompeu Harry, gesticulando para que o homem se acalmasse. Deu uma risadinha nervosa. – o Malfoy não pode me fazer mal! Ele já está enrascado o suficiente, não é mesmo? E ele nem pode usar varinha fora da sala!
- Mesmo assim... Na sessão de Legilimência que eu tive com ele, eu vi muito ódio por você no consciente dele, e também tem o fato de que ninguém sabe quem o enfeitiçou...
- Professor – falou Harry subitamente, tendo uma idéia repentina. – tem um jeito de descobrir... sabe, o atacante...
A cabeça de Harry voava para o escritório que pertencera à Dumbledore, ao armário escuro no canto, com uma porta entreaberta, por onde saía uma luz azulada...
E de repente Fullham podia ver também. Com uma expressão de súbito entendimento, ele arregalou os olhos.
- Não a... Penseira de Dumbledore! – ele olhou para Harry abobado, a boca entreaberta. – Por que não pensei nisso?...
- Mas a gente pode dar um jeito de pegar a lembrança?
- Bem, eu precisaria interrogá-lo novamente, mas... Seria possível, sim.
- Ótimo – exclamou Harry, sorrindo. O garoto se afastou, mas foi obrigado a voltar quase imediatamente ante o grito do professor de “Turma, achei, venham dar uma olhada...”. Harry se aproximou novamente, se abaixando à altura do professor.
Havia uma marca entalhada na madeira, uma marca em forma de “S”, grande e floreado.
Harry sentiu uma pontada no estomago: esse símbolo nunca poderia ser um bom sinal.
O professor pegou a varinha e tocou a madeira desenhada. O local brilhou com luz branca por um momento, refulgindo nos rostos assombrados dos alunos.
Então um arco se formou no tronco, um arco de luz que formou uma passagem estreita mas da altura de Harry, e de uma hora para outra a madeira desapareceu com um súbito clarão.
Os alunos se entreolharam assustados, mas então, para o alivio da maioria exceto Harry, Rony e Hermione, a sineta tocou sinalizando o final da aula.
O professor suspirou contrariado e deu um toque com a varinha no tronco. Ele se fechou novamente, mostrando o grande S serpentino.
Foi então que Harry sentiu. Uma sensação fria e enregelante... Uma dor nos olhos... Seu estomago revirou desconfortavelmente. Segundos depois ele estava arfante, com uma dor no peito... Empertigou-se novamente, tentando não pensar que era aquilo mesmo que ele pensava que era...
Os alunos apanhavam suas capas largadas nas rochas ao redor e voltavam apressados e cuidadosos para a entrada da floresta, no fim da trilha que serpeava entre as pernas de Grope que continuava parado bobamente no meio do caminho, dando adeusinhos aos alunos aterrorizados.
Minutos depois, saindo da sala de defesa, Rony murmurou pra Harry, animado:
- O que será que tem naquela árvore?
Harry, que por acaso pensava na mesma coisa, não soube responder. Apenas balançou os ombros olhando para os sapatos, pensando...
O que poderia haver, das trevas, escondido nas entranhas da floresta? Por que Fullham queria tanto mostra-lo à turma? Harry não sabia... Mas aquele S, Harry sabia, não podia representar algo bom.
No sábado Harry acordou extremamente desapontado, e com uma dor enorme na cabeça. Além de ter três relatórios pra fazer; um de poções, um de feitiços e um de herbologia, ele ainda precisava praticar um Feitiço Camuflatório para Flitwick, e também retirar e separar por classes e filos todos os ingredientes da Poção Envelheçedora.
Mas a principal razão do desanimo de Harry se devia ao fato de ele ter brigado com Gina mais uma vez, na noite anterior, justamente tentando se desculpar.
- Gina, eu quero te pedir desculpas – falara Harry com a maior sinceridade e coragem que conseguiu reunir (eles estavam diante da lareira da apinhada sala comunal).
Gina, para o horror de Harry, puxara a varinha quase instintivamente. Porém, pareceu pensar uma segunda vez, e guardou-a novamente nas vestes.
