Sinais da Tempestade
SINAIS DA TEMPESTADE
Nenhum dos dois tocou mais no assunto já que nem Draco nem Gina sabiam exatamente o que tinha ocorrido no Ministério. Ele ignorou totalmente qualquer coisa relacionada ao emprego dela e ela fingiu ter esquecido o que falara. E assim tudo continuou do mesmo jeito que antes. O que secretamente irritava ambos.
Uma semana se passou sem qualquer acontecimento fora da rotina que criaram. Gina continuava saindo na madrugada, evitando perguntas da família e trabalhando até voltar para a mansão e repetir o processo. Draco não tentou mais seguir com seu plano de visitas no Ministério e passava o dia tentando arranjar algo para fazer até que ela chegasse.
No entanto Gina começava a chegar cada vez mais tarde na mansão, segurada n’A Toca pelas inúmeras e intermináveis reuniões de Hermione, que parecia determinada a manter a irmã do noivo dentro da casa. Quando finalmente chegava até Draco o encontrava de mau-humor e com uma acusação de não se importar mais com eles na ponta da língua, segurada apenas por beijos que trocavam.
Mantinham então um certo equilíbrio na corda bamba, quase brigando mas fazendo pazes antes... Quase querendo discutir os problemas que os irritavam, mas ao mesmo tempo evitando falar de qualquer coisa que atrapalhasse seus encontros cada vez mais curtos. Não era saudável, mas com certeza melhor do que nada.
Para piorar a situação chegou o dia em que Hermione demorou tanto para encerrar a “reunião” que já passava da meia-noite. Se saísse de casa naquele horário seria praticamente sentenciar sua própria execução. Para complicar mais ainda sua situação Hermione esperou até que todas as outras mulheres Weasley (e Delacour, já que Fleur não tinha retirado o sobrenome) saírem para ter uma “conversinha” com Gina. Tinha a sensação que o assunto não seria agradável.
- Desculpe te segurar Gina... Você deve estar cansada depois de todo esse trabalho.
- Imagina Herm – sorriu, mentindo perfeitamente enquanto na verdade queria bater na cabeça dela com uma panela.
- Acho que fizemos bastante progresso hoje, não? Flores estão decididas... Convites também... E não poderia ter feito tudo isso sem ajuda de vocês.
Era totalmente mentira, claro. Hermione falava e falava a noite toda, decidindo sozinha praticamente tudo enquanto todas as outras tentavam não cair de sono e fingir estarem interessadas. Só sua mãe e a mãe de Hermione pareciam contribuir com alguma coisa de útil (e principalmente eram as únicas que Hermione ouvia).
Sorrindo docemente preferiu não falar o que realmente pensava e deixou que a amiga continuasse o que quer que fosse que queria dizer.
- Enfim... Queria te pedir uma coisa. Você pode dizer não, se quiser... Vou entender completamente e sem ressentimentos, não se preocupe. E também não é algo tão sério assim, é mais simbólico...
- É meio tarde...
- Desculpe – riu. – Quero que você seja a minha madrinha de casamento.
Rapidamente a irritação que sentia deu lugar à alegria e um pouco de culpa. O pedido não era algo tão surpreendente assim, porém não deixava de ser especial.
- Significaria muito para mim se aceitasse ser – completou.
- Claro que sim, Herm! – sorriu comovida com o pedido.
Abraçaram-se forte e por um momento esqueceu os últimos meses em que a amizade das duas parecia abalada silenciosamente. Quando se separaram, a expressão de Hermione ficou preocupada e demorou até que falasse outra vez.
- Só tem um problema... Bem, espero que não seja um, mas...
- O que?
- Harry é o padrinho de Rony.
Claro que era... Não faria sentido de outro jeito. Era o melhor amigo do irmão e se fosse outra pessoa, Gina estranharia.
- Por mim... Não há problema. Mas se Harry se incomodar, não ficarei triste se pedir para outra pessoa ficar no meu lugar.
