Revolta



— CAPÍTULO QUATRO —
Revolta




— Eu tenho certeza de que ele não vai ser expulso — disse Hermione aos outros quatro, andando de um lado para o outro do quarto, mais tarde naquela mesma noite. — Tenho certeza de que já li sobre haver uma exceção na lei para quando há risco de vida!
— Muito esquisito isso — disse Gina. — Até parece que o ministério estava esperando por uma oportunidade de punir Harry, tirá-lo de circulação.
— Tirá-lo de circulação? —- perguntou Rony. — Você não acha que vão mandá-lo para Azkaban, não é?
— Claro que não, Rony! — Hermione disse. — Que idéia mais idiota.
Ela sentou-se ao lado do garoto para verificar o curativo que fizera na mão dele.
— Está tudo bem, deixe assim — ele reclamou, impaciente.
— Mal agradecido — ela rosnou, passando a verificar o seu.
A porta se abriu e Molly Weasley apareceu.
— Muito bem, vão todos para os seus quartos agora mesmo, a festa acabou.
— Não posso ir para o meu quarto, tem uma coruja enlouquecida lá dentro — disse Rony, mostrando o curativo.
— É, eu acabei de passar por lá. E encontrei algo que vocês esqueceram. — ela mostrou uma das orelhas extensíveis. — Vou subir com vocês, Fred, Jorge, e vocês vão me entregar todas que tiverem, ouviram bem?
Desta vez, os gêmeos não pensaram em nenhuma gracinha com que responder à mãe. Simplesmente levantaram-se e andaram a caminho da porta, seguidos por Rony.
Depois que os garotos e a sra. Weasley deixaram o quarto, Hermione e Gina ainda conversaram mais. Tinham perdido o sono com os acontecimentos da noite, então ficaram acordadas até bem tarde.
— Será que eles vão nos punir? — Hermione perguntou, preocupada.
— Duvido... Não acho que mamãe vá contar a ninguém que descobriu sobre as orelhas, mas Fred e Jorge vão ouvir muito dela... — a garota fez uma pausa antes de perguntar: — Acho que Harry está bem, não é? Quero dizer, ele não deve ter se machucado, senão eles teriam dito alguma coisa... não acha?
— Pelo que Mundungo disse, ele conseguiu se livrar dos dementadores... Mas não sei se eles têm muitas informações além disso. Acho que além de Mundungo nenhum deles esteve na rua dos Alfeneiros para conferir... De qualquer forma acho que não foi tão grave, exceto pela advertência do ministério.
— Isso é um absurdo... Não podem puni-lo por ter se defendido de dois dementadores... Dois, Mione! É admirável que ele tenha conseguido se livrar dos dois.
— Isso não é nada... No terceiro ano ele se livrou de uns cem deles para salvar Sirius.
— É mesmo? — Gina perguntou, admirada. Ela ainda não sabia detalhes do que acontecera no terceiro ano em relação a Sirius, pois havia pouco ela descobrira que ele não era um criminoso como todos julgavam.
Ao longo do tempo, a conversa enveredou por outros caminhos.
— Não entendo você, Mione — Gina disse. — Você fica me dizendo para me aproximar mais de Harry, para conversar mais com ele, mas você está desperdiçando uma chance e tanto de se aproximar de Rony! Quero dizer... Todos aqui, sob o mesmo teto... E quase nunca vejo vocês juntos.
— Ora, mas o que você queria que eu fizesse? Eu não tenho por que me aproximar mais dele, já somos próximos. Além do mais, ficamos sob o mesmo teto na escola também.
— Claro, mas você entendeu o que eu quis dizer. Depois do que aconteceu no ano passado, não há mais dúvidas de que ele gosta de você, não é? E nem você tem dúvidas de que gosta dele. Então, o que você está esperando?
Hermione sentiu o rosto corar.
— O que eu devo fazer? Não tenho a menor idéia!
— Dê indiretas, tente criar situações em que vocês fiquem sozinhos... Talvez um dos dois tome coragem e...
Um longo silêncio deu a Hermione oportunidade de preencher aquelas reticências com muitas possibilidades. Sentiu-se com menos sono ainda, mas alguns minutos depois, ao ouvir o ronco de Gina, concluiu pesarosamente que perdera a companhia.

Alguns dias depois de Harry ter sido atacado por dementadores, um grupo de membros da Ordem da Fênix partiu para buscá-lo na casa dos tios. Edwiges parou de tentar atacar Hermione e Rony quando eles garantiram a ela que Harry iria chegar. A maioria dos membros da Ordem que Hermione conhecia se juntou à missão, e a quem ficou na sede só restava esperar. Embora Sirius assegurasse a todo o momento que tudo correria bem, instaurou-se um clima de tensão na casa.
