Família
FAMÍLIA
Após procurar por horas em todos os lugares possíveis Hermione e Rony encontraram Harry n’O Cabeça de Javali, sentado ao balcão, sendo servido por um homem barbudo que cheirava a cabra. Havia uma boa quantidade de copos à sua frente, mas todos cheios e intocados de um líquido verde com forte cheiro de álcool. Harry encarava cada um deles, parecendo acorrentado à cadeira precária do pub. Trocando olhares preocupados, os dois se aproximaram do amigo.
- Harry... Você está bem? – arriscou Rony, colocando uma das mãos no ombro do outro.
- Se... Estou bem? – riu, um pouco ainda fitando os copos. – Acabei de descobrir que além de perdê-la fui trocado por um dos maiores idiotas do século. E, não bastou isso, ainda por cima ela me comparou àquele idiota... A Draco Maldito Malfoy. É, Rony, estou excelente. Maravilhoso.
Não havia o que falar em reposta e Hermione mordeu o lábio, em sinal de preocupação. Harry nunca lidava bem com situações como aquela, naquelas horas tinha tendência a acreditar que o mundo inteiro, inclusive seus amigos, estavam contra ele.
Provando-se correta, Harry virou para os dois, acusações na ponta da língua.
- E vocês dois! – levantou o dedo indicador acusatoriamente. – Vocês a deixaram ficar na casa daquele aproveitador barato!
- Ei! A gente tentou de todo o jeito fazer ela mudar de idéia! – disse Rony. – Ela não quis nem saber!
- Além do mais, foi a única solução que fazia sentido – protestou Hermione. – Eles estavam atrás dela em todos os lugares possíveis, o único impossível era a mansão Malfoy.
- Será que fui transportado para um universo alternativo de gente completamente louca?! – gritou Harry, gesticulando com as mãos, quase derrubando alguns copos. - Vocês ajudaram MALFOY a conseguir enganar Gina!
- Não fala merda! – gritou Rony, revoltado. – A culpa não foi nossa! Você colocou a minha irmã caçula na mesma cela minúscula de Azkaban que aquele fuinha!
- EU?!
- É!
Antes que a situação piorasse Hermione colocou a mão no ombro de Rony, pedindo, assim, que parasse de falar.
- A decisão foi dela. Não nossa, nem sua Harry. Não é culpa de ninguém!
- Ah, pode ter certeza, não estou sentindo um pingo de culpa. Definitivamente. Eu salvei a vida dela mil vezes mais do que aquele furão albino. Ele provavelmente a está usando pra alguma coisa. O quê, eu vou descobrir.
- O que quer dizer com isso?
Seu rosto escureceu de gravidade, Harry pegou um dos vários copos à sua frente, segurando-o perto à boca, mas ainda sem beber o líquido verde que havia dentro.
- Estou dizendo, Hermione, que Malfoy acabou de arranjar mais uma sombra. Vou provar à Gina que ele continua o patife covarde que sempre foi.
- Como?
- Deixe comigo – abriu um sorriso quase lunático, lembrando vagamente seu padrinho.
Firmemente bebeu do copo, engolindo todo seu conteúdo sem pausa e em um gole só. Um segundo depois caiu para frente e, se não fosse a rápida reação de Hermione, teria quebrado todos os copos embaixo, mas felizmente ela os levitou para longe, antes que o amigo que batesse com o rosto na madeira, ficando inconsciente.
- Quantos ele bebeu? – perguntou Rony para o barman.
- Esse foi o primeiro – deu de ombros o homem de barba.
Mais uma vez, o casal se entreolhou. Harry agora roncava baixo e não tiveram alternativa além de o carregarem para a lareira mais próxima, seus pés arrastando pateticamente pelo chão e a boca meio aberta. Por mais raiva que parecia sentir no momento, não havia dúvidas para Hermione e Rony que Harry, do seu jeito, estava mais deprimido do que qualquer outra coisa.