- Ele sente sua falta Gina.
- Poderíamos ser amigos ainda... Se ele quisesse. Como sempre Harry prefere me ignorar.
- Não seria você que está fazendo isso? Evitando todos?
Óbvio que Hermione tinha que estragar o clima e a breve paz entre elas.
- Eu?
- Sim... Você. É a primeira vez que fica em casa durante a noite em quase três meses. Acha que não percebi? Ou que seus pais não notaram?
- Não sei do que está falando. Eu saio de noite, verdade, mas volto logo.
- Por favor, não me trate como se eu fosse burra. Não está dormindo aqui mais.
- E se não estiver? Que te interessa?
- Interessa quando está envolvida com certas pessoas...
- E que “pessoas” seriam essas? – fingiu ignorância ao invés de mostrar que entendia a indireta.
- Como disse antes, não sou burra. Você falou para Harry que não era ninguém que encontrou na França... E por que mentiria para ele? Agora, se não estava mentindo, o que tenho certeza, então quem poderia conhecer aqui na Inglaterra se ficou escondida na mansão Malfoy todo aquele tempo? Só sobrou uma explicação.
- Não pensou que talvez eu tivesse mentido para Harry e quem sabe não esteja apaixonada por outra pessoa?
- Duvido que seja capaz de ser tão fria e calculista a ponto de criar uma farsa tão grande assim. Você tentou contar a verdade... Ou pelo menos parte dela.
- Hermione, obrigada por suas conclusões tão lógicas, mas a vida é minha e faço o que bem entendo. Sei onde estou me metendo.
Irritada, Hermione cruzou os braços de maneira extremamente parecida com Molly Weasley, balançando a cabeça e os cabelos armados em sinal de decepção. Gina se preparou para a bronca.
- Não acho que saiba. Acho que está cega. Pensa que ele mudou por você? Ele é Draco Malfoy, Gina!
- Fale baixo! – murmurou entre dentes, preocupada que alguém na casa ouvisse.
- Tem medo do quê? Ou seria vergonha?
Não querendo perder o controle e começar uma discussão que acordaria o resto dos Weasley, Gina bateu a mão na mesa decidida e se levantou, preparando-se para sair da cozinha e dando às costas para Hermione.
- Boa noite Hermione.
- Por favor, pense melhor nisso. Malfoy não mudou e nunca vai.
- Ele não precisa mudar.
Podia até imaginar os olhos arregalados dela enquanto subia as escadas para seu quarto. Trancou a porta atrás de si, sentando na cama em que não dormia há um mês, o cansaço e estresse do dia finalmente recaindo sob suas costas e deixando seus olhos pesados. Sabia que aquela discussão com Hermione seria apenas a primeira de várias, seu grande medo era não suportar e tomar uma atitude drástica fosse se afastar da família ou de Draco. Será que teria coragem de escolher Draco?
Em falar nele... Devia estar muito irritado, se já não tivesse desistido de esperar. Só poderia vê-lo para explicar o que aconteceu na noite seguinte (se Hermione não resolvesse atrapalhá-la outra vez). Não tinha como mandar uma coruja porque Píchi e Hermes não eram dela e seus donos sentiram falta das aves... Usar alguma do Ministério seria pior ainda.
Bufou, irritada, caiu na cama e olhou para o teto, mãos atrás da cabeça, apoiando-a no travesseiro. Foi idiota ficar nervosa e sair daquele jeito da cozinha, o melhor teria sido negar tudo e convencer Hermione que seu palpite sobre Draco estava errado, mas agora era tarde demais... Não conseguiu agüentar. Só podia esperar que mantivesse a boca fechada e não contasse para Rony na esperança que endireitasse a irmã.
Se pensava que a perseguição dos irmãos durante Hogwarts já era ruim sabia que seria provada errada no minuto em que descobrissem tudo. O único namoro a salvo da constante vigilância deles fora o de Harry, claro... Parecia que os poderes do universo insistiam que o único caminho verdadeiro e correto era ficar com Harry. Mas Gina não queria! Podia ser difícil e doloroso, mas não desistira de Draco tão facilmente. Que Hermione e o resto do mundo a chamassem de cega e louca! Não importava. Pelo menos era o que esperava. Tudo seria muito mais complicado quando fosse forçada a vivenciar a situação de verdade ao invés de apenas imaginar como seria. Não tinha certeza do que faria.
Chuva começou a cair do lado de fora, cada gota ressoando pelos canos de água e telhas... O vampiro agonizante no sótão não ajudava batendo nas paredes e derrubando caixas, só não acordando o restante dos habitantes d’A Toca pois já estavam em seu terceiro sono. Com sorte, Hermione estaria tendo o mesmo problema para dormir que Gina, um pequeno castigo por segurá-la tanto tempo naquela reunião idiota.
Claro que se importava com o casamento do irmão, estava muito feliz pelos dois e torcia que tudo desse certo, mas era impossível esquecer a sensação (comprovada horas atrás com aquela conversa na cozinha) que Hermione só insistia em marcar as reuniões dos preparativos do casamento durante a semana e no fim da tarde para segurar Gina de ver Draco. Portanto, sentia-se no momento traída e furiosa com a amiga.
Por que tinha que se meter tanto na vida dos outros? Sempre achando que era “pelo bem” da pessoa quando na verdade era apenas para mostrar que estava certa o tempo todo. Gina podia enumerar dezenas de exemplos. Quantas vezes não brigou com Rony e atormentou Harry por que achava que estavam fazendo algo de errado? Havia casos em que ela estava certa em intervir, mas não era como se sempre estivesse... E se meter na vida de Gina definitivamente não era certo.
E ainda por cima usar o fato de pedir para Gina ser madrinha dela só para encurralá-la em uma armadilha? Estava agindo pior que sua mãe!
Assim que tivesse a oportunidade tomaria uma atitude, forçaria Hermione a entender ou a deixá-la em paz de uma vez por todas. Se eram realmente amigas, devia ser capaz de compreender suas escolhas ou, no mínimo, respeitá-las.
Virou de bruços na cama, colocando as mãos debaixo do travesseiro para deixá-lo mais alto, e encostou o queixo, agora encarando a parede bege com um pôster antigo d’As Esquisitonas. Dormir naquele quarto começava a ficar cada vez mais estranho, parecia que tudo nele permanecia parado no tempo enquanto ela mudava. E ao invés daquela constância fazê-la se sentir segura e confortável, na realidade incomodava.
Trocou de lado, revirando mais uma vez, tentando buscar uma posição melhor na cama. E finalmente sentiu seus olhos devagar se fecharem.
Seu último pensamento antes de cair no sono foi se Draco conseguira dormir mesmo sem ela ao seu lado.
A resposta era um grande e explosivo não.
Desde o fim da tarde até uma da madrugada o que Draco fez foi esperar esperar e esperar mais um pouco. Cada segundo que passava ansiedade se transformava em ódio e revolta. Não podia acreditar que ela simplesmente não dera o ar da graça! Sem falar nos outros dias quando mal conseguiram passar duas horas juntos. Falava que era culpa da Granger, mas Draco começava a duvidar que fosse verdade.
Por que o estava torturando tanto? Era de propósito? Divertia-se com a agonia dele?
Bateu o punho na mesa do escritório, paciência perdida há horas atrás. Se continuasse assim nada daquilo daria certo. Parecia que não estava fazendo um mínimo esforço para continuar com ele. Primeiro o emprego e agora aquilo!
Odiava-se por ter deixado escapar o quanto se importava com ela naquele cubículo do Ministério... Era cedo demais! Fez papel de completo idiota porque estava bem claro que Ginevra não pensava da mesma forma. As prioridades dela eram outras, ao que parecia.
