O Que Aconteceu
O Que Aconteceu
O silêncio era absoluto na sala, ouvia-se apenas o barulho de pesados livros e dicionários sendo manuseados e penas arranhando pergaminhos. Hermione não prestava atenção ao trabalho que fazia, pois estava tentando fazer sentido do que acontecera. Na noite anterior, Rony, Harry, Gina, Fred e Jorge estavam no castelo, e continuaram lá até o momento em que ela fora se deitar. Quando acordou, eles tinham desaparecido. Na aula ninguém dissera nada a respeito, nos corredores não havia comentários, ela parecia ser a única a se importar e talvez até a ter percebido que os cinco não estavam em lugar algum de Hogwarts.
A aula de Runas Antigas finalmente terminou, e ela saiu ao corredor com a pesada mochila pendurada em um ombro só. Quando ia começar a pensar aonde poderia ir a seguir ou o que poderia tentar fazer para descobrir alguma coisa, sentiu uma mão em seu braço. Dolores Umbridge a puxou para bem perto de si e perguntou, entre dentes:
— Para onde eles foram? Como eles foram?
Por mais estranho que pudesse parecer, Hermione se sentiu aliviada. Embora Umbridge a estivesse segurando pelo braço com força, bem próxima àquela sua cara horrorosa de sapo, embora a olhasse sem nenhum resquício de sua forçada expressão de fingida simpatia e sim com um ódio que chegava a ser assustador, ela se sentiu aliviada por ver, pela primeira vez naquele dia, alguém tratar do assunto que a atormentava. Mesmo que a pergunta de Umbridge fosse a mesma que ela tinha em mente, pelo menos o fato de ouvi-la da boca de outra pessoa afastava uma das possibilidades que estivera considerando para explicar aquele mistério: que estava ficando completamente louca e imaginando aquilo tudo. Umbridge a sacudiu. — Responda! Eu sei que você sabe onde eles estão; me diga!
— Eu não sei de nada — Hermione disse com sinceridade.
— É claro que sabe! Eu não posso obrigar Dumbledore a falar, mas você eu posso. Vocês acham que eu vou mesmo acreditar nessa história de mordida de cobra? De Hospital St. Mungus? Era só o que me faltava!
— Mordida de cobra? — Hermione sentiu que começava a tremer.
— Não se faça de boba! Eu posso lhe dar uma poção da verdade para fazê-la falar, portanto é inútil negar-se a me contar!
— Eu não sei de nada! — Hermione gritou. — Que história é essa? Quem foi mordido? Eles foram para o hospital? É por isso que eles sumiram, os cinco?
Umbridge a soltou com uma expressão de nojo no rosto, aparentemente percebendo que ela não sabia de nada. A bruxa obviamente não se daria o trabalho de esclarecer o que dissera; simplesmente deu as costas e disse:
— Você é uma inútil.
E era como ela se sentia. Por que ninguém lhe contara nada? Teria alguém sido mordido por uma cobra? Ela não poderia saber, porque ninguém se lembrara de avisá-la. Perguntou-se se a história era verdadeira ou se Dumbledore a inventara para despistar Umbridge. Se fosse verdade, quem teria sido mordido pela cobra? Teriam sido todos? Teria sido Rony? Harry? Mas e se não fosse verdade, o que teria acontecido realmente? Por que ninguém lhe dissera nada? Odiou-se por sua fragilidade; estava chorando novamente.
Saiu correndo rumo à torre da Grifinória, mas acabou esbarrando em uma garota antes mesmo de chegar perto. Julgou que era muita sorte; derrubara Rosie Woodsen no chão. Desculpou-se e implorou, ainda aos prantos, que a monitora-chefe lhe dissesse onde ficava o escritório de Dumbledore.
— O que aconteceu? — a garota quis saber, com uma expressão assustada.
Como Hermione poderia dizer se nem ao menos sabia? Queria perguntar a Dumbledore o que tinham escondido dela e por que o tinham feito. Queria perguntar por que o descaso com ela, por que deixá-la sem saber de nada, morrendo de preocupação. Sua resposta para Rosie foram mais alguns soluços. — Eu a levarei lá — disse a monitora-chefe, decidida. — Não se preocupe; estamos indo para lá agora.