Draco a observou por um longo tempo dormir, deitada em seu sofá predileto, próximo à lareira. Pensou em talvez levitá-la para o quarto mas, por alguma razão misteriosa, o máximo que conseguiu desde que a encontrara momentos antes foi abaixar-se para olhá-la de mais perto. Não parecia estar irritada, na verdade dormia serena aparentemente longe de qualquer preocupação. Talvez significasse que havia dado tudo certo com os bufões Weasley. Mas caso não: pelo menos estava lá e, mesmo que se fosse para terminar, era um bom sinal.
Esteve tão absorvido com a notícia de sua mãe que esqueceu por alguns momentos que Gina estava à caminho da mansão quando recebeu a carta do hospital. O segredo dos dois parecia tão menos importante e digno de preocupação agora que sua mãe estava bem. Parecia que aquilo era o motivo de todos seus problemas anteriores. Como se a presença dela pudesse ter mudado algo de seus anos como fugitivo, quando na verdade sabia muito bem que naquele dia infame poderia ter escolhido ficar na mansão ao invés de fugir da Inglaterra.
Lembrava-se da decisão tomada anos antes, de ir embora de sua casa, ainda com dolorida clareza.
Aparatou em meio à floresta que ficava ao redor da mansão, sabia que devia estar apenas cinco minutos de seu quarto, seus pertences e sua mãe. Não chovia, o clima era de uma noite amena e até quente, ou então suava por outra razão completamente diferente. Estava rodeado de sombras, formas irreconhecíveis que podiam ser ou não árvores ou inimigos. Não tinha intenção de descobrir.
Respirava desesperadamente à procura de fôlego, quanto tempo até chegarem em sua casa? Teriam já arrombado suas portas e destruído tudo? Tudo parecia fragmentado, minutos se transformando em horas, não sabia mais se era um pesadelo que vivia ou realidade pura e cruel.
Sua testa estava molhada, seu cabelo ensopado. Sentia a pele oleosa e suja, suas mãos pegajosas mal segurando a varinha enquanto tremiam descontroladamente. Jogara fora sua máscara há muito tempo e não sabia, nem pretendia saber, onde. A única imagem clara e definida que tinha em sua mente era o rosto de seu pai morto.
Fugiu como pôde do lugar onde foi a batalha final, tropeçando em corpos, caindo no chão em derrota, mas levantando todas as vezes, desesperado para escapar daquele local horrível. Era quase incrível que escapara dos membros da Ordem, felizmente estavam ou tão confusos quanto ele ou feridos demais para estarem conscientes. Sabia que não era o único Comensal a escapar com vida do ataque, mas não tinha intenção nenhuma de reencontrá-los.
Cambaleando, quase caindo no chão, pois era incapaz de prestar atenção onde pisava, foi seguindo em direção à sua casa, esperando desesperadamente que a guerra não houvesse chegado lá ainda. Parecia que tudo no mundo estava destruído e a terra havia se aberto, engolindo seu pai e seu futuro junto. Pensava na última vez que lhe falara com.
Em sua relutância... Na decepção dele.
Na traição.
Fechou os olhos e buscou apoio em uma árvore próxima. Tinha alguns ferimentos espalhados pelo corpo mas ficara distante da luta o máximo que pôde e nenhum deles justificava a confusão e a tontura que sentia.
Subitamente uma forte dor em seu braço esquerdo o obrigou a gritar, caindo de joelhos no chão de terra. Era cortante, atravessando seu braço como se o dividisse em dois. Lágrimas de dor escorreram por seu rosto e se misturaram ao suor de nervosismo.
Olhou para a Marca Negra, que por um segundo ficou verde e definida, mas depois se apagou, como uma vela apagada por uma rajada violenta de vento. Ainda estava lá, mas parecia um animal morto, apenas sua carcaça sobrando para provar sua existência.
Então Potter triunfara. Voldemort estava morto.
Levantou, sentindo-se estranhamente indiferente à notícia. Nunca havia sido sua luta, de qualquer forma. Seu pai, a única razão pela qual escolhera um lado, morrera. E sua lealdade ao Lorde das Trevas foi junto.
