Paraíso Intocado



Capítulo 1

PARAÍSO INTOCADO

A chuva continuava a cair, gotas batendo contra a janela do quarto, um som contínuo aconchegante que junto às cortinas verdes fechadas, garantindo escuridão completa, tornava muito difícil sair da cama. Mas uma hora teria que levantar ou então chegaria atrasada no emprego que havia demorado tanto tempo para conseguir.


Fez um movimento para sair da cama de quatro postes mas um braço passou por sua cintura e a puxou de volta.


- Pode ficar deitada aí.


- Nem pense Draco.


- Parada. Não se mexa.



- Tenho levantar... Já estou atrasada.


- Não me faça te prender na cama, Weasley.


- Não me faça chutar você, Malfoy.


Virou para o lado, ficando de frente para ele. Estava ainda de olhos fechados, como sempre ignorando o amanhecer e se recusando a levantar. Mas nem todos tinham a luxúria de dormir o dia todo, não importava o quanto ameaçava comprar o Ministério e mandar todos embora menos ela. Felizmente sabia como escapar dele.


Sorrindo lhe deu um beijo e enquanto estava distraído demais respondendo para impedi-la deslizou para fora da cama. Irritado, Draco voltou a se enfiar debaixo dos lençóis, resmungando.


Ainda era madrugada e até mesmo Groger estava cochilando mas era o preço a pagar por dormir com o inimigo. Como tantas outras vezes naqueles dois meses, entrou no banheiro exageradamente grande para se arrumar antes de voltar para sua própria cama. Mesmo agora era incapaz de ver sentido em duas pias de mármore e uma banheira do tamanho de seu quarto n'A Toca, porém tinha que admitir que por mais pomposo que fosse era uma mordomia bem-vinda. Quem conseguia resistir a um pouco de luxo?


Fechou a porta para não atrapalhar o sono de beleza do folgado e só então acendeu as velas para se trocar sem tropeçar em nada que valesse mais que sua casa inteira. Demoraria muito tempo para se sentir à vontade com aquela situação, isso se um dia tal coisa fosse acontecer. Por mais que Draco tentasse deixá-la confortável naquela casa era impossível.


Encarou o espelho enquanto penteava os cabelos, imaginando mais uma vez como tudo aquilo tinha acontecido. Parecia uma eternidade desde que o capturara no Egito, carregando-o de um lado para o outro inconsciente, sem se importar se batia a cabeça em objetos duros. Odiava-o naquela época. E sem nem mesmo conhecê-lo. Claro que sabia quem era desde Hogwarts (como não poderia? Era odiado por todos seus amigos e família) mas não conhecia de verdade Draco Malfoy. Nem se dera o trabalho de pensar duas vezes nele antes de Azkaban e, não tinha dúvidas, sequer teria conhecimento de sua existência se não o tivesse capturado.



Era estranho como tanta coisa podia mudar em tão pouco tempo. Como quando Harry de repente decidiu que gostava dela depois de cinco anos sem nenhuma retribuição. Ou quando Fred e Jorge saíram de Hogwarts sem aviso. Como quando... Quando um dia Dumbledore estava sorrindo por trás de seus óculos de meia-lua e no outro caído sem vida debaixo da Torre de Astronomia.


Parou de se pentear e abaixou os olhos de seu reflexo, soltando um suspiro.


A verdade era que muitas vezes bastava um minuto para que tudo desse certo ou errado. E não importava o quanto se preparava para a mudança, quase sempre seria algo totalmente inesperado e muitas vezes doloroso.


Felizmente não era seu caso. Não podia estar mais contente com sua vida mesmo que tivesse tomado um rumo tão... Estranho.


Pegou roupas limpas de sua sacola que em cima da pia e se trocou. Não podia aparecer n’A Toca com as mesmas vestes do dia anterior ou teria que lidar com as perguntas de seus pais.


Com certa relutância dobrou suas roupas, colocando-as logo em seguida de volta na sacola, desligou a luz e abriu a porta novamente para o quarto de Draco. Aproximou-se da cama e já podia ouvir seus roncos. Se um dia soubesse que roncava Draco provavelmente ficaria ultrajado, a chamaria de insana e na noite seguinte não dormiria até que o fizesse antes, por puro orgulho.


Com um sorriso nos lábios só de imaginar a cena, fitou o rosto sereno dele. Enquanto dormia uma nova face de Draco era revelada, uma mais amena e vulnerável que as outras. Gina adorava todas, umas menos que outras, claro, mas aquela em particular possuía um valor especial porque somente ela podia ver.



- Aproveite o sono, seu folgado, porque eu vou ter ir trabalhar quando amanhecer e você só vai levantar dessa cama na hora do almoço.


Sua única resposta foi um ronco longo e barulhento. Quem poderia acreditar que um mês e meio atrás Draco era incapaz de fechar os olhos por mais que uma ou duas horas?



O inverno estava prestes a terminar mas ainda assim a lareira da sala de visitas estava acesa e queimando. O calor vindo das brasas aquecia o cômodo o bastante para manter o clima agradável. Estava sentada no sofá lendo um livro sobre Quadribol enquanto Draco encarava o fogo em silêncio com uma expressão de irritação no rosto, muitas vezes dirigida a ela.


A Ordem havia sido inocentada quinze dias atrás e aquela era a primeira vez que “brigavam” quando juntos. Não parecia tão grave comparado as brigas anteriores que tiveram, porém não tornava as coisas mais agradáveis.


- Não tenho culpa se você está de mau-humor – informou com calma, não tirando os olhos no livro.


- Falei alguma coisa?


- Ainda não. Mas estava prestes a abrir a boca e falar alguma bobagem.



- Poderia fazer o enorme favor de olhar para mim e largar esse livro idiota enquanto me critica?


- Você me deu de presente esse livro.


