O Primeiro e Último Dia
O PRIMEIRO E ÚLTIMO DIA
Os dois estavam acordados e ao mesmo tempo fingindo que não. Gina havia aberto os olhos há algumas horas mas Draco acabara de o fazer. Era a primeira vez que passavam a noite inteira juntos e nenhum deles queria levantar para voltar ao mesmo sistema de antes.
Gina preparara a poção e, depois da insistência de Draco, acabou não voltando ao trabalho para esperar até que o remédio fizesse efeito o “suficiente”. A tarde passou... Por fim anoiteceu e nada de ela voltar para casa. Draco já estava bem melhor mas ainda dizia que estava prestes a morrer e, graças àquela chantagem emocional barata, que Gina não fez realmente esforço para combater, já eram oito da manhã do dia seguinte e os dois continuavam na cama.
Foi tempo o bastante para Gina pensar em muitas coisas, inclusive o que deveria fazer com a situação de Hermione. Assim que saísse da mansão a procuraria e a faria entender o que sentia por Draco e ele por ela, não desistiria até que obtivesse uma promessa de Hermione que não contaria sobre os dois, ganhando assim mais tempo para pensar no que fazer quando todos realmente descobrirem.
Os pensamentos dela não pararam em Hermione. Começou a questionar certas coisas e percebeu que havia muito que não sabia sobre Draco... Principalmente em relação à família dele. Tentou imaginar como seria se os papéis estivessem invertidos e ele, não ela, fosse obrigado a lidar com os pais. Tal cenário a levou apenas a uma conclusão, um pouco amarga, mas certa: se fosse o caso com certeza não estariam juntos, em primeiro lugar.
Havia tantos assuntos sobre os quais nunca falaram e, com certa preocupação, notou que a razão daquilo era justamente porque Gina em todo aquele tempo não tinha nem considerado como tópico de conversa. Na verdade... Os dois conversavam muito pouco.
- Está acordado?
- Hmm... Não.
- Está se sentindo melhor?
- Talvez.
- Não vou embora tão cedo.
- Então estou me sentindo melhor.
Cada um estava em seu lado da cama, Gina olhando para o teto e Draco com o braço no rosto, tentando tampar a luminosidade de chegar ao seus olhos. Ainda estavam com as mesmas roupas do dia anterior e aquilo começava a incomodar, mas Gina queria conversar um pouco antes de oficialmente se levantar.
- Posso perguntar uma coisa?
- Você acabou de fazer uma já. Boa noite.
Draco bocejou, virando para o lado com a intenção de voltar a dormir e escapar de qualquer que fosse o assunto, mas Gina não desistiria tão fácil.
- Hoje é sábado, sabe. Em teoria eu deveria estar me vestindo para o primeiro, de muitos, ensaios do casamento. É às dez.
- E eu com isso? – reclamou, puxando as cobertas mais ainda para seu lado.
- Se é assim... Então tudo bem. Vou para lá ao invés de passar o dia com você, como estava pensando em fazer.
- Passar o dia todo? Que aconteceu com aquela história de descrição... Não nos vermos nos finais de semana e blá, blá, blá? – virou para o lado dela, agora bem acordado.
- Já saí no meio do trabalho ontem... Por que não estender a loucura a outro dia? – sorriu.
- Fale a verdade... Você não quer enfrentar a amiguinha chata – provocou. – Está com medo da Granger te encurralar outra vez.
- Talvez... Mas faz diferença a minha razão?
Era parte verdade... Não estava particularmente ansiosa para conversar com Hermione sobre Draco de novo, por mais necessário que achasse que fosse. O que eram mais algumas horas, não é mesmo? A noiva do irmão provavelmente no momento estava ocupada demais pensando no casamento para se preocupar com Gina.
A outra parte da verdade era que queria, pelo menos uma vez que fosse, passar o dia com Draco, conversando e não ocupada com outras atividades. Aquela era a primeira vez que se sentia capaz de arriscar um pequeno deslize... Por alguma razão muito forte não queria perder a oportunidade.