Ao longe viu luzes familiares, sabendo que vinham de sua casa. Quase que como um cego desnorteado, foi correndo aos tropeços naquela direção, tateando o ar, parecendo tentar agarrar algo invisível.
Alívio tomou conta quando viu a mansão intacta. Abriu apressadamente o portão de entrada, passando pelos jardins bem cuidados de sua mãe até a porta da frente, mas algo o fez parar de súbito.
Um frio correu por sua espinha, um medo desesperante de que era impossível que estivesse tudo bem, sua casa a salvo do inimigo. Podia ser uma armadilha. Estariam lá dentro, à espreita, no escuro, prontos para capturá-lo?
Engolindo seco, decidiu não entrar, seguiu para o lado esquerdo da mansão, sabia que havia janelas amplas, onde sua mãe costumava ficar esperando por eles. Todas as luzes do andar de cima estavam apagadas mas sabia que ela jamais dormia antes de saber se estavam bem, portanto estaria acordada, com certeza.
Como imaginara, o salão de música estava aceso e sua mãe sentada ao piano, tocando alguma melodia. Era como se estivesse intocada por tudo que acontecera, a tragédia que havia acontecido a seu filho e marido. Estava ainda orgulhosa deles, acreditando fielmente que ganhariam a guerra e voltariam à salvo para ela.
Tocou o vidro da janela com sua mão de leve, procurando não chamar atenção.
- Mamãe... Desculpe – murmurou, mal percebendo que havia dito em voz alta seu pensamento.
Sabia que era sua culpa. Falhara em tudo, não fizera nada certo. Traiu seu pai e foi traído por ele. Como poderia encarar sua mãe? Ver em seus olhos a decepção? Contar que o marido dela havia morrido e, ao invés de lutar, Draco fugiu, nem mesmo trazendo o corpo do pai junto, deixando-o nas mãos do inimigo?
Não. Era impossível enfrentá-la naquele momento, com todas as falhas que cometera. E se entrasse na mansão a colocaria em perigo. Além de todos os problemas que causara ainda seria o motivo para que fosse levada prisioneira. Entrando em sua casa receberia sua proteção e assim que o Ministério viesse prendê-lo sua mãe se colocaria no caminho, na tentativa de impedi-los, tornando-se uma cúmplice.
Respirou fundo e retirou a mão do vidro, afastando-se do salão de música e correndo até o lado da casa onde ficava seu quarto. Antes de aparatar dentro hesitou por um breve momento, pensando o quão era estranho entrar em sua própria casa pelas penumbras, quase invadindo, como se não pertencesse àquele lugar. O que, infelizmente, daquele momento em diante se tornava verdade.
Longe de se preocupar em pegar roupas ou comida, imediatamente abriu seu armário, freneticamente remexendo em tudo até encontrar um pequeno saco de veludo. Dois dias antes guardara ali o dinheiro que levaria à sua visita rotineira com sua mãe ao Beco Diagonal, atrás de novas vestes. Pelo visto nunca mais faria passeios frívolos atrás de roupas, então não havia motivo para deixar aquilo para trás. Pegou o saco e guardou em um dos bolsos.
Dando uma última olhada pelo quarto que fora seu desde que nascera, saiu pela janela e, ao pisar no chão, correu para longe, bem longe de sua casa. Não parou por horas a fio, até que suas pernas o obrigaram a tombar. Perdeu a consciência no meio da floresta e só acordou muito tempo depois, o sol já alto.
Foi a última vez que viu sua mãe até o dia em que saiu de Azkaban e a visitou em St. Mungos. E não houve um dia sequer que, fosse escondido em algum beco sujo e mal iluminado ou roubando discretamente sicles de bolsos alheios, não se fez a pergunta infame: e se tivesse ficado? E se... E se... E se...