- Se continuar lendo vou pegar de volta.


Revirou os olhos, fechando o livro e levantando o rosto para encará-lo.


- Pronto. Agora vai me dizer por que está de ovo virado hoje?


- Quer dizer que sou obrigado a ficar feliz e contente todos os dias da minha vida?


- Não se faça de vítima, Draco, e me conta logo o que houve.



Voltou a olhar para a lareira ao invés de fitá-la. Ele parecia... Cansado.


- Suponho que não se lembra a conversa que tivemos depois que você recebeu a cartinha com os gritos do Potter?


- Você me deu uma poção para que caísse no sono. E disse que não conseguia dormir.


- Ainda não consigo. E está me deixando louco. Tem idéia do que é ficar acordado revirando na cama... Tentando desesperadamente dormir? E isso não uma vez, mas todas as noites?


- Já tentou, não sei... Talvez falar de novo com um medi-bruxo? Sei que a poção não parece funcionar para você mas talvez haja um jeito de parar isso que ainda não saiba.


- É inútil. As únicas vezes, desde que fui para Azkaban, que consegui dormir direito foi... No dia que você foi embora da mansão, fruto de exaustão completa. E naquela noite – sua voz tinha uma certa relutância. – Quando você pediu que eu ficasse ao seu lado. Caí no sono sem mesmo perceber e acordei só muito depois.


- O que você está dizendo? Que eu talvez...


- É idiota. Esquece.


- Eu posso ficar... Não preciso ir embora depois. Posso dormir aqui, se você quiser. E quem sabe ajude.



- Não... É... Besteira. Não vai funcionar de qualquer maneira.


- Não custa tentar.


- E quanto...


- Meus pais? Sou uma menina crescida, eles não controlam o horário que volto para casa mais, Draco – sorriu.


- Mas vão fazer perguntas, vão encher você até que conte alguma coisa. E aí cada vez mais vão tentar descobrir com quem está passando a noite e quanto mais você desviar do assunto mais perigoso vai ficar... E sabe o final trágico que vai ser se a fichar cair. Eu cuido do problema sozinho, não precisava ficar toda agitada com isso.


- Não. Eu quero ajudar! Dou um jeito com meus pais, prometo... E, além disso, não sei se vou agüentar mais tempo você nesse humor tão alegre e simpático.


- Faça o que preferir – respondeu, tentando parecer indiferente mas falhando, sua expressão imediatamente ficou suave e relaxou na cadeira que sentava.



Naquela noite o abraçou com força na escuridão, deixando que encostasse sua cabeça na dela, tentando confortá-lo silenciosamente. Algum tempo depois caíram no sono juntos.



- Tchau – murmurou carinhosamente enquanto fechava a porta do quarto.


Seria mais um longo e interminável dia longe dele... Mas a vida não era só diversão e irresponsabilidade... Talvez a de Draco fosse assim, porém a dela nunca seria. Queria mais do que ser a secretária de Quim Shacklebolt. A Ordem havia aflorado seu lado “heróico”, por assim dizer. Precisava sentir que estava fazendo uma diferença no mundo, algo que fosse importante.


Era por aquela razão que pretendia voltar a treinar para ser uma Auror. Infelizmente, demoraria ainda um tempo considerável para juntar dinheiro suficiente para bancar a Academia, principalmente com o salário de secretária. O cargo continuava o mesmo mas para consegui-lo de novo teve que passar por muito mais burocracia, devido a todas as acusações de crimes que cometera.


Inocência perante a lei e ao Ministério não era o bastante para o resto do mundo. Muitos ainda duvidavam das intenções dos ex-membros da Ordem e Gina, depois de várias tentativas em diferentes lugares, não teve escolha a não ser pedir mais uma vez um favor a Quim para que lhe desse seu antigo emprego. Ele também não estava totalmente livre de pressões dentro do Ministério e só depois de muita insistência e argumentos com Adrian Pucey conseguiu contratá-la outra vez.


Aparatou para sua casa e entrou pela porta da cozinha, tomando cuidado para não fazer nenhum barulho e acordar alguém. Passava das cinco horas da manhã e em breve seus pais estariam tomando café e se preparando para o novo dia, sem ter idéia de onde Gina ia depois do trabalho.


Antes de Quim a contratar era muito mais simples criar desculpas para sair de casa sem dizer para onde estava indo. Todos presumiam que estava procurando trabalho o dia todo e, moça obstinada que era, voltava apenas quando suas forças não suportavam mais a busca. Era verdade que procurou emprego durante aqueles dois meses todos os dias, mas o tempo que dedicava a procura era muito menor do que imaginavam. Passava a tarde toda na mansão Malfoy, e um pouco da noite também.


No entanto, agora que tinha que aparecer no Ministério e ficar lá o dia todo seus pais já não viam razão para não voltar para casa assim que o horário de trabalho terminava. E não podia usar a desculpa de estar fazendo hora extra porque Quim era amigo de seu pai e sua mãe provavelmente o mandaria reclamar com Shacklebolt para não dar tantas tarefas para a pobre Gina. Só sobrava a omissão. Dizia que tinha coisas para resolver e não elaborava mais que aquilo. Por enquanto estava funcionando.



Não queria manter o segredo para sempre. Sua família era sua vida e sentia-se péssima em esconder algo tão importante assim. Mas não era o momento para contar, ainda era cedo. Quem sabe por quanto tempo ficariam juntos? Poderiam se separar a qualquer momento e não valeria a pena criar um drama na família por algo que não durasse.


Claro que aquele argumento era apenas uma desculpa. Na verdade não estavam preparados para encarar a realidade. Nenhum deles queria estragar o que estava dando tão certo.


Enquanto que o que a impulsionava a não contar para sua família era a preocupação com suas reações, já para Draco definitivamente não era porque se importava a família dela. Draco se importava mais com uma poça de lama do que com o que os Weasley achavam ou poderia achar dele. Na realidade o que o incomodava era a possibilidade de perder Gina para eles. Ou pelo menos era a impressão que passava. Com Draco às vezes era difícil de se ter certeza.


Independente das razões, até que não fosse mais sustentável manteriam aquele paraíso intocado e... Secreto.


Começou a preparar o café da manhã, balançando sua varinha para que os pratos se alinhassem na mesa e decidiu fazer algumas panquecas. Era seu pequeno modo de compensar pelas coisas que não contava aos seus pais. Tentava agradá-los sempre que podia, fingindo que não era por culpa quando sabia muito bem que era.


Não poderia agüentar aquela situação por muito mais tempo, precisava dividir o que sentia com sua família. Ou pelo menos com alguém próximo. O peso do segredo era grande demais. Há muito tempo que não tinha com quem conversar sobre o que passava em sua vida.


Por mais que os dois estivessem mantendo o mesmo segredo não era a mesma coisa falar com Draco sobre problemas quando aqueles eram relacionados diretamente a ele. Draco não era do tipo de apenas ouvir e não responder. Se Gina contasse o que sentia acharia que estava pensando em revelar o namoro para os Weasley, o que seria razão bastante para que discutisse com ela. O assunto era delicado ainda para ele porque acabava sempre retornando ao fato que enquanto ela tinha uma família com quem se preocupar, Draco tinha perdido a sua.



Então lhe restava guardar a culpa sozinha. Poderia ter confidenciado com Hermione mas justamente por ser quem era Gina mal conseguia olhá-la diretamente nos olhos, ainda mais confessar o que sentia por Draco. Não que precisasse contar, a amiga era inteligente demais para não juntar um mais um e descobrir a razão de Gina ter rompido com Harry. Na época todos se perguntaram o que tinha acontecido de errado. Mas ninguém, a não ser Hermione, cogitou a possibilidade de ser algo relacionado a Draco.


Quando se encontravam, na maioria das vezes durante preparativos para o casamento dela e de Rony, Hermione sempre olhava Gina com um ar de suspeita. Não havia como ter certeza, claro... Mas quando colocava alguma coisa na cabeça Hermione tinha que descobrir a solução para o mistério. Se por ventura ficassem à sós por alguns minutos que fosse já abria a boca para questioná-la e Gina mudava de assunto o mais rápido possível. Algo lhe dizia que Hermione não lhe ofereceria conforto, apenas reprovação.


Mas quem faria diferente? Em todos que pensava a reação era sempre negativa. Tentou várias vezes acreditar que poderiam compreender sua escolha mas cada dia que passava ficava mais difícil se convencer.


Ouviu os passos cuidadosos de sua mãe descerem as escadas enquanto terminava de colocar suco de abóbora nos três copos que estava na mesa.


- Bom dia querida – sorriu a mãe, seu tom um pouco preocupado. – Acordada tão cedo?


- Não quero chegar atrasada no Ministério. Fiz o café, espero que goste.



- Sei que tudo deve estar maravilhoso... Você é um anjo, querida, mas não precisava.


- Já estava de pé mesmo.


Sua mãe imediatamente tomou conta da cozinha, fazendo os utensílios domésticos sujos se lavarem sozinhos com um balanço de sua varinha.


- Sente-se, sente-se. Deixe que eu cuido do resto... Seu pai vai descer daqui a pouco.


Sabendo que seria inútil discutir, obedeceu, começando a tomar seu café. Não demoraria muito para que a infame pergunta fosse feita por sua mãe. Faria antes que seu pai se juntasse às duas, ele era contra a interferir na vida dos filhos contanto que estivessem felizes e saudáveis, para a frustração de sua esposa.


- Sabe, fiquei esperando você até onze da noite, querida. Se não fosse seu pai acho que teria passado a noite toda preocupada! Não é bom chegar tão tarde... Principalmente quando você é a primeira a acordar todo o dia! Precisa dormir ou então vai ficar doente. Está tudo bem, querida?


- Estou ótima... Nunca estive melhor, na verdade.


- Que horas chegou ontem?


- Não muito depois de você ir dormir, mãe – seu tom era um pouco mais cansado, pedia a Merlin que o assunto morresse.



- Que posso fazer se me preocupo? Já é difícil imaginar o que os meninos aprontam sem ter uma dor de cabeça! Mas o que mais me assusta é que Rony chega mais cedo que você, querida.


- Mãe...


- E você nunca chegava tão tarde em casa!


Sua mãe continuou insistindo no assunto até que finalmente seu pai desceu para o café. Quando enfim partiu para o Ministério Gina estava com um humor muito menos amigável.



Draco se espreguiçou devagar, sem pressa alguma de levantar da cama. Não sabia que horas eram, pois as cortinas continuavam fechadas e Groger estava proibido de acordá-lo, mas não fazia diferença alguma. Podia acordar a hora que bem entendesse e tinha tomado gosto por dormir até que acordasse sozinho. Quem imaginaria o quanto algumas horas bem dormidas fariam tanta diferença em sua disposição e humor.


Sentando-se na cama, chamou Groger, que trouxe seu café da manhã. Comeu devagar, apreciando cada mordida e gole. Estava de muito bom humor e aproveitou a refeição com gosto.


Era quase inacreditável o quanto sua vida estava indo perfeitamente bem. Apesar de tanto tempo e acontecimentos ruins mesmo assim parecia que ainda tinha uma chance de ter felicidade. Se pudesse parar o tempo definitivamente não perderia a oportunidade porque sabia que nada tão bom duraria para sempre. Apesar do seu direito como Malfoy de ter tudo que quisesse forças invisíveis não queriam cooperar para ajudá-lo a garanti-lo.



