A Aula e o Chá
A AULA E O CHÁ
- A senhorita gostaria de chá?
A pergunta era simples e, no entanto, demorou alguns segundos até que compreendesse totalmente o que queria dizer, quando o fez assentiu levemente com a cabeça, aceitando a xícara de porcelana com cuidado. O aroma do líquido e sua temperatura imediatamente a aqueceram.
Depois de uma tarde irresponsável (mas divertida) no frio fora da mansão o resultado provavelmente era o começo de uma gripe. Pela cara irritada de Draco sabia que a idéia de ficar doente não o agradava, o que Gina achou divertido. Imaginou como ele ficaria de nariz escorrendo, voz nasal, termômetro na boca, cabelos despenteados e reclamações sobre o número de travesseiros em baixo de sua cabeça. Era impossível não rir da imagem.
Estavam sentados na sala de estar, um oposto ao outro, o mais próximos da lareira que era humanamente possível sem se queimar. Enquanto ela se encontrava encolhida com um cobertor nas costas Draco mantinha seu ar de superioridade à coisas levianas como frio e recusara as ofertas de Groger para se aquecer, preferindo observar em silêncio as labaredas da lareira de pedra queimarem a madeira com cracks aconchegantes.
Tinham trocado poucas palavras desde que haviam entrado mas para Gina não fazia diferença, a barreira que antes estava entre ambos (ou melhor a barreira que Draco sozinho erguera entre eles) havia desaparecido. Sentia-se mais confortável e tomou seu chá com gosto.
Apesar de tentar manter a fachada fria Draco também parecia mais relaxado, sua postura mostrava aquilo claramente mas, no entanto, ainda estava longe de abrir um sorriso completo. Gina tomou nota mental de fazê-lo sorrir genuinamente uma vez antes de partir da mansão, só para irritá-lo, mostrando que era capaz.
A atmosfera quase a lembrou de tardes de dezembro n’A Toca quando era menor. Logo depois de uma guerra de neve com os gêmeos, Rony e ela sentavam na mesa da cozinha enquanto sua mãe cozinhava e tentavam adivinhar o que ganhariam de Natal. Quase sempre imaginavam vassouras de corrida, uma coruja nova, brinquedos caros e coisas que sabiam muito bem que nunca estariam debaixo da árvore, mas mesmo assim era divertido passar o tempo sonhando com o impossível. Depois sua mãe os dava várias guloseimas saindo do forno e Rony se enchia de doces até passar mal antes do jantar.
Claro que o momento atual não havia muito em comum com sua memória de infância mas fazia algum tempo desde que passara um dia como aquele. Depois da guerra, com sua dedicação beirando a obsessão em capturar Comensais e seus irmãos todos com suas próprias famílias e preocupações, era raro toda a família se reunir. Pelo menos tinha um gostinho daquele tempo mesmo na mansão Malfoy, o que era irônico, no mínimo.
Como seriam as memórias de Draco? Duvidava que Narcissa preparasse doces caseiros e que Lucius ensinasse Draco a jogar Quadribol em manhãs de Natal. A imagem daqueles dois fazendo algo carinhoso era ridícula... Então, que tradições os Malfoy tinham?
Olhou de relance para Draco, em dúvida se perguntava ou não sobre aquilo. Que reação teria? Ficaria irritado? Ignoraria? Gina algumas vezes acreditava que era capaz de prevê-lo melhor do que ninguém mas sabia que não era verdade, principalmente depois de Azkaban.
Voltou a encarar a lareira, como ele, e terminou seu chá sem saber o quanto seu silêncio estava incomodando o loiro do outro lado.
Tinha que se segurar para não demonstrar sua agitação, controlar suas mãos para que não passassem em sue cabelo, sua perna para que não balançasse e sua boca para que não bufasse. E tudo aquilo não era porque estava incomodado com Weasley ou irritado. Exatamente o oposto, queria falar com ela. Era estranho mas, como em Azkaban, queria ouvir sua voz.
Por Merlin, o que se passava com ele? Tinha bebido alguma coisa e se esqueceu?
E o pior era que não queria que Weasel percebesse e por isso fitava a lareira como se fosse algum totem religioso. Percebera que aquela coisa estava empoeirada e antiquada, teria que mandar construir uma nova, a atual o irritava.
Cada movimento de Weasley era notado com uma pitada deprimente de ansiedade para que ela falasse. O fato, realmente péssimo, era que simplesmente não sabia como iniciar uma conversa. Jamais lembrava de se encontrar na mesma situação, não importava com quem estava, fosse amigo ou inimigo, todas as vezes tinha algo falar.