Eternos “e se”. Naquela época foram muitos, naquele momento nem tantos. De qualquer forma, finalmente falar com sua mãe foi como ter um incrível peso retirado de suas costas. Ainda não haviam conversado sobre a guerra ou seu pai, mas o fato que ela não o parecia culpar por nada nem criticá-lo por ter fugido era um alívio tão grande que parecia capaz de respirar com maior facilidade agora.
Gina se revirou no sofá, como se para chamar sua atenção, murmurando algo sem sentido. Gostava de olhá-la enquanto dormia, pois o fazia lembrar com detalhes aquela noite em que adormeceu ao lado da cama dela, quando finalmente percebeu que não havia escapatória para o que sentia.
Mas...
Estava realmente com ela? Gina Weasley estava mesmo deitada em seu sofá, como se aquilo fosse completamente normal? Pareciam duas realidades separadas e incapazes de coexistir: o mundo onde sua mãe vivia e aquele em que Gina pertencia à sua vida.
Acompanhou com o olhar enquanto ela abria seus olhos castanhos e se espreguiçava. Era aquele o momento. Descobriria qual fora a decisão dela e, dependendo de qual fosse, teria que enfrentar seu próprio dilema.
- Que horas são?
- Mais de nove da noite.
- Acho que cochilei esperando você.
- Foi o que eu notei, principalmente pelos roncos.
- Eu não ronco!
- Não era um vampiro de sótão que estava ouvindo quando cheguei.
Ao invés de continuar aquela discussãozinha tola, ela o pegou pelo rosto, fazendo assim que se aproximasse, e lhe deu um beijo demorado, que lembrou Draco que: sim, estava realmente com ela... E com gosto.
Tudo estava certo com o mundo, naquele momento apenas poderia ter Gina e sua mãe sem precisar se preocupar com as conseqüências. Ao mesmo tempo sabia que era impossível que aquela sensação durasse muito.
- Acabou o segredo – Gina sorriu, sentando no sofá e indicando que fizesse o mesmo ao seu lado.
Não. O segredo só estava começando, mas permaneceu quieto para saber mais sobre o que tinha acontecido com ela na casa dos Weasley. Mesmo depois do beijo ainda sobrara uma pitada minúscula de apreensão, por mais irritante que fosse sentir medo de Weasels.
- Harry estava lá. Foi horrível – suspirou.
- Reconsiderando a escolha?
- Não! Se tivesse não estaria aqui.
A resposta foi em tom de indignação, como se fosse extremamente ofensivo sugerir tal coisa depois de tudo que ela supostamente enfrentara. Talvez fosse mesmo. Desviou o olhar do rosto dela por um momento, apenas parcialmente aliviado.
- Você... – houve um momento de hesitação que fez Draco se questionar se ela já não sabia a resposta. – Foi onde?
Por mais que tivesse más notícias logo em seguida foi impossível esconder a alegria de compartilhar com Gina o alívio de ver sua mãe acordada e saudável. Era uma sensação nova que experimentava, talvez fosse a primeira vez que realmente partilhava um momento como aquele com alguém que não só estava interessada mas torcia por ele. Por mais amigos que teve na escola ou seus pais, aquilo era diferente e muito mais íntimo.
- Recebi uma carta de St. Mungos avisando que minha mãe acordou.
- Isso... Isso é ótimo Draco!
Apesar de não aparentar tão surpresa quanto esperava o sorriso que lhe deu seguido por um abraço o fez abrir seu próprio sorriso, mesmo que continuasse um pouco incomodado com o gesto semi-sufocante.
- Você falou com ela? Está bem mesmo? Ela viu você?
- Sim. Conversamos um pouco e... – por incrível que pareça continuava sorrindo genuinamente, não seu habitual sorrisinho arrogante. – Foi... Bom.
- Claro que foi bom! – riu. – Falar com sua mãe depois de tanto tempo deve ter sido incrível. Nem imagino o que seria deixar de ouvir os sermões da minha por muito tempo!
Apesar de o comentário ter tido a intenção de ser engraçado acabou soando um tanto triste e foi difícil fingir que não perceberam.