Também odiava o fato de não estar no controle da situação, dependente dos caprichos dela... Gostaria de ir até aquele lugar infernal cheio de Weasley e arrancá-la de lá imediatamente. Obrigá-la a ficar quieta dentro da mansão e não sair mais.
Fitou o relógio de pulso e, para sua enorme indignação o ponteiro indicava “Dormindo”. Como ousava dormir sem ele? Enquanto passava torturantes horas sozinho? A audácia! A falta de consideração!
Retirou violentamente a pena mais próxima do tinteiro e pegou da primeira gaveta um pedaço de pergaminho qualquer. Furiosamente escreveu uma pequena mensagem em uma letra descuidada e nada parecida com a caligrafia firme que costumava ter.
“Não se incomode mais de vir até a mansão. O sacrifício não será mais necessário. Não quero mais vê-la na minha frente. Acabou.”
Dobrou o papel e enfiou sem cuidado dentro de um envelope qualquer, selando com tanta força a carta que quase queimou os dedos na hora de derreter a cera com uma vela. Enfiou no bolso das vestes, levantou da cadeira, que quase caiu para trás com a violência do movimento, e saiu do escritório seguindo até a porta da frente da mansão.
Era Draco Malfoy! Não dependeria de mulher nenhuma... Não seria tratado como lixo e ficaria quieto! Ginevra estava brincando com fogo e queria queimá-la! Ou estava com ele completamente ou aquilo não continuaria. Jamais faria papel de bobo novamente... E ela aprenderia a respeitá-lo.
Sem realmente pensar no que fazia, cegado pela raiva, saiu para o jardim e ignorou completamente a tempestade que caía. Andou às escuras, o céu iluminado apenas pelo eventual raio entre as nuvens negras, até chegar ao corujal. Há alguns passos de entrar e prender o envelope nas garras de Pegasus II, algo o forçou a parar de repente.
Estava molhado até os ossos, cabelo caindo sob os olhos, tremendo de frio sem perceber, os sapatos caros sujos de lama... E Draco só conseguia pensar no que estava prestes a fazer. Mandar aquela carta significava... O fim. Fim das noites em que a tinha nos braços, aulas de piano improvisadas, palavras de conforto sussurradas em seu ouvido na madrugada, provocações que terminavam em beijos... Nada mais de troca de insultos, desafios... Seria o fim da presença dela em sua vida.
Seria a volta das noites em claro e dos dias solitários. Lembranças amargas em cada quarto da mansão... Saudades infinitas por tudo que tinha perdido inclusive ela. Em questão de segundos estava paralisado de medo, incapaz de seguir adiante com o que sua raiva o tinha levado a quase fazer.
Mas que não podia... Não faria.
Pegou o envelope, que imediatamente quase se desfez com as gotas de chuva violentas, e depois de fitá-lo por um instante amassou o papel com força e o jogou no chão, observando enquanto era levado pelo vento forte que impelia a tempestade a continuar a cair.
Na noite seguinte Gina apareceria na mansão e daria explicações para a ausência. Caso não fossem convincentes Draco pensaria em um modo de fazê-la se arrepender. Teria paciência e esperaria mais um dia. Mas enquanto isso teria que arranjar algo para se ocupar.
Imediatamente após sua decisão o fato que estava ensopado foi finalmente foi registrado. Espirrou escandalosamente e, mais irritado ainda do que já estava, voltou para dentro da mansão, recusando-se a correr (se o fizesse estaria admitindo que ficar debaixo da chuva não havia sido intencional).
Não estava com ânimo de acender a lareira ou tomar uma xícara de chá quente então colocou a mão no bolso para pegar sua varinha e... Não a achou. Bufando lembrou que deixara em seu escritório. Incrível como magia perdia seu charme quando se estava tendo um ataque de paranóia e raiva depois de um dia ruim sem a namorada.
Antes de seguir seu caminho para recuperar a varinha retirou a capa verde que usava, jogando-a longe. Lógico que a roupa não caiu no chão, pois Groger imediatamente apareceu embaixo e evitou sua queda, como Draco esperava que fizesse.