Era como se sua nova perspectiva sobre a presença dela tivesse destruído sua habilidade em lidar com Weasel. Não eram mais exatamente inimigos ou desafetos mas ao mesmo tempo também não eram precisamente amigos. Se encontravam em um tipo de limbo do qual Draco não sabia como escapar e esperava que ela os tirasse de lá.
Talvez se a estúpida criatura chamada Groger não tivesse sido tão estupidamente cordial oferecendo chá Weasley teria sido forçada a falar alguma coisa para não deixar a situação inconfortável, mas agora sua boca quebrada pelo frio estava ocupada com uma xícara ao invés de falar com ele.
Durante sua longa observação mal-humorada da lareira várias tentativas de iniciar uma conversa passaram por sua cabeça mas todas pareciam idiotas e recusava rebaixar-se ao ponto de usar frases como “o chá está bom?” ou “que dia frio”... Patético.
Mas então devagar a situação mudou e cada vez mais vezes Weasley olhava para sua direção com aquela cara de quem está se segurando para perguntar algo e finalmente Draco teve sua oportunidade para iniciar uma conversa e deixar para trás aquele silêncio péssimo.
- O que foi? – perguntou, arqueando as sobrancelhas mas tentando manter o tom convidativo.
- Nada... Só pensando – desviou, tomando outro gole de chá, a maldita xícara parecia que nunca esvaziaria! – E não, não está doendo. É seguro para você tentar algum dia.
- Obrigado por aliviar minhas dúvidas – respondeu, sarcástico. – Agora que tal você expor as suas? Pela sua cara de fofoqueira você quer perguntar algo.
- Você está me incentivando? – sorriu, divertindo-se as suas custas. – Sério?
- Tem alguma outra coisa para fazer? Distraía-me com suas bobagens.
Sorrindo, colocou sua xícara na mesa de centro e esfregou uma mão na outra em um sinal de suas intenções maquiavélicas.
- Por onde começar? Hmm... Tanta coisa que quero saber... – colocou o dedo no queixo, fingindo estar pensativa. – Que tal... O que você fez durante minhas “férias”?
- Achei que era óbvio. Note que eu reformei a mansão e se você olhar bem atentamente eu prometo que vai notar a ausência de buracos e peças da mobília cor preto-queimado.
- Fora disso. Você deve ter feito outras coisas.
- Aproveitei minha liberdade no conforto da minha casa.
O que era verdade. No entanto não foi só aquilo que fez. Durante o mês inteiro planejou sua volta ao cenário político bruxo, já que a idéia de ficar sozinho na mansão com lembranças a cada corredor não lhe era agradável. Pesquisou sobre eventos que ocorreram durante sua ausência de quase três anos, procurando saber qualquer coisa que lhe ajudasse. Juntou informações sobre seus antigos colegas, onde estavam, o que faziam e se eram úteis para ele.
E durante esse tempo formou seu plano. Não seria fácil de concretizá-lo, era demorado e requeria a paciência que quando era mais jovem não tinha. Mas aprendera suas lições, por mais duras que fossem, e estava preparado para voltar ao poder, não importasse como.
A conversa o lembrou de algo muito preocupante: o baile. Em uma semana a mansão estaria lotada de membros da alta sociedade, pessoas influentes, famílias tradicionalistas... E uma Weasley. Onde esconderia sua hóspede fugitiva e ainda por cima ligada a Potter e tudo que seus convidados não aprovavam? Mas, mais preocupante ainda, como faria isso sem afastá-la? Nem queria imaginar o quanto sua imagem sofreria se sua ligação com Weasley fosse descoberta. Seu plano inteiro se desmantelaria e sua única chance de salvar a influência e tradição de suas famílias seria destruída.
- Draco?
Sua voz levemente preocupada lhe tirou de seus pensamentos e voltou a encará-la, a vontade de conversar com ela quase desaparecendo por completo. Havia muito risco ali, estava em terreno perigoso.
- Você... Por acaso, você não ouve alguma voz ainda, ouve?
A menção de seus dias torturantes na cela da prisão, surpreendentemente, não trouxe o desconforto que em um primeiro momento achava que guardaria consigo para sempre. Mesmo sendo estranho Azkaban lembrava mais o gosto de mortadela do que as vozes que o assombravam na cela gelada e sem vida que habitou por tanto tempo.
- Não. E como...
- Imaginei que essa era razão de você falar sozinho.
Quem pensaria que Gina Weasley soubesse tanto de seus problemas? Jamais tivera alguém tão próximo, que soubesse tantos segredos e informações sobre ele (porém ao mesmo tempo mal uma conhecida). Mesmo seu pai e sua mãe sabendo bem suas manias, qualidades e defeitos, nunca invadiram tanto seu pessoal. E sem falar que seu pai morrera e sua mãe nunca mais seria a mesma.