Entretanto, a ajuda de Rosie mostrou-se inútil. Embora a garota a tivesse levado até a frente da sala de Dumbledore, onde se via apenas uma esquisita gárgula de pedra, nenhuma das duas sabia a senha, e só lhes restou esperar que alguém aparecesse. Hermione sentiu-se grata, pois Rosie estava deixando de jantar para ajudá-la, mas passados cerca vinte minutos reconheceu para si mesma que não havia o que mais pudessem fazer naquele momento. Talvez Dumbledore tivesse um motivo para impedi-la de saber do que estava acontecendo. Talvez devesse confiar nele. Talvez os garotos que dividiam o quarto com Rony e Harry soubessem de alguma coisa sobre a cobra, e a essa esperança repentina ela se agarrou com unhas e dentes.
— Vamos, Rosie. Ninguém vai aparecer.
Dez minutos mais tarde, Hermione estava adentrando apressada a sala comunal da Grifinória. Nem bem saíra do buraco do retrato e já estava à procura dos garotos. Neville, Simas Finnigan e Dino Thomas faziam seus deveres em um canto da sala comunal e olharam para ela quando se aproximou. Ela largou-se em uma poltrona.
— Tentamos falar com você depois da aula, mas você saiu com pressa, e depois você sumiu... — Neville disse. — Você tem notícias do que aconteceu com Rony e Harry depois que eles saíram do quarto ontem à noite?
— Não! — Hermione respondeu, alterada. — Eu não tenho, eu não sei de nada do que aconteceu! Será que vocês podem me contar o que sabem? Por favor?
— C-claro — disse Neville, assustado com a reação dela. — Bem... Estávamos todos dormindo quando de repente Harry começou a se agitar enquanto dormia, se sacudia tanto que nos acordou. Ele parecia estar tendo um sonho realmente ruim, então nós tentamos acordá-lo.
— Demorou um pouco até que Rony conseguisse acordá-lo, — acrescentou Dino, enquanto Simas parecia disposto a continuar em silêncio. — e quando ele acordou, estava realmente perturbado, não dizia coisa com coisa...
— Na verdade, — Neville interferiu — ele estava dizendo que o pai do Rony tinha sido mordido por uma cobra. Ele provavelmente tinha tido um pesadelo, mas estava convencido de que tinha acontecido de verdade e de que precisávamos chamar ajuda. Então eu fui procurar alguém, por sorte encontrei a profa. McGonagall e a levei até o dormitório para vê-lo. Ela disse que acreditava no que Harry estava dizendo e que o levaria para falar com Dumbledore. E também quis levar Rony. E eles não voltaram mais.
Houve um momento de silêncio depois que Neville terminou a história. Hermione raciocinou um pouco a respeito do que ouvira, antes de perguntar:
— Então você quer dizer que a profa. McGonagall os levou para a sala de Dumbledore, levou Rony e Harry?
— Isso mesmo — confirmou Neville. Dino também confirmou, sacudindo a cabeça. Simas continuava parado, como que alheio à situação.
— Então ela deve ter acordado Gina, Fred e Jorge também... — Hermione murmurou para si mesma. — E todos deixaram o castelo para ir ao hospital ver o sr. Weasley... E ninguém me avisou.
— O que você disse? — Dino perguntou.
— Nada — ela respondeu. — Obrigada.
E saiu de perto deles. Andou um pouco pela sala comunal apinhada, sem saber o que pensar. Sentou-se em uma poltrona afastada de todos, procurando Bichento com o olhar e não o encontrando. Então Harry tivera um sonho em que vira o sr. Weasley sendo mordido por uma cobra, mas um sonho que ele tivera certeza de que era uma visão de algo real. A profa. McGonagall dissera que acreditava que fosse real, e levara ele e Rony urgentemente à sala de Dumbledore. Depois disso, os dois garotos e mais Gina e os gêmeos simplesmente desapareceram, e pelo que Umbridge deixara escapar, para ir ao Hospital St. Mungus onde, se o sr. Weasley tinha realmente sido mordido, certamente estava internado.
A história fazia bastante sentido. O que não fazia sentido era simplesmente terem-na deixado de fora disso, terem não apenas ignorado sua existência durante o desenrolar dos fatos, mas não terem lhe dado informação alguma também depois de eles ocorrerem. Aquilo era a maior demonstração de falta de consideração de que ela já tivera notícia. Alguma coisa vinha se enroscando em sua perna; no instante seguinte ela viu uma mancha borrada de laranja vir aninhar-se em seus braços. No próximo instante, suas pálpebras já tinham despencado pesadamente para encerrá-la em um sono profundo.