Não era à toa que toda vez que sequer Gina mencionasse o assunto dos Weasley sua testa franzia e os olhos demonstravam perigo. Qualquer besteira da parte dela e aquele paraíso seria destruído em poucos dias. Se ele tivesse que esconder algo de sua família, não teria problemas morais ou preocupações com peso na consciência. Mas ela não tinha forças para quebrar das garras tiranas dos Weasley não-ricos e sem capacidade mental de entender o que se passava entre os dois.


E o trabalho idiota que arranjara (uma mera secretária! Era ultrajante... Ela merecia muito mais) apenas atrapalharia ainda mais. Antes Gina passava praticamente o dia todo na mansão. Havia sido o melhor mês de sua vida... E felizmente não precisava admitir para ela porque Gina sabia sem que fosse necessário dizer as palavras. O que poupava o orgulho de Draco. Ou o medo de admitir fraqueza.


Agora que teimara trabalhar... Só se viam à noite, e não era suficiente.


Draco era paranóico, não precisava ser um gênio para perceber tal coisa. Em sua mente se formava todo o tipo de cenário diferente onde, na maioria, Gina se distanciava cada vez mais dele e, por fim... Decidia que não haveria como fazer parte de sua vida. Ela poderia fazer amizades naquele emprego estúpido, começar a sair com pessoas patéticas com ambição do tamanho de uma noz, que colocariam idéias estúpidas na cabeça dela. Poderia esbarrar em Potter no Ministério e o idiota tentar conquistá-la novamente.


Cicatriz podia sair com ela em público, levá-la a restaurantes, assistir partidas de Quadribol juntos e todas aquelas coisas babacas e sentimentais que Gina provavelmente gostava mas não queria admitir para Draco porque sabia sua opinião sobre revelar o segredo para o resto do mundo. E o pior... Quem sabe o que ela faria em nome de manter secreto o relacionamento dos dois? Capaz de até aceitar sair com Potter, apenas para não levantar suspeitas!



Era o que ele faria se tivesse na mesma situação.


“Terei que torcer, então, que ela não seja tão canalha quanto eu”, pensou, terminando de mastigar a torta de abóbora, esmagada por seus dentes furiosamente. “E se ela for... Me vingarei em dobro, a ponto de convidar Pansy para fazer uma visitinha na mansão.”


Quanto mais tempo passavam distantes mais chances de ela mudar de idéia e repensar sua decisão estúpida de confiar nele.


Era uma faca de dois gumes não revelar para o resto do mundo. Tantas vezes quis jogar tudo para o alto e xingar todos, não dando a mínima para a opinião de ninguém, já que não havia mesmo quem se importasse para contestá-lo. Mas sabia que o tipo de pessoas os Weasley eram cheios de idéias estúpidas sobre o certo e o errado... E também não lhe escapava o quão aquelas idéias eram importantes para Gina. Se descobrissem estragariam tudo. Afastariam-na dele, os malditos, enchendo seus ouvidos com todas suas ações do passado... Ações das quais não se arrependia totalmente e que ela gostaria que fosse o caso.


Em Azkaban seus mais íntimos medos e fraquezas ficaram expostos para Gina, conhecia seu passado, mas não o condenava... Mas até quando? Se fosse forçada a escolher entre os Weasley com seus ideais tão nobres e Draco. Ele não seria sua escolha. Era arriscado, estúpido e talvez não valesse a pena perder a família toda por uma pessoa com um passado que nem o dele.


E, além disso, sabia que caso se visse na mesma situação os Malfoy ganhariam. Portanto, apesar da paranóia criada pelo distanciamento, preferia o segredo a perder tudo. Obviamente também tinha um plano formado em sua cabeça há algum tempo para que pudesse vê-la mais.


“Toujours pour” que nada... Seu lema era “Sempre esteja preparado.”



Draco teria o que quisesse. E queria Gina dia e noite com ele para sempre.


Assim que o pensamento passou por sua mente imediatamente parou de comer a torta, colocando o garfo de volta no prato e arregalou os olhos, quase virando o rosto de um lado para o outro como se temesse que alguém tivesse notado o que havia pensado.


Irritado, sentiu as bochechas se esquentarem um pouco.


Não tinha realmente considerado o que “para sempre” significava... Mas era apenas uma força de expressão... Nada mais.


Teimosamente voltou a pegar o garfo e cortar o restante da torta, destruindo a leve camada caramelisada e espalhando abóbora pelo prato. Estava sendo ridículo ao ficar nervoso com duas simples palavras que não significavam nada de importante.


Estavam se divertindo apenas... Longe de ser algo tão sério a ponto de...


Enfiou a última garfada de abóbora e engoliu, sentindo o pedaço deslizar irritantemente por sua garganta. Odiava aquele sentimento confuso que tomava conta cada vez mais desde que Gina batera na sua porta pedindo abrigo. Não era relacionado a o que sentia por ela mais ao futuro.


Gina havia perguntado a ele, naquele dia no corredor do Ministério, se ainda estaria apaixonado por ela depois de um mês, um ano... Uma década. A facilidade com que respondeu que “sim” o assustou quando pensou melhor no assunto, depois que já estava segura em seus braços. Muitas vezes quando Gina estava longe se perguntava o que aconteceria caso, de repente, o rumo das coisas se tornasse desfavorável.


Groger, em uma das raras vezes que sua presença era bem-vinda, apareceu no quarto para retirar o café, fazendo barulho suficiente para tirar Draco de seus pensamentos inaceitáveis. Afinal, o que tinha acontecido com seu bom humor?



- Vou ficar fora praticamente o dia todo, Groger. Quando voltar quero a casa impecável – informou enquanto levantava da cama e caminhava para o banheiro.