- Não.
- Ótimo. Sabe qual a primeira coisa que quero fazer?
- Massagear meus pés?
- Claro, e logo depois vou polir seus sapatos – revirou os olhos.
- Melhor começar depressa, tenho muitos sapatos.
- Estava com vontade de jogar um pouco de Quadribol... Que acha?
- Que tal se ficarmos aqui mesmo? – reclamou Draco, preguiçoso como sempre. – A massagem nos pés é melhor.
Outra vez revirou os olhos, e então teve uma idéia. Não havia melhor maneira de convencê-lo a fazer o que ela queria do que o provocando.
- Aposto que faz tempo desde que você pega o Pomo... Isso se algum dia já conseguiu.
Draco a encarou, ofendido, sentando na cama.
- Consigo pegar o Pomo com uma das mãos nas costas... Weasley.
- Acho que nem com as duas extras você pega, Malfoy.
- Quer apostar?
- Já está apostado. Três partidas, quem capturar mais ganha...
- Ganha o quê?
- Você recupera seu orgulho... E eu rio da sua cara.
- Vamos colocar um pouco mais de emoção... Se eu ganhar você tem que passar a noite toda aqui de novo... O final de semana inteiro aqui.
Era tentador deixá-lo pensar que poderia ser possível... Mas seria errado.
- Não posso.
- Com medo de perder Weasley?
Poderia argumentar mais, listar todas as razões de não ser possível... Mas o sorriso de provocação de Draco e a forma leve com que a aposta havia sido feita quebrou a barreira de seriedade e tornou irresistível deixar o jogo continuar por mais um pouco.
- Está bem... Se você insiste em ser derrotado por mim – sorriu, confiante. Não tinha jeito de Draco ganhar dela, de qualquer forma.
- Mas antes... – estalou os dedos e Groger apareceu na porta flutuando duas bandejas. – Café da amanhã.
Harry fitava a cozinha d’A Toca com uma seriedade que se recusava a desaparecer há algum tempo. Porém daquela vez a testa franzida e a expressão pesada tinha uma justificativa muito boa. Gina tinha desaparecido.
A tensão era papável. A senhora Weasley acordara sem encontrar a filha na casa, sendo que não tinha voltado do trabalho no dia anterior... Sua cama estava arrumada e sem sinais de ter sido usada. Depois a manhã passou e Gina também não apareceu para o ensaio do casamento de Rony e Hermione... Duas horas depois a cabeça de Quim apareceu na lareira e comentou que ela havia saído mais cedo do trabalho sem avisar.
Boa parte da família tinha se reunido para o ensaio, inclusive Harry, e a notícia preocupou a todos. O Sr. Weasley dizia que ainda era cedo para tirarem conclusões precipitadas, provavelmente nada de grave havia acontecido... Infelizmente o que disse não serviu de consolo para a Sra. Weasley, que estava quase chorando de aflição.
Não seria algo tão preocupante caso ultimamente Gina não estivesse agindo estranhamente desde que a Ordem havia sido inocentada. Harry, mais que qualquer um, havia sentido as mudanças. Evitou ficar perto dela desde o rompimento mas uma vez ou outra se informava do que ela fazia... E não estava contente.
Porém... Gina não era a única que estava estranha. Hermione, assim que Quim apareceu, estava com uma cara de quem tinha feito algo de errado mas não queria contar. Harry reconhecia bem a atitude cautelosa que o resto interpretava como preocupação com o ensaio atrasado. Devagar, atravessou a cozinha e sentou ao lado dela, na cadeira desocupada por Rony, que havia saído com os gêmeos para procurar Gina no Beco Diagonal.
- O que aconteceu, Hermione? – disse em voz baixa para que somente ela ouvisse.
- Aconteceu? Nada... Nada mesmo.