- Desapareça – falara ela com simplicidade, se virando para sua turma de amigas, que olhavam apreensivas ou lançavam olhares de condescendente superioridade.
- Gina... Eu não agüento ficar longe de você... Eu vejo Rony e Mione se beijar e fico...
- Ah – ela recomeçou, se virando para encarar Harry novamente. Agora a sala estava rigorosamente silenciosa, a voz da garota retumbava nas paredes de pedra. Harry corava – então... Você quer reatar por inveja de Rony e Mione... Você está sendo patético. – falou ela, leviana.
- O-ho, espera lá! – falara Harry, realmente zangado agora, levantando um dedo para Gina. – eu...
- Não levante esse dedo pra mim se gosta do feitio dele! – chiou Gina, tremendo de raiva. Seu rosto, de tão vermelho, se fundia perfeitamente com os cabelos. Harry se lembrou comicamente de Molly Weasley intimidando o marido. Ficou envergonhado. Olhando por cima do ombro, ele trocou um olhar com Rony, que deu um virtuoso aceno de cabeça, e Harry abaixou o dedo, mas desta vez ergueu a voz.
- Gina, você não tem o direito de mandar em mim, e nem de me controlar! – a garota abriu e fechou a boca. Harry não se lembrava muito a partir desse ponto, exceto da parte em que ela ergueu a varinha. Talvez esse era o motivo da dor lancinante na sua cabeça.
Ele se sentou na cama e estudou seu rosto no espelho do armário ao lado da cama, cuja porta estava aberta. Um garoto, quase um homem, olhou sonolento pra ele. Harry achatou os cabelos, e se espreguiçou. Colocou os óculos e deitou novamente na cama.
Tentou se lembrar o que estava sonhando antes de acordar... Havia um buraco... Muito verde... E luz...
Ele se ergueu da cama, seu coração martelando as costelas. Ele sonhara com a árvore que vira no dia anterior.
Levantou-se com um plano formado. Colocou um casaco e um jeans, e depois apanhou a capa da Invisibilidade na mala. Colocou-a, ignorando o bocejo que vinha da cama ao lado, que sinalizava o despertar de Rony.
Saiu sorrateiro do quarto e desceu as escadas.
Dez minutos depois ele atravessava os gramados orvalhados, olhando nervoso para os lados. O céu estava cinza e inquieto, como no dia em que Harry achara a Horcrux no cemitério de Godric’s Hollow, com nuvens que espiralavam ameaçadoras, avisando o pé d’água que parecia prestes a cair.
Ao passar ao lado da cabana de Hagrid, ouviu o retumbante latido de Canino, que arranhava a porta, que estava um tanto queimada, assim como as paredes que conservavam um tom enegrecido de queimado.
Harry continuou em frente, ouvindo a grama fazer um estranho ruído de borracha sob seus pés. Quando entrou na floresta, a sombra das florestas diminuiu a já fraca luz do dia. Ele olhou em volta e viu tudo ainda mais escuro graças à capa prateada. Teria que tira-la. Escondeu-se atrás de uma árvore e despiu-a, nervoso. Escondendo-a numa moita próxima, ele apanhou a varinha e olhou apreensivo para a cabana de Hagrid, visível por trás de um grande sicômoro. Tentando manter a concentração, ele se voltou para a floresta, respirando fundo.
Colocou a própria varinha sobre a cabeça e pensou com força no feitiço de desilusão. Esperava que funcionasse: da ultima vez que tentara, em Rony, o amigo ficara três horas sem as duas orelhas, que voltaram estranhamente pequenas, mais ou menos na hora da briga de Harry e Gina.
Mas, milagrosamente, ele sentiu um frio que foi descendo pelas suas costas até a ponta dos pés, e ele se tornou transparente, como um grande camaleão, se fundindo ao tronco atrás de si.
Então o garoto decidiu seguir em frente. Ergueu a varinha um pouco mais, e saiu pela penumbra da floresta. Seguiu a trilha que o professor mostrara no dia anterior. Harry notou em grandes sulcos cheios de água no chão, em forma de pés, provavelmente os pés de Grope.