— Deviam nos deixar ir junto — disse Fred, indignado.
— Não é você que vai dizer o que devíamos fazer ou não — disse a sra. Weasley, zangada. — Aliás, subam para os seus quartos, todos vocês. Andem, que teremos uma reunião daqui a pouco. E fiquem em seus quartos, não quero mais saber de todos juntos confabulando!
Contrafeitos, Hermione, Rony, Gina, Fred e Jorge subiram as escadas. Os resmungos de Fred e Jorge acabaram acordando o retrato da mãe de Sirius e os outros retratos ao redor dele, provocando uma gritaria infernal. Desde que Hermione chegara, aquilo só acontecera outras duas vezes. — Viram só o que fizeram? — exclamou a sra. Weasley.
— Acalme-se, mamãe — Hermione ouviu Gui dizer, lá embaixo.
Gui era mais um irmão de Rony. Ele também ficava na sede da Ordem, mas como passava a maior parte do tempo trabalhando, Hermione não o via muito. Gui e Carlinhos eram os únicos filhos que os Weasley permitiam que participassem da Ordem, por não estarem mais na escola como os outros. Carlinhos, porém, vivia na Romênia, onde estudava e trabalhava com dragões. Sua função era tentar recrutar, por lá mesmo, novos membros para a Ordem.
— Francamente, qual é o problema de confabularmos? — Gina resmungou, quando ela e Hermione se separaram dos garotos para entrar no quarto em que dormiam. — Não sei o que eles temem que possamos fazer se confabularmos ou se ouvirmos o que quer que seja que eles tanto dizem nessas reuniões.
— Também não entendo por que manter Harry isolado e sem notícias por tanto tempo... — disse Hermione, pensativa. — E é óbvio que Dumbledore não queria apenas evitar que as corujas fossem interceptadas, pois se quisesse mandar alguma informação a ele teria outros meios. Poderia mandar uma carta por Mundungo, por exemplo.
— É verdade... — Gina murmurou. — E Gui pode participar da Ordem, só porque já terminou Hogwarts... Aliás, você sabe qual o verdadeiro motivo de ele ter deixado o Egito para assumir um cargo aqui em Londres?
Hermione franziu o cenho. Sabia o motivo, ou pelo menos o motivo que tinham lhe dito. Gui trabalhava em Gringotes, o banco dos bruxos, e pelo que ela sabia, trocara o cargo que ocupava no Egito pelo de Londres para poder ficar mais perto da família e ajudar a Ordem. Foi isso o que ela disse à amiga em resposta.
— Errou. — disse Gina, um brilho ácido nos olhos. — Fleur Delacour.
Embora não estivesse bebendo ou comendo nada, Hermione engasgou-se ao ouvir aquele nome. Sentiu um mal estar, uma tontura e até uma ânsia de vômito por lembrar da garota européia que ficara hospedada junto com sua escola, em Hogwarts, no ano anterior. Fleur era detestável, no ponto de vista de Hermione, em cada aspecto. Sabia, porém, que o motivo de tanta aversão a Fleur não tinha realmente nada a ver com a garota; o problema era que Rony ficara encantado por ela quando a vira na escola.
— O que tem ela, afinal? — perguntou, mal conseguindo esconder sua irritação.
— Bem, ela arranjou um emprego em Gringotes também, e depois disso não é mais segredo para ninguém que ela e Gui estão juntos.
Depois de alguns instantes de silêncio absoluto, Hermione perguntou:
— O que fazemos enquanto esperamos? Vamos para o quarto de Rony?
— Não sei... E se a mamãe brigar com a gente?
— Eu vou... Você não vem?
— Não agora.
Hermione deu de ombros e saiu do quarto.
— Nada ainda? — perguntou, abrindo a porta do quarto de Rony.
— Nada além das corujas — o garoto respondeu.
Pichitinho voava descontroladamente pelo quarto enquanto Edwiges se sacudia em cima do armário.
— Ele vai chegar furioso com a gente.
— Ele não tem motivos para isso.
— Claro que tem! Veja as cartas que mandamos a ele!
— Mas nós também não sabíamos de nada.
— Mas ele acha que sabíamos, e com razão. Afinal, nós estamos aqui e ele lá.
Rony suspirou. Hermione apoiou-se no parapeito da janela e ficou a observar a noite que começava a cair. Raramente alguém passava pelo largo Grimmauld, que ia escurecendo aos poucos. Quando ela se virou de volta para dentro do quarto, viu que Rony estava dormindo, deitado por cima das cobertas de sua cama. Aproximou-se dele com cautela, incerta sobre o que deveria fazer. Num impulso repentino, ajoelhou-se à cabeceira e aproximou muito seu rosto do dele, a ponto de sentir em seu nariz o ar que ele expirava. Levantou-se de um pulo.
