O Feitiço Fidelius
DEITADA NA CAMA DE SEU QUARTO n’A Toca, contemplando o teto com o olhar perdido e o pensamento distante, a espevitada ruivinha que conquistara o coração do Menino-Que-Sobreviveu, soltou um longo e exaurido suspiro, que coincidiu com o exato momento em que a amiga e confidente que dividia mais uma vez com ela as suas acomodações, entrava e fechava a porta atrás de si.
— Um galeão por seus pensamentos! – brincou Hermione, forçando um sorriso.
— Eu só queria saber se ele pensa em mim com a mesma intensidade que eu penso nele... – respondeu a bruxinha virando-se de lado e lançando o mesmo olhar perdido, desta vez pela janela.
— Seus sentimentos são muito bonitos e importantes, Gina, mas temos que convir que existem muitas outras preocupações passando pela cabeça do Harry, é incrível mas, parece que sempre que acontece alguma coisa terrível, ele está bem no meio da linha de fogo.
— Muito obrigado por expressar sua opinião, Doutora Hermione! – a caçula Weasley era famosa pelo forte gênio, mas ultimamente qualquer coisa que acontecia era o bastante para tirá-la dos trilhos.
A garota de cabelos castanhos fez um trejeito, batendo o pé, colocando as mãos na cintura e pendendo a cabeça para um lado, em sinal de desaprovação, mas não disse nada.
Gina sentou-se rapidamente à cama e tomou as duas mãos da amiga em meio às suas.
— Desculpe Mione, sei que você tem razão, mas às vezes não consigo me controlar... gostaria tanto que as coisas pudessem ser de outra maneira... – seus olhos começaram a marejar e sua voz tornou-se embargada.
Hermione aproximou-se mais e apertou a cabeça de Gina contra seu peito, soltando uma das mãos para acariciar os cabelos cor de fogo.
— Todos nós gostaríamos, querida. – e, deixando-se levar pelo momento, acrescentou – Pelo menos você tem por quem se lamentar...
Gina se afastou rapidamente, encarando a amiga com um olhar incrédulo:
— Eu não acredito que aquele porco ainda não falou nada com você!
A jovem bruxa que, apesar de ser filha de trouxas, sempre apresentara um desempenho notável no que dizia respeito à execução de feitiços, aliado ao uso incomum da inteligência, pareceu atordoada por um instante, visivelmente constrangida pela observação que havia soltado acidentalmente, traída pelo momento.
— Depende de que tipo de porco você está falando. – recuperou-se.
— Ah, dá licença Mione! Eu não sei o que você viu naquele retardado do meu irmão, ele tem a sensibilidade de um trasgo! – a ruivinha estava realmente revoltada.
— Gina, eu não sei do quê você... – mas a garota foi bruscamente interrompida.
— Olha Mione, se você quer continuar este joguinho comigo, tudo bem, mas fique sabendo que se você não confia em mim, eu também vou deixar de confiar em você. Alias, pensando bem, só vou esperar a Fleuma voltar da viagem de núpcias para transforma-la na minha melhor amiga, e tem mais... – desta vez foi à outra que a interrompeu.
— Está bem, está bem, Gina: você tem razão! – e sentou-se à cama, ao lado da apimentada colega, esforçando-se ao máximo para não desabar em lagrimas – Não sei mais o que fazer... – continuou o desabafo – Eu gosto daquele idiota... e... quando eu vejo o Gui e a Fleur se casando... porque não sabem o que pode acontecer amanhã...
— É, mas o Harry me dispensou... – disse à outra, fazendo um biquinho e tentando assumir o posto da amiga, de pessoa mais infeliz do mundo.
— Mas o seu caso é diferente, Gina, veja a carga que foi colocada nos ombros do Harry...
— Comigo é sempre diferente, que coisa! – a menina começava a se inflamar novamente.
Hermione não conseguiu conter um sorriso, com os olhos marejados, abraçou a companheira e, tentando mudar o rumo da conversa, observou:
— É impressão minha ou o Harry está meio... diferente, quero dizer... mais calmo... mais resignado, apesar de tudo que tem lhe acontecido...
— Também percebi! – respondeu a menina analisando, por um instante, se deveria dar continuidade àquele assunto – Mas não acredito na sua “resignação”: mais calmo até acho que possa estar, mas deve ser porque tomou uma decisão importante e, apenas aparenta concordar com certas coisas, para evitar discussões, sei lá...
