Os Granger



— CAPÍTULO UM —
Os Granger




Uma semana. Sete dias, apenas, foi o tempo que a filha de Helena e Joseph Granger ficou em casa desde que chegara para passar as férias, e agora já estava partindo novamente. Helena não conseguia parar de pensar nisso, sentada em sua sala em um intervalo entre duas consultas. Ela e seu marido, que eram dentistas e dividiam um consultório, a levariam a Londres depois do final do expediente.
Helena olhou para a foto da filha segurando no colo seu gato de estimação; fora tirada no ano anterior e estava na escrivaninha desde então. Os pacientes, ao verem o porta-retrato, se interessavam em saber quem era a linda garota de cabelos castanhos, cheios e encaracolados, segurando um gato alaranjado.
— É minha filha — respondia Helena, orgulhosa.
— Como se chama? — queriam saber.
— Hermione. Foi idéia de Joseph. Na mitologia grega, a filha de Helena de Tróia chamava-se Hermione, que também seria a versão feminina do nome Hermes.
— Onde ela estuda? — perguntavam freqüentemente.
Bem, se Helena fosse responder com a verdade, não apenas as pessoas não acreditariam, mas também sairiam do consultório certas de que tinham sido atendidas por uma pessoa que estava fora de si. Hermione estudava na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, mas somente os parentes mais próximos sabiam de detalhes a respeito disso.
— Em um colégio interno — respondia vagamente, mas apressava-se em acrescentar: — Ela gosta muito de lá; se não fosse a vontade dela, eu evidentemente preferiria mantê-la debaixo da minha asa.
Como a própria Hermione enfatizava, porém, não era uma questão de vontade, e sim de nascença. Crianças comuns iam para escolas comuns, mas Hermione não era, de fato, uma criança comum. Quando recebeu a carta de Hogwarts, aos onze anos, dizendo que tinha uma vaga na escola por ser uma bruxa, a menina não pareceu surpresa, pelo contrário; aquela parecia ser a explicação perfeita para os incidentes inexplicáveis que a tinham acompanhado ao longo da infância. Helena e o marido não acreditaram instantaneamente, como a filha tinha feito; imaginaram que só podia tratar-se de uma brincadeira. A garota insistira, porém, em comparecer ao local indicado na carta, e eles acabaram por levá-la.
Depois daquilo, tudo se desenrolara tão rapidamente que os Granger mal tiveram tempo de ficar surpresos com o fato de que aquela era, sim, uma realidade. Entraram com a filha em um bar que não enxergavam, pois segundo a carta somente bruxos podiam vê-lo. Hermione o vira, e os levara pelas mãos para dentro. Pelos fundos, saía-se para um lugar inimaginável, onde compraram o material escolar exigido por Hogwarts: um caldeirão e ingredientes para poções, livros de magia e uma varinha mágica. Antes disso, tinham passado num banco de bruxos, e os duendes que lá trabalhavam trocaram seu dinheiro por dinheiro do mundo mágico.
Quatro anos tinham se passado e agora Hermione iria para seu quinto ano na escola. Às vésperas de completar dezesseis anos, ela não era mais uma criança. Mais um ano e já completaria a maioridade, pois dezessete anos era a idade em que uma pessoa era considerada adulta no mundo dos bruxos. Desse tempo, a garota tinha passado muito pouco com os pais. Ficava o ano inteiro na escola, e voltava somente no verão, que nem sempre passava inteiro com eles. Durante o ano letivo, a filha mandava cartas através de corujas, contando sobre seu desempenho nas aulas de Feitiços, Transfiguração, Defesa Contra as Artes das Trevas e mais uma porção de disciplinas do ensino de magia.
Hermione tinha amigos na escola, de quem sempre falava muito. Havia Harry Potter, um menino órfão que, dizia ela, era quase como um irmão. Rony Weasley também era seu grande amigo, mas Helena tinha certeza de que, se não havia, estava para acontecer algo mais entre os dois. Rúbeo Hagrid era um homem enorme, de quase três metros de altura, que assim como os meninos, ela e Joseph já tinham tido a chance de conhecer. Hagrid podia amedrontar pela aparência, mas demonstrava grande carinho e preocupação por Hermione e os meninos.
Helena e Joseph não sabiam muitos detalhes sobre o mundo mágico; sabiam vagamente que havia um ministério da magia, que houvera uma vez um bruxo das trevas poderosíssimo que perdera seu poder e que o maior bruxo da atualidade era Alvo Dumbledore, o diretor de Hogwarts. Por muitas vezes, sentiam-se frustrados em não compreender exatamente tudo o que a filha contava sobre a escola, mas ela mesma os tranqüilizava dizendo que eles não tinham a obrigação de compreender tudo, pois já tinham muitas preocupações e suas próprias carreiras. Sentiam-se, porém, muito orgulhosos da filha por ser uma ótima aluna e ter sempre excelentes notas, e faziam questão de demonstrar-lhe isso.