Era possível ouvir algumas vozes ao fundo, vez ou outra; discussões sobre deveres de casa, risadas, exclamações, perguntas. Mais alto, uma voz começou a chamar seu nome. Ela abriu os olhos e viu uma figura familiar, alguém que tinha certeza de que conhecia, mas que estava estranhamente dizendo algo que ela não podia ouvir. Acordou-se o suficiente apenas para ver que a colega de Gina dizia:
— O malão de Gina sumiu, pensei que você iria querer saber.
Mais tarde, porém, ela não poderia afirmar que aquilo acontecera realmente ou se fora um sonho. A presença da profa. McGonagall, no entanto, foi muito mais real e a fez levantar-se de um pulo da poltrona.
— A senhorita dormiu aqui? — perguntou a professora, fazendo Hermione olhar para as janelas e constatar, em choque, que já era de manhã.
— Acho... Acho que sim. — foi sua resposta. Seu uniforme estava totalmente amassado de dormir toda dobrada na poltrona.
— O prof. Dumbledore me pediu que viesse buscá-la, pois ele precisa lhe falar. Você gostaria de antes se trocar, tomar café...?
— Não — Hermione respondeu, já sem nenhum resquício de sono. — Estou pronta.
O caminho foi silencioso até a gárgula de pedra que Hermione vira na noite anterior.
— Delícia gasosa — disse a profa. McGonagall, e a gárgula girou para revelar uma escada circular.
Quando as duas subiram o primeiro degrau, a escada girou até que elas chegassem lá em cima. Havia uma porta depois do final da escada, à qual a professora bateu e que se abriu em seguida. Hermione ouvia os batimentos de seu coração como um tambor que acompanha o suspense. As duas entraram, e ela pôde ver que a sala era circular e cheia de retratos nas paredes. Reconheceu a maioria deles de fotos que vira em Hogwarts: uma história, eram ex-diretores da escola. Dumbledore estava sentado à sua mesa. Ao fundo, em uma prateleira, ela reconheceu o chapéu seletor.
— Srta. Granger, bom dia — disse o diretor cordialmente, convidando-se a sentar com um gesto de sua mão de dedos longos e finos.
— Bom dia, professor. — disse ela, sentando-se à frente dele.
Ele fez uma pausa, como quem não sabe por onde começar.
— Em primeiro lugar, — disse Dumbledore — eu quero me desculpar por lhe ter negado o direito de saber de tudo tão logo fosse possível.
Com aquela frase, ela sentiu toda a raiva e a mágoa que sentira até ali se dissipando. Era óbvio que havia um motivo para que não soubesse de nada. Era mais do que óbvio. Como pudera se permitir ser tão boba?
— Foi intencional, sim — o diretor disse, como se tivesse ouvido seus pensamentos. — O trimestre termina hoje, oficialmente, portanto nenhum aluno tem permissão para deixar a escola antes disso. Imagine, então, o estado de nervos em que a profa. Umbridge ficou quando soube que cinco alunos tinham desaparecido de repente. — ele fez uma pausa, mirando-a através de seus óculos com lentes em formato de meia-lua. — Arthur Weasley foi atacado por uma cobra a serviço da Ordem. Harry viu isso, e ele viu de dentro da cobra, sentindo o que ela sentia e pensando o que ela pensava.
Hermione ajeitou-se na cadeira, com o cenho franzido diante daquele novo detalhe. — Se não fosse por ele, — o diretor continuou — Arthur provavelmente não seria encontrado a tempo de ser salvo... E agora ele está bem, repousando no Hospital St. Mungus. Seus filhos e Harry viajaram para a sede da Ordem por meio de uma chave de portal, cerca de meia hora depois de Harry ter tido a visão, e estão lá desde então. Observe que os filhos de Arthur foram autorizados, e Harry, por ter tido a visão. Você nos ajudou muito aqui, ficando sozinha e procurando as respostas por si mesma. Assim você corroborou com a nossa história diante da profa. Umbridge e do ministério da magia. Mas eu sei que isso não é consolo o suficiente. Eu sei que você devia ter tocado a chave de portal junto com eles.