- É por isso que você está mordendo o lábio e evitando olhar para a Sra. Weasley?
- Ora Harry... Não seja ridículo, não estou fazendo nada disso.
- Eu sou um Inominável agora... E não foi por acaso que fui aceito.
- Está certo – murmurou, um pouco irritada. – Acho que fiz uma besteira.
- E tem a ver com Gina?
- Não posso falar... Se fizer isso capaz de aumentar mais ainda o erro.
- O que aconteceu com ela, Hermione? – perguntou, sério. Não desistiria de saber do que se tratava... Principalmente se envolvia Gina.
- Não pergunte, por favor.
- Acho que já perguntei... Se alguma coisa grave aconteceu...
- Nada disso... Pelo menos não o que você está pensando. Só espero que ela não tenha feito uma bobagem – respirou fundo. – Não deveria ter falado com ela.
- Pelo menos podia aliviar a preocupação de todos e contar o que aconteceu.
Hermione balançou a cabeça, suspirando.
- Acho que contar só vai aumentar a preocupação.
Mergulhou rapidamente, cortando o céu com sua vassoura veloz e um sorriso de triunfo no rosto... Os cabelos compridos levados para trás pelo vento rápido. O Pomo estava muito perto, brilhando contra a luz do sol, era apenas questão de segundos até o capturasse bem debaixo do nariz de Draco.
Levantou o braço direito, a mão aberta pronta para receber o objeto dourado quase selando sua vitória... Draco podia ter evitado que ganhasse várias vezes mas daquela vez não cairia em seus truques sonserinos. Parecendo ter lido seus pensamentos, a vassoura dele emparelhou com a sua. Estava sorrindo mas não tentava pegar o Pomo... Só empurrá-la para o lado e evitar que capturasse.
Olhou para ele com desgosto... Sua tática era atrapalhar o jogo do adversário ao invés de cuidar do próprio... Típico do time da Sonserina. Draco respondeu abrindo um sorrisinho irritante e lhe dando um empurrão forte, jogando seu corpo contra o dela. Como não queria bater a cabeça no chão, foi obrigada a levantar sua vassoura e voar para o alto, evitando a colisão que ele queria.
Parou no ar, acima dele. Imediatamente Draco voou em sua direção e deixou que o Pomo desaparecesse de vista. Sem o zunido do vento para abafar o som de suas vozes, resolveu conversar com ela e se vangloriar do feito.
- Com medo de um pouco de contato físico?
- Com medo de pegar o Pomo? É por isso que não consegue chegar perto dele?
- Para quê, se posso esperar você achá-lo pra mim? – riu.
- Você me deu a vassoura mais lenta, não foi?
Draco riu, voando para longe.
- Trapaceiro!
Não era à toa que conseguia alcançá-la pouco depois que fazia o mergulho na hora de capturar o Pomo. Em alguns aspectos Draco Malfoy seria sempre Draco Malfoy.
- Tudo bem... Dois podem fazer esse joguinho! – murmurou, sorrindo.
Por alguns minutos fingiu que procurava pelo Pomo, ignorando os olhares dele em sua direção. Permaneceu séria, sua melhor expressão de pôquer, e mergulhou subitamente como se estivesse a um instante de vencer. Mal fez aquilo e Draco já estava em seu encalço.
Continuou descendo em alta velocidade, sabendo que Draco não só tinha a vassoura mais veloz como também não estava prestando atenção no Pomo ou no quanto se aproximava do chão, apenas concentrado nos movimentos dela.
Quando o gramado estava praticamente tocando o cabo de sua vassoura Gina levantou com força, empinando para cima e voltando a subir. Logo que fez isso ouviu o estrondo da queda de Draco, que foi incapaz de controlar sua vassoura em tempo, Não quis nem saber, e voltou a procurar o Pomo. Sem ele para tirá-la do caminho, foi fácil... Em poucos minutos a bolhinha dourada estava em suas mãos, as asas debatendo em desespero. Para comemorar, desceu ao lado de Draco, que estava de braços cruzados todo sujo de grama e terra. Mas para quem o tinha visto no Egito e depois em Azkaban aquilo não era chocante.