No fim da trilha, próxima à clareira, estava a árvore marcada.
O garoto se ajoelhou diante dela e se viu sem realmente saber o que fazer. Apontou a varinha para a madeira e depois apontou-a para baixo de novo. Não fazia idéia do que deveria fazer. Havia um feitiço especial para abri-la?
Harry nunca estivera numa situação assim antes.
Estive sim! Lembrou-se ele, ficando animado. Quando entrara na Câmara Secreta, ele não contara com nenhum feitiço, mas sim com sua capacidade mais sombria: a ofidioglossia.
Harry se concentrou na imagem de uma cobra, e tentou uma nota tremula que ele julgou ser a língua das cobras. Nada aconteceu.
Ele olhou em volta, nervoso. O que fazer?
Claro – pensou, dando um soco em sua testa transparente. – Serpensortia!
Uma cobra materializou-se de sua varinha, sibilando para o ar frio da floresta.
Ela se virou para encarar o garoto, não pela imagem, que não estava ali, mas certamente pelo cheiro.
Harry se concentrou naqueles olhos amarelados... Olhou para o tronco ao seu lado e falou com clareza:
- Abra – sua voz não saiu, e sim um sibilo baixo e perturbador.
O tronco mais uma vez brilhou e a madeira se desmaterializou, mostrando um arco que adentrava na arvore oca. Harry se virou novamente para a cobra sibilante e lançou-lhe um feitiço Evanescedor.
- Lumus! – ordenou Harry, erguendo a varinha. Uma luzinha brilhou na sua ponta, e o garoto apontou-a para o interior escuro da árvore.
Havia apenas uma escadinha que descia atravessando as raízes mais profundas, que desembocava em algum lugar escuro e desconhecido. Mas não era tempo de desistir.
Se segurou na escadinha precária de madeira escorregadia e forte, e desceu, silencioso, exceto pelo barulho de tambor que certamente seu coração estava produzindo.
Quando começou a se perguntar quando a escada chegaria ao fim, ele pisou em chão firme, de pedra irregular e limosa.
Ergueu a varinha e deparou-se com uma imagem surpreendente. Uma caverna estranhamente esverdeada, cheia de brilhos prateados e escorridos nas paredes.
Vários caldeirões com conteúdos congelados estavam à mostra, e alguns estavam sobre uma armação metálica cujo fogo ainda não se extinguira.
A principio Harry achou isso um mau-presságio: havia alguém ali? Mas logo depois relaxou, lembrando-se de que bruxos podiam produzir fogos perpétuos, e certamente o caldeirão no topo desse estava completamente retorcido e cheirava à queimado.
A um canto fora colocado uma mesinha miserável, coberta de paranhos, onde um turbante roxo repousava, desarrumado, como se o seu dono tivesse apenas tirado-o e deixado ali provisoriamente, contando voltar para apanha-lo, alguém que precisava dele e tinha mais desses. Quirrel, talvez? Harry sentiu uma pontada de terror e susto, e ergueu novamente a varinha, nervoso.
Aquela só podia ser a caverna onde Quirrel descansava com seu lorde, e aqueles caldeirões... Aqueles caldeirões estavam ali desde o primeiro ano de Harry na escola, cheios de poção de Sangue de Unicórnio.
Harry estremeceu, enojado. Sentiu um arrepio na nuca e se virou rapidamente, girando no mesmo lugar, iluminando cada cantinho com a luz da varinha, tenso.
Então recomeçou a estudar o aposento.
Havia um espelho rachado na parede, por onde se moviam vultos difusos; um espelho de Inimigos. Pergaminhos atulhavam uma estante pequena no canto, com desenhos esquisitos, que mostravam uma transformação humana, que parecia representar um ser humano ganhando um rosto extra nas costas da cabeça. Um rosto que saía grotescamente da nuca do homem, que parecia estar sofrendo de dor lancinante, desesperadora.
Harry tirou os olhos do desenho, sentindo-se mal. Com ânsia, ele se virou para sair, mas algo o esperava logo atrás. Uma cobra muito sua conhecida o encarava, sal cabeça erguida no ar, revirando a língua perigosamente.