Hermione sentiu que chorava involuntariamente, e odiou-se por isso. Não queria que Dumbledore e McGonagall pensassem que era frágil como um bebê chorão. Secou as lágrimas agressivamente, mas elas não paravam de vir. — E eu sei que eles também gostariam que você estivesse lá. Mas é claro que está fora de cogitação a possibilidade de usar corujas, portanto nem mesmo a menor notícia eles poderiam lhe mandar.
Ela agora sentia a dor da culpa em cada lágrima que lhe brotava pelo canto dos olhos. Fora tão egoísta pensando em por que não tinha sido informada de nada, mas enquanto isso, no largo Grimmauld, eles estavam enfrentando uma tensão terrível com o ferimento do sr. Weasley.
Lembrou-se subitamente de que não respondera a carta de seus pais, afinal de contas. E compreendeu que não havia outra possibilidade senão ir passar o Natal no largo Grimmauld com seus amigos. Precisava vê-los, estar com eles, apoiá-los. Tudo isso lhe passou pela cabeça durante a breve pausa que Dumbledore estava fazendo antes de dizer:
— Imagino que você queira viajar para Londres imediatamente, para vê-los, mas infelizmente eu não posso deixar que o faça até o final do dia, quando o trimestre se encerra oficialmente. Eu pedirei a Hagrid que a acompanhe, logo após o final da última aula, até Hogsmeade, onde você poderá chamar o Nôitibus Andante.
E então o resto do dia constituiu numa espera interminável. Logo após deixar a sala de Dumbledore, Hermione foi até a torre da Grifinória para se trocar, pegar suas coisas e escrever uma carta para seus pais. Dizia nela que odiava recusar-se a viajar com eles, mas que precisava aproveitar as férias para estudar para os N.O.M.s. Escreveu que todos os alunos que estavam levando os exames a sério estavam ficando na escola. E enviou a coruja sem nenhum remorso.
Hagrid a esperava ao lado das portas de carvalho, no final da tarde, sabendo de Dumbledore apenas que deveria levá-la até Hogsmeade. Como Dumbledore não contara nada a ele, ela também não o fez. Conversaram um pouco no caminho, Hagrid levando seu malão na mão como se não passasse de uma bolsinha, e ela até tentou perguntar mais uma vez qual era a origem daqueles ferimentos, mesmo porque ainda havia novos além dos velhos, que também não pareciam ter tido melhora significativa, mas ele se esquivou de responder como sempre. Quando chegaram à entrada do povoado, ela o abraçou e fez como ele dissera:
— Estique bem o braço, tente sentir-se como se estivesse perdida, sem saber para onde ir, e tente não se assustar.
Hermione recolheu com urgência o braço quando viu surgir, do nada e em alta velocidade, um monstro roxo berrante, que era na verdade um ônibus de três andares, os dizeres “Nôitibus Andante” em letras douradas. O ônibus parou e dele saltou um garoto de não mais do que vinte anos, vestindo um uniforme roxo, que disse:
— Bem vinda ao Nôitibus Andante, o transporte de emergência para bruxos e bruxas perdidos, eu sou Stanislau Shunpike, o Lalau, e serei seu condutor essa noite.
Hermione se aproximou, arrastando o malão, mas antes que dissesse qualquer coisa Lalau a convidou a entrar com um gesto espalhafatoso, algo parecido com uma reverência. Ela ainda abanou para Hagrid antes que Lalau entrasse e o ônibus simplesmente arrancasse, em uma velocidade inimaginável, e Hogsmeade sumisse completamente dando lugar a uma estrada que ela nunca vira na vida.
— Não se assuste, — esclareceu Lalau — é que o ônibus volta para onde estava antes de ser chamado. Mas então, viagem longa ou curta? Temos ótimas camas. Onze sicles a viagem, catorze se quiser um chocolate quente, quinze se quiser um saco de água quente, e uma escova de dentes, cor à sua escolha.
— Londres — Hermione disse, um tanto atordoada, e lhe entregou catorze sicles.
De fato, no lugar dos bancos havia diversas camas. Algumas pessoas, deitadas, a olhavam torto, provavelmente por ter feito o ônibus parar, por ter falado, por fazer Lalau falar.
— Certo, já trago seu chocolate quente. Ei, espere um momento... — disse Lalau, olhando pela janela. — Aquilo é uma...? Ernesto, pare!
O ônibus freou bruscamente, Hermione quase caiu com o solavanco. — Venha, corujinha! — disse Lalau, abrindo uma das janelas. Uma coruja entrou, parecia familiar. Lalau desamarrou a carta da perna da ave, leu o que dizia no envelope e murmurou: — Hermione Granger. — depois, gritou para o ônibus inteiro: — Alguma Hermione Granger?