- Se divertindo? – resmungou Draco, indicando o cabelo loiro prateado cheio de terra.
- Muito – riu, aproximando-se dele e colocando o Pomo em sua mão. – Isso é o que acontece quando você tenta trapacear jogando contra uma Weasley. Um a zero.
- Não por muito tempo – abriu a mão e deixou que o Pomo voasse outra vez e começasse uma nova partida.
Imediatamente Draco montou na vassoura e seguiu na direção de onde o objeto voou, Gina repetiu o movimento com igual rapidez. Em questão de segundos estavam lado ao lado, ambos procurando pelo brilho familiar. Era decisivo para Draco que ganhasse daquela vez, tinha a idéia de que se conseguisse que ela ficasse o final de semana todo então era capaz de vencer a influência dos Weasley.
De súbito o Pomo parou seu incessante vôo pelo jardim e Gina fixou o olhar nele, aumentando a velocidade de sua vassoura o máximo que podia... Apenas virando rapidamente para descobrir qual seria a tática de Draco, mas ele já estava voando abaixo dela e quase a ultrapassando.
A alguns centímetros de pegar o Pomo, sua mão esticada a ponto de doer, Draco surgiu do nada voando um pouco mais baixo que ela e se aproximou o suficiente para seus ombros e joelhos se encostarem, mas ao invés de empurrá-la inclinou a vassoura para o lado de modo que pudesse beijá-la na boca.
Não foi mais que um segundo mas foi suficiente para pegá-la de surpresa e a fazer diminuir a velocidade instintivamente. Foi incapaz de perceber o movimento esguio dele que, enquanto a beijava, abaixou seu braço e esticou o próprio, capturando o Pomo com facilidade. Afastou-se com um sorriso maroto, divertindo-se com a falta de reação dela. Quando percebeu o que tinha se passado Gina queria lhe dar um belo de um soco! Inacreditável o que fazia para ganhar!
- Um a um, queridinha – riu. – Mais uma vitória e você é minha.
- Não conte com isso.
Pela última vez o Pomo foi solto e Gina não perdeu tempo, no segundo que o objeto voador saiu das mãos de Draco já estava em seu encalço, ganhando uma vantagem grande sob ele.
Apesar das provocações e truque baratos os dois estavam se divertindo, principalmente Draco, que não jogava Quadribol há muito tempo... Era ótimo simplesmente passar o tempo com algo inocente (bem, relativamente inocente), sem nenhuma preocupação... Portanto no momento que estava prestes a fechar a mão no Pomo houve um pequeno instante de hesitação. Era tentador deixar que escapasse e fosse pego por Draco ao invés... Tiraria dela a responsabilidade. Estaria nas mãos de outro se ela ficasse ou não o resto do final de semana na mansão, daquela forma culpa não a perseguiria.
Mas... Gina sabia que não faria tal coisa. Pegou o Pomo firmemente e desceu até o chão. Segundos depois Draco desceu de sua vassoura, estranhamente irritado.
- Espero que esteja feliz – resmungou.
- Não seja um mal perdedor, Draco – sorriu, achando que não passava de orgulho ferido. – Admita que eu sou uma jogadora superior e não vou encher você muito.
Em uma atitude muito mais violenta que o normal, Draco jogou a vassoura que segurava no chão, assustando-a, e deu-lhe às costas, andando de volta para a mansão. Gina teve que acelerar o passo para alcançá-lo e tentar entender qual o motivo do drama. Se fosse por causa de alguma besteira, como ter perdido para uma garota ou uma ex-jogadora da Grifinória, teria que agüentar as risadas delas por um bom tempo... Antes de chegarem até a porta da frente Gina conseguiu que parasse.