- Ela volta para casa em alguns dias. Tenho que preparar algumas coisas – fez uma pausa, para se preparar para o inevitável. - E nós...
A expressão dela escureceu de imediato.
- Nem precisa dizer – murmurou, um pouco irritada. – Não vamos nos ver por um tempo. Lógico.
- Que quer que eu faça? Ela é minha mãe e vai voltar a morar na mansão.
Incrivelmente, apesar de irritada, Gina se controlou, não aumentando o tom da voz.
- Sim, exato. Ela é sua mãe e eu entendo muito bem o que você tem que fazer. Apesar de não gostar nem um pouco, como você não gostou quando eu fui trabalhar, eu entendo. A única coisa que quero, e acho que mereço, é uma promessa sua.
- Que promessa?
- Se você me prometer que vai contar para sua mãe sobre nós eu dou com prazer o tempo que precisa para ficar com ela e recomeçar as coisas. Mas acho que, pelo menos, depois do que acabei de fazer, o mínimo que pode fazer é me garantir que não vai me esconder dela.
Disse tudo aquilo estranhamente calma, parecendo ter preparado aquele discurso e o ensaiado várias vezes. Será que teria também imaginado todas as respostas possíveis que poderia receber?
- Se você não conseguiu prometer uma coisa dessas, por que acha que eu vou?
- Esqueceu tão rápido do que eu passei há algumas horas atrás? Minha família inteira é contra isso, mas fui lá. Achei que você não estava agüentando mais o segredo! – a calma começava a perder lugar para o sarcasmo.
- Não estava... Mas não falo com minha mãe há três anos. Ela passou todo esse tempo em uma cama e você quer que diga que o único filho e herdeiro dela viveu os últimos meses ao lado de uma Weasley, uma traidora de sangue? Se ela não morrer de maldito horror antes vai me deserdar! Vou ser um traidor tanto quanto vocês! Deserdado e expulso da família Malfoy!
Já estavam de pé, longe um do outro, vozes já altas.
- Traidor? Herança? Então é isso que importa? Status e dinheiro? – perguntou com nojo, quase gritando – Hermione, Harry... Eles estavam certos. Não quis...
Gina não terminou a frase, não havia necessidade. Ouvir o nome de Potter já era mais que suficiente para não só o deixar ainda mais furioso mas lhe alertar para algo assustador: estava perdendo Gina. Uma vez na sua vida deu ouvidos à sua razão ao invés de ir pelo caminho da raiva e xingar Potter até seu último fio de cabelo de desleixado.
- Você não entende! Minha mãe, ela está sozinha no mundo... Só tem a mim. Não posso decepcioná-la mais ainda, principalmente agora que acabou de melhorar. Ela pode voltar a ter uma crise e dessa vez definitivamente.
Aquilo pareceu acalmá-la um pouco.
- Se é assim o que pretende fazer? Cada um vai para um lado e adeus?
- Não!
- Então o quê?
- Eu não sei!
Gina lhe deu um olhar com um desprezo tão profundo que aqueles que dava antes de se aproximarem não chegavam nem perto. Draco não sabia se o que lhe impelia mais, raiva ou decepção, mas de qualquer forma ela estava pronta lançar um feitiço doloroso nele.
- Descubra. Acabei de fazer algo incrivelmente difícil por nós e se quer que exista ainda um “nós” vai ter que fazer também. Não foi você mesmo que disse que só nós dois importávamos? Ou isso era puro galanteio vazio?
- Que seja! Ótimo! Eu conto pra ela. Mas no meu próprio tempo, está bem? Eu decido quando.
- Está bem. Mas até lá... Não fale comigo.
Foi assim que Gina saiu pela primeira vez da sua vida.
- Não! Absolutamente não! Em circunstância alguma vou continuar nesse quarto por mais tempo! Irei para minha casa, onde é o meu lugar.
- A senhora não está em condições de voltar ainda. Precisa de mais repouso e cuidados profissionais.