— Acho que ele cresceu, sabe... não fisicamente... é claro, fisicamente também, mas... ele cresceu por dentro... apesar da idade, ele parece já ser um adulto... – analisou Hermione e, soltando um breve suspiro –... e cresceu da pior forma possível, tendo um monte de responsabilidades atiradas às suas costas e... vendo aqueles que ama... partirem...
Nisto, a porta do quarto se abriu, após ter-se ouvido algumas rápidas batidas de aviso, e Rony colocou parte do corpo para dentro, anunciando alto e, aparentemente satisfeito pela tarefa a ele imposta:
— Todos descendo! – exclamou – Vai ser lançado o Feitiço Fidelius!
A bruxa, de crespos cabelos cor de mel, olhou para a outra e ensinou, altiva:
— Agora, somente aqueles que receberem o endereço do local da casa escrito pelo próprio punho do fiel do segredo, é que poderão achar o lugar. – e, aparentando preocupação – Será que vão entregar para o Harry? Ouvi a professora Minerva dizer que ele iria direto para a nova Sede da Ordem!
— Acho que... alguém... vai ter que dar um jeito de entregar para ele.
Dito isto, levantou-se ligeiramente e dirigiu-se até a janela, roçando levemente a mão aos lábios, num gesto que, imaginava, só ela sabia o significado. Então se virou e, decidida a encerrar aquele assunto, perguntou à outra:
— E seus pais? Deve ser chato não poder passar as férias com eles.
— É, mas não tinha outro jeito, se eu ficasse com eles estaria desprotegida e eles passariam a correr perigo também... mas... tudo bem... gosto de ficar aqui... com vocês...
— E com o Uon–Uon... – acrescentou a outra, com uma incrível e falsa expressão de compadecimento.
Agora foi a vez de Hermione explodir, deu as costas acintosamente à companheira e, batendo os pés com força, saiu com estardalhaço pela porta do aposento, fechando-a com um estrondo.
Gina sorriu, aparentemente satisfeita com o trote aplicado na amiga, e voltou-se novamente para a janela, apoiando-se em seu balcão. Passou, então, a mirar, ao longe, o local em que avistara, pela última vez, o jovem bruxo que conhecera anos atrás na estação de King’s Cross.
De um salto, Harry levantou-se da cama e pôs-se a caminhar impaciente pelo aposento de um lado ao outro, feito uma fera enjaulada. Havia tomado a decisão de adotar para si a incumbência, antes assumida pelo professor Dumbledore, de tornar em fato concreto a mortalidade de Lord Voldemort. Mas, novamente encontrava-se preso ao sobrado da Rua dos Alfeneiros, mais uma vez refém do feitiço de proteção que lhe havia sido lançado quando tinha apenas um ano de idade.
Dirigiu-se até o velho guarda-roupa que pertencera ao primo Duda e, abrindo-lhe a porta, passou a analisar os poucos suportes para roupas que haviam pendurados ao teto do mesmo. Com um golpe seco destacou de um dos cabides mais danificados que encontrara, uma haste de madeira roliça com cerca de 30 centímetros de comprimento, e passou a brandi-la no ar qual uma varinha mágica – sentia-se ridículo com aquele gesto, mas, como era terminantemente proibido a menores de dezessete anos realizar magia fora do ambiente escolar, e ele já havia tido diversas experiências nada agradáveis com o Ministério da Magia por desrespeitar estas leis, mas precisava treinar, mesmo que simulando os feitiços e, como não podia usar a varinha verdadeira, esta teria de servir.
“Expeliarmus!” – pensou, ao melhor estilo de feitiços não verbais que já experimentara, realizando um gesto gracioso com a pseudovarinha, em direção a um antigo abajur armazenado a um canto, seu pensamento vagava, distante.
Sabia que não fazia sentido retornar à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts para completar seus estudos para feiticeiro, caso esta viesse realmente a ser reaberta depois da tragédia ocorrida há poucos dias atrás – não aprenderia em nenhuma aula de Poções ou mesmo de Defesa Contra as Artes das Trevas, uma maneira eficaz de descobrir e destruir os Horcruxes criados pelo odiado inimigo, não seria em aulas como Adivinhação ou Trato das Criaturas Mágicas que descobriria fórmulas para enfrentar os Comensais da Morte e, muito menos, o mestre deles.