- Você está fazendo de novo.
- Fazendo de novo, o quê?
- Olhando para a lareira e pensando. O que tanto passa na sua cabeça?
As palavras “Não te interessa” estavam prestes a sair da sua boca quando Weasley imitou sua voz zombando:
- “Não te interessa, Weasel”. Acertei?
- Não – revirou os olhos, irritado, o que rendeu uma risada dela.
- É melhor atualizar sua lista de respostas venenosas, já estou decorando todas.
- Ajudaria se você não fizesse perguntas cretinas.
- Toda pergunta que faço você acha cretina. O que estaria mais do teu agrado, ó grande Draco Malfoy?
- Perguntas inteligentes seria um bom começo. Você sempre pergunta coisas óbvias... É frustrante. “Como está o braço? Essa queimadura grande e feia não dói, dói? Sua tia é louca? Azkaban é uma delícia?”
- E você faz melhor? Seu repertório consiste em: “Potty”, “Weasel”, “Sonserina manda” e “Eu sou lindo”. Parece um papagaio loiro. O pior é Weasel! Não sei se você percebe mas a ofensa já ficou tão batida que não tem mais efeito nenhum.
- É o seu nome, não me culpe se ele é cafona.
- Com licença, mas meu sobrenome é Weasley, não Weasel! – exclamou, ultrajada. – Você gostaria que eu te chamasse de Malpotty?
- Malpotty? Pelo menos tenha a dignidade de inventar algo decente, Weasel – cruzou os braços. – Além disso, como mais poderia te chamar?
- Qual o problema com Gina?
De repente o clima ficou mais pesado... De uma hora para outra Weasley estava... Estava sugerindo que ele, Draco Malfoy, a chamasse pelo primeiro nome. Era... Era... Estranho.
- Eu estava falando de um apelido ofensivo, Weasel! – corrigiu rapidamente, querendo escapar daquela sugestão incomodativa. – Se bem que “Gina” é um nome tão sem graça e infantil que até pode ser considerado um insulto. “Virgínia”... Que coisa de plebeu. Nota-se a diferença de linhagem já pela escolha vulgar de nomes.
Weasley, em resposta a sua fuga através de insultos, revirou os olhos mas abriu um sorriso pequeno.
- Sinto te decepcionar, mas meu nome verdadeiro é Ginevra. Não Virgínia. Plebeu o bastante para você?
Draco abriu e fechou a boca rapidamente, surpreendido pela informação nova e totalmente inesperada. Aquele nome era digno de... Realeza. Subitamente Weasley se transformou em Ginevra e apenas Ginevra. Uma pessoa, uma mulher, sem ligações indignas com os Weasley... Ginevra Malfoy era... Quase... Quase plausível... E até que combinava.
Sentiu arrepios e engoliu seco, buscando dispersar aqueles pensamentos estranhos.
- Às vezes até plebeus têm surtos de inspiração... É raro mas acontece – respondeu fracamente, tentando disfarçar a surpresa.
- Odeio Ginevra... É horrível – confessou, bufando. – Meus pais estavam loucos quando pensaram nele.
Draco não podia discordar mais, Weasley careca e a Weasley gorda fizeram uma escolha decente, era um milagre! Ao batizarem-na assim estavam anunciando o quanto Ginevra era diferente de suas vidinhas limitadas. O quanto ela era especial...
O que explicava, em parte, por que tolerava sua presença, ao contrário do resto de sua família imbecil. Mas o melhor daquela revelação era o fato que Weasley não gostava do nome... Significava que tinha uma desculpa para usá-lo.
Merlin, o que estava acontecendo com ele?
- Não gosta, Ginevra? Que pena, é muito mais tolerável que Gina-Noiva-do-Potter.
- Não devia ter contato meu nome, não é? Você vai me atormentar pelo resto da minha vida.
- Tsc, tsc, Ginevra! Como pode pensar uma coisa dessas sobre mim? Eu, que fui tão caridoso com você, que a acolhi em minha própria casa? – riu em falso tom dramático.
- Imagine Draquinhozito. Jamais pensaria isso de você!
- Touché – levantou as mãos em sinal de derrota.
O que havia naquela garota que o fazia ficar de tão bom humor mesmo o chamando por diminutivos imbecis?
- Então voltamos a estaca zero, correto? Você me chama de Weasel e eu não te chamo de Draquinhozito do coração.
- De acordo.
- Ótimo. Próxima pergunta: Você não trabalha seu preguiçoso?
- Eu não preciso trabalhar. Posso passar o resto da minha existência tomando firewhisky perto da lareira.
Nisso Ginevra abriu um sorriso um pouco triste e virou para encarar a lareira, agora com o fogo morrendo. Draco observou aquilo com um leve desconforto mas o que podia fazer? Era a verdade. Era rico, ela não... O mundo sempre seria assim.