- Meu filho é mais que suficiente para cuidar da minha saúde.
- Sr. Malfoy, por favor, fale com sua mãe... Não é possível ela sair daqui tão cedo.
- A decisão é dela.
O medi-bruxo soltou um suspiro frustrado, o garoto nem ao menos estava ouvindo o que diziam, parecendo perdido em pensamentos bem longes daquela sala. Sentindo que seria melhor dar um tempo para a paciente, e assim não correr o risco de deixá-la nervosa, o homem deixou mãe e filho sozinhos no quarto.
- Você está distante. Qual o problema?
Draco se virou para a mãe, tentando não parecer preocupado demais, sentando-se na cadeira ao lado da cabeceira da cama.
- Talvez o medi-bruxo tenha razão.
- Está dizendo que devo ficar nesse quarto minúsculo, longe da minha casa e de você?
O efeito da pergunta praticamente em tom de acusação foi imediato, Draco quase virou o rosto para tentar não se mostrar tão culpado.
- Só por mais alguns dias, até ter certeza que está tudo bem.
- Estará tudo bem quando eu voltar para minha própria cama.
Sabia que era inútil discutir com ela e ficou em silêncio. Em parte porque também estava longe daquele quarto, pensando sobre a discussão que teve no dia anterior com Gina. Mesmo após uma noite inteira em claro, atormentado por inúmeros cenários futuros possíveis, ainda estava distante de se conformar com a decisão dela de ir embora. Queria fazer algo para trazê-la de volta e continuar do jeito que estavam antes, mas sabia que para aquilo precisava contar para sua mãe a verdade, o que estava fora de questão.
Tão distante estava que não notou como sua mãe o olhava, analisando seu rosto, calmamente e reaprendendo outra vez a entender seu filho.
- Conte-me como foram esses três anos.
Usou um tom que muitos interpretariam como uma ordem fria, mas para Draco era apenas um pedido gentil, uma demonstração de interesse que quando mais jovem considerava uma irritação. Sempre que voltava de mais um ano em Hogwarts sua mãe tinha o costume de lhe pedir a mesma coisa, porém como Draco toda vez retornava derrotado, encarava aquela “tradição” como mais uma forma de humilhar na mesa de jantar. Naquele dia, entretanto, não tinha nada a provar. Podia contar tudo sem medo de reprovação.
- Consegui fugir da Inglaterra em um navio, passei alguns meses escondido na Bulgária, então o dinheiro acabou. E no frio ter dinheiro para se aquecer é meio que importante – abriu um sorriso irônico. – Dai em diante fui de esconderijo a esconderijo, cada vez mais longe de casa. Uma vez ou outra quase fui pego, mas não era importante o bastante para me caçarem tanto, pelo menos é o que alguns dizem – “alguns” sendo Gina. – Não tinha noção do que estava acontecendo aqui... – fez uma pausa, engolindo seco. - Se tivesse juro que teria voltado e feito algo, qualquer coisa.
- O que poderia fazer? Não. Voltar seria finalmente era arriscado e para nada. Foi melhor assim. O que aconteceu depois?
- Meu último esconderijo foi no Egito. Parecia uma eternidade desde que tinha começado a fugir e achava que finalmente poderia parar num lugar só, sem precisar mais olhar atrás do meu ombro a cada minuto. Até que consegui. Fiquei tempo bastante parado para poder ter um tipo de rotina. Foi aqui que...
Uma enfermeira entrou no quarto interrompendo a história, de certa forma para seu alívio. Depois de trocar os travesseiros, muito duros segundo sua mãe, e trazer uma poção medicinal para ser tomada em algumas horas, a mulher saiu, mas sem antes distrair a paciente a ponto de esquecer a pergunta que fez a Draco. Em questão de segundos estava inspecionando os novos travesseiros com desaprovação.
- Ainda acha que devo ficar aqui por mais tempo? O nível de incompetência desse lugar é inacreditável. Pedi novos travesseiros há horas e além da demora me trazem outros piores!