Sentiu a corrente gelada, vinda das janelas abertas, em suas costas conforme andava pelos corredores. Espirrou outra vez. Ainda muito irritado pegou bruscamente sua varinha em cima da mesa do escritório e se apressou para o quarto, só queria deitar e relaxar... Seu corpo começava a ficar dolorido com toda aquela tensão e mau-humor. Mesmo que não conseguisse dormir, era melhor do que ficar sentado ou de pé.
Desabotoou a camisa, atirando-a ao chão para novamente ser salva por Groger. Tirou os sapatos sujos (notando a lama pela primeira vez e ficando horrorizado com a noção que tinha andando pela casa toda com aquilo nos pés, espalhando imundice) e as meias molhadas. Com sua varinha enxugou os cabelos precariamente que ficaram insuportavelmente arrepiados e bagunçados, mas teria que arrumá-los na manhã seguinte.
Cansado demais para tirar a calça também, simplesmente se jogou contra a cama, fechando a janela do quarto com um balanço da varinha e fechando os olhos por duas míseras horas.
Passou a manhã toda batendo a caneta contra a cabeça do cachorrinho de plástico e não fez absolutamente nada de útil. Tinha na frente uma pilha de relatórios para checar e outra pilha para fazer cópias, mas as duas só aumentavam ao invés de diminuir.
Naquele dia, mais que qualquer outro, não estava conseguindo se concentrar. O único pensamento capaz de ocupar sua mente era a dúvida se devia ou não dar uma “escapadinha” na hora do almoço para visitar Draco e explicar o que tinha acontecido. Sem a opção de corujas ou outro meio de contato... Só sobrou enfrentar a fera de frente.
Esperava que não estivesse irritado a ponto de fechar a porta na cara dela ou que sentisse saudades o bastante para ouvi-la sem interromper ou brigar.
- Gina... Você já terminou de revisar o relatório sobre o roubo de ovos de dragão? – chamou Quim, tirando-a de seus pensamentos.
- Estou terminando – mentiu, sorrindo. – Depois do almoço já entrego.
- Em falar nisso... Estamos querendo almoçar todos juntos n’O Caldeirão hoje. Incentivar a integração entre os funcionários. Seria bom que fosse também.
Gina se segurou para não revirar os olhos... Nem mil almoços poderiam melhorar o clima de fofocas e indiretas que se instalou em todos os departamentos do Ministério, todo mundo sabia que escritórios funcionavam assim e nunca mudariam. Era simplesmente como a humanidade funcionava, trouxa ou mágica.
- Talvez eu não vá almoçar, Quim. Acho que vou ficar por aqui mesmo e terminar essa pilha que só aumentou – riu, indicando a quantidade gigantesca de trabalho que ainda precisava fazer.
- Queria que mais funcionários fossem assim – riu Quim. – Bem, é sua decisão.
- Vou pensar.
Seu chefe voltou para sua sala sem ter idéia que nenhuma das opções seria a escolhida. Não almoçaria n’O Caldeirão Furado e estava longe de se dedicar às pilhas de folhas a serem revisadas e copiadas. Uma manhã toda debatendo se deveria ou não ir a mansão Malfoy não foi suficiente para se convencer a esperar até a noite. No fundo sabia que tinha tomado a decisão antes mesmo de considerá-la.
Sair correndo atrás de Draco não era um bom exemplo para o movimento feminista e... Não era o costume dela, mas justificou para si mesma que só faria aquilo uma única vez e não se repetiria. Draco também precisava aprender a se controlar e confiar nela, assim como ela teve que fazer o mesmo a duras penas. Já bastava o quanto os pais dele o haviam mimado, afinal de contas.
Foi uma longa espera até que finalmente o horário de almoço chegou, esvaziando lentamente o departamento até que Gina foi a única pessoa a se encontrar lá. Deixou alguns papéis espalhados em sua mesa para parecer que esteve trabalhando todo aquele tempo e que, caso chegasse alguém antes dela, só tinha ido ao banheiro. Um banheiro que ficava há quilômetros de lá.