- Eu sei que você não gosta de perder mas isso já é ridículo. Estávamos nos divertindo! E, bem, nunca achei que falaria algo assim mas você joga bem. Roubos à parte.
Draco parou de andar e se virou para ela.
- Você também tem seus momentos – elogiou, apesar de ainda ter cara de mau humor. – Está com fome?
Confusa com a mudança, mas contente do mesmo jeito, decidiu deixar passar e aceitar a oferta de paz dele.
- Um pouco. Mas antes quero tomar um banho... E sugiro que você faça o mesmo – disse, indicando o estado deplorável que se encontravam.
Em outro momento ele teria encarado aquilo como um convite, porém, prova de que ainda estava irritado, entrou na mansão sem mais nenhum comentário. Gina acabou fazendo o mesmo, esperando a cada minuto que virasse e começassem a discutir.
Batia os dedos contra a mesa incessantemente, mal tocando na sopa de entrada para o almoço. Daquela vez, ainda que em lados opostos, não sentavam cada um em uma ponta da mesa, preferindo diminuir a distância, assim era impossível que ela não tivesse percebido sua irritação.
Gina estava vestindo uma camisa e calça antiga dele que não era exatamente de seu tamanho ou favorável à sua forma, após ter recusado usar um dos vários vestidos de sua mãe que ainda estavam no armário do quarto de seus pais. Ofereceu por educação apenas e ficou contente que ela não aceitou, de alguma forma não pareceu certo para nenhum deles.
O almoço acabara de começar mas já parecia que terminaria mal. Não conseguia deixar o humor irritado para trás, queria ter ganhado o jogo estúpido para tê-la pelo menos por mais um dia. E o mais irritante é que ela nem sequer parecia ter se importado em perder, ou seja, pouco se importava em ir embora no outro dia.
O que o levava ao segundo, e mais forte, motivo de sua irritação. Estava cansado do segredo, irritava-o além do normal agora, e começou a perceber que manter a situação daquele jeito era impossível. Pouco se importava se Granger abriria o bico ou não, admitia que era hilário pensar na cara de horror de cada um dos ruivos sardentos mas, fora isso, não lhe interessava nada. Sua única preocupação era com Gina... Ou melhor, com o jeito que ela lidava com a situação.
- Ok... Já deu – exclamou ela de repente. – Seu momento em silêncio de irritação terminou.
- O quê?
- Você está há dez minutos encarando uma tigela de sopa e batendo os dedos na mesa. Bem, conseguiu o que queria... Chamou minha atenção. Qual o problema?
- A sopa está quente. Estou esperando esfriar – replicou, impassível.
Gina o encarou, séria a principio, mas não conseguiu segurar o riso que tentava escapar.
- Você é estranho – riu.
- É estranho não querer queimar a língua?
- Não. Mas dar uma desculpa tão esfarrapada e esperar que eu acredite é. O engraçado é a forma como você faz, todo sério e pomposo. Você é um bom mentiroso mas... Eu também sou.
- Tenho sérias dúvidas sobre isso – sorriu, querendo irritá-la.
Sabia que ela era longe de ser inocente e sabia se virar muito bem, mas adorava provocá-la.
- Sabe como eu consegui entrar em Azkaban e fazer umas visitinhas? Mentindo. Contei a maior invenção do século para uma guarda de lá. E ela não só concordou em me deixar entrar na sua cela como vigiava, garantindo que ninguém descobrisse... Lealdade até o fim. E isso, Draco, dinheiro não compra.
- Você ficaria surpresa o quanto o dinheiro compra – comentou. – E que história magnífica foi essa que proporcionou nossas sessões particulares?
- É irônico agora... Mas meses atrás precisava ser um mentiroso muito bom para conseguir parecer convincente. Disse que éramos amantes.
Draco demorou três ou quatro segundos até entender o que ela queria dizer e se estivesse tomando a sopa teria cuspido tudo em surpresa.
- O quê?