- Quer que a chame de volta?
- Para quê? Provavelmente me trará pedras dessa vez. Há apenas uma solução para o meu desconforto e é voltar para minha casa.
- Tem certeza?
Sua mãe se virou, deixando de lado os travesseiros e o encarando com seu olhar penetrante, analisando a atitude dele. Também não respondeu, praticamente o obrigando a elaborar melhor a pergunta.
- Quero dizer... Voltar para lá depois das coisas que aconteceram – odiava se sentir indefeso e parecer tão vulnerável na frente dela. – Encarar a realidade não é... Fácil.
- Fugir dela também não é aceitável.
- Não é fugir. No seu estado é mais importante descansar.
- Você está preocupado se vou conseguir lidar com a morte do seu pai.
Não era uma pergunta. Ela continuou.
- Antes de entrar em coma eu já sabia. Desde o momento que ele foi capturado no Ministério imaginava que esse dia chegaria. Não ele apenas, mas nós, como uma família, estávamos com os dias contados. Não era mais uma questão se o Lord das Trevas venceria ou não. Nossa sobrevivência dependia de escolhas que não... Tomamos – fez ma pausa, olhando para a janela do quarto. – Você não esteve sozinho quando quis fugir.
Aquela simples frase chocou Draco mais do que podia prever. Significava que ela também... Não podia ser.
- Eu sei o que você tentou fazer, Draco. Meu querido, se você soubesse das noites em claro que duvidei da minha lealdade... Do medo que passei. Na primeira vez éramos apenas nós dois, sem nenhuma dúvida, prontos para sacrificar nossas vidas pela causa – abriu um pequeno sorriso. – Mas então você nasceu. E, Draco... Só pude respirar mais uma vez quando perdemos a guerra. Foi um alívio. Só importava que não precisávamos mais lutar e você estaria a salvo.
Uma pequena parte dele sentia que deveria estar revoltado com aquela confissão de pura traição contra Voldemort e, principalmente, os ideais de seu pai. Mas não podia e nem queria dar ouvidos àquela parte, porque não importava mais. Podia sentir sua garganta ficando em um nó por outro motivo: seus pais não quiseram lutar mais e ele tinha sido a razão.
Muito da relação deles sempre se manteve no implícito, no pressuposto. E por muito tempo foi suficiente, mas ouvir sua mãe admitir em voz alta, confessar aquilo, era forte demais para ele. E pelos seus olhos brilhando acreditava que não era fácil também para ela.
- Quando a segunda guerra começou, seu pai... Foi tão fácil para ele voltar a vestir uma máscara e retirar outra. Ele acreditava no que fazia, nunca duvide disso. Mas para mim não foi tão simples, e depois da prisão dele foi como se não tivesse mais dúvidas de que o fim estava chegando. Por alguns momentos fraquejei, assim como você. Mas seu pai esteve sempre lá para nos dar forças para continuarmos. Ele me contou que você pediu que fugíssemos.
- Ele... Ele contou o que fez depois comigo? – foi impossível esconder o ressentimento que ainda guardava.
- Não havia outra forma – respondeu simplesmente. – Ele me disse na época e ainda acredito nele. Ninguém escapa do Lord das Trevas, Draco. Ele ficaria sabendo da traição e nos mataria, foi o modo de seu pai o proteger. Entenda isso.
Não podia entender, nunca entenderia. A maior decepção em sua vida havia sido a traição de seu pai, tudo naquilo em que acreditava foi destruído. Porém já não fazia diferença. Nada, nem ninguém, tinha o poder de lhe devolver seu passado roubado. Continuou ouvindo sua mãe, ao mesmo tempo tentando guardar a amargura que sentia.
- Desde que o lorde voltou tentei me preparar para uma morte na família, foi como fomos criados. Não se preocupe comigo. Ficar nesse quarto minúsculo encarando apenas paredes brancas é que me deixará louca. Em nossa casa poderei encontrar paz agora, só preciso de você ao meu lado.
