A Casa de Sirius



— CAPÍTULO DOIS —
A Casa de Sirius




Hermione moveu a boca sem emitir som por alguns instantes, ainda atordoada entre o carro dos pais que havia pouco tinha desaparecido no horizonte e a casa n° 12 que acabara de surgir à sua frente. Rony a trouxe de volta à realidade, dizendo:
— Vamos entrar, acho que vai chover.
Ele arrastou o malão dela e andou em direção à porta da casa, ela seguindo-o com a cesta de Bichento na mão. Hermione reparou que a porta não tinha fechadura, na realidade não tinha detalhe algum além de uma maçaneta em forma de cobra.
— Que lugar é esse? — perguntou.
— Lá dentro. — disse Rony. — Dumbledore mandou não conversarmos sobre nada do lado de fora. Ah, e não faça barulho no hall de entrada.
— Por quê?
— Confie em mim, você não vai querer descobrir o motivo da pior maneira.
Rony finalmente girou a maçaneta e empurrou a porta para que pudessem entrar. Conforme avançavam a passos lentos, ele erguia o dedo à frente dos lábios para relembrar a necessidade de fazer silêncio. Hermione franziu o cenho ao ver mais decorações com cobras; uma mesa e um candelabro. Eram até bonitos, mas um tanto macabros. Não era possível enxergar muita coisa, pois não havia muita iluminação, mas ela teve a impressão de que a casa estava seriamente imunda.
Avançaram pelo corredor e alcançaram uma escada. Hermione quase derrubou a cesta de Bichento ao ter uma visão horrível: uma porção de cabeças de elfos domésticos narigudos penduradas em quadros, e ela tinha certeza de que eram cabeças reais. Conteve um grito de horror e agarrou a manga da roupa de Rony.
— Ah, os elfos... — sussurrou ele. — Até eu me assustei com esses. Venha.
Ao final do primeiro lance de escadas, havia um corredor ainda mais poeirento que a entrada e a escada, e Rony lhe indicou a primeira porta.
— Mamãe disse que você vai dividir o quarto com Gina. Ela deve estar aí dentro. Eu durmo no do segundo andar, acho que Harry ficará comigo quando chegar. No do terceiro estão Fred e Jorge. E você nem sabe, no último está Bicuço, Sirius o prendeu lá.
Hermione não se surpreendeu com a presença do hipogrifo de Hagrid tanto quanto com a de Sirius Black.
— Sirius? — sussurrou. — Ele está aqui?
— Está, Mione. Essa casa é dele.
— Dele? — ela lançou um novo olhar ao redor como se o fato de saber que a casa era de Sirius pudesse fazer sua aparência melhorar.
— Herança de família, parece. Mas não sei muito mais do que isso.
A porta se abriu e Gina apareceu.
— Mione! — exclamou ela, não muito alto. — Ouvi sua voz, entre...
Hermione e Rony entraram no quarto. Ela agora estava pensando em outro detalhe.
— Você estava falando dos quartos... Percy não está aqui?
Rony e Gina entreolharam-se, com uma expressão de infelicidade.
— Ele saiu de casa. — disse Gina. — Ele e papai tiveram uma briga séria, e ele resolveu ir embora.
— Mas por quê? — Hermione quis saber, mas nesse momento Molly Weasley estava entrando no quarto.
— Hermione, querida! — ela a abraçou com força. — Como você está?
— Ótima, sra. Weasley, obrigada.
— Bem, vim chamá-los para o jantar. Venham logo, vai esfriar.
E todos desceram juntos, Hermione tentando não olhar para as cabeças dos elfos penduradas nas paredes. Havia várias pessoas na cozinha que ela não conhecia, e depois de ser cumprimentada carinhosamente pelo Sr. Weasley, ele a apresentou.
— Esta é Hermione Granger, colega de Rony e grande amiga da família. — todos a cumprimentaram e o sr. Weasley começou a dizer seus nomes. — Elifas Doge, Dédalo Diggle, Emelina Vance, Estúrgio Podmore, Héstia Jones, Mundungo Fletcher, Quim Shacklebolt e Ninfadora Tonks.
— Ah não, nunca me chame de Ninfadora! — disse a bruxa, uma jovem bonita de cabelos louros quase brancos. — Só me chame de Tonks.
Hermione sorriu para eles, constrangida, e no instante seguinte mais três bruxos entraram na cozinha; esses ela conhecia.
— Hermione! — disse Remo Lupin.