- Isso mesmo. Eu... Você... Apaixonados em Hogwarts. Sofrendo com as durezas da guerra. Amor impossível e toda aquela ladainha.
- E... E alguém acreditou nisso? – perguntou, horrorizado.
- Vou fingir que seu choque é com as minhas habilidades de mentirosa e não total nojo em relação à mentira de fato.
- Nós dois... Em Hogwarts.
- Sim.
- Hogwarts. Você... Weasley, namoradinha do Potter, da Grifinória. Eu... Sonserino e...
- E todo o resto. Sim. Você ficaria surpreso o quanto as pessoas gostam de uma boa história dramática – provocou, usando a mesma expressão dele.
- Mas como?
- Eu não lembro dos detalhes da história que inventei... Mas foi no seu quarto ano... Durante o Baile de Inverno. Estava sozinha e solitária, vendo Harry com outra... Você tinha brigado com Pansy. Nos encontramos sem querer no jardim de rosas. E foi amor à primeira vista.
- Primeira vista? Nos conhecemos bem antes disso.
- Ah é? – sorriu, interessada em saber quando ele achava que tinham se visto pela primeira vez. – Quando?
- Eu... Notei sua existência no Dia dos Namorados do segundo ano – resmungou, não muito confortável em admitir que tinha prestado atenção nela.
- Ah é? – repetiu, rindo.
- Você mandou um cartão idiota para Potter. Com querubim e tudo que algo brega tem direito a ter.
Foi com satisfação que viu as bochechas dela ficarem um pouco rubras.
- Como soube que era eu?
- Quando ele recebeu... Estava olhando para o idiota, toda animadinha para ver a reação dele. Eu vi. Digamos que suas habilidades de espionagem não eram muito boas na época.
- Ou então você era tão obcecado com Harry que qualquer um que dava atenção para ele imediatamente era notado por você.
Draco revirou os olhos.
- Não dava, nem dou, a mínima para as tietes de Potty. Se fosse assim teria prestado mais atenção em você. A maior de todas da lista gigantesca.
- Eu parei de ser tiete dele há muito tempo.
- Evolução, afinal. Parabéns.
- Não quer dizer que ainda não o admire.
A conversa tinha ficado um pouco mais tensa mas felizmente não durou por muito tempo.
- De qualquer forma... Esse dia não conta. Eu não vi você... E não foi a primeira vez que me viu. Nos “conhecemos” no Floreios e Borrões, no dia que nossos pais brigaram... E seu pai...
Parou de falar de repente, parecendo lembrar de algo.
- Que tem meu pai? – tentou segurar o tom de acusação mas como sempre ainda era difícil se controlar.
- Nada. Eles brigaram. Não se lembra?
- Eu lembro da briga. Mas não de você.
- Mas eu lembro de você. Estava irritando Harry e eu o defendi...
- Típico.
- Na verdade... Nada de típico. Não falava muito com Harry ou na frente dele na época – riu.
- Mas queria.
Gina deus os ombros.
- Pensando bem... Meu primeiro ano em Hogwarts foi agitado – riu fracamente, claramente o “agitado” não havia sido algo bom.
- Estou vendo.
- Nada que se compara com o do Rony. Mas mesmo assim...
- Sempre achei estranho o fato que Potter e os amiguinhos sempre tinham um ano “agitado”. Minha vida escolar, nos primeiros cinco anos pelo menos, foi completamente normal.
- Verdade? Quer dizer que o Basilico foi normal? Ou os dementadores? E o torneio Tribuxo?
- Nada disso me afetou. O torneio foi chato. Os dementadores não tinham nada a ver comigo... E o Basilico não me atacaria.
- Você sabia todo o tempo, não sabia? O que estava atacando os alunos. Quem estava.