- Estou sempre ao seu lado, mãe.
- Então por que a distância? Sei que esconde algo.
Draco estava escondendo muito mais do que ela poderia imaginar. Escondia o fato que passara meses em Azkaban, a morte de sua irmã, Bellatrix, a explosão e reforma da mansão, o semi-golpe de Estado que orquestrara para salvar Potter, o quadro de seu pai escondido em algum lugar no sótão, a enorme e vergonhosa mentira que contara sobre sua família para escapar de Azkaban e... Gina. Mas aquele era o maior de todos os segredos e sentia como se estivesse proibido de sequer pensar nela na frente de sua mãe, apesar das tentativas de realizar tal coisa até o momento terem sido todas frustradas.
- Estive sozinho por tanto tempo, acho que me acostumei a guardar mais meus pensamentos – respondeu, tentando não mentir mas não contar toda a verdade também.
- Não está mais sozinho. Não há mais motivos para isso – sorriu.
Abriu um pequeno sorriso fraco em resposta.
Sentia como se não passasse de uma pré-adolescente perdida correndo de volta para o colo da mãe depois de um dia ruim na escola. Ela, a suposta Weasley independente, que recusava a proteção dos irmãos e resistia aos sermões da mãe. Patético. Parecia que mesmo depois de todas as decepções e supostas experiências de vida continuava ainda a pequena Gina tola e desajeitada, ainda sofrendo por causa de seus sentimentos.
Estava de volta na frente da porta d’A Toca. Para onde mais poderia ir? Estava sozinha, sem família, sem Draco. Órfã de tudo e todos. Deveria estar em melhores condições, sentindo que tomara a atitude certa. Afinal, tinha sido firme em sua decisão de cobrar ação de Draco, e com todo o direito! Mas, ao invés de se sentir confiante e orgulhosa de sua destemida resolução continuava com a sensação terrível de que nunca mais o veria porque ele não ousaria admitir para a mãe que estava com uma Weasley pobre.
Tal pensamento só piorava o sentimento de culpa e arrependimento de ter brigado com sua família. Precisava deles naquele momento, do apoio que sempre lhe davam quando precisava, mas merecia depois do que dissera e fizera?
Por um milagre ainda inacreditável não tinha chorado nem gritado com ele na mansão, havia se controlado muito mais do que imaginou que conseguiria. Só se sentia desnorteada com tudo. Na verdade só percebeu que lágrimas escorriam de seus olhos quando sua mãe abriu a porta.
- Gina! Meu Merlin! Querida, o que foi? O que aconteceu? Por que está chorando?
Continuou parada, soluçando e sentindo-se patética. Afinal, por que raios estava chorando? Não conseguia entender! Por que não conseguia acreditar que Draco contaria? Por que não continuava com o mesmo jeito determinado de quando exigiu que ele só voltasse a falar com ela depois? Como poderia estar caindo aos pedaços assim tão facilmente?
Qual era o problema dela? Sempre foi forte, deveria ser forte. Todas as vezes que Harry não olhou em sua direção e depois quando terminou com ela foi forte.
- Posso... Posso ficar aqui por um tempo? – soluçou nos braços dela.
- Claro que sim!
Mal percebeu que foi levada para dentro da cozinha e sentada em uma das cadeiras. Sua mãe chamou por seu pai, mas só percebeu sua presença quando já estava ao seu lado, oferecendo uma xícara de chá.
Ninguém perguntou o que tinha acontecido, nem ela contou. Imaginavam que era algo relacionado com Draco e preferiram não a pressionar a contar, depois de sua reação na discussão recente. No entanto, ofereceram o conforto que tanto precisava, e por isso estava agradecida.
Ficaram muito tempo na cozinha, ajudando Gina a se acalmar, até que finalmente adormeceu e foi levada para seu quarto.
N/A: Finalmente. Desculpe pela demora again, mas faculdade e stress não é fácil, principalmente quando sugam sua inspiração. Espero que gostem desse capítulo.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!