- Não sei como você consegue. Nunca agüentei ficar parada, sem fazer nada. Eu ia ser uma auror, sabe?
- E não é? – perguntou confuso.
- Tecnicamente, não. Eu não completei os três anos de treinamento, não tinha como pagar... Como um favor para o meu pai, Quim me contratou... Eu era mais uma secretária do que outra coisa. Se não fosse a Ordem... Não sei o que faria – confessou. – Acho que ficaria louca.
Draco não sabia o que responder, também não gostava da idéia de ficar enclausurado na mansão, mas não pretendia dizer aquilo para ela. Para tentar escapar da obrigação de dizer algo pegou sua varinha e apontou para o fogo que se extinguia, dando vida as suas labaredas novamente.
Gina se sentia estranha, havia alguma força desconhecida a impelindo à dizer coisas que nunca havia falado para ninguém, nem mesmo a seus amigos próximos. Tinha algo no modo como Draco a tratava que, por mais que houvesse insultos ou zombarias, os tornava iguais. Com ele não era a irmã caçula da família, a namorada de Harry Potter ou a irmã de Rony. Rotulações que criavam uma barreira invisível entre Harry, Rony, Hermione, sua família e ela.
Ou então era o quente da lareira, o chá doce ou a neve caindo lá fora que a deixaram tão confortável a ponto de contar seu primeiro nome. Sem perceber continuou a falar mesmo sem resposta de Draco.
- Esse último mês pensei bastante. A Ordem acabou e... Não sei o que vai acontecer. Mesmo se voltar para o Ministério, me pergunto se vai ser o bastante. A verdade é que... Bem, não sei o que fazer comigo mesma – riu, quase envergonhada.
Draco parou de mexer no fogo para reanimá-lo e a fitou. O modo como fez isso quase a assustou, achou que talvez fosse falar algo mas apenas guardou a varinha no bolso e se acomodou no sofá outra vez. Gina invejava sua capacidade de recuperar-se tão fácil de um susto e esconder o que pensava em questão de segundos.
- Capturar Comensais... Era algo para me distrair do verdadeiro problema – confessou, havia percebido aquilo há um tempo mas nunca falara isso a ninguém. – Não tenho nada. Não fiz nada.
- O que você está falando Weasley? – arqueou as sobrancelhas. – Você pegou todos os Comensais que estão em Azkaban. Você tem o Potty beijando seus pés. Tem sua família gigante e barulhenta... Eu acho tudo isso péssimo. Mas até algo ruim é algo.
- Se você está tentando me consolar não está funcionando – sorriu.
- Você não sabe o que tem Weasel. Só vai perceber quando perder.
Suas palavras caíram como uma parede de tijolos... Por trás daquele conselho estava o fato que Draco tinha perdido tudo e sabia exatamente o quão ruim era. Sentiu-se idiota e inevitavelmente suas bochechas ficaram quentes de vergonha.
- Se o problema é fazer alguma coisa... Vá ter filhos com Potter, uma ninhada que nem sua mãe... Aposto que dez pirralhos com sardas e cicatrizes ocupam o tempo de qualquer um.
- Cicatrizes não passam de pai para filho.
- Isso não importa. O fato é que eles vão ser irritantes o suficiente para distrair você até o dia da sua morte.
- Seu plano só tem uma falha – sorriu, amarga.
- E qual é?
- Não posso ter filhos com o Harry sem ele estar aqui – disse, triste.
Por um momento rendeu-se a um sentimento sem esperança de que provavelmente nunca mais veria Harry e fugiu do olhar de Draco, encarando a lareira.
- Infelizmente, Weasley, vaso ruim não quebra. Potty sempre arranja um jeito de sobreviver, aquele desgraçado. Ele simplesmente não morre. É frustrante.
Demoraram alguns segundos preciosos até compreender o verdadeiro significado de suas palavras e quanto isso aconteceu Gina abriu um sorriso contente. As palavras dele trouxeram-lhe esperança de novo, afinal era verdade que Harry sempre triunfava mesmo em situações ridiculamente perigosas. Mais do que isso, sentiu-se bem por Draco se importar o bastante para consolá-la, mesmo que fosse daquele modo estranho dele.
- Obrigada, Draco.
- Não me agradeça ainda, Ginevra – retrucou, enigmático.
Antes que pudesse perguntar o significado daquilo ou protestar pelo uso de seu nome, Draco continuou, levantando do sofá:
– Acho que está na hora de você parar de pensar bobagem e ir dormir. É o que eu pretendo fazer. Mas se não quiser pode perambular sem rumo pela minha mansão, eu deixo. Só cuidado com o fantasma do meu avô, Abraxas, ele gosta de assustar pessoas no corredor e perseguir quem não gosta, puxando pelo pé.
