Escondido sob a pedra



Eles passaram a noite num hotelzinho de bruxos chamado “O Bico do Corvo”, à beira da estrada. Era muito simples, mas tinha bons quartos e boa comida.
Harry acordou antes dos amigos, e desceu as escadas para o salão de café. Estava vazio, exceto por algumas bruxas que bebericavam com os dedinhos levantados.
Ele se sentou no balcão, e pediu uma xícara de chá. Ela chegou, fumegando, e o garoto segurou-a com as duas mãos, indo escolher uma mesinha no canto.
Fazia uma manhã fria e enregelante. O céu estava toldado de nuvens e muito cinzento, com uma perspectiva de chuva no ar. As nuvens espiralavam ameaçadoramente sobre o sobrado onde fora situado o hotel. Harry sabia disso, pois passara meia hora deitado na cama antes de descer, olhando pela janelinha suja acima de sua cama confortável.
Ele iria ao cemitério dali a pouco, com Rony e Mione, para visitar o túmulo de seus pais. Ele sempre quisera visita-lo, e finalmente chegara a oportunidade. Ele olhava para o teto escuro, pensando no que faria depois de sair da cidade, o que ele pretendia fazer no dia seguinte.
Provavelmente iria voltar ao Beco Diagonal, para buscar seu malão, e então voltaria à Toca. Mas seria difícil ficar lá. Talvez ele fosse embora na manhã seguinte, desta vez com os amigos, pois sabia que eles não o deixariam escapar. Embora não soubesse o que o esperava, sabia que seria difícil chegar ao fim desta jornada. Dali à uma semana completaria 17 anos, e ele ainda não sabia se voltaria para a escola... Aquele castelo era seu lar, o único lugar onde fora verdadeiramente feliz, onde encontrara amizade, amor, família... Não queria deixar de ir, mas, ao mesmo tempo, sentia o poder de Voldemort oprimir cada vez mais o povo ao redor. A população bruxa estava em pânico, e quanto mais cedo àquela opressão, aquela ameaça constante acabasse, menos pessoas encontrariam a morte.
Naquela hora seu devaneio foi interrompido pela chegada de Rony e Hermione. Eles haviam passado por ele e dado um tapinha nas suas costas, e se dirigido ao balcão para pedir um café.
Enquanto eles esperavam, Harry observou-os e sentiu uma tranqüilidade enorme tomar-lhe o corpo, uma leveza que ele nem imaginava possível naquela situação. Ele sorriu para as costas dos dois, aqueles dois que sempre estiveram ali, que sempre haviam estado do seu lado, desde aquela primeira aventura no seu primeiro ano em Hogwarts, em que eles quase haviam sido pegos pelo Filch, andando pelos corredores às altas horas da madrugada...
Eles se viraram, e vieram contornando as mesas, se sentaram um de cada lado de Harry.
- E aí? – perguntou Rony, tomando um gole de café com leite.
- Vamos embora amanhã de manhã – respondeu o garoto, olhando para o conteúdo da sua xícara. – acho que depois de pegarmos nossas coisas vamos para a sua casa novamente.
- Não acha que sua mãe vai ficar... Hum... Chateada? – perguntou Mione para Rony, com uma expressão hesitante.
- Bem – começou o garoto, com a voz igualmente insegura – ela vai ficar muito irritada – ele tomou um golinho do café – mas o Harry ela perdoa. – ele deu um sorrisinho.
- Não sei... – começou Harry, olhando para o amigo, desanimado – foi realmente ruim ter mentido pra ela...
- Sei – disse Rony olhando, distraído, para as corujas que tinham acabado de entrar pela janela no alto da sala, espalhando cartas sobre os hóspedes. – olha a Edwiges! – exclamou ele, apontando por cima da cabeça de Harry.
O garoto olhou pra cima e viu: um ponto muito branco entre a massa castanha de corujas que voavam para seus donos ou deixavam cair um exemplar do Profeta e saía de novo pela janela, depois, é claro, de recolher seu nuque de pagamento.
A coruja branca veio rasando pela sala abafada e pousou com leveza no colo do dono, que lhe acariciou a cabeça, contente.
- Trouxe uma resposta? – perguntou Rony, nervoso.
- Sim! – exclamou Mione, apontando pra perna da ave, onde um rolinho de pergaminho era visível.
Harry desenrolou o papel, apreensivo, e leu a curta resposta da sra. Weasley:

“Rony, Harry, e Hermione:
Espero sinceramente que vocês saibam o que estão fazendo!
Estamos todos esperando por vocês, de onde quer que estejam vindo.
Quero que me avisem logo quando irão voltar! E Rony, seu pai e eu estamos muito nervosos, então tenha cuidado e responsabilidade!
Esperando pela resposta em breve, subscrevo-me,
Molly Weasley

PS: Gina está chorando pelos cantos, voltem logo!
PS 2: Percy mandou uma coruja de parabéns pra Gui, não é incrível?”