Como de costume o elfo foi embora com uma reverência, ultimamente cada vez menor. Draco suspeitava que a presença constante de Gina não estava agradando a criatura corcunda por alguma razão que não podia imaginar e nem pretendia descobrir. Existiam assuntos muito mais importantes para se preocupar do que com a estupidez de Groger.


Trocou-se rapidamente, pois agora tinha outros motivos para se apressar, em seguida foi até seu escritório para olhar brevemente a correspondência para ter certeza de que não havia nenhum assunto urgente que necessitasse de sua atenção imediata e por fim usou a lareira da sala de visitas para chegar até St. Mungos.


Suas visitas no hospital era freqüentes o bastante para que a recepcionista gorda que cheirava a conhaque barato soubesse exatamente quem ele era e o que fazia lá, para o horror de Draco. Aproximou-se do balcão lentamente, nada ansioso para começar outra conversa estúpida com a mulher. Infelizmente, não importava quantas vezes já viera, toda vez tinha que informar o paciente que visitaria e aquilo significava ser forçado a se aproximar da baleia oleosa.


Tentara até mesmo subornar a administração do hospital para que lhe dessem um passe livre naquele antro de doentes mas os idiotas pensaram, ou fingiram pensar, que o dinheiro era uma doação espontânea e vinda do bom coração dele, sem interesse algum por trás. A partir de então teria mais cuidado com bruxos que se faziam caridosos e suas organizações filantrópicas de fachada.


- Alô queridinho! Veio visitar a mamãe de novo? – a voz fina e supostamente “doce” da mulher começou ao vê-lo chegar perto. – O tratamento vai bem, espero?


- Me autorize logo – cortou grossamente. – Quarto 101.


- Sabia que é considerado um número de sorte, o 101? A maioria dos pacientes que ficaram nesse quarto melhorou. Não perca a fé, querido – sorriu mostrando seus dentes postiços e esverdeados.


- Verdade? Engraçado... Todo medi-bruxo com quem falei repetiu a mesma ladainha de sempre: que minha mãe não tem chances de melhorar. Que nenhum tratamento fará efeito, a não ser talvez para fazê-la piscar mais vezes ao dia. Mas obrigado assim mesmo, queridinha. Sua informação completamente inútil e estúpida fez meu dia. Agora posso voltar a distribuir doces para órfãos e dançar a dança do elfo burro. Poupe-me das suas idiotices e limite-se a fazer seu trabalho.



A cara da mulher foi inesquecível. Sua boca com batom borrado se abriu como se fosse a de um peixe morto, os olhos se arregalaram e suas bochechas gordas ficaram rubras de vergonha. A outra recepcionista, uma baixinha de óculos quadrados e chapéu pontudo, o encarou com expressão furiosa... Draco apenas sorriu com superioridade para a velha, sem se afetar por nenhuma das reações.


Segundos depois a gorda abaixou o rosto para seu livro gigante onde marcavam os visitantes e anotou seu nome rapidamente. “Finalmente eficiência”, revirou os olhos Draco.


- O senhor está autorizado, Sr. Malfoy – disse sem olhar para ele. – Pode ir.


Agradecendo a Merlin pelo fato que nunca mais teria que agüentar a conversa fiada da recepcionista enfadonha, seguiu pelos corredores sem dar licença a ninguém e chegou até o quarto de sua mãe.


Há algum tempo conseguiu dominar suas ansiedades e agora já não hesitava em entrar para apenas encontrá-la estática e praticamente sem vida. Ainda era doloroso mas começava a se conformar com a realidade. Trocou as rosas murchas no vaso ao lado da cama por um buquê novo e sentou-se ao lado dela.


Por mais que a visitasse no mínimo duas vezes por semana continuava sendo difícil descobrir exatamente a razão para manter aquela rotina. Se não fosse por Gina provavelmente se consideraria mais patético ainda.



Beijou seu pescoço mais uma vez, a mão passando por sua cintura e subindo rapidamente conforme intensificava o beijo. Sentia os dedos dela passando por seus cabelos e o convidando a continuar.


Sem que percebesse moviam-se cada vez mais para a beirada do sofá, ocupados demais para pensar na queda que estava prestes a acontecer. Quando Gina o puxou para mais perto, acabou levando ambos para o chão, Draco caindo em cima dela e sua cabeça batendo contra o tapete da sala de visitas.



- Ai – reclamou da dor. – Draco... Estamos no chão.


Mas para ele não fazia diferença alguma e continuou descendo seus beijos e subindo suas mãos, com toda intenção do mundo de primeiro tirar a blusa dela e só então pensar onde estava.


- Draco... Sabe, o chão é duro... E você é pesado – riu, achando a insistência dele ao mesmo tempo engraçada e lisonjeira.


No entanto, quando a palavra “pesado” foi pronunciada imediatamente Draco parou também.


- Como assim, pesado? – perguntou indignado.


- O chão duro, lembra? – repetiu, tentando mostrar que aquela era a verdadeira razão para a reclamação.


Irritado, levantou do chão e ficou de pé rapidamente.


- Que seja... Vamos para meu quarto então.


- Tão romântico – riu Gina, também ficando de pé e olhando para o relógio antigo encostado à parede. – Na verdade, preciso ir... Amanhã de tarde volto e aí podemos continuar em um lugar mais macio.



- Não.


- Draco, tenho que ir... É tarde, Hermione combinou outra reunião para os preparativos do casamento e...


- Não é nada disso. Amanhã de tarde vou estar ocupado.


- Ah... Ocupado com o quê, exatamente? - levantou as sobrancelhas, seu tom incrédulo.


- Está insinuando que eu sou um desocupado?


- Não – sorriu. – Estou curiosa, só isso.


Fazia apenas uma semana que estavam juntos e como agora começavam a passar mais e mais tempo juntos era inevitável que sua rotina fosse percebida por Gina. Quando estava apenas se escondendo lá não era da sua conta o que Draco fazia ou não... Porém a situação havia mudado e o interesse de Gina só aumentaria com o tempo.


- Vou visitar minha mãe em St. Mungos.


Ela não conseguiu esconder sua surpresa e a reação o deixou irritado. Por que era algo tão estranho que fosse ver sua mãe?



- Não sabia...


- Agora sabe.


- Mas... Por quê?


- Por quê? Que pergunta idiota é essa? Ela é minha mãe!


- Não foi o que quis dizer... É que... Achei que ela estava...


- Um vegetal – cuspiu as palavras com ódio. – Não fala, não se mexe... Nada. Pode parecer imbecil para você que eu vá ver ela assim mesmo, mas... Na verdade, eu nem sei porque vou... É inútil.


Sem querer, soltou um suspirou, virando o rosto para a lareira tentando buscar um foco que não fosse os olhos de Gina. De repente sentiu uma das mãos dela gentilmente segurar a dele e com aquilo, voltou a fitá-la.


- Não é inútil. Não é imbecil – sorriu. – Você está junto com ela e sei sua mãe sente sua presença de algum modo. Talvez isso lhe dê forças para melhorar.


- Não deu até agora.



- Mas vai... Algum dia.


Antes mesmo que percebesse o que fazia, abriu sua boca e confessou algo inesperado não só para ela mas para o próprio Draco:


- Odeio ir até lá sozinho. Falar com o nada... Fingir que ela escuta. Me apegar a esperanças idiotas.


- Não são esperanças idiotas. E eu gostaria de poder ir com você. Narcissa Malfoy me assusta um pouco ainda – riu fracamente. – Mas queria muito que não precisasse passar por isso sozinho. Então... Imagine que estou do seu lado quando for amanhã?


Claro que nunca faria algo tão infantil como imaginar que Gina estava no quarto de hospital, mas o conforto de que ela queria estar junto com ele lá já era uma grande ajuda.



Estava fitando a janela do quarto por dez minutos, sentado na cadeira ao lado da cama de sua mãe e tinha a mão em cima da fria dela, quando sentiu que era o momento de ir embora. Em uma hora seria o horário de almoço de Gina e a perfeita oportunidade para colocar seu plano em ação.


Despediu-se da mãe com um beijo suave em seu rosto, algo que nunca teria coragem de fazer se ela estivesse consciente, e fez o caminho de volta até a recepção do hospital. Porém ao invés de voltar para a mansão por Flu aparatou no hall principal do Ministério. Olhando para seu relógio de pulso viu que o ponteiro de Gina indicava “No trabalho” (que ficava ao lado de “Te traindo”) e seguiu até o escritório de Adrian Pucey, já que ainda não chegara o momento certo para visitá-la.



Se Gina descobrisse que tinha enfeitiçado seu relógio para ficar de olho nela provavelmente quebraria o objeto jogando contra a testa dele, mas Draco era cuidadoso demais para que seu pequeno capricho caísse em mãos erradas.


Enquanto o ponteiro não indicasse “Almoçando” teria que se ocupar com outra coisa e nada melhor do que praticar suas habilidades em intimidar políticos fracos. A cada oportunidade amedrontava ainda mais Pucey, o que produzia resultados vantajosos para sua conta bancária em Grigotes. Não que fizesse chantagem ou algo parecido... Apenas tinha uma conversa com Pucey sobre, não sei... Talvez as taxas de importações de tapetes voadores? Eram tão elevadas... Como um administrador de negócios honesto como Draco poderia sobreviver com impostos tão altos?


Seu sorriso de satisfação foi confundido como um de simpatia pela secretária assustada de Pucey que, como o Ministro fajuto, morria de medo de Draco. Tolamente acreditando que hoje ele estava de bom humor com criaturas idiotas que nem ela, a moça abriu um pequeno sorriso do que achava ser um gesto de retribuição e, para completar o insulto, resolveu abrir a boca para conversar.


O que tinha hoje com ele? Imã para mulheres de cérebro de passarinho?


- Sr. Malfoy... Quanto tempo – disse quase tossindo as palavras de tanto medo. – G-Gostaria de ver o Ministro agora?


- Não, só resolvi dar uma passadinha para perguntar como foi seu dia até agora – respondeu sarcástico. – Claro quero vê-lo! Vocês são treinadas para agirem que nem idiotas? Ou já nascem assim!


- Será que um dia você parar de insultar as pessoas e aprender um pouco de educação, Malfoy?


Virou para o assento onde as pessoas esperavam pela vez entrarem no escritório e percebeu que cometera a falha de, ao entrar na sala, não verificar quem já estava lá. Sentado com uma expressão séria de carranca estava seu eterno antagonista: Potter. O que o mala queria com Pucey?


- Tentando suplicar por um trabalho, Potter? Quem sabe o emprego dessa inútil aqui? Atender Flu o dia todo e redigir cartas é exatamente o que seu ego ridículo precisa.



Potter parou de ler a revista “Goles Velozes” e levantou a cabeça apenas o suficiente para que Draco pudesse ver o sorrisinho imbecil que tinha estampado no rosto de mendigo de cabelos sujos.


- Na verdade já tenho um emprego. Mas obrigado pela oferta.


- Você? Ex-prisioneiro do mês de Azkaban arranjou um emprego tão rápido? Claro... Tinha que ser o Santo Potter. Consegue tudo fácil. Todos caem aos seus pés... Nojento.


- Acho que você esquece, Malfoy, quem destruiu Voldemort aqui. Quem ganhou cada partida de Quadribol possível contra você... Quem não precisou do pai para entrar no time. Ah, e quem não fugiu como um rato no primeiro sinal de perigo.