Faltavam cinco minutos para a próxima consulta, e Joseph já estava preparado. Faria um tratamento de canal em um paciente, e já estava com os equipamentos separados e devidamente esterilizados. Já vestia seu jaleco, usava uma máscara no rosto e estava agora ajustando a luz para que ficasse bem na altura de onde ficaria a cabeça do paciente na cadeira.
Embora estivesse concentrado no trabalho, Joseph pensava na filha. Hermione passara tão pouco tempo em casa, somente uma semana, e passaria o resto das férias com os amigos, no que ela dissera ser uma missão importante. Ele podia lembrar-se muito bem de quando a garota sentara-se com eles na sala de casa para conversar.
— Eu sinto muito, — dissera ela. — eu sei que tenho passado muito pouco tempo com vocês, mas... Bem, há algo bem importante que Rony e eu precisamos fazer, e mais tarde Harry também. Iremos encontrar Dumbledore e outros bruxos, ficaremos hospedados com eles, aprendendo, treinando para possíveis futuras profissões... Vocês me deixam ir?
Que havia que ele pudesse fazer? Joseph muitas vezes sentia-se confuso por não compreender muito do mundo da filha. Sentia-se incapaz de saber o que era melhor para ela, por não conhecer detalhadamente o seu dia-a-dia. Contudo, confiava no bom senso da garota, que nunca lhe dera muitos motivos para se preocupar, demonstrando extrema independência e auto-suficiência.
Joseph sentia, por mais triste que pudesse lhe parecer, que ele e a esposa não faziam parte do mundo da filha, por não serem bruxos como ela. Cada vez mais ela demonstrava preferir estar entre outros bruxos a estar em casa, onde não podia usar magia por causa de uma lei do ministério da magia. Ele achava que não podia culpá-la, mesmo porque ela demonstrava tanto amor e sabedoria a respeito de tudo o que já aprendera e fizera, que era inconcebível sequer considerar a possibilidade de tirar aquilo dela. A magia era parte dela. Por algum motivo, ela nascera bruxa, mesmo filha de um casal de trouxas, que era como os bruxos se referiam a pessoas sem poderes mágicos. Não havia nada que pudesse ser feito para mudar isso.