— Eu — Hermione disse, timidamente, desejando que ele não tivesse gritado e apoiando-se a uma das camas, o malão ainda seguro na outra mão. — Eu sou Hermione Granger.
Lalau sorriu e entregou-lhe a carta. A coruja saiu novamente pela janela e Lalau fez sinal para o motorista. O ônibus entrou em movimento outra vez.
— Certo, o seu chocolate quente. — disse Lalau, saindo de perto de Hermione enquanto ela reconhecia a caligrafia de sua mãe.
A carta era uma resposta à que ela enviara pela manhã. Dizia apenas que era uma grande decepção para eles que ela passaria mais um Natal longe deles, que já tinham comprado as passagens e reservado a hospedagem e que nem sabiam se teriam ânimo de ir sem ela. Não havia nenhum tipo de “tudo bem, fique tranqüila, não estamos chateados”. Hermione sentia muito, sabia que tinha passado dos limites. Pensou em Harry, por exemplo, que daria tudo para ter seus pais, enquanto ela os tinha e os negligenciava tanto. Só não começou a chorar ali mesmo porque Lalau apareceu do nada, escandalosamente, com uma caneca de chocolate que por pouco não entornou.
— Obrigada — ela agradeceu, deixando de lado a alça do malão e pegando a caneca entre as duas mãos.
— Onde vai ficar em Londres?
— Largo Grimmauld — respondeu, assoprando a superfície de sua bebida para esfriá-la. — Demora muito mais?
— A viagem é tão ruim assim? — Lalau parecia desapontado. — Mais quinze minutos.
Ele não errou a conta por muito. Hermione agradeceu-lhe antes de descer, e o ônibus desapareceu completamente tão logo ela saltara à rua gelada, com o estômago aquecido do chocolate quente. Nevava muito agora, enquanto Hermione se aproximava das casas de número onze e treze. Parou bem em frente a elas e puxou pela memória o que tinha que pensar... A sede da Ordem da Fênix encontra-se no largo Grimmauld, número 12, Londres.
A casa número doze surgiu bem diante de seus olhos. Tremendo de frio, ela se aproximou. Não havia outro jeito de avisar que chegara sem tocar a campainha, mesmo que isso fosse acordar a sra. Black em seu quadro... Ela não hesitou mais; tocou a campainha. Ouviu os gritos da mãe de Sirius e depois os passos de alguém que se aproximava da porta. A sra. Weasley apareceu quando a porta se abriu, deu-lhe um grande sorriso e um grande abraço de boas vindas.
— Que bom que você veio, querida. Entre logo, está muito frio!
Ela entrou no saguão e viu Rony, que vinha espiar quem chegara. Os olhos dele brilharam por um instante ao vê-la, e ela não teve dúvidas. Correu até ele e o abraçou com tanta força que ele quase se desequilibrou, envolvendo-a com seus braços também.
— Rony... Sinto tanto pelo seu pai... — era muito bom estar perto dele novamente, abraçando-o. Apertou-o com mais força ainda, queria que ele soubesse que não planejava soltá-lo tão cedo.
— Mione... A profa. McGonagall a avisou logo para onde tínhamos ido, não é? Nós saímos com muita pressa, sabe, Dumbledore queria que viéssemos antes que Umbridge percebesse a movimentação, não deu tempo de...
— Tudo bem. Dumbledore me contou hoje.
— Hoje? — ele perguntou, parecendo horrorizado. Por que só hoje?
Eles finalmente se afastaram, as mãos largando um ao outro com lento pesar.
— Deixe isso para lá — Hermione disse sorrindo.
— Mas e quanto à sua viagem? Desistiu de esquiar?
— Bem, eu resolvi...
— Será que você não é boa o suficiente com os esquis? — ele sorria com deboche.
— Você está enganado! — ela retrucou, os dois rindo. — Esquiar é muito bom e eu nunca tive problemas com isso. Eu simplesmente... Pensei em vir, já que você tinha me convidado, e já que aconteceu isso e... — ela não terminou a frase.
As risadas dele foram parando, ficou um silêncio um tanto constrangedor entre eles.
— Mione! — Gina vinha chegando para abraçá-la. — Temos um monte de coisas para contar a você.