— O que eu estou fazendo?? — disse a si mesma, nervosa e irritada.
Em situações comuns, somente barulhos muito altos ou insistentes conseguiriam acordar Rony, mas ele abriu os olhos.
— Harry já chegou? — ele balbuciou.
— N-não — ela respondeu, ainda um tanto atordoada.
— Quanto tempo eu dormi?
— Não sei.
Um barulho nas escadas denunciou que alguém estava subindo.
— Será Harry? — Rony perguntou.
Ela correu até a porta e abriu-a, recuando no exato momento em que Harry entrava.
— Harry! — exclamou, atirando os braços ao redor do amigo. Descobriu nesse instante que sentira muito a falta dele durante aquelas semanas. — Ele está aqui, Rony! Como você está, Harry? Garanto que ficou chateado com a gente, não foi? Mas não podíamos contar nada, Dumbledore nos fez jurar que não contaríamos... Mas agora vamos poder contar, e você também tem muito a nos contar... E quanto aos dementadores? E as advertências do ministério? É ridículo, eu tenho certeza de que eles não podem expulsar você... — Deixe ele respirar um pouco, Mione — disse Rony, se aproximando e fazendo-a perceber que dissera tudo aquilo muito depressa enquanto ainda espremia Harry em seu abraço, tamanha a ansiedade em saber o quanto ele ficara chateado.
— Ah... desculpe — ela disse, quase inaudivelmente, soltando o amigo. No instante seguinte Edwiges pousou no ombro do dono.
— Ela estava impossível! — disse Rony. — Veja o que fez com as nossas mãos...
— Ah... — disse Harry, comprimindo os lábios. — Sinto muito, mas eu queria respostas, sabe...
— E nós queríamos dar; queríamos contar tudo o que sabíamos, mas Dumbledore...
— Os fez jurar que não contariam — Harry completou, com desânimo. — Mione já disse isso.
Ela percebeu que o humor do amigo começava a se inclinar para a reação que ela temia. Em uma voz cautelosa, disse:
— Ele achou que era o melhor para você. Dumbledore, eu digo.
— Ele disse que você estava seguro com os trouxas. — completou Rony.
— Sei... E por acaso vocês foram atacados por dementadores neste verão? — perguntou Harry, ríspido. — Eu estava seguro e tudo o mais, mas tive que me livrar deles sozinho, no fim, não tive?
— Dumbledore ficou furioso quando soube que Mundungo tinha deixado o posto — disse Hermione, trêmula. — De um jeito que nunca tínhamos visto, chegava a dar medo... Ele ficou muito preocupado.
— Fico feliz que ele tenha deixado o posto, senão eu estaria até agora preso na rua dos Alfeneiros!
— Mas você não ficou preocupado com o aviso do ministério?
— Não! — rugiu ele. — Mas por que Dumbledore não quis me contar nada? Vocês se deram o trabalho de perguntar?
Ela e Rony trocaram um olhar preocupado.
— Nós perguntamos — disse Rony. — Mas só o vimos duas vezes desde que chegamos, e ele só nos fez jurar que não contaríamos nada em cartas para você, pois as corujas poderiam ser interceptadas.
— Ele poderia me manter informado de outras maneiras se quisesse.
— Eu pensei nisso, — Hermione disse. — mas acho que ele não queria que você soubesse de nada.
— Talvez ele ache que não sou confiável. — disse Harry, com fingida displicência.
— Não seja idiota — disse Rony, com o rosto franzido em uma expressão de incredulidade.
— Ou talvez pense que eu não sei cuidar de mim mesmo.
— É claro que ele não pensa isso! — retrucou Hermione.
— Então por que eu tive que ficar preso na casa dos Dursley enquanto vocês estavam aqui, juntos e acompanhando tudo o que acontece? — disse Harry, levantando a voz. — Por que vocês podem saber do que acontece e eu não?
— Não podemos... — disse Rony, ainda incrédulo. — Mamãe não nos deixa participar das reuniões.
— AH, ENTÃO VOCÊS NÃO PUDERAM PARTICIPAR DAS REUNIÕES? — Harry gritou finalmente, depois de tanto ameaçar fazê-lo. — GRANDE COISA! AINDA ASSIM ESTAVAM AQUI, JUNTOS, ENQUANTO EU ESTAVA PRESO COM OS DURSLEY DURANTE O MÊS INTEIRO! EU JÁ ENFRENTEI MUITO MAIS DO QUE VOCÊS DOIS, E DUMBLEDORE SABE DISSO! QUEM SALVOU A PEDRA FILOSOFAL? QUEM ENFRENTOU RIDDLE? QUEM SALVOU VOCÊS DOS DEMENTADORES? QUEM PASSOU POR DRAGÕES, ESFINGES E OUTRAS COISAS PERIGOSAS NO ANO PASSADO? QUEM VIU ELE VOLTAR? E QUEM ESCAPOU DELE? EU!