Gina olhou alarmada para ele e seu sorriso enigmático não revelou se o que falava era mentira ou não. Com esse pedaço desconfortável de informação Draco a deixou sozinha na sala, porém, em questão de segundos, levantou e o seguiu.
- Com medo, Weasley? – riu quando percebeu que Gina o tinha alcançado no corredor escuro.
- Não – protestou. – Só quero dormir também. Além do mais, você está mentindo.
- E ainda sim não tem coragem suficiente para ficar sozinha. Que belo exemplo para a Grifinória.
- Ah, fique quieto, sim?
Draco riu e continuaram a andar sem pressa até o hall de entrada. Uma vez ou outra tentou assustá-la mas Gina não caiu em suas armadilhas. A mansão por si só já era assustadora e não precisava de um fantasma para deixá-la mais ainda.
Por todo o caminho tentou decidir se devia ou não continuar seu questionamento, principalmente para perguntar o que Groger queria dizer com “mestre Malfoy está sempre acordado”, já que Draco pareceu decidido a encerrar a conversa pouco tempo atrás. Às vezes abria a boca para falar mas engolia as palavras em seguida e assim foi até chegarem na porta de seu quarto.
- Boa noite – despediu-se Gina, entrando.
Draco apenas balançou a mão sem muito ânimo e seguiu seu rumo.
Fechou a porta atrás de si e encarou o quarto de uma forma completamente diferente que a noite anterior, era como se fosse um lugar novo não mais tão assustador e desconhecido. Em um dia tanta coisa havia mudado e acontecido que pareciam passaram-se mais que 24 horas. De ansiosa, curiosa, solitária, irritada depois mais irritada ainda foi para contente, alegre e até mais confiante. Infelizmente, mesmo assim seu desconforto não tinha desaparecido totalmente.
Ao entrar na cama aconchegante e quente seus pensamentos voltaram-se imediatamente para fora da mansão. Mais um dia sem notícias e de mãos atadas... De perguntas insistentes, dúvidas a devorando por dentro e medos aflorando. Tentava se concentrar nas palavras de Draco, insistindo em lembrar de todas as vezes que Harry escapara a salvo e ainda sim havia aquela pontada de preocupação e culpa que sabia que apenas desapareceria quando ele estivesse de volta ao lado dela.
Não sabia a quantas horas estava revirando na cama, perdendo a noção do tempo conforme sua ansiedade aumentava... E quem acreditaria que naquela tarde tinha se sentido tão bem? A diferença era gritante. O fato era que quando estava sozinha era obrigada a encarar a realidade fora daquele abrigo temporário. Pelo menos a presença de Draco a distraía.
Percebeu que não havia mais condições de tentar de dormir quando quase levantou para mandar um Patrono com uma mensagem exigindo que Rony e Hermione contassem o que estava acontecendo.
E naquele mesmo momento a mesma luz da noite anterior novamente passou pela fresta da porta de seu quarto, parando por apenas um momento. Gina esperou ansiosa que algo acontecesse, que ouvisse um barulho ou uma batida contra a madeira, mas logo depois a luz morreu e Draco continuou seu caminho na penumbra.
“Mestre Malfoy está sempre acordado.”
A falta de sono e curiosidade falaram mais alto e Gina se levantou. O que Draco tanto fazia na madrugada? Um ritual de artes das trevas? Jogo de strip pôquer com amigos da Sonserina? Encontros secretos com Pansy? Mesmo se fosse algo ridículo como um lanche da meia-noite (afinal ele mal comia durante o dia) valeria mais a pena descobrir do que ficar lá deitada, com pensamentos amargos envolvendo Harry.
Esperou alguns minutos para ter certeza que a luz esverdeada estivesse longe o bastante para não notá-la e saiu do quarto, varinha acesa. De pés descalços e um roupão verde por cima da camisola, pisou de leve pelo chão, quase tateando seu caminho, sem ter certeza por onde começar sua busca.
Felizmente o silêncio que reinava na mansão era tão grande que o som de passos e de mãos escorregando no corrimão da escada para o andar de baixo podia ser ouvido de onde estava, ecoando pelas paredes cheias de quadros dormindo.
Devagar seguiu os sons que a levaram para a escadaria, parou mais uma vez, esperando alguns minutos para ouvir onde seria o próximo destino de Draco. Permaneceu parada por tanto tempo que seu corpo todo ficou tenso e sem perceber segurou sua respiração.
E foi quando ouviu o som do piano.