Ao lado dele estavam Sirius Black e Olho-Tonto Moody.
— Prof. Lupin! — ela exclamou, admirada. — Sirius... Prof. Moody.
Sirius a cumprimentou, mas Moody limitou-se a franzir as sobrancelhas.
— Você deu aula a ela. — disse Lupin. — Quero dizer, Crouch deu, quando estava se passando por você.
Moody ergueu as sobrancelhas num sinal de entendimento e depois meneou a cabeça quase imperceptivelmente num cumprimento a Hermione. Com um estalo surdo, Fred e Jorge aparataram no meio da cozinha, e quase fizeram a sra. Weasley derrubar a porção de panelas e travessas fumegantes que vinha conduzindo com a varinha.
— Olá, Hermione! — disse Fred. — No ano passado não pudemos entrar no torneio Tribruxo pois ainda tínhamos dezesseis anos, mas agora já temos dezessete.
— Podemos usar magia a hora que quisermos, e já passamos no teste de aparatação. — informou Jorge.
— Estou vendo — Hermione disse, sorrindo.
— Aliás, eles aparatam por qualquer motivo, não creio que já tenham encostado os pés nas escadas desde que chegamos. — comentou Gina, irritada.
Ao sentir o cheiro da comida, Hermione descobriu que estava faminta. Todos os que ainda estavam em pé foram se sentando ao redor da mesa. A sra. Weasley chegou por último, dizendo com rispidez:
— Não se demore, Mundungo. Você sabe muito bem que Arabela não pode fazer nada para ajudar o garoto.
— Não se preocupe, Molly — respondeu Mundungo Fletcher. — Assim que estiver de barriga cheia voltarei à rua dos Alfeneiros.
— Eu não sei, aliás, por que você não está lá, poderia muito bem jantar com Arabela como tem feito todos os dias.
— Só vim aqui conversar um pouco, ver se tinha novidades, até para saber o que procurar por lá. Por que não aproveitar para provar seu banquete?
A sra. Weasley não respondeu, ela simplesmente sentou-se de cara amarrada enquanto as pessoas serviam-se. Hermione a ouviu cochichar com o marido:
— Dumbledore não devia tolerar tanta negligência... Quero ver a hora que acontecer alguma coisa com Harry, a cara que ele vai fazer, e tomara que eu esteja errada.
Hermione não entendeu nada, e olhou automaticamente para Rony, que com um gesto quis dizer “depois”.
Tão logo terminou de jantar e viu que Rony também terminara, Hermione agarrou o braço dele e puxou-o para fora da cozinha e depois para as escadas.
— Você tem que me explicar alguma coisa, não estou entendendo nada! — sussurrou.
— Não é a única. — disse Rony, demonstrando descontentamento em ter sido arrancado da mesa. — Nós sabemos que essa é a sede da Ordem da Fênix, que é a organização secreta de Dumbledore para tentar combater Você-Sabe-Quem, mas não sabemos de muito mais do que isso.
Ela se encolheu novamente ao passar perto das cabeças de elfos. Já no quarto de Gina, perguntou:
— O que aquele bruxo que a sua mãe mandou se apressar tem a ver com acontecer alguma coisa com Harry? O que ele está fazendo na rua dos Alfeneiros?
— Ele está na rua da casa dos tios de Harry para vigiá-lo. E Arabela Figg também, ela mora lá mesmo, mas como é um aborto não pode usar magia.
Um aborto era um filho de bruxos que nascia sem poderes. Harry descobrira certa vez que o zelador de Hogwarts, Argo Filch, era um aborto.
— Mas por que eles estão vigiando Harry? Ele sabe disso?
— Estão fazendo isso porque Dumbledore mandou, para protegê-lo. Eles acham, e é óbvio, que Harry é o alvo principal de Você-Sabe-Quem. E Harry não sabe, quero dizer, ninguém contou a ele. Aliás, Dumbledore disse para não contarmos absolutamente nada a ele, nem mesmo que estamos aqui, nem onde fica, nem nada.
— Por quê? E onde ele está?
— Ele não disse por quê. E ele não fica aqui o tempo todo, não é? Só vem de vez em quando. Eu ainda não o vi desde que cheguei...
Gina entrou no quarto nesse instante.
— O que mais? — Hermione perguntou.
— Como assim o que mais? Não sabemos de mais nada.
— Nem onde está Você-Sabe-Quem, o que está planejando, o que estamos fazendo para impedi-lo...?