Tinha trinta minutos para ir até Draco, explicar, não se distrair com nada ou deixá-lo convencer a ficar e voltar para o trabalho sem maiores problemas. Sabia que não seria uma tarefa simples, Draco podia ser extremamente persuasivo quando queria ou então tão incrivelmente rabugento que demoraria anos para convencê-lo que não o estava abandonando para sempre. Tudo aquilo, claro, se não estivesse e continuasse irritado com ela. Se fosse o caso o problema seria outro...
Aparatou até o portão da mansão, testemunha silenciosa de tantas versões diferente de interações entre Draco e Gina, e esperou até que se abrisse sozinho ou Groger aparecesse. Mal o feitiço de transporte a tinha deixado lá e o elfo-doméstico surgiu quase afobado na frente dela.
- Senhorita... O Sr. Malfoy...
- O que foi Groger? Que aconteceu? – perguntou rapidamente, preocupada com o tom nervoso do elfo.
- Siga-me, rápido! Não temos tempo...
O portão se escancarou e os dois correram pelo jardim, mil pensamentos horríveis passando por sua cabeça... Será que Bellatrix voltara? Teria Draco sido levado para a Azkaban de novo? Ou talvez seus irmãos tivessem descoberto tudo e agora o estavam atacando! Hermione contara para Rony! Draco já devia ter levado uma surra! Não era capaz de nem começar a machucar um dos Weasley... E, Merlin, e se fosse Harry? Draco estaria sem um braço àquela altura!
Groger não fez nada para diminuir sua preocupação, apenas a obrigando a correr ainda mais rápido até subirem pelas escadas do hall de entrada e chegarem a porta do quarto de Draco. Pararam bruscamente e quase que Gina caía sob o elfo corcunda. Sons estranhos vinham do quarto, como os gemidos de um animal ferido. Ou do vampiro de sótão d’A Toca.
Sem mais nem menos, Groger abriu a porta e deixou que ela entrasse.
O quarto estava um breu, todas as cortinas fechadas e nenhuma fonte de luz acesa. O ar estava pesado e abafado... Teve que forçar a vista para distinguir uma forma debaixo das cobertas. Aproximou devagar da cama, confusa.
- Draco?
Será que estava deprimido pela falta dela a ponto de chorar debaixo das cobertas a noite toda?
Um gemido longo e dolorido veio da cama. Abaixou-se perto da beirada relutantemente, as imagens ruins dele levando azarações dos irmãos ainda bem próximas. Teria que ser algo muito sério para deixá-lo assim...
- Draco... Está bem? O que houve?
- Eu vou morrer – gemeu.
- Morrer? Do que...
- Estou morrendo... É o fim do sangue Malfoy.
Outro gemido. Gina tentou retirar os lençóis que o cobriam, mas ele estava segurando neles com força e a impediu.
- Chegou o dia... É o fim. Você vai no meu enterro?
- Não fale assim! O que está acontecendo?
- Porque... Não tem ninguém que vá. Só a Pansy... Não deixe a Pansy me colocar num caixão rosa...
Gina estava ficando cada vez mais preocupada e, principalmente, confusa. Virou para Groger na esperança que o criado pudesse explicar o que estava acontecendo, mas ele já tinha sumido. Começava a duvidar da lealdade do elfo... Enquanto isso Draco continuava resmungar coisas sem nexo.
- E então eles dirão... “Finalmente estamos livres desse idiota!”. Alguns vão falar “Morreu jovem”... Mas acho que a maioria vai cuspir na tumba. Bastardos hipócritas. Todos eles.
- Pare de falar besteiras e me diga o que tem!
- Já falei! Estou morrendo! Me deixe morrer em paz, mulher! – mas então gemeu quase gritando e mudou de tom. – Não... Não vai embora! Não quero morrer sozinho.