Seus dedos esqueléticos, ou melhor, esguios, passaram de leve por cima das teclas brancas, hesitantes em tocá-las de fato. Observava sem realmente ver seu reflexo no preto polido do piano enquanto sua mente vagava em busca de memórias mais distantes que o dia que comprou sua varinha ou seu primeiro vôo de vassoura...
Não entendia exatamente a razão de ter mudado de direção de repente, desistindo de trabalhar em seu escritório e escolhendo ir até o salão de música. Talvez tivesse sido o dia agitado que exigia algo mais relaxante que decisões a serem tomadas na madrugada e já que o sono ainda se recusava a chegar nada mais lógico que sentar lá e fitar o instrumento.
Se fosse outra coisa, outra lembrança quem sabe já teria desistido muito antes, afinal sua paciência curta fora o motivo para a falta de atenção e interesse no passado. Mas agora independentemente de seu sucesso o que importava realmente era ir até ele. O processo vencia o prazer do resultado, algo inédito para Draco.
Verdade que ansiava por lembrar queria tirar aquilo que estava engasgado em sua garganta mas possuía plena consciência que era necessário tempo. Problemas de tentar tocar uma música sem pauta, habilidade com o piano ou capacidade de memória.
Olhou a pauta improvisada que vinha preenchendo conforme experimentava seqüências de notas que combinassem com a melodia em sua mente, não havia muitas notas. Era um pouco desanimador mas um começo.
Mi, Fá, Mi, Sol, Fá, Mi, Mi bemol... O que vinha depois? Tentou Sol... Mas não fazia sentido. Quem sabe Fá?
Perdeu-se em sua tarefa, tocando, ouvindo, tentando lembrar, apagando com sua varinha uma nota errada, fazendo um conserto aqui e ali. Não chegava a lugar algum, a música de sua infância continuava distante de estar em suas mãos, porém insistia.
Sua concentração era tão grande que horas pareceram passar, mas na verdade apenas dez minutos separaram sua sessão de música solitária da chegada de uma espectadora curiosa. Em silêncio e procurando não chamar atenção de si, Weasley observou seus esforços da porta do salão e ficou parada por um bom tempo sem que ele percebesse sua presença.
- Então é isso que você tanto faz de noite – finalmente anunciou que estava ali.
Seu susto ficou claro quando deixou sua mão cair sob as teclas fazendo um barulho desafinado, virou o rosto para ela, trocando a expressão de surpresa pela de irritação em um piscar de olhos e preparando-se para dobrar a partitura e deixá-la fora de vista.
- Não pare. Não quero atrapalhar.
- Tarde demais.
Como ela conseguia sempre encontrá-lo em situações tão veneráveis e particulares? Parecia uma sombra espiã sondando o melhor momento para pegá-lo desprevenido. Sem falar na estranha sensação que a conversa perto da lareira tinha despertado... Decidiu ignorá-la. Guardou a partitura no bolso e cobriu as teclas com o pano verde protetor mas quando foi fechar a tampa Weasley o impediu, colocando sua mão sob a dele.
- Que foi? Vergonha de admitir que não sabe tocar? – provocou com um sorriso.
- Quanto tempo você ficou parada aí? – perguntou, não caindo na armadilha dela.
- O bastante para ver que você não sabe tocar.
- Então você é cega e surda... Além de ter mau gosto – disse, retirando a mão dela de cima da dele e fechando a tampa.
- Prove.
- Vá dormir Weasel.
- Não, prefiro fazer companhia para você. E comprovar seu fiasco no piano. Você nem sabe o que está fazendo.
- É claro que sei.
- O que é claro é que você sabe fazer barulho.
- Barulho é a sua voz de gralha.
O sorriso irritante dela só aumentou e cruzou os braços, deixando claro que não moveria um dedo até que tivesse o que queria. E Draco se odiou naquele momento, revirando os olhos, por ceder.
- Que seja. Eu vou provar para você... Vou tocar. Contente?
O rosto de Ginevra se iluminou e o sorriso contagiou até seus olhos os fazendo quase que brilh... Não, isso era descrever de um modo estúpido, ela simplesmente ficou feliz. E ele voltou a sentar, tirou o pano verde e colocou a partitura precária de volta no suporte.
De repente sentiu uma enorme pressão e até nervosismo. Era absolutamente vital que não fizesse papel de bobo. Não só para prová-la errada, mas para impressioná-la. Ele sabia tocar piano... Se acreditasse piamente nisso.
O problema era que só tinha uma parte da música... Só o começo, que não durava mais que três minutos... Nada impressionante ou particularmente difícil, sem nenhum acorde ou requinte... Não se tratava nem de uma valsa, allegro, sonata ou concerto, apenas notas que formavam um esboço de uma música.