Seu sangue ferveu mas não deixou que raiva pudesse percebida, manteve a expressão indiferente porque daquela vez... Daquela vez tinha algo que Potty perdera e que agora lhe pertencia. Como gostaria de jogar na cara daquele remelento que Gina estava com ele! Com certeza deixaria Potty a ponto do suicídio. Depois de anos perdendo para aquela vareta ambulante o vencera naquilo que mais importava.


A porta da sala de Pucey se abriu e o gago arregalou os olhos ao encontrar Draco Malfoy e Harry Potter no mesmo lugar quase a um passo de retirarem suas varinhas e duelarem lá mesmo. Mas o pior era que ambos queriam ver o Ministro imediatamente e nenhum aceitaria ser deixado para trás em favor do inimigo.



Percebendo a dúvida do Ministro, Draco lhe lançou um olhar perigoso, indicado que não toleraria Potter passando em sua frente. O resultado foi imediato: Pucey engoliu seco e foi para trás, batendo a porta atrás de si apressadamente.


Segundos depois a secretária, quase escondida debaixo da mesa, revelou a escolha de Adrian.


- O Ministro vai vê-lo agora Sr. Malfoy.


Abrindo um sorriso de triunfo, olhando com desdém na direção de Potter, deu-lhe às costas e entrou na sala... Sentindo a raiva emanando de Potty mesmo de longe.


Pequenas vinganças como aquela precisavam se repetir com mais freqüência... Era divertido demais para acontecer tão pouco.



Gina bateu na cabeça de plástico do cachorrinho e observou o movimento, entediada.


Para cima... E para baixo. Vai e volta... Mas que brinquedo trouxa sem sentido. Para que servia além de ficar em cima da mesa de funcionários públicos que não tinham mais o que fazer a não ser bater com o dedo indicador em sua cabecinha plastificada?


Passou a manhã toda tentando se lembrar que era todo aquele esforço valia a pena pelo seu treinamento. Mesmo as milhares de cópias de formulários vermelhos que tinha que fazer... A organização de arquivos em ordem alfabética e de gravidade de todos os crimes já cometidos por bruxos das trevas na história daquele departamento. Sem falar nas dezenas de versões da mesma carta que Quim precisava fazer antes de chegar à conclusão óbvia que a primeira versão era melhor.



Difícil acreditar como tinha agüentado aquele cargo por tanto tempo. Claro que antes sempre havia uma captura a fazer, um Comensal para procurar e o tédio de seu trabalho no Departamento não incomodava.


Além de olhar para o relógio na parede acima de seu cubículo e bater na cabeça do cachorrinho de plástico Gina se distraía pensando em Draco. Relembrando momentos que passaram juntos ou mesmo imaginando o que aconteceria naquela noite (se sua mãe descobrisse o que passava na cabeça da filha ficaria extremamente chocada. Já seus irmãos matariam Draco só com olhares de tanto ódio).


Também não lhe escapavam pensamentos mais românticos... Que surgiam apenas porque havia ainda parte dela que não deixara de sonhar com príncipes em corcéis brancos. Infelizmente o príncipe continuava com o rosto de Harry. Draco estava mais para o dragão cruel que capturava a princesa do que para o típico herói de conto de fadas. Portanto mesmo que imaginasse Draco e ela sentados em uma praia deserta vendo o sol se pôr ou até algo mais simples como uma tarde de sábado fazendo compras no Beco Diagonal sabia que as chances de tais coisas acontecerem eram pequenas, senão nulas. Segredo ou não.


Lógico que não a impedia de imaginar de qualquer jeito. E na verdade tinha lembranças de momentos reais o suficiente para se distrair. Havia se divertido muito naqueles dois meses, muito mais que com qualquer outro “namorado” que teve, mesmo Harry. E em nenhum momento os sentimentos de Draco pareceram diminuir ou mudar de repente, algo que continuava a ser seu maior medo naquele relacionamento.


Problemas externos, como família, por mais complicados que fossem não fariam diferença se os próprios envolvidos não estivessem comprometidos a fazer aquilo dar certo.


- Pode dar uma olhadinha nesse relatório para mim Gina? Antes que você saia para o almoço – pediu sua vizinha de cubículo Lisa Turpin, que nem sequer esperou resposta para entregar o papel. – Obrigada!


Escondendo o mau humor, abriu um sorriso simpático e pegou o relatório “oferecido” por Lisa. Faltavam cinco minutos para o almoço e ela vinha com aquilo? Tentando não furar o papel com seus olhos fulminantes, leu as vinte páginas rapidamente, nem se importando com o que estava escrito. Seu estômago exigia rapidez, estava com muita fome.



Quando finalmente terminou o departamento estava vazio, até mesmo Quim saíra para almoçar, provavelmente n'O Caldeirão Furado. Olhou para o relógio e viu que tinha perdido quinze minutos da preciosa hora de folga.


Enquanto olhava para cima distraída, duas mãos cobriram seus olhos e sentiu o cheiro familiar de mortadela. Sorriu por um segundo, já adivinhando quem era... Mas logo que percebeu onde estava retirou as mãos de Draco e virou para ele.


- Draco que você está fazendo aqui? – murmurou preocupada, olhando para a porta que dava para o corredor. – Sai de perto, antes que alguém veja!


- É assim que me recebe? Faço uma surpresa e você me expulsa? – retrucou, indignado.


- Estamos no Ministério! Sabe quantas pessoas trabalham aqui e podem nos ver juntos?


- Não vejo ninguém aqui.



- Estão almoçando mas vão voltar e...


- Segundo aquele relógio ali – apontou. – Temos ainda quarenta minutos mais ou menos à sós.


- E se alguém passar pelo corredor e ver...


Draco tirou sua varinha do bolso e apontou para a porta do Departamento, que fechou com um estrondo.


- Como fez isso? Nem mesmo os funcionários conseguem trancar a porta... Tem feitiços contra isso.


- Digamos que o Ministro é “amigo” meu.