Hermione Jane Granger. Era esse seu nome completo. Entraria no quinto ano de Hogwarts, sempre tivera notas excelentes na escola e não havia nada que quisesse mais do que aprender magia. Era uma bruxa. Nascera entre os trouxas, mas era uma bruxa, tinha toda a certeza disso. Não apenas pelo que já aprendera a fazer, mas principalmente porque se identificava muito mais com os bruxos do que com os trouxas, mesmo sendo a sua família totalmente constituída por eles.
Passara-se uma semana apenas desde que Hermione chegara em casa, mas era como se tivesse sido um mês. Sempre sentia falta da escola e dos amigos, mas desta vez havia também um grande medo em questão, o medo de algo que ameaçava toda a comunidade bruxa. Não pudera contar isso aos pais, mas Voldemort retornara. O lugar para onde ela estava indo, em que encontraria os Weasley, Dumbledore e outros bruxos, era na verdade uma sociedade secreta que tinha como objetivo deter o lord das trevas antes que ele retomasse o poder que já tivera outrora. Hermione tivera medo de que, se contasse aos pais toda a verdade, eles não a deixariam ir. Chegou a imaginar a conversa em que contava tudo a eles.
— Vocês se lembram de Voldemort? — perguntaria ela. — Aquele sobre quem eu já contei, que foi um bruxo das trevas muito poderoso e que tinha perdido seus poderes. Pois bem. Ele tinha perdido os poderes, mas não morreu. E agora ele retornou. Não sabemos onde ele está nem o que está fazendo, mas é preciso tentar detê-lo...
Seus pais trocariam um olhar confuso, e seu pai diria:
— Por acaso você não está pensando em enfrentar esse tal bruxo das trevas muito poderoso... Está?
— Mas é claro que estou! Não sozinha, é claro... Mas eu preciso fazer a minha parte. Quero dizer, se eu me omitir será praticamente o mesmo que apoiar Voldemort... E eu simplesmente não posso fazer isso. Ninguém pode; ele precisa ser detido! Dumbledore está convocando bruxos a se reunirem em uma sede, em Londres. Os Weasley estão lá, e Rony me mandou uma carta dizendo que eu também poderia ir se quisesse. Eu gostaria muito de ir... Se eu não for, não estarei cumprindo com meus deveres morais... Não poderei mais me considerar uma bruxa, entendem, se eu...
Talvez sua mãe reclamasse do fato de ela ter passado tão pouco tempo em casa. Hermione vacilaria, os olhos marejariam. Ela diria, com a voz embargada:
— Não tem nada a ver com vocês... É meu dever ir! Se pudesse, eu os levaria comigo, mas vocês têm as suas vidas, as suas carreiras... Não poderiam deixar tudo para me acompanhar, não é?
— Será que você não está indo longe demais? — seu pai diria, talvez. — Quero dizer, sobre ser uma bruxa... Existem tantos bruxos, eles não podem se virar sem você? Afinal, você tem apenas quinze anos, é uma menininha ainda, e por mais que já tenha aprendido, como poderá ajudar a enfrentar um bruxo poderoso?
Ela tentava imaginar como era na cabeça de seus pais o entendimento sobre magia, bruxaria, duelos, feitiços. Era difícil imaginar como eles encaravam a situação, até porque não os via tanto.
— Papai, você não entende! — ela diria, levantando-se. — Um colega meu foi morto por ele no ano passado... Eu não queria contar isso... Cedrico Diggory foi assassinado por Voldemort, e meu amigo Harry quase foi, também! Se salvou por pouco! Não está em questão o quanto podemos ajudar ou não... E sim que também estamos em perigo! Todos estão... E eu... Eu nasci trouxa. Voldemort e seus seguidores odeiam nascidos trouxas... Os chamam de sangues-ruins.
Nunca contara aos pais a discriminação que sofria por parte de bruxos que acreditavam no chamado “sangue puro”, que seriam famílias de pais bruxos, com filhos bruxos, casando-se com outros bruxos e tendo outros filhos bruxos. Esse tipo de bruxo discriminava bruxos nascidos de famílias trouxas, julgava que eles não tinham direito de estudar magia.
— Sangue-ruim? — gritaria seu pai. — Assassinato? Pois trate de considerar-se fora daquela escola, entendeu? Você nunca mais vai pôr seus pés naquele lugar! Quer dizer que ficam ofendendo você lá? Quer dizer que a escola não é segura? Já sabíamos disso pelas tantas vezes que você precisou ir à enfermaria, mas nunca imaginamos que corresse risco de vida!
E aí tudo estaria acabado. Ela nunca conseguiria convencer os pais de que eles não podiam tirá-la de Hogwarts.
— A minha vida está lá. — ela diria, lutando para controlar a voz entrecortada por soluços. — Aquela escola é o que eu sou, eu sempre fui assim, mas até ir para lá eu não sabia por que as coisas mais estranhas viviam acontecendo comigo. Me tirar de lá é me tirar o ar, eu não poderei viver como uma trouxa. O que sugeririam que eu fizesse?
Era uma pergunta aterradora, pois ela não via para si um futuro no mundo trouxa. Era por isso que precisava mentir para os pais, omitir certos fatos. Uma vez que eles percebessem o perigo que ela corria, poderiam querer trancá-la em casa, para protegê-la. Isso era, porém, o que ela mais temia; deixar o mundo dos bruxos. Talvez até temesse mais isso do que a própria morte.
— Eu não poderia viver como trouxa. Eu não posso, não sei, e não quero. — dissera a si mesma, afugentando de vez a idéia de revelar mais alguma coisa sobre Voldemort aos pais.
Durante aquela semana estivera checando ansiosamente o Profeta Diário, o jornal dos bruxos, que chegava todos os dias à sua janela trazido por uma coruja. Entretanto, se estava acontecendo alguma coisa relacionada a Voldemort realmente, o jornal não estava divulgando. Seu desespero por informações aliviou-se um pouco ao ver Pichitinho na janela, mas a carta de Rony não explicava muita coisa.