Nagini, a serpente que obedecia zelosamente às ordens de Voldemort. Harry recuou. Como a cobra que ele mesmo conjurara, Nagini parecia se orientar pelo seu cheiro.
Harry encostou na mesinha frágil às suas costas, e sentiu o turbante roxo cair para o chão. A cobra adiantou-se, abrindo a boca, louca para saciar sua fome, sedenta por sangue, o veneno escorrendo de suas mandíbulas escancaradas...
Um estrondo acima distraiu a atenção da cobra. Ela revirou a cabeça procurando a fonte do som, que Harry sabia inconscientemente ser o passo próximo de Grope, que, o garoto teve de admitir, não poderia escolher momento melhor para aparecer.
Harry aproveitou o momento:
- Lacarnum Inflamarae! – berrou ele, e um fogo tremeluziu na ponta da sua varinha, desativando o feitiço Iluminador.
Foi a vez de Nagini recuar, sibilando furiosa. Ela sumiu da vista de Harry, se refugiando na escuridão crescente...
Agora Harry estava decididamente desesperado. Pensava numa velocidade incrível, tentando inutilmente avistar a cobra que se esquivava no escuro, arregalando os olhos.
Sentiu os óculos escorregarem para a ponta do nariz suado e transparente.
Então sentiu alguma coisa no bolso da sua calça: uma bombinha Fedorenta, que comprara na loja de Logros e Brincadeiras de Fred e Jorge. O garoto, sem pensar realmente, tirou-a do bolso e puxou a cordinha.
Uma fumaça esverdeada tomou o ar parado da caverna. Harry cobriu o rosto e saiu tateando pela caverna, seguindo a luz tremula e fraca da sua chama...
Um pedaço de madeira escorregadia tocou sua mão, e ele percebeu que era a escada para fora do buraco. Subiu às cegas, desesperadamente.
Mas na metade da escada ele sentiu um movimento acima de sua cabeça e percebeu que não fugira da cobra: fora até ela.
Ergueu os olhos lentamente, e viu dois olhos brilhantes à vinte centímetros dos seus. O réptil começou a se desenrolar, escorregando de cabeça para baixo na escada, sua cauda enrolada lá no alto.
Sem pensar, Harry ergueu novamente sua varinha chamejante e tocou-a na ponta do focinho escorregadio da serpente. Ela soltou um sibilo furioso, e se ergueu na escada, deixando dois degraus livres; Harry subiu, e realizou um feitiço de chamas rapidamente, fazendo a cobra subir mais um pouco, e mais, e mais...
Já no topo, Harry viu a cobra se desenrolar da madeira, rastejando de ré, encarando Harry, faminta e furiosa, sua cara feiosa chamuscada...
- Impedimenta! – Harry ordenou, reunindo coragem. Um raio prateado atingiu Nagini na barriga pálida, e ela recuou ainda mais, parecendo tonta, furiosamente amedrontada. Ela foi se arrastando para longe de Harry, e desapareceu na folhagem densa da clareira.
Harry, sem parar para considerações e hesitação, correu desabalado para longe da clareira, esbarrando em árvores e lançando feitiços à esmo...
Atingiu a clareira onde deixara a Capa da Invisibilidade. Ele apanhou-a sem pensar e colocou-a de qualquer jeito, continuando a correr. Por sorte, Hagrid simplesmente ignorou o fato de que um vulto meio transparente, meio invisível, passou correndo e berrando por sua cabana.
Harry atravessou as portas de carvalho completamente coberto, e subiu, imponderável, as escadas vazias, os corredores frios, e chegou diante do quadro pintado à óleo da Mulher-Gorda.
- Covil Mordaz – falou ele, arfando.
- Como seja – falou ela, ignorando que quem falara estava invisível, e girou deixando Harry passar. Na sala comunal, ele jurou ter ouvido sua voz dizer – em pleno sábado, já acordando cedo desse jeito...