Mas agora era tarde demais e só lhe restou tocar. Endireitou-se, respirou fundo e deixou que seus dedos esguios viajassem pelo teclado, cada nota sendo levemente batida e seu som se espalhando pelo salão. Era uma melodia melancólica mas esse fato só foi notado agora que tinha alguém a ouvindo.
Procurou não olhar para Ginevra, apesar da curiosidade para ver sua reação à música. Era a primeira vez que tocava para alguém e sem as mãos de sua mãe o guiando. Teve que parar de pensar naquilo quando tocou uma nota errada, dobrando sua concentração ao invés de ceder à irritação.
Quando terminou sabia que não havia sido nada de espetacular mas seu consolo estava em ter certeza que pelo menos sabia tocar melhor que ela. Esperou em silêncio que Weasley expressasse sua opinião, fitando o branco e preto das teclas.
- É uma música muito bonita – finalmente disse seu tom sério e sincero. – Qual o nome?
- “Ma joie” – respondeu curtamente, ainda esperando pela pergunta que fatalmente era inevitável. – É francês para...
- Minha alegria? – completou, traduzindo corretamente. – Que nome irônico para uma música tão triste.
Draco apenas assentiu, não querendo que o assunto se prolongasse ou então sentia que contaria mais do que gostaria sobre a música. Sabia que se Weasley insistisse nada o impediria de revelar a razão do título, do piano, de ele estar no salão de música na madrugada... Tudo.
- Mas por que você parou?
- É longa demais para tocar agora – mentiu em parte. – Agora que você viu minhas habilidades incríveis com o piano já pode ir dormir. Pode ir.
Weasley o ignorou, aproximando-se do piano e parando perto dele, passando a mão de leve nas teclas do canto, seus sons agudos lhe dando frio na espinha. Draco observou seu rosto apenas um pouco menos pálido que seu próprio e tentou descobrir no que ela estava pensando, parecia perdida em pensamentos por alguns segundos, mas finalmente o encarou com um sorriso maroto.
- Me ensina.
- Quê?
- Eu quero aprender essa música.
- São duas horas da manhã, Weasel – retrucou como se isso fosse auto-explicativo.
- E daí? Você está acordado e eu também.
- Nada te impede de subir, deitar e fechar os olhos. Já tentou?
- Eu nunca fui muito interessada em música, acho que vem do fato de que mamãe só ouve Celestina... Acaba com a animação de qualquer um. Mas vendo você... Tão... Tão concentrado... Determinado. É mais ou menos como Rony fica quando está prestes a dar o xeque-mate, como a cara que Hermione faz ao acertar uma questão ou a expressão que Harry tem no rosto quando está há um piscar de olhos de capturar o pomo. Eu não tenho isso.
- O quê? Obsessão por objetos pequenos e brilhantes?
- Você entendeu. Prometo que vou ser uma aluna dedicada. Aprendo rápido.
- E mente bem demais.
- Minha capacidade de expressar uma realidade diferente da sua não vem ao caso.
- Não, Weasel.
- Por que não? Que tal se fizermos uma troca? Me ensina a tocar essa música e eu faço alguma coisa para você.
Draco riu devagar, achando a idéia de que ela tivesse algo para oferecer a ele divertida. Weasley apenas revirou os olhos e o empurro para o canto do banco do piano, sentando ao seu lado.
- Ei! – reclamou, pego de surpresa. – O que pensa que está fazendo?
- Por onde começo?
- Weasley...
- Draco. Desista. Eu não saio daqui até você me ensinar.
Era insuportável, impossível, inexplicável e mais um número considerável de palavras começadas com “in”. Como ela conseguia? Será que era o único que atormentava desse modo e, o mais importante, por que estava se tornando cada vez mais difícil negar seus pedidos?
“Ah bosta de dragão. Vamos acabar logo com isso.”
Bufando levantou e se colocou atrás dela, inclinou e pegou sua mão direita, colocou-a em cima das teclas de leve para que soubesse onde devia tocar, ela estremeceu. Draco fingiu não perceber, o que era mais complicado do que parecia quando seus cabelos ruivos estavam tão perto de seu pescoço e rosto... Aquele cheiro de shampoo barato o estava distraindo.
- É uma escala de oito, entende? A primeira nota é o Dó, que é esse – disse, apontando para a nota desenhada na pauta.
- Que são esses números aqui no começo? – perguntou, virando o rosto para ele de leve e fazendo os fios ruivos passarem de leve em seu pescoço.
- Eles determinam o tempo... Quatro por quatro, dois por quatro... Conforme o que tem aí muda quanto a nota vale. Tem a semibreve, mínima, semínima, colcheia e assim vai. Mas você não vai querer que eu te explique tudo isso agora, vai, Weasley? Isso já seria passar dos limites.