Harry terminou a leitura se sentindo muito mais leve. Estava mesmo preocupado com o que a mãe de Rony iria dizer sobre aquela pequena aventura.
- Bem, poderia ter sido pior, não é? O Percy poderia ter vindo pessoalmente – disse Rony, com uma voz bem conformada. – Um tijolo de chocolate com recheio de sorvete, por favor! – pediu ele, levantando a mão para o garçom, que passava ao lado deles.
- Rony! – exclamou Mione, escandalizada – são oito e meia da manhã!
- Ah, relaxa, Hermione – disse ele, dando um cavernoso bocejo.
- Francamente! – trovejou ela, procurando o garçom com os olhos. – pode cancelar o pedido!
O garçom balançou a cabeça, negativamente, já com o doce numa bandeja.
- Não posso cancelar, senhorita. Já estava pronto. – disse ele, pousando a bandeja na frente de Rony, que gemeu de prazer, diante do pedregulho de chocolate gelado, do tamanho de um paralelepípedo. Mione cruzou os braços, com os olhos apertados para o doce.
Houve uma pausa em que Rony avançou vorazmente no chocolate, observado pelos amigos.
- Eu decidi – começou Harry, interrompendo Hermione, que acabara de abrir a boca para recomeçar o sermão de educação alimentar. Ele parou um pouco, refletindo sobre a decisão – que voltaremos para Hogwarts.
Rony parou de mastigar, deixando cair da boca uma grande quantidade de sorvete de morango que foi parar na frente do casaco. Hermione olhou para Harry, descruzando os braços lentamente, parecendo tensa.
- Você tem certeza, Harry? – perguntou a amiga, ignorando o namorado, que agora tossia, devido a um pedaço de chocolate entalado na garganta, e não desviou o olhar nem mesmo quando o pedaço voou da boca de Rony, e foi parar, quicando pateticamente, no meio da mesa. Rony pigarreou, ficando vermelho, e apontou a varinha para a roupa. Depois que a meleca de choco-sorvete desapareceu, ele levantou os olhos para o amigo.
- Tenho – respondeu Harry, olhando de um para outro – qual é, sabemos que de nada irá adiantar sair por aí procurando algo sem ter nem pista... Não estaremos menos seguros em Hogwarts, e alem de tudo, sua mãe não te deixaria desistir da escola. E não quero desviar mais um filho dela do caminho que ela escolheu – completou ele, com um leve sorriso.
- Quando você diz... “Sair procurando por algo sem ter pista”... – começou Mione, sem olhar de todo para Harry – você quer dizer as... Horcruxes?
- Naturalmente – respondeu ele, balançando os ombros. – e também acho – continuou ele, com um leve toque de impaciência. – que Dumbledore deve ter guardado algo mais no castelo, algo que deve ser procurado. Algo com relação às Horcruxes, ou a profecia... Ou a Voldemort.
Rony tremeu de leve, mas Mione continuou firme, com as mãos apoiadas no colo, embora ela as torcesse nervosa.
- É claro que sim. – confirmou ela, olhando para o café, que agora parecia ligeiramente gelado. Mione apontou a varinha para a xícara, e ela começou imediatamente a soltar uma fumaça muito densa. – mas não podemos criar muitas esperanças, afinal ele disse que lhe contaria, lhe mostraria tudo que fosse importante.
- Mas ele estava supondo na maioria das vezes – argumentou Harry, olhando para o rosto da amiga – ele errou, como se pode notar.
Ele engoliu em seco, e tomou um gole do seu café gelado. Ele tentou o mesmo feitiço de Hermione, mas a xícara criou penas e saiu voando pela janela. Resignado, ele fez um sinal para o barman, para mandar a conta.
O homem mostrou a soma, e Harry pagou tudo, se levantando junto com a amiga. Rony olhou, desejoso, para seu Tijolo-Chocorvete, e saiu atrás dos amigos, com uma última colherada.

Meia hora depois, eles estavam em frente ao pequeno e cinzento cemitério da cidade.
Era situado em um morro completamente coberto de túmulos e jazigos, e nenhuma flor, seja de plástico ou de verdade, se via em suas tampas.
Eles seguiram pelo caminho principal do local lúgubre. Harry notou uma goticidade muito estranha, pesada demais até para um cemitério. Os corredores estreitos que saíam daquele em que andava estava tão silenciosos, tão vazios, que o garoto se lembrou, inevitavelmente, dos Inferi. Aproximou-se dos amigos, que estavam um pouco mais à frente, e tremeu ligeiramente.
Quando estavam próximos ao topo do morro, eles viram um túmulo de mármore negro, exatamente como o do folder, o único com flores.
Harry correu em sua direção, desviando dos túmulos cinzentos e manchados no caminho.
Ele parou abruptamente ao chegar aos pés do túmulo duplo.
Os nomes no alto da lápide informavam que ali jaziam“Lílian Potter”, e “James Potter” com suas datas de nascimento e morte, respectivamente.
Harry olhou, sensibilizado, para as fotos dos pais. Estranhou o fato de que elas não se mexiam, e lembrou-se de que isso não poderia, já que o cemitério era freqüentado por trouxas na maioria das vezes.
Ele se sentou na borda do mesanino de mármore, que estava muito gelado.
As flores que atulhavam a tampa, Harry reparou, tinham um colorido muito estranho perto do cenário todo em cinza.
Ele sentiu Rony e Mione andarem até o ponto onde estava, e eles se ajoelharam ao lado do amigo. Harry ainda encarava, emocionado, as fotos daqueles rostos jovens e belos.
- Harry... – chamou Mione, do seu lado esquerdo.
- O que? – perguntou ele, olhando vagamente para o lado, onde a garota andava de quatro pelas pedrinhas branco-encardidas.
Ela parou, olhando intrigada, para a lateral do túmulo. Haviam ali, Harry notou de repente, inscrições muito estranhas.
Harry pensou, por um momento, com uma súbita indignação, que haviam profanado o jazigo de seus pais, mas no momento seguinte reconheceu a letra que estava tão perfeitamente entalhada, que apenas uma varinha poderia ter feito tal obra. Ele passou os dedos para tirar uma camada leve de pó e leu as seguintes palavras:
Ao menino-que-sobreviveu:
“Na última morada das vitimas de morte, venho encerrar o grande segredo do Lorde – Régulo A. Black”
- Mas o que isso significa... – perguntou Harry, olhando, intrigado, para os amigos. Eles encaravam as palavras, como se estivessem tentando lê-las.
- Se eu conseguisse entender – falou um irritado Rony, que inclinava a cabeça, na tentativa de ler.
- Vocês não conseguem entender, não é? – indagou Harry, entendendo tudo. Era como na carta de Snape: apenas Harry poderia ler, pois estava endereçada a ele.
Ele voltou a atenção à frase na lápide. Puxou a varinha, hesitante, e então procurou algum local onde poderia tocar a varinha, e não a tendo achado, simplesmente bateu com ela no meio da frase entalhada no mármore.
Nada aconteceu.
Ele pensou o mais que pôde, franzindo a testa.
A testa.
Ele tirou os óculos, pensativo. Com esforço, ele encostou a cabeça no mármore empoeirado, e esperou, sentindo os olhares intrigados dos amigos logo atrás, e o frio do mármore na sua fronte.
Naquele momento, então, uma dor maior do que qualquer dor que ele já havia sentido invadiu-o, e ele berrou de agonia, enquanto caía de borco, tremendo feito louco.
- Harry! – gritaram, desesperados, Rony e Hermione, se ajoelhando ao lado dele.

Harry ainda tremia quando abriu os olhos. Os amigos se agigantavam sobre ele, parecendo em pânico.
- O que aconteceu?... – perguntou ele, com voz pastosa. Sentia vontade de vomitar.
- Nad... – começou Mione, parecendo mais aliviada.
Mas então eles ouviram um som de trituração, e um dos blocos superiores do túmulo, entre as fotos, começou a levantar, até parar no ar. Os três olharam, prendendo a respiração, uma parte do bloco se desprender, e revelou que este era oco.
Havia, no entanto, um brilho prateado lá dentro. Harry se levantou, trêmulo, erguendo a varinha.
Se aproximou do bloco de mármore com cautela, pé-ante-pé.
Meteu a mão no oco da pedra, e retirou uma medalha de prata completamente limpa, como se o tempo enterrada em nada tivesse alterado seu brilho prateado, que ainda refulgia na luz pálida da manhã. Seu coração deu um salto de excitação, quando ele viu um magnífico “S” gravado na tampa do medalhão, que ele abriu, afastando-o para longe de si.
Novamente, nada aconteceu.
Ele olhou para o local onde deveria estar uma foto, em um medalhão comum. Ele viu um estranho brilho esverdeado emanando da concavidade prateada.
Sabia o que tinha nas mãos...
Era uma Horcrux. Aquela que Dumbledore tentara, em vão, destruir no final do ano anterior, mas que Harry descobrira ser uma falsa parte da alma de Voldemort. Mas havia algo muito estranho nisso tudo...
Régulo Black, irmão mais novo de Sirius, era um Comensal da Morte, e havia sido morto por Voldemort, ou por seus seguidores, anos atrás. O garoto soubera disso tudo através do próprio Sirius, dois anos antes.
Será que essa fora a razão da morte prematura de Régulo? Será que o homem renunciara à Voldemort, e lhe roubara aquela parte da alma? Se isso fosse verdade, seria o segundo irmão Black a ser confundido com um traidor, sendo inocente, a não ser pelo fato de que ele fora mesmo um comensal.
Harry olhou para os amigos, que pareciam arrebatados, e guardou o medalhão no bolso, ao mesmo tempo em que apontava a varinha para o bloco flutuante, que imediatamente desceu, se fundindo perfeitamente com o túmulo. Ele passou a mão pela cicatriz, que começara a formigar incomodamente naquele exato instante.
Então um ruído de deslocamento de ar sobressaltou-o, fazendo o garoto olhar para os lados, indo se postar ao lado dos alarmados Rony e Mione, que puxaram a varinha na mesma hora.
Por todos os lados, vultos encapuzados se materializavam com as varinhas erguidas.
- Muito bem, Potter. – disse uma voz feminina, maldosamente – agora passe essa medalha pra cá, com muito cuidado.

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