O momento tenso voltara... Draco imediatamente tentou conjurar memórias de seu segundo ano e o que lembrou não foi bom. As memórias mais notáveis não era lá muito simpáticas. Tinha gritado com todos os pulmões que Granger “seria próxima” ou algo parecido... E, para piorar, a garota “levada” para a Câmara Secreta havia sido Gina. Com certeza estava pensando que ele sabia muito mais do que um aluno comum na época. O que era apenas um pouco da verdade.
- Eu sabia da história da Câmera. Meu pai me contou. Mas, na ocasião, ele não me disse quem abriu, se é isso que quer dizer. Só fui descobrir quem era...
- Eu abri.
Piscou duas vezes... Três vezes. Dessa ele não sabia.
- Esqueceram de mencionar isso na época.
- Ainda bem, não? – sorriu fracamente. – Belo modo de começar uma vida social na escola. Matando todos com uma cobra gigante.
- Mas quem fez isso foi o herdeiro de Salazar. Voldemort.
- Através de mim. Um pedaço da alma de Voldemort estava em um diário que... Encontrei e, através do diário, ele conseguiu me controlar – notando a reação de Draco continuou sorrindo. – Não me olhe como se eu fosse uma criatura das trevas. Foi o fim da minha carreira maligna, não tinha seguro saúde.
- Eu... Nunca soube.
- Seu pai não contou.
- Ele não me contava muitas coisas – disse, uma pitada de amargura inevitavelmente presente.
- Que bom.
Era a primeira vez em toda sua vida a idéia de que seu pai tinha segredos que Draco nunca saberia havia sido tratada como algo positivo. No começo, achava que o pai contava tudo ou nunca questionava o quanto lhe era dito por pura confiança cega... Depois, principalmente depois que foi preso e Draco deixado sozinho, o que antes era apenas uma curiosidade de saber mais pouco a pouco aumentou para a frustração que carregava até aquele dia. Sempre quis se provar merecedor dos segredos de seu pai... Só agora havia lhe sido oferecido a possibilidade que talvez... Não saber era melhor.
Somente Gina, alguém tão fora da realidade Malfoy, podia lhe dar a oportunidade de transformar algo antes visto como negativo em justamente o contrário.
- A sua sopa já deve ter esfriado agora – sorriu depois de um certo silêncio desconfortável.
No momento estava pouco se lixando com a sopa. Por mais incrível que fosse aquela conversa foi o incentivo que faltava para falar do que realmente o estava incomodando. Pensou muito durante a noite. Passou metade do tempo assoando o nariz e a outra foi gasta considerando tudo que tinha acontecido com eles... Um beijo dela não foi suficiente para ser convencido que tudo ficaria bem. Queria mais. E finalmente percebeu que uma promessa de Gina não bastava.
- O que você pretende fazer com a Granger? – disse subitamente, querendo entrar no assunto logo de cara e evitar que Gina desviasse as perguntas.
Ela soltou um curto suspiro e parou de tomar a sopa, claramente continuava preferindo esquecer a história toda e esperava que ele fizesse o mesmo... Ingenuidade pura se achava que Draco ignoraria o problema.
- Ela não vai contar... E, para garantir isso, já que você não acredita em mim, vou eu mesma falar com Hermione e fazê-la prometer não dizer nada.
- Ótimo. É melhor você mesma contar para eles.
- Quê? – perguntou, assustada.
- Está ficando ridículo... Já é difícil nos encontramos graças ao seu trabalho – Gina abriu a boca para protestar mas continuou mesmo assim. – E já que você não vai pedir demissão tão cedo... O que sobra? Não podemos nos ver no final de semana porque seria “suspeito” você sumir por dois dias... Não pode nem passar uma maldita noite toda aqui... Mas olha hoje! Não foi bom? E ainda assim é uma exceção! Por que precisa ser só uma vez? Se para acontecer de novo você tem que ouvir alguns sermões e receber olhares tortos... Dane-se. Você disse para mim naquele dia no Ministério que não se importava com os que os outros pensam... Bela mentira!
- Minha família não são “outros”.