O garoto subiu a escada circular do dormitório, e encontrou-o praticamente vazio, apenas Rony e Neville conversavam ainda deitados em suas camas.
Quando Harry tirou a capa Neville caiu da cama, com um grande baque surdo. Rony cobriu-se até o pescoço com a coberta, mas depois a baixou lentamente, olhando o vulto camaleônico na sua frente.
- Hm... Harry? – chamou ele, hesitante, baixando um pouco a coberta alaranjada.
Harry balançou a cabeça afirmativamente, e Rony baixou de vez o cobertor.
- Maneiro, Harry, aprendeu a Desilusão – falou ele, calmo, se levantando e calçando o chinelo, sorrindo bobamente.
- Rony! – chamou uma voz da porta, e Mione entrou dando passos longos, com os braços abertos, os olhos fechados, como se espreguiçasse. No meio do caminho, porém, bateu em Harry e caiu com o traseiro no chão, piscando sem entender.
Ela levantou os olhos e exclamou:
- Harry – se levantou dignamente e puxou a varinha. – se você aprendeu a se Desiludir – ela fez um gesto e o feitiço começou a se desfazer – a culpa não é nossa – ela deu uma risada, e se sentou na cama de Rony, pregando-lhe um beijo de bom-dia.
- Entrei na árvore – contou Harry, ainda de pé, esperando pela bomba.
- O QUÊ? – Hermione se levantou de um salto, soltando cuspe, apopléctica.
- Calma. Eu entrei, mas não deu nada errado, quero dizer, exceto talvez por Nagini...
- Nagini?! – exclamou ela novamente, ficando escarlate de indignação.
- Foi. Bem, eu estou bem – falou ele, tentando esconder no bolso a mão direita, que sangrava profusamente. Hermione não viu, por sorte.
- Cara, você é largo, hein? Sortudo, digo – explicou Rony, encolhendo os ombros, despreocupado. – a cobra do Você-Sabe-Quem é grande? – perguntou, caindo na cama, rindo de se acabar. Hermione fechou os olhos e pareceu contar até cem.
- Bom, se você saiu bem dessa... Mas por que ela iria atrás de você? – perguntou, dando um soco no braço de Rony, que parou de rir.
- A caverna sob a árvore pertence a Voldemort. Talvez ele a tenha desde a época de escola – ele havia acabado de considerar essa possibilidade – quero dizer, ele tinha coragem e poder o suficiente, não é? Mas o que tem lá dentro remete à Quirrel. Deve estar fechada desde a morte dele... Sangue de unicórnio por todo o lado... Horrível... – ele parou, olhando para as expressões arrebatadas dos amigos. – até aquele turbante... Roxo... Que o Quirrel dizia ter sido presente de um príncipe de sei-lá-aonde.
- Você entrou no antigo quartel-general de Você-Sabe-Quem? – impressionou-se Rony, se aprumando na cama.
- É... – Harry estava distraído, passando a mão no cabelo... Como o Fullham teria descoberto aquela passagem?
- Mas como o Fullham descobriu aquela passagem? – indagou Mione, colocando o pensamento de Harry em palavras. Ela parecia estar questionando mais para si mesma.
- Bem, deve ter achado com algum aparelho mágico, como aqueles esquisitíssimos de Moody, não é?
- Ah, fica quieto, Rony – mandou Mione, abanando as mãos, pressionando a testa com as mãos, como se tentasse instigar o cérebro a funcionar mais rápido.
- Vou lá perguntar – decidiu-se Harry. Tirando a varinha, ele fez um gesto para a mão direita ferida, e murmurou:
- Episkey!
O ferimento fechou instantaneamente, deixando apenas o sangue em volta do lugar onde estivera.
Harry deixou o quarto às pressas, ignorando o chamado de Rony e Mione, ambos perguntando o porquê da pressa, ou um “espere por nós!”.
Atravessou os corredores desertos e parou diante da porta do escritório de Defesa.
Bateu três vezes na porta, e ela abriu-se quase imediatamente.
Oxfrom Fullham estava parado ali, com uma roupa de trabalho, e óculos estranhos, de lente grossa. Parecia não ter dormido durante a noite.