Cheia daquilo, resolveu tomar uma atitude drástica. Pegou sua varinha e com um balançou arrancou os lençóis da cama, os jogando longe. Draco imediatamente resmungou e tentou pegá-las de volta sem se levantar, tateando a sua volta de olhos fechados.
- Um moribundo não pode morrer direito agora?
- Você não vai morrer!
Subiu na cama e se aproximou dele, colocando sua mão na testa dele. Estava febril.
- O que você está sentido? – tentou outra vez.
- Meu corpo dói, minha cabeça está explodindo, meu nariz está entupido, a boca seca e... – soltou um forte espirro na direção dela. – Estou morrendo.
Gina levantou as sobrancelhas, segurando o riso. Não podia acreditar que estava fazendo aquele drama todo só por causa de algo assim!
- Draco... Você está... Só está resfriado!
- Não... É uma maldição de milênios... Doença egípcia antiga! Meus dias estão contados!
- É só um resfriado trouxa comum! – protestou, rindo.
- Diz isso porque não sabe a dor terrível que estou passando... O sofrimento!
Soltou outra risada, ficou preocupada à toa!
- Pare de rir da minha desgraçada.
- Você só precisa de uma poção e pronto... Vai melhorar em algumas horas. Deixe de ser bobo!
Desceu da cama e pretendia ir até a cozinha fazer o remédio quando a mão de Draco a segurou pelo braço.
- Isso... Me abandone de novo. Vá em frente.
- Não estou te abandonando coisa nenhuma, já volto com a poção.
Mesmo assim ele continuou a segurá-la com força, estava de olhos abertos e tinha uma expressão séria no rosto, diferente da de incômodo anterior.
- Por que não veio ontem?
- Hermione armou uma armadilha praticamente. A reunião só terminou a meia-noite. Ela sabe.
- Sabe do quê? Que é uma chata insuportável?
- Sobre nós.
Draco soltou seu braço e sentou na cama, estava suando, seu cabelo desarrumado e pele mais pálida que o normal.
- Então você decidiu que não é era uma boa idéia vir aqui.
- E você não concorda? Naquele ponto da noite se eu saísse...
- Acha que ela vai contar para o resto.
Não era uma pergunta. Gina sentou na cama outra vez, sentindo que Draco não estava mais falando sobre a mesma coisa que ela.
- Talvez... Eu realmente não sei.
- E se ela contar... Vai escolher... Eles.
Gina abaixou o rosto, não querendo olhá-lo nos olhos. Não sabia o que faria caso Hermione revelasse para o resto da família... Precisava de mais tempo para pensar.
- Você tem que tomar a poção – anunciou, engolindo seco. – Vou fazê-la.
- Groger vai cuidar disso. Pode ir embora. Vai.
Draco estava apenas bancando o orgulhoso teimoso de sempre. Fingindo indiferença e escondendo a mágoa. Sabia que na verdade estava arrasado com a falta de uma correção decisiva da afirmação dele.
- Não vou. Quero cuidar de você.
- Estou ótimo... Vá passear.
- Cinco minutos atrás estava fazendo planos para o próprio enterro e agora está ótimo?
- É só um resfriado idiota.
Nenhum deles falava do resfriado em realidade e quanto mais Gina insistia mais Draco recuava. Estava agindo daquela forma porque ela não negou o que ele havia dito sobre sua família. Esperava demais dela... Queria demais. Será que não sabia o quanto era difícil ser colocada na posição de mentir e enganar a família?
- Draco... Hermione não vai contar para ninguém.
- E se contar?
Não podia falar o que queria ouvir naquele momento. Talvez depois, mas...
Ignorando o estado deplorável de Draco, aproximou-se devagar e o beijou. Não foi o beijo mais romântico e apaixonado da face da Terra, na verdade a boca dele estava seca e tinha gosto de quem dormiu com ela aberta a noite toda...
Mas a intenção era o que valia. Tinha que dar alguma esperança para ele afinal.