Hermione sentiu os lábios tremerem e os olhos marejaram involuntariamente. Harry estava sendo injusto; se ele enfrentara todas essas coisas sozinho, não fora por omissão dela e de Rony, que sempre tinham tentado ajudá-lo de todas as maneiras possíveis. Rony se oferecera para ser golpeado por uma peça de xadrez gigante para que Harry pudesse seguir adiante para salvar a Pedra Filosofal, e Hermione só não fora até o fim com ele porque não havia poção suficiente para duas pessoas para ultrapassar as chamas negras que bloqueavam o caminho. Se ela não tivesse resolvido o problema de lógica que determinava quais eram as poções e para que serviam, porém, Harry não teria conseguido salvar a Pedra. No ano seguinte ela ficara petrificada, mas descobrira a respeito do basilisco, o monstro que estava atacando os estudantes, e com sua dica Harry e Rony descobriram onde ficava a câmara secreta que o abrigava. No terceiro ano, contra os dementadores, Hermione e Rony não teriam chances pois não tinham sido ensinados, como Harry tinha sido, a conjurar um patrono. De qualquer maneira, Hermione tentou conjurar um até perder os sentidos, enquanto Rony já estava muito machucado, tendo inclusive uma perna quebrada. Quanto aos perigos do torneio Tribruxo, no ano anterior, não era permitido que os competidores tivessem ajuda na realização das tarefas. No entanto, Hermione e Rony tinham deixado de comer, dormir e estudar para procurar feitiços e azarações para o amigo treinar.
Ainda assim, Hermione relevou. Harry estava tendo um acesso de raiva, estava despejando em cima deles um mês de frustrações que passara com seus tios. Talvez nem pensasse realmente o que estava dizendo, ou pelo menos não com tal intensidade. Tudo isso passou por sua cabeça muito rápido, apenas o suficiente para o garoto tomar fôlego para gritar novamente:
— MAS POR QUE EU DEVERIA SABER DE ALGUMA COISA? POR QUE ALGUÉM SE IMPORTARIA DE ME CONTAR O QUE ESTAVA ACONTECENDO?
— Nós queríamos contar, Harry... — ela começou, mas foi interrompida pelo garoto.
— ACHO QUE NÃO QUERIAM TANTO ASSIM, OU ENTÃO TERIAM DADO UM JEITO DE ME MANDAR UMA CORUJA. MAS NÃO, PORQUE “DUMBLEDORE NOS FEZ PROMETER...”. ENQUANTO ISSO EU ESTAVA CATANDO JORNAIS NO LIXO PARA TENTAR DESCOBRIR O QUE ESTAVA ACONTECENDO!
— Nós queríamos... — começou Rony, sem a menor chance de continuar.
— ACHO QUE VOCÊS ESTAVAM SE DIVERTINDO, NÃO É? AQUI, JUNTOS...
— Na verdade não... — disse Rony, com o que parecia ser uma expressão de decepção com a injustiça do amigo. Hermione agora chorava, tentando conter os soluços.
— Harry, nós sentimos muito! — disse. — Você tem razão, eu estaria reagindo da mesma maneira!
Harry deu as costas, enfurecido, e passou a andar de um lado para o outro. Hermione e Rony entreolharam-se, à espera do que viria a seguir.
— Que lugar é esse, afinal? — Harry perguntou, depois de um longo silêncio.
— A sede da Ordem da Fênix — Hermione e Rony disseram juntos.
— E será que alguém se importaria de me dizer o que é a Ordem da Fênix?
Hermione e Rony contaram tudo o que sabiam. Fred, Jorge e Gina apareceram em seguida, acrescentando seus relatos. O humor de Harry não exatamente melhorou, mas ele não voltou a gritar. Quando a sra. Weasley apareceu para chamá-los para jantar, foi acompanhada por Gina e os gêmeos e os três acabaram sozinhos novamente. Hermione olhava ansiosa para Harry, com um certo medo de que ele voltasse a se zangar. Ele parecia arrependido, no entanto.
— Olhem, eu... — ele começou a dizer.
— Deixe para lá — interrompeu Rony. — Nós entendemos você, e não o culpamos por ter ficado chateado. Só queríamos que entendesse que não pudemos convencer Dumbledore de que...
— Eu sei, eu sei — disse Harry, com uma certa impaciência mas em um tom muito mais ameno.
Os três dirigiram-se para a porta do quarto, Hermione secando as lágrimas e respirando fundo, uma sensação de alívio a reconfortá-la.

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