“Hermione
Não posso dar detalhes, mas eu e minha família não estamos em casa. Estamos em um lugar muito secreto, fazendo algo muito importante, por ordens de Dumbledore. É uma organização secreta para combater Você-Sabe-Quem, cheguei com meus pais e irmãos aqui ontem. Dumbledore me proibiu terminantemente de dizer qualquer coisa a Harry, mas permitiu que eu mandasse essa carta a você. Me responda dizendo se vai poder ir a Londres, no seguinte endereço: Largo Grimmauld, n° 12. Me diga quando irá e eu irei esperá-la na rua, pois há um truque secreto para entrar.
Rony.”


A carta chegara na noite anterior e na mesma hora Hermione descera à sala para conversar com seus pais. Eles pareceram desapontados, mas não a impediram de ir. Ela não revelou nenhum detalhe a eles, disse apenas que estariam com muitos bruxos e que aprenderiam muito. Sentia-se mal em mentir, mas era em sua mente a única opção viável. Depois disso mandara a pequena coruja de Rony de volta, com um pedaço de pergaminho dizendo que estaria no endereço indicado na noite seguinte.
Ela vasculhou a casa em busca de alguma coisa que pudesse ter esquecido de pôr no malão, enquanto esperava os pais chegarem do trabalho para levarem-na a Londres. Conforme percorria os cômodos, subia e descia as escadas e entrava e saía de seu quarto, sentiu-se muito culpada. Já não estava mais nem acostumada a morar ali, de tão pouco tempo que passava em casa. Mesmo assim, estava decidida e ansiosa por partir para Londres, reencontrar Rony e obter respostas para suas perguntas angustiantes sobre Voldemort.


A viagem foi silenciosa do início ao fim. Hermione não tinha o que dizer. Sentia que estava deixando um pedaço de si com os pais, que os estava abandonando cruelmente, que os mantinha no escuro em omitir o perigo a que estava se submetendo. Por outro lado, não podia correr o risco de perder o apoio deles, de vê-los tomarem partido contra sua identidade de bruxa e tirarem-na da escola ou proibirem-na de ter contato com o mundo bruxo.
Eles não entenderiam se ela contasse detalhes. Via a confiança que depositavam nela, pois nem sequer exigiam os detalhes que ela omitia. Confiavam no que ela dizia cegamente, e agora a estavam levando para o maior perigo que já passara na vida, sem fazerem idéia de que estavam fazendo isso. Ela sentia-se mortificada.
— Largo Grimmauld — disse Joseph Granger, encostando o carro no meio-fio. — Qual é mesmo o número?
Hermione já estava vendo Rony. Passara uma semana longe dele, mas tinha a impressão de que ele estava diferente. Começou a sair do carro e pediu aos pais que descessem para abraçá-la. Nos braços deles, chorou e pediu desculpas.
— Me perdoem... Eu amo vocês, nunca esqueçam.
— Mas perdoar por quê? — perguntou Helena Granger, com a voz embargada.
— Por estar indo embora mais cedo. — a garota choramingou, infeliz.
Seus pais não responderam. Entregaram-lhe o malão e a cesta de Bichento, tornaram a entrar no carro e distanciaram-se devagar, com a noite começando a cair agora. Rony continuava parado entre as casas n° 11 e 13, e Hermione olhou automaticamente para o outro lado para encontrar a n° 12. Não estava lá. Ainda emocionada por causa dos pais, largou o malão e a cesta no chão e correu para abraçar o amigo, soluçando.
— Mione... Você está bem? — disse Rony, abraçando-a sem jeito.
Hermione não respondeu. Sentiu o vento sacudir suas roupas e começar a arrepiar os pêlos de seus braços. Não queria se desvencilhar de Rony. Ele tirou alguma coisa do bolso, e se afastou para mostrar.
— O que é isso? — ela perguntou, a voz ainda embargada.
— Leia, memorize e se concentre nas palavras.
Era um pedaço de pergaminho, e dizia:

“A sede da Ordem da Fênix encontra-se no largo Grimmauld, número 12, Londres.”

Hermione ia começar a protestar, dizer que já sabia disso, mas Rony insistiu e ela fez o que ele disse. Leu a frase concentrando-se por alguns instantes e observou, a seguir, as casas 11 e 13 espremerem-se para dar lugar à 12, que acabara de surgir diante de seus olhos entre elas.

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