No meio do caminho, Draco parou imediatamente, inclinou a cabeça para trás e depois para frente, espirrando bem na cara dela.
- Melhor preparar aquela poção – riu Gina, limpando o rosto com um certo nojo.
O local estava em total silêncio... Os que não dormiam eram incapazes de fazer qualquer som do mesmo modo. O sol iluminava as camas de lençóis brancos limpos e havia um ar calmo e pacífico mesmo com aqueles habitantes tristes descansando lá.
Enfermeira Robes olhou mais uma vez a ficha de um dos pacientes mais antigos, checando se tinha tomado todas as poções que precisava. A mulher tinha muita pena de todos que estavam lá... Pessoas perdidas, incapazes de reconhecer seus parentes e amigos ou mesmo até se mexer e alguns eram tão jovens...
Realmente era uma pena.
A maioria nunca mais sairia do hospital e grande parte sequer recebia visitas dos parentes, que não agüentavam a dor de ver uma pessoa querida naquele estado. Ela podia muito bem entendê-los, ver aquela situação se prolongar dolorosamente por anos já era difícil sem ter conhecido os pacientes antes.
Passou para a outra cama onde a paciente pálida chamada Narcissa continuava estática, olhando o nada. Cobriu melhor a mulher sem expressão, não querendo que tomasse uma friagem. Entre todos os que estavam naquele quarto, a Sra. Malfoy definitivamente era a mais assustadora. Parecia eternamente presa em um momento de espanto.
O filho vinha visitá-la toda semana e estava pagando os melhores medi-bruxos e especialistas em danos causados por feitiços. Há um bom tempo passava por um tratamento considerado novo e... Um pouco perigoso. Tentavam estimular reações dela com feitiços e poções complicados. Algumas enfermeiras de outros plantões juravam de pés juntos que estava funcionando e que haviam visto a paciente piscar os olhos e mexer os dedos. Mas era difícil acreditar e ninguém queria criar falsas esperanças para o filho, que não parecia do tipo que gostava de não conseguir o que quer.
Robes lembrava da família Malfoy e não eram boas memórias, então preferia não se envolver com aquela história.
Estava virando para ir até a cama vizinha de Narcissa quando sentiu algo gelado segurar seu pulso com rapidez assustadora. Voltou a encarar a mulher e as unhas dela fincaram em sua pele quando tentou se soltar.
- Onde está... Onde está Lúcio?!
Os olhos azuis cristais dela estavam arregalados tanto quanto os da própria enfermeira, assustadíssima com tudo aquilo. Imediatamente com sua mão livre pegou a varinha do bolso do avental e chamou por ajuda.
- Me diga! Onde está Lúcio?!
As unhas cumpridas dela estavam tão enterradas na pele da enfermeira que começavam a cortá-la.
- Sra. Malfoy me largue!
Tão rápido quanto antes, Narcissa soltou o braço dela e pareceu ficar mais calma. Virou o rosto para os dois lados, tentando identificar o local onde estava. Quando voltou a encarar a enfermeira, seus olhos estavam cheios de lágrimas.
- Mortos... Lúcio... Draco...
Colocou as mãos no rosto e chorou descontroladamente. Robes só conseguiu coragem para pôr sua mão no ombro dela graças aos seus anos de experiência naquele hospital. A pobre mulher estava em estado de choque.
- Sra. Malfoy, tudo vai ficar bem agora... Seu filho vai buscá-la. Tudo vai dar certo.
Narcissa imediatamente levantou o rosto e pegou a mulher pelo avental, puxando-a para o mesmo nível que ela.
- Draco? Draco está vivo?!
Um grupo de medi-bruxos afobados entrou correndo no quarto e a enfermeira não pôde mais falar com a Sra. Malfoy, que rapidamente vou levada para outro lugar onde exames seriam feitos para determinar o real estado de sua saúde.
Alguém, porém, teria que juntar coragem para avisar o filho dela. Cedo ou tarde.
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