- Você contou alguma coisa para o Ministro? – arregalou os olhos.


- Gina... Coopere comigo aqui, certo? Olhe, trouxe oferendas de paz – deu um sorrisinho de desdém, colocando sanduíches de mortadela em cima da mesa dela, espalhando farelo na papelada.


Se seus olhos pudessem ficar mais arregalados ainda, teriam ficado. Abriu um pouco a boca, não acreditando no que acabara de ouvir. Teria entendido errado?



- E são de mortadela, como você gosta tanto... Tem gosto de cera, não sei como suporta esse lixo – parou de falar, encarando-a confuso com sua surpresa. – Que foi?


- Você... Draco... Você me chamou de Gina.


- Ahn?


- Gina... Me chamou de Gina!


- Não, não chamei. Não seja idiota.


- Chamou sim! – riu, de repente muito feliz com tudo aquilo. – Finalmente!


- Foi um erro... Não vai se repetir.


- Por quê? É tão bom ouvir sua voz falando meu nome.


- Potter te chama assim. Sua família id... Todos a chamam assim. O nome está contaminado... Agora coma logo para que possamos partir para a parte em que mando para longe todos esses papéis e jogo você em cima da mesa.



- Só se me chamar de Gina de novo – sorriu maquiavelicamente.


- Não!


- Então nada feito.


- Ah não... Nem pense que vai ganhar essa!


Antes mesmo que pudesse responder com outra provocação, Draco lhe beijou intensamente, parando qualquer discussão. Imediatamente seu corpo relaxou sabendo que era incapaz de resistir e segurou com os braços o pescoço dele, aproximando-o mais ainda.


Subitamente seu estômago roncou de fome, quebrando o clima em um instante. Afastaram-se e teve que agüentar o sorrisinho de vitória dele.


- Está bem, não precisa me chamar de Gina. Por enquanto. Agora me passe esse sanduíche – disse, pegando o maior que havia.


Draco encostou na parede que separava os cubículos, observando com um sorriso enquanto ela comia rapidamente o almoço que trouxera.


- Por que resolveu vir até aqui de uma hora para outra? – perguntou entre mordidas.



- Cansei de esperar até de noite. Já que você insiste em perder seu tempo nesse emprego tive que arranjar uma saída.


- Ah, que fofo – sorriu. – Você sente minha falta.


Draco bufou, empinando o nariz como sempre fazia quando não gostava do que ouvia. Gina riu de sua reação, adorava quando agia daquele jeito. Procurando encerrar o assunto, Draco fitou o departamento com um olhar crítico enquanto ela terminava o seu segundo sanduíche.


- Esse trabalho não é bom o bastante para você. Passar o dia inteiro num cubículo mínimo do lado de gentinha irritante? Por que se submete a essa bobagem?


- Não é bobagem – respondeu, séria. – Preciso ganhar dinheiro.


- Quanto você quer? Já te disse que te dou. Não precisa trabalhar.


Lá estavam novamente... A mesma insistência desde que Gina havia conseguido o emprego. Draco nunca entenderia. Sempre foi rico, jamais passara dificuldades financeiras e por isso simplesmente não tinha idéia de como Gina se sentia em relação a tudo aquilo. Era tão fácil para ele... Não precisava trabalhar, tudo que queira estava em suas mãos com apenas um estalo de dedos. Mas principalmente: jamais compreenderia o significava ganhar a vida sozinho. Trabalhar duro até finalmente conquistar o que merecia.



- Não quero seu dinheiro – retrucou um pouco irritada em voltar ao mesmo assunto. Antes o que era apenas provocação amigável começava a ser motivo para irritação. Ele podia demonstrar pelo menos um pouco de compreensão.


- Por quê? Por que é Malfoy?


- Não. Porque não fui eu quem ganhou. Prefiro conseguir meu dinheiro sozinha.


- Deixe de ser idiota. Está perdendo seu tempo. Principalmente seu tempo comigo – Draco tentava parecer indiferente mas estava começando a ficar difícil, não só para ele.


- Tenho que fazer alguma coisa da minha vida... Não posso simplesmente viver de ar! Passar todo meu tempo não fazendo nada de útil na sua casa!


- Nada de útil! Está comigo. Isso é mais do que útil. Quem disse que trabalhar é importante? Pra que perder sua vida inteira fazendo cópias de relatórios? No final não vai ganhar nada com isso. Essas coisas não importam.



- E o que importa então? – retrucou irritada.


- Nós dois. Você e eu é só o que importa.


Aquilo era sério... Ele estava falando sério. De repente a irritação desapareceu, dando lugar para um nervosismo irracional que acelerou os batimentos de seu coração e a fez sentir um frio agradável na barriga de ansiedade, como se estivesse prestes a receber o presente de Natal pelo qual esperou o ano todo.


- Eu... Não entendo. O que está querendo dizer?


Draco não respondeu, claramente também nervoso com o que acabara de dizer. Infelizmente interpretou as palavras dela erradamente.


- Se é tão importante para você... Então fique nesse emprego estúpido. Não faz diferença para mim. Até de noite.



Fingindo indiferença deu às costas para ela, abriu a porta do escritório com sua varinha, desaparecendo pelo corredor e não dando chance para que o chamasse de volta para se explicar. O que tinha acabado de acontecer?


Por um momento parecia que estava prestes a confessar que... Ou mesmo insinuando talvez que aquilo havia se tornado muito mais sério... Teria interpretado corretamente? Deu um longo suspiro e mordeu o último pedaço do sanduíche, sentindo-se confusa pelo resto do dia. Em apenas uma conversa ele foi capaz de chamá-la pela primeira vez por seu primeiro nome e fazer uma afirmação muito estranha.


“Só nós dois importa? E o que, em nome de Merlin, você quis dizer com isso Draco?”

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