- Está certo. Fica para a segunda aula.
- Não vai ter segunda aula, Weasel.
Ela sorriu provocativamente com a promessa de conseguiria o que queria nos olhos. Maldita Weasley. Às vezes gostaria de tirar aquela risadinha daqueles lábios e... E... Não sabia exatamente como faria isso, mas...
Engoliu seco e encarou a pauta.
- Enfim... A segunda nota é Ré, depois Mi, Fá, Sol, Lá, Si e Dó de novo. Essa música começa com o Mi. É a terceira a partir dessa – indicou a tecla Dó.
Colocou sua mão sob a dela e a fez tocar a nota.
- Mi, Fá, Mi, Sol – indicou e Ginevra tocou corretamente. – Fá, Mi e agora é Mi bemol. Bemóis são... Eu não sei exatamente o que são, acho que é um nível abaixo da original. Essa tecla preta do meio... O Mi bemol é também o Ré sustenido, entende? Na pauta bemóis são esses “Bs” e sustenido um jogo da velha torto.
- Excelente metodologia de ensino – riu.
- Você entendeu não foi? Então não reclame. Agora toque tudo de novo.
Ela fez como foi mandado.
- O Mi bemol, está vendo que é a nota é branca?
- Sim, o que quer dizer?
- Que dura mais que a preta. Ela chama-se mínima e vale dois tempos. No caso dessa música, que é quatro por quatro, você só solta ela depois que contar até dois.
Houve uma pausa na explicação em que Weasley tentou decifrar a pauta sozinha e Draco apenas observou. Mas foi diferente de todas as vezes que havia olhando para ela. Alguma coisa estava acontecendo... Estava diferente. O que poderia ser? Estava com menos sardas? Mais magra? Cabelo penteado?
Não... Não era nada daquilo.
- Draco, quem te ensinou tudo isso? – cortou o silêncio, virando para ele.
A pergunta caiu como um balde de água fria.
- Sente-se aqui comigo, Draco.
As mãos geladas de sua mãe o levantaram e colocaram-no sentado em seu colo. Não conseguia alcançar o piano ainda mas não precisava, estava ali para escutá-la tocar sua música favorita.
- O mais importante no piano é a postura, então fique reto e não me atrapalhe, sim?
Draco assentiu com vigor, endireitando-se o máximo que conseguia.
As mãos esguias de sua mãe correram pelas teclas com uma habilidade notável, ao mesmo tempo precisa e delicada, ambas mãos em perfeita sincronia. Draco era pequeno demais para entender a técnica mas os movimentos lhe pareciam um feitiço, algo mágico.
E de certa forma era.
Depois que terminou, veio o pedido imediato:
- De novo! De novo! Por favor, mãe!
Sua mãe apenas abriu um pequeno sorriso e lhe concedeu o pedido, sabia que Draco logo começaria a sentir seus olhos fecharem, bocejaria e acabaria dormindo em seu colo. Sempre acontecia exatamente isso. Perdia o final da música e sua mãe beijava de leve sua bochecha, sorrindo.
- Tu es ma joie, petit dragon.
- Ninguém. Ninguém me ensinou.
- Mas...
Saiu de perto, pegando a pauta do suporte.
- Aprendi sozinho... Ou pelo menos tentei. Fim da lição, Weasel – disse sério, indicando a saída. – Vá dormir. Agora.
Sua voz pareceu ter sido intimidadora o bastante, pois uma única vez ela não tentou discutir e apenas se levantou, passou por ele, olhou-o magoada por um breve momento e saiu do salão. Quando se passaram alguns segundos e finalmente percebeu que estava realmente sozinho, Draco soltou a respiração e quis bater a cabeça várias vezes contra a parede.
Idiota. Idiota. Idiota. Mil vezes imbecil.
N/A: Sorry pela demora, mas a faculdade pegou-me de jeito esse semestre. Enfim, espero que tenham gostado do capítulo. A questão dá música ainda vai ser explicada melhor depois. “Tu es ma joie, petit dragon” teoricamente quer dizer “Você é minha alegria, pequeno dragão” ou pelo menos é o que eu acho; meu francês não é lá essas coisas. As coisas que Draco ensina sobre música também não é para confiar muito, faz quase três anos que não toco piano. A música que Draco toca existe mas não se chama “Minha alegria”, na verdade é uma trilha sonora de um jogo de video game... Quem quiser pegá-la em mp3 entre no site da fic (scilafics.edwigeshomepage.com), é muito bonita e acho que ajuda a entrar no clima ouvir junto enquanto lê a fic. Ahhh, eu vou viajar no começo de Outubro até dia 13, então o capítulo 5 provavelmente vai demorar um pouco porque não vou ter acesso a computador lá.
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