— Será que Harry não vai descer para jantar? — resmungou a sra. Weasley, passando por eles. — Quantas refeições ele já perdeu, hem? Mione, querida, você já jantou?
— Por que ele perdeu as refeições? — Hermione quis saber.
— Ele não quer falar com ninguém — Rony disse.
— Desde ontem, depois da visita que fizemos ao papai. — Gina completou. — Venha, vamos subir. Pegue o malão dela, Rony!
Os três subiram as escadas, Hermione sentindo o habitual arrepio de terror ao ver as cabeças dos elfos domésticos penduradas nas paredes. Deixaram seu malão no quarto de Gina e subiram ao de Rony e Harry. Lá, Rony e Gina contaram a ela que, durante a visita ao sr. Weasley no dia anterior, houvera um momento em que as “crianças” ficaram no corredor enquanto os adultos conversavam no quarto. Como de costume, Fred e Jorge tinham recorrido às orelhas extensíveis para ouvir o que diziam.
— Eles comentaram sobre a cobra. — disse Rony. — Não conseguimos entender aonde papai estava quando ela a atacou, ou o que estava fazendo. Mas segundo o que eles disseram, o papai, estando lá, impediu que a cobra vasculhasse o lugar, seja onde for. E comentaram sobre Harry ter visto tudo.
— Disseram alguma coisa sobre a possibilidade de ele estar possuído, — Gina acrescentou. — e nesse momento Harry largou a orelha extensível, não quis escutar mais. Eu fiquei esperando que chegássemos aqui para dizer a ele que eu tenho certeza que ele não está sendo possuído. Afinal, você sabe... Eu já passei por isso. Só que ele nunca mais falou com ninguém, só vive se escondendo. Está lá no quarto onde Sirius deixou o Bicuço.
Rony balançou a cabeça, concordando. Hermione respirou fundo.
— Vou até lá agora — ela disse, decidida. — Vou trazê-lo aqui e poderemos conversar como pessoas civilizadas que somos. Francamente, é muita infantilidade.
— Mione, espere — Rony segurou-a pelo braço. — Você não prefere jantar primeiro, descansar um pouco? Mesmo porque não sei se irá adiantar muito tentar falar com ele, ele não responde para ninguém...
— Não custa tentar... — ela disse, sorrindo para ele. — Talvez ele também fique curioso, querendo saber por que eu não fui esquiar.
Rony deu um grande sorriso e soltou seu braço. Ele e Gina permaneceram sentados na cama dele quando ela ia deixando o quarto, mas no mesmo momento a sra. Weasley vinha entrando com um prato de sanduíches e dizendo:
— Vou acender um fogo para vocês, está fazendo um frio horroroso! E você, Hermione, onde vai?
— Tentar trazer Harry.
Ela subiu as escadas soprando hálito quente nas mãos para esquentá-las, pois ainda estavam geladas do contato com a rua. Quando chegou, bateu à porta e disse:
— Eu sei que você está aí dentro. Será que você pode sair? Quero falar com você.
Para alguém que não estava aceitando falar com ninguém, Harry demorou muito pouco para abrir a porta para ela; somente o tempo de seus passos chegarem até a porta, conforme o barulho que ela ouviu. Enquanto puxava a porta, ele perguntou:
— O que você está fazendo aqui? Pensei que ia esquiar com seus pais.
— Bem, na verdade eu não gosto muito de esquiar. — ela disse, sorrindo. — Mas não diga isso ao Rony. Eu disse a ele que esquiar era muito bom porque ele ficou rindo.
E ela não precisou dizer muito mais do que aquilo para convencê-lo a descer. Simplesmente disse, decidida: — Vamos para o seu quarto. A mãe do Rony acendeu um fogo e trouxe sanduíches.
Harry a seguiu pelas escadas sem protestos. Pareceu incomodado, porém, quando entrou no quarto e percebeu que Rony e Gina estavam lá. Os quatro conversaram francamente, e Harry pareceu convencer-se de que era bobagem se esconder. Fosse o que fosse que ele tivesse pensado sobre o que ouvira no St. Mungus, pareceu cair por terra quando Gina lembrou-o de que já fora possuída por Voldemort e enumerou os “sintomas” que apresentara. Ele pareceu convencido de que não sofria de nenhum deles, e era nítido o alívio que demonstrava. A conversa tomou outros rumos depois, e ao final, o prato de sanduíches estava vazio.
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