“Petrificus totalus!” – desta vez, a vítima do falso encantamento, foi o seu malão de pertences escolares que, não colaborando com a imaginação do rapaz, permaneceu estático e intocado a seu canto.
E, enfrentar Lord Voldemort, seria realmente um feito dificílimo, não via como os bruxos mais fortes e experientes que conhecia, como Olho-Tonto Moody e Rufo Scrimgeour que eram notáveis aurores, ou Tonks e Lupin e até mesmo a professora McGonagall que sempre demonstraram grande competência no combate aos Comensais da Morte, não teriam nenhuma chance, pois até Dumbledore – que havia sido o bruxo mais poderoso que Harry já ouvira falar – não havia conseguido derrota-lo. E haviam outros feiticeiros de comprovada competência que não fariam frente ao bruxo das trevas, até o desconhecido R.A.B. que havia encontrado o esconderijo secreto da Horcrux criada a partir do Medalhão de Slytherin antes mesmo do velho ex-diretor, e tendo passado por toda a defesa mágica ali existente e, ainda, deixado uma cópia da jóia com um bilhete ao inimigo mortal.
“Impedimenta!” – mas, a gaiola de Edwiges permaneceu intacta. Percebia, também, que seu conhecimento de magia e de duelos era ínfimo, perto do que outros bruxos conhecidos haviam demonstrado na sua mesma idade: Tom Riddle havia aberto a Câmara Secreta e controlado o monstro nela residente na época em que estudara em Hogwarts e, provavelmente, começara a dividir sua alma através de seus Horcruxes neste mesmo período, a trupe que seu pai liderava, havia criado o Mapa do Maroto, uma prova de eficiência mágica muito eficaz, e que não fora detectado nem pelo falecido diretor e, ainda, seu pai, o padrinho Sirius e até Rabicho, tido por todos como um tolo e interesseiro, haviam se tornado animagos para demonstrar solidariedade ao amigo Lupin.
“Levicorpus!” – mais uma vez, o feitiço de “mentirinha”, sequer produziu uma brisa na mesinha de cabeceira onde estava depositada a verdadeira varinha do bruxo. E, tinha o pior, Severo Snape, o odioso “Príncipe Mestiço”, já provara a ele que, num possível confronto, suas chances seriam irrisórias. Suas anotações, já bem conhecidas do rapaz, mostravam que, ainda jovem, tratava-se de um gênio em aptidões mágicas. E suas habilidades em oclumência também eram magníficas, pois conseguira esconder de Dumbledore, até o momento derradeiro, suas verdadeiras intenções – o sangue começou a subir-lhe à cabeça – e havia relatado o seu conhecimento sobre a profecia ao Lorde das Trevas, o que o levara a assassinar seus pais e tentar matar a ele próprio, e mesmo assim o velho diretor ainda acreditou em seu arrependimento – sua visão tornou-se turva, tamanho o ódio que sentia emanar de seus poros.
— Sectumsempra!
O fato que ocorreu a seguir, fez Harry cair sentado para trás, estatelado em meio aos seus pertences armazenados no malão, seu semblante entre atônito e desesperado:
Um raio de luz branca cortou longitudinalmente ao meio o pedaço de madeira que o jovem empunhava à guisa de varinha mágica, torrando-o instantaneamente e soltando uma pequena nuvem de fumaça, também branca, na seqüência, o raio destruidor atravessou o cômodo, indo de encontro a um porta guarda-chuvas de profundo mal-gosto, que se encontrava posicionado ao lado da porta de entrada do quarto, espatifando-o com um estrondo.
O garoto levantou-se rapidamente, pálido como um inferius, e correu a apanhar a sua verdadeira varinha, escondendo-se ao lado da janela, tentando descobrir de onde provinha um possível ataque.
Como não verificou nada de anormal pela visão que tinha da rua, atravessou novamente o recinto e encostou um dos ouvidos à porta, preocupado agora, que o ruído chamasse a atenção dos tios, mas também não percebeu nada. Seu tio ainda deveria estar no trabalho, tia Petúnia certamente estaria em seus afazeres na cozinha e o primo só dava as caras à noite.