- A verdade é que você está morrendo de medo. Pois bem, se Granger não contar... Eu conto. Vou lá naquele... Na sua casa e conto para cada um dos seus irmãos de orelhas gigantes. Duas vezes, se necessário, para eles conseguirem entender. Cansei dessa besteira. Se, no fim, você quiser escolher eles e me deixar... Ótimo. Mostra o quão você realmente se importa ou, na verdade, não se importa.
- Sua chantagem emocional não vai funcionar, Draco. Se quer que eu prometa alguma coisa para você... Que não vou escolher eles sob você... Então vai ficar esperando sentado. Sabe a razão disso? É porque não sei o que vou fazer se descobrirem. Não sei se posso suportar as conseqüências.
- Pode contar para mim que Voldemort a usou para abrir a Câmara Secreta mas não consegue falar para sua família que está namorando Draco Malfoy? Desde que nos encontramos tão “gentilmente” no Egito você sempre fez o que quis e falou o que bem entendeu... Várias vezes fazer isso acabou dando em merda, mas também foi o motivo de muitas coisas que prestaram. Como eu.
Parou um segundo, recuperando o fôlego... Mas ela estava tão concentrada em ouvi-lo que não usou a oportunidade para contestá-lo. Encarou aquilo como um ótimo sinal e continuou com mais confiança ainda.
- Não acredito que tenha medo de lidar com alguns irmãos raivosos. Primeiro porque pode vencer cada um deles em um duelo... E segundo que se eles se importam com você... Vão agüentar você do jeito que é, com namorado odioso ou não. Por Merlin, eu agüento e sou um Malfoy. Do que você tem tanto medo? Não tem que lidar com tradições... Sua família só tem a tradição de ter quarenta filhos por mês. Não tem que pensar em ser deserdada porque não tem nada para herdar, em primeiro lugar... E eles não vão virar a cara. Não deveriam ser compreensíveis, apoiarem sua felicidade e toda a ladainha melosa? Podem fazer escândalo no começo mas quando virem está feliz... Aposto quantos galeões que quiser que vão aceitar de tão sentimentais que são.
Ao contrário do que esperava, o discurso não deixou a ultrajada... Não recebeu um tapa de raiva, um bom sinal. Gina ficou em silêncio... Olhando para ele como se fosse a primeira vez que notava algo em seu rosto. Estava fascinada ou chocada? A falta de resposta estava começando a preocupá-lo quando terminou.
- Você está certo... Completamente certo – riu, quase mal acreditando no que dizia, nem mesmo ele estava. – Estava tão preocupada em decepcioná-los que... Que não dei crédito suficiente para eles. Não vou ser ingênua em acreditar que vão gostar da primeira vez que souberem... Ou mesmo se vão gostar algum dia. Mas com o tempo talvez entendam... Ou tolerem.
- Se eu tolero eles...
- Eu não preciso escolher um lado ou outro – disse, aliviada.
Estava radiante e finalmente sorria sem uma sombra de preocupação por trás. Draco acabou sorrindo também.
- Não acredito ainda que você falou tudo aquilo sobre minha família – riu Gina, brincando. – Incrível com consegue esconder se está elogiando ou falando mal de algo. Algum dia precisa me ensinar isso.
- É uma habilidade que se aprende na sala comunal da Sonserina – comentou, experimentando pela primeira vez a sopa à sua frente.
Depois de uma colherada estalou os dedos para chamar Groger, que apareceu imediatamente.
– Essa sopa está fria. Me traga outra.
Gina não fez nenhum comentário ao ouvir aquilo mas o sorriso que deu foi suficiente.
N/A: Nossa, eu nunca reescrevi tanto um capítulo como esse, fala sério. A cada linha escrita, tinha outras duas deletadas... Deve ter umas cinco versões do mesmo capítulo haha. Ah, se a descrição do que aconteceu no 2º livro está errada, culpe a minha memória de Dory. E a preguiça de pegar o livro de novo e checar.
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