— Nós não estamos fazendo nada para impedi-lo. Quero dizer, eu, você, Fred, Jorge, Gina. Nós não fazemos parte da Ordem da Fênix e não temos acesso a informação alguma.
— Mas...?
— É isso mesmo — disse Fred, logo depois de aparecer com Jorge num estalo que sobressaltou os outros três. — Mesmo nós, que já somos maiores de idade, não pudemos nos juntar à Ordem por sermos “jovens demais”. Pelo mesmo motivo, ninguém nos dá informação alguma sobre nada.
— Mas não por muito tempo — disse Jorge. — Estamos trabalhando num projeto que será muito útil, as orelhas extensíveis. Com elas, poderemos ouvir o que se passa nas reuniões da Ordem.
Todos se entreolharam, num misto de apreensão e excitação.
Hermione demorou a dormir naquela noite. Virava-se na cama de um lado para o outro, escutando a respiração constante de Gina, que dormia tranqüilamente na cama ao lado. Pela janela entravam feixes de luz do luar, iluminando fracamente as paredes. Nelas havia tantas manchas de mofo que formavam desenhos; Hermione distinguiu vultos, capuzes e até rostos negros, além de várias serpentes. Perguntou-se se Gina enxergava os mesmos desenhos que ela nas manchas de mofo.


Chovera em algum momento da madrugada, pois quando Hermione alcançou a rua viu que o chão estava muito úmido. Ela andou a passos lentos pelo largo Grimmauld, cuidando para não escorregar, enquanto o sol escondia-se quase completamente por trás das densas nuvens acinzentadas. Perto da esquina havia uma cabine telefônica. Ela sorriu por dentro ao lembrar-se da conversa que tivera com o sr. Weasley sobre cabines telefônicas minutos antes.
— Quer dizer que aquela cabine ali tem um feletone dentro? — perguntara ele, que sempre fora fascinado por inventos trouxas. — E assim os trouxas podem estabelecer contato com outros trouxas em qualquer lugar?
Ela explicara a ele o funcionamento básico de uma cabine telefônica, e agora acabara de entrar naquela que havia no largo Grimmauld, olhando para os lados para ver se alguém a vira, mas não havia ninguém na rua. Olhou no relógio, faltavam cinco minutos para as oito horas. Deixara Gina dormindo no quarto e tomara café com o sr. e a sra. Weasley, os únicos que estavam acordados àquela hora. Depois saíra para telefonar, sentindo um peso no coração.
Tirou o fone do gancho e discou o número de casa, prendendo a respiração. Quando ouviu a voz do pai atender, os olhos começaram a marejar.
— Oi, papai... É Hermione.
— Mione, querida! Tudo bem com você? Por que está telefonando tão cedo?
— Só queria saber como vocês estavam, e dizer que já estou com saudades.
— Estamos bem, e você?
— Estou ótima. A mamãe está por aí?
— Só um minuto. Um beijo, filha.
Alguns instantes depois, ela ouviu a voz da mãe:
— Tudo bem com você, Mione?
— Tudo ótimo, mãe — ela respondeu, agora lutando em vão para conter o choro.
— Você está chorando? Aconteceu alguma coisa?
— Não, é só saudade... Eu sinto muito por ter ficado tão pouco em casa! Vocês ficaram chateados comigo, não ficaram?
— Ora... — a sra. Granger fez uma pausa. — Você está se divertindo?
— Estou, claro...
— Então é isso o que importa. Não se preocupe, não ficamos chateados com você, de maneira alguma!
— Está bem, então...
As lágrimas agora escorriam em grande quantidade pelo rosto de Hermione. Depois de despedir-se da mãe e recolocar o fone no gancho, ela ainda chorou um pouco dentro da cabine. Quando conseguiu parar, secou o rosto e saiu, respirando fundo e caminhando devagar de volta para a casa n° 12. Embora ainda sentisse um pouco de culpa, sentia-se melhor agora.
Abriu a porta com cuidado para não fazer barulho, entrou devagar e foi até a cozinha para ver se encontrava a sra. ou o sr. Weasley, mas não havia ninguém ali exceto por um elfo doméstico idêntico àqueles cujas cabeças tinham sido penduradas na parede. O elfo parado à sua frente, porém, não só tinha o resto do corpo e estava vivo como gritou, a plenos pulmões:
— Uma sangue-ruim! Na casa de minha senhora! O que ela iria achar disso?
Ela ficou sem ação, até que a sra. Weasley surgiu atrás dela dizendo:
— Oh, meu Deus, cale essa boca, Monstro! Vai acordar a casa inteira! — e virou-se para Hermione. — Não ligue para ele, querida!