Aproximou-se, então, do pedaço de carvão que se transformara o brinquedo, e que ainda soltava um pouco de fumaça, e constatou, estarrecido:
“Saiu de mim! Saiu da minha mão!”.
Gina desceu as escadas, apressada, em direção ao hall de entrada da casa, onde encontrou com os pais, irmãos, Fleur, Hermione, Tonks e Lupin retornando para dentro.
— Já? ... – exclamou a garota.
— Sim, querida! – disse a Sra. Weasley, abraçando levemente a caçulinha e induzindo-a a caminhar a seu lado – Agora estamos todos seguros aqui, pode ficar tranqüila! – concluiu, depositando um breve beijo na testa da menina.
— Mas... e o bilhete... com o segredo, para podermos achar A Toca quando estivermos fora? – indagou a jovem.
— É mesmo! – exclamou em voz alta o Sr. Weasley, batendo fortemente com a mão à cabeça e, tirando vários pedaços dobrados de pergaminho dos bolsos, entregou o primeiro para Molly e os demais respectivamente para Gui, Carlinhos, Fred, Jorge, Fleur, Tonks e abriu o último para si mesmo, dando-lhe após o ter lido, um pequeno toque com a varinha e incendiando-o, os demais repetiram o gesto.
— Mas... e nós? Como faremos para encontrar a casa sem o endereço? – reclamou Rony, amparado pelo olhar de aprovação das outras duas bruxas menores de idade.
— Para que vocês teriam de encontrar a casa se já estão dentro dela? – ponderou o Sr. Weasley – Por acaso pretendem ir a algum lugar?
— Nunca se sabe... o que pode acontecer... nestes tempos difíceis... – tentou negociar Hermione – Podemos ser obrigados a sair, por algum motivo, e depois não poderíamos voltar. – completou a garota, procurando dar mais credibilidade à sua teoria.
— Não há motivos para... – começou a falar a Sra. Weasley, quando foi interrompida por Lupin:
— Eles têm razão Molly. – disse, aproximando-se dos três e retirando novos pedaços de pergaminho dos bolsos – Não custa deixa-los preparados para alguma ocorrência não programada.
E, dito isto, aproximou-se de Rony, entregando-lhe o bilhete, sob o olhar de desaprovação da mãe do garoto, aguardou que o mesmo o lesse e ateou fogo ao mesmo com um gesto da varinha. O Sr. Weasley colocou um dos braços sobre os ombros da esposa, confortando-a.
Em seguida Lupin repetiu o mesmo procedimento com Hermione, também destruindo ele próprio o segredo do fiel, e por último entregou o pedaço de papel a Gina.
A ruiva desdobrou-o lentamente, leu-o e tornou a dobra-lo novamente com muito cuidado, no que, ao estender o braço para entrega-lo a Lupin, realizou um rápido giro com a mão em que o documento permaneceu por uma fração de segundo oculto aos olhos deste, vindo em seguida a incendiar-se, sem a intervenção do ex-professor.
— Muito bom Gina! – exclamou ele – Um feitiço de combustão não-verbal e sem varinha, parabéns! – completou voltando para perto de Tonks, mas acompanhando o rosto da menina com o canto dos olhos.
Em seguida, todos se dirigiram para a cozinha para jantar e, após um longo tempo de conversas paralelas e muitas opiniões trocadas, Remo e a metamorfamaga se levantaram para partir, despedindo-se dos demais.
— O senhor vai entregar o segredo para Hagrid também, não vai? – disse Gina a Lupin com forçada ingenuidade, quando este já cruzava a porta de saída.
— Sim, claro. – respondeu ele – Assim que possível.
— Então poderia entregar este recado para ele? Por favor! – completou, entregando ao bruxo um pedaço de papel aberto onde se lia claramente:
“Professor Hagrid, gostaria de tirar algumas dúvidas sobre a matéria ‘Trato das Criaturas Mágicas’ com o senhor. Por favor, venha À Toca assim que puder. Gina”.
— Pode ficar tranqüila, eu entregarei muito brevemente. – e, com um último cumprimento de cabeça aos demais, saiu de encontro a Tonks, que já o esperava lá fora.
Assim que a porta se fechou às costas dos dois, a bruxa comentou com voz displicente:
— Ela trocou o bilhete antes de queima-lo...
— Eu sei! – respondeu Lupin.
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