- Harry – falou ele, sem entender, se afastando para o garoto passar. Harry registrou mentalmente a aparecia estranha do escritório, lembrando das várias aparências que ele já tivera.
No segundo ano de Harry, ele era atulhado de fotos, pôsteres e quadros de Gilderoy Lockhart; no terceiro; era muito normal achar ali um bicho extremamente perigoso ou interessante. Já no quarto, uma variedade esquisita de objetos para rastreamento de Artes das Trevas e segredos.
No quinto, uma grande coleção de pratinhos com desenhos felinos grotescos, pertencentes à Dolores Umbridge. E no sexto ano ela ficara desocupada, já que Snape preferira sua salinha nas masmorras, com coisas nojentas e flutuantes imersas em líquidos nojentos e coloridos.
Mas esse ano ela estava mais para Moody, como Rony arriscara mais cedo, embora também lembrasse um pouco Snape e o local que, na imaginação de Harry, poderia ser a sala dos sonhos de Luna Lovegood.
Tinham ali uma quantidade admirável de tanques, como os de Lupin, cheios de líquidos estranhamente berrantes e de aparência mofada e venenosa, com vultos imersos. Aparelhos estranhos que giravam apitavam; até um que Harry podia jurar que Dumbledore possuíra, uma caixinha prateada esfumaçante. Uma mesa de estudos estava encostada no canto, próxima de uma maca estranha, com alguma coisa ainda mais estranha em cima: parecia um bicho aberto pela barriga.
Harry desviou os olhos dessa visão desagradável, e olhou para os olhos opacos do professor, que o convidou a se sentar.
O garoto obedeceu, e sentou-se diante do homem, que tomou o lugar atrás da escrivaninha.
- Então, Harry – começou ele – o que trás você ao meu escritório assim tão cedo?
Não usava tom de censura, e o garoto se sentiu compelido a falar, quando ele se recostou à confortável cadeira de couro, tirando uma luva descartável meio ensangüentada.
- Eu... Entrei... No buraco da árvore. – ele olhou para o lado, desconfortável. Sentiu o professor estuda-lo por um momento, e logo depois o homem falou.
- Muito bem, Harry. – o garoto virou a cabeça tão rápido que estalou. Estava incrédulo. – sabia que você tentaria entrar. Admiro sua criatividade e sua independência. Muito bem, Harry.
- Queria perguntar como você descobriu a entrada – falou Harry em um só fôlego.
O professor mirou-o por um segundo, e suspirou. Levantou-se e foi olhar pela janela onde umas gotas de chuva caíam, excepcionalmente grossas.
- Bem – ele se virou para Harry, caminhou até ele e se sentou na escrivaninha. – primeiro, tinha umas anotações de Alvo, que indicavam aquele local como um lugar suspeito. Também tinha o depoimento de Firenze, o professor de Adivinhação, que tinha muito receio sobre aquele local, tendo um de seus companheiros centauros e vários unicórnios sido mortos naquela região.
- É, eu achei um bocado de sangue de unicórnio lá na caverna – Harry apontou com o dedo por cima do ombro, com uma expressão constrangida.
- Bem, eu não tenho certeza, mas acho que algum bruxo das Trevas realmente poderoso...
- Voldemort – explicou Harry – ele e o professor Quirrel, que trabalhou aqui no meu primeiro ano, e foi possuído por ele; tenho certeza; aquele era o local onde eles repunham as forças. No mesmo ano eu encontrei Voldemort naquela parte da floresta – terminou sombriamente.
O professor encarou-o surpreso, sua careca agora refletindo as sombras rápidas produzidas pela chuva forte.
- Mas, professor? – chamou Harry de novo. – o que faremos quanto à Draco Malfoy?
- Ah, isso – falou ele, se levantando. – cuidarei disso eu mesmo. Agora, Harry, se me faz o favor, eu tenho muito que fazer, lamento.
Ele segurou a porta aberta para o garoto, que saiu, ouvindo a porta bater fracamente atrás de si.
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