— É um bobalhão — disse outra voz, e Sirius Black entrou na cozinha. — Ele ainda tenta se manter fiel ao quadro de minha mãe. — ele apontou um quadro no hall de entrada. — É por causa dela que não se pode fazer barulho ao entrar. Senão ela acorda e começa a gritar...
Sirius sorriu, um tanto desanimado. Embora ainda estivesse magro, ele parecia bem melhor do que na última vez em que Hermione o vira. Pelo menos usava roupas limpas, aparara os cabelos e a barba.
— Rony me disse que Bicuço está aqui. — disse ela.
Ele sorriu outra vez.
— Está sim, venha vê-lo.
Sirius e Hermione subiram vários lances de escada até chegarem onde Bicuço estava. Ela fez uma reverência e esperou o hipogrifo retribuí-la para poder se aproximar e acariciá-lo. Sirius revelou que se sentia completamente inútil trancado em casa, mas que sabia que não podia sair se não quisesse ser apanhado, afinal, ainda era procurado como um criminoso.
Tão logo Rony, Gina, Fred e Jorge acordaram, a sra. Weasley colocou todos os filhos e Hermione para organizar e limpar a casa. Aquilo era pior do que fazer uma limpeza comum, Hermione pensou, pois além de não poder usar magia havia outros tipos de sujeiras, como pequenas criaturas mágicas semelhantes a insetos empestando os cantos dos cômodos.
Sirius contou aos garotos que a casa pertencera a sua família por gerações, e que agora ele era o único Black remanescente, portanto a casa era sua por direito e também Monstro, o elfo doméstico, que era obrigado a obedecê-lo mesmo achando que ele traíra sua família.
— Por que ele pensa isso? — Rony perguntou.
— Ora, porque eu de fato traí minha família. Eles eram partidários do sangue puro, acreditavam em Voldemort... Trata-se de uma família ruim, e eu é que sou a maçã estragada da cesta... Abandonei a casa aos dezesseis anos por não concordar com as idéias dos meus pais, do meu irmão. Nunca pensei que voltaria aqui.
Hermione estava pensando em algo, mas tinha vergonha de perguntar. Conteve-se, mas o que queria saber era por que Sirius não libertava Monstro.

Os dias que se seguiram confirmaram que a estadia na sede da Ordem da Fênix não era tão instrutiva quanto Hermione imaginara que seria. O que ela e os outros “jovens demais” mais faziam, sem dúvida, era limpar sujeiras enormes e livrar-se de pragas mágicas, na tentativa de deixar a casa o mais habitável possível.
Os cinco estavam ansiosos por notícias, mas não recebiam nenhuma. O que era discutido nas reuniões dos membros da Ordem não lhes era revelado nem mesmo em parte, e eles sentiam-se como burros de carga trabalhando o dia inteiro sem nem mesmo uma informação em troca.
— As orelhas extensíveis estão quase prontas — comentou Jorge, certa manhã em que os cinco estavam reunidos no quarto de Rony. — Com elas não ficaremos tão no escuro assim. Não é justo que...
Mas o garoto foi interrompido pela entrada tempestuosa de uma coruja pela janela, que acabou chocando-se contra um armário na pressa com que voava. Rony foi juntá-la, comentando:
— Pela pressa, deve ter vindo de longe.
— Será que é de Harry? — Gina perguntou, esperançosa.
Mas Rony fez uma careta de desgosto para Hermione, jogou-lhe a carta e disse apenas:
— Não. Veio de mais longe.
Hermione juntou a carta, que caíra perto de Fred, e ao ler o remetente entendeu a atitude de Rony. A carta estava endereçada a ela e tinha sido enviada por Vítor Krum, que simplesmente perguntava como ela estava, contava que estava treinando muito para a temporada de quadribol e que estava apreensivo com o ressurgimento de Voldemort. A coruja que a trouxera ficou esperando uma resposta, então ela escreveu rapidamente um bilhete dizendo que estava bem, que estava aproveitando as férias e que desejava sorte a ele nos treinos.
Quando a coruja partiu com a resposta, Rony já não estava mais no quarto. Durante o resto do dia, ele ficou de cara fechada e não dirigiu a palavra a Hermione. Ela poderia jurar, no entanto, que em um momento de silêncio na mesa do almoço ouviu o garoto resmungar:
— Tomara que um balaço o derrube da vassoura.

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