Capitão Silver Doom
Duas silhuetas indistintas peregrinavam apressadas mais à frente.Ao seu lado, outra figura atemorizada e alta se encontrava.Uma aversão inexplicável tomou o seu coração e a sua mente...
Os seus olhos castanhos profundos apartaram-se.Mais uma vez, o sol batia-lhe no seu rosto pálido; Hermione tentava se levantar dos tufos de mata espessa verdejante aos quais adormecera um tempo depois de fugir do desequilibrado Jack Sparrow.
O vento regressara a sua posição inicial, esparramando areia, colidindo versus as águas azuis do mar, abatendo os coqueiros mais frágeis e tentando desvirtuar consigo, o vestido branco da jovem agora sentada.
-Ai, que fome...
Hermione arrancava as folhas mais altas, enquanto ia à direção de um coqueiro abarrotado de cocos.
Ao sobrestar bem próxima do seu tronco esgalgado, teve uma vertigem que a fez cambalear e necessitar recostar suas mãos na árvore frutífera.Alguém discutia, vozearias agitadas e o ruído de passos ecoaram em sua mente.Tudo começou a volver, uma dor grave na cabeça a desequilibrou; caindo no chão, Hermione levou as mãos nos cabelos e os apertou com força, à proporção que começava a gritar cada vez mais alto.Um garoto de cabelos negros e rebeldes apareceu nítido em sua frente, ele possuía uma cicatriz em forma de raio na testa; parecia preocupado.
-Hermione, você está em perigo, tem que se lembrar...
-Não, NÃO!SAI DAQUI!VAI EMBORA!
-Hermione, sou eu, seu amigo...
-Eu não posso, não me lembro...ME DEIXA EM PAZ!SAI!NÃÃÃOOO!NÃO!
Jack apartou os olhos e quase foi ofuscado pelo possante fulgor do sol.A fogueira apagara-se, abandonando somente cinzas dos gravetos e tocos de madeira dos quais foram aproveitados para fazê-la.Sua cabeça palpitava incomodamente, mas não chegava a doer tanto quanto a dor do tapa que Hermione lhe dera na burla esquerda.
-Essa jovem me adora, ai...
Não demorou muito, e Jack já havia privado mais duas garrafas de rum do alçapão, e solvia com um gosto quase indecente.
O tempo aprazou a passar.O dia aberto arrastou uma eternidade para dar espaço a uma noite seca; Jack Sparrow habituara-se a beber, no ínfimo, cinco garrafas de rum por dia.Passava horas, deitado na praia, bebendo rum.Pela segunda vez, Jack acalorou a fogueira na sua segunda noite naquela ilha, com pólvora que encontrara no alçapão.O que verdadeiramente modificou no seu terceiro para o quarto dia confinado ali, foi devido ao fato de que a sua situação chegara a tal ponto, que ele dançava e cantava uma canção com urros ensurdecedores e reentrantes.
-Nós somos malvados, perversos demais, bebei amigos, yo-ho!Yo-ho, eu sou um pirata sim!É isso aí!
Mal notou que a segunda garrafa acabara sendo esvaziada em questão de segundos enquanto berrava a canção, Jack abdicou as duas na areia e recomeçou a trilha para as suas companheiras destiladas, armazenadas no subsolo arenoso.
-Primoroso.-Sorriu Jack daquele seu jeito único, incensando a argola para cima e imergindo nas escadas do alçapão.-Se algum dia eu pudesse saldar por toda essa munificência...
Um instante antes, Jack carregava duas garrafas de rum para fora do alçapão; agora, uma espada permanecia serenada em seu pescoço, e as garrafas de rum, caídas na areia aos pés de três homens armados de espadas, sendo que um deles, brandia aquela que lhe ateava aquém do queixo.
-Pois pode começar a esvaziar os bolsos, pirata.-Pronunciou o homem do lado esquerdo de Jack.-Pra cada garrafa de rum esvaziada, um furo na sua barriga será feito.Quem sabe até não recuperamos algum rum, se mirarmos bem onde formos enfiá-las?
-Calma, rapazes, deve haver alguma falcatrua aqui.Eu?Tomando o rum dos senhores?
-Por um acaso, ancoramos bem perto daqui, para reabastecer o estoque e acabamos ouvindo acidentalmente, uma detestável canção sobre piratas, o senhor conhece?
Jack virou-se para o homem que o entorpecera com a sua espada.Assim como os seus dois companheiros, usavam vestes mais corteses e apuradas, chapéus emplumados e ambos possuíam a mesma fisionomia grotesca e ao mesmo tempo cômica, ao observarem-no.
-Bem, sem dúvida é uma música conceituada por mim, mas ao se tratar do rum, o que é isso, eu seria incapaz de cometer tamanha libertinagem.
-Não se complique mais, senhor...?
-Capitão, Capitão Jack Sparrow.
-Pois bem, ‘‘capitão’’ Jack Sparrow, esperamos que o senhor pague por todo o rum que lhe fez uma companhia amigável enquanto curtia esse paraíso deserto.Férias, capitão?
-Com certeza, eu conversaria mais agradavelmente com os senhores, se o cavalheiro aqui, afrouxasse essa magnífica espada.
Jack pegou na ponta da espada que o ameaçava, com a ponta dos seus dedos.O homem que a manejava permanecera imóvel, até que o pirata saísse do alçapão completamente.
-Nada de truques, Sparrow.- Alertou o homem, mirando sua espada para o peito de Jack.Este, alçou as duas mãos para o alto, como um gesto de rendição, e mostrou o indicador da sua mão direita.
-Não há o que temer, meu bom homem, não sou um reles ilusionista, sou o capitão do Pérola Negra.Já ouviu falar nele, creio.O mais veloz destas águas, quase inalcançável, com velas negras...
-O senhor guarde a sua lábia para o nosso capitão.Com certeza ele descobrirá algum meio bastante criativo, como é de seu feitio, para fazer o senhor pagar pelo que nos roubou.
-Ah, meu caro.Não vamos falar de honestidade quando os próprios produtos do seu chefe são clandestinos nesta ilha.Roubar, não seria o termo apropriado.Digamos que... confiscar algumas garrafas seria o melhor dizer nessa ocasião...
-Cale a boca e andando, pirata.
O homem empunhando a espada, avançou para Jack.Este, enrugou a testa e sorriu abertamente.
-Mas é claro, com esse jeito educado, não á como recusar.Então vamos para o navio!
Os quatro; Jack à frente, cruzaram um matagal alto, antes de chegarem a areia branca.Realmente, não era muito distante de onde a fogueira estava suprimida.
A visão de um navio ancorado perto da costa, levou Jack à lucidez absurdamente instantânea.Seus sentidos mais afetados pela tontura, recobraram-se num súbito desejo desesperado de escapar da sua sina implantada por Barbossa.
-É realmente um ótimo navio.- Elogiou, tentando aparentar não ter bebido duas garrafas de rum naquela madrugada.E ao menos estava certo.
O navio era de porte médio, mas parecia em perfeitas condições de navegação pelo mar aberto.Sua cor marrom-avermelhada destacava-se por tamanha beleza, e suas velas eram de um vermelho bordô magnífico.
Um pequeno bote os esperava na areia e mesclava com a mesma cor do navio.
-Excelente, pelo menos não precisaremos remar até o Pau-Brasil.-Os três se olharam e depois olharam desdenhosos para Jack, que entendendo o recado, tratou de subir á bordo do bote e se assegurar de que tinha força o suficiente para remar uns setenta metros, sentido terra mar.
-Então podemos ir.
Experiente, Jack remava com pretensão, rumo a sua fatalidade, e um silêncio incômodo pairou sobre eles.Os homens apontavam suas espadas para o pirata, esperando uma tentativa miraculosa de fuga que certamente não ocorreria.
-Enfim, rapazes...- Começou Jack, sorridente, mantendo parte de sua concentração nos braços do remo.-Qual é o nome do seu estimado líder?
-Capitão Silver Doom.-Respondeu o homem com um cavanhaque loiro.-O melhor contrabandista destas águas.Saqueamos as mais bem-criadas cidades, sem deixarmos vestígios.Pelo menos tempo suficiente para estarmos longe do local escalado.
-Hum... e qual seria a última cidade a qual apossaram as suas preciosidades escondidas nesta ilha?
-Está querendo saber demais, pirata.- Interrompeu o outro homem, de bigode negro e uma cicatriz na testa.
-De forma alguma, só estou tentando tornar este pesado ambiente, em alguma coisa mais apetecida, menos carregada, se o senhor me entende.
Jack sorriu, mas comprovou para si mesmo, que devia passar a controlar melhor, esses seus músculos bucais, porque as expressões dos contrabandistas não foram das melhores.
Ao subirem no convés do navio, mais três pares de olhos ressaltaram os quatro homens que acabaram de abordar.Cada um dos três, vestidos quase tão graciosamente quanto os seus companheiros, estavam em respectivas funções no navio.
-Vamos falar com o capitão.- Divulgou o contrabandista de cavanhaque loiro.
-Ele está na sua cabine.- Informou o outro, amparando uma prancheta e uma pena no colo.Aos seus pés, um grande caixote de madeira, abarrotado de rum, chamou por um sucinto momento, a total prudência de Jack.
-Como vão?Eu sou o capitão...
Mas Jack mal completou sua frase, e já estava sendo atiçado pela lâmina da espada do contrabandista barbado.Ele o guiou até o tombadilho do navio, onde em sua parede de madeira vermelha, havia uma porta do mesmo material e com uma maçaneta de prata.Os dois entraram, sem antes do contrabandista bater na porta.
Era realmente uma luxuosa cabine.Muito diferente da de Jack, no Pérola Negra.As janelas ao fundo, eram ladrilhadas com um vidro amarelado.Quadros nos dois lados da parede, exibiam imagens pintadas a óleo, de um homem robusto e alto, com uma cabeleira densa e azulada que lhe cobria os olhos, numa suntuosa franja.Os seus traços eram demasiado finos, como se estivessem sidos esticados, os olhos acinzentados, transbordavam fineza e elegância, mas também uma certa frieza.O chão era forrado com um tapete púrpuro cheio de bordados e detalhes dourados; armários escuros se estendiam ao longo da cabine até se espaçarem por duas fissuras nas paredes das quais havia mais duas portas.Mais no fundo, uma bonita escrivaninha de mogno escuro e pernas bambas, sustentavam livros de cálculo, tinteiros, pergaminhos e outros utensílios.Diante dela, o homem dos quadros da parede comboiava Jack e seu contrabandista entrarem educadamente.Parecia realmente o homem que dera origem aos quadros, só o que mudava era sua barba, agora feita, e suas vestes vinho.
-Capitão Doom.- Começou o contrabandista, fechando a porta atrás de si, ainda apontando a espada para as costas de Jack.
-Obrigado, Gaspar, agora retire-se.E aguarde as minhas ordens.-Cortou o homem, sem tirar os olhos do pirata.
-Sim, senhor.Com licença.
Gaspar inclinou a cabeça afirmativamente, e se retirou, fechando a porta com o mínimo de estalido admissível.
-Esplêndida cabine, capitão Doom.-Declarou Jack, aproximando-se transversalmente, as mãos erguidas na altura do peito.-Será que eu poderia...?- E pegou nas costas da cadeira de mogno, defronte à janela.Doom sorriu expressivamente, os dedos entrelaçados e os cotovelos apoiados em cima da escrivaninha.Jack se sentou comodamente, emaranhou os pés e as mãos e esperou que acontecesse alguma ocorrência.
-Muito bem, senhor...?
-Capitão Jack Sparrow, por favor.
-Muito bem, senhor Sparrow, gostaria que o senhor soubesse que não gosto de rodeios, e prezo a claridade das pessoas com quem eu falo, compreende?
-Absolutamente compreensível, capitão.
Doom se apanhou da sua cadeira de mogno, cruzou as mãos atrás do corpo e começou a caminhar pela cabine, olhando as suas caricaturas por entre as molduras douradas.Jack o olhou de esguelha, e com a mão rasteira, tateou a mesa.
-Eu quero saber como o senhor chegou nesta ilha e porque meus homens o trouxeram aqui.
-Bom, diante das circunstâncias atuais, o capitão há de convir que...
-O senhor entendeu o que eu lhe disse no início da nossa conversa, senhor Sparrow?
-Claramente entendido.Mas o senhor tem que concordar de que uns tempos para cá; o mundo não é mais o mesmo, e temos que ser astutos ao querer confiar...
Jack se calou imediatamente quando viu o cano da pistola grená de Doom, apontada para sua testa.O barulho do estouro de uma bala atravessou os ouvidos de todo o navio.A porta foi escancarada, e dois contrabandistas entraram aturdidos; as pistolas na mão.
Jack continuou entorpecido; sua mão que tateava uma faquinha prateada em cima da escrivaninha, segurou o ar assim que a bala atingiu-a, fazendo-a sobrevoar e cair com um estalido seco no chão atapetado.Doom sequer se mexeu.A fuligem saia de sua pistola em espirais negras.
-Eu não os chamei aqui, se retirem, agora.-Ordenou Doom, sem olhar para os outros dois. Saíram com a mesma rapidez que entraram.
-Jack Sparrow... estou me lembrando de você.Um temível pirata que já confrontou a Companhia das Índias Ocidentais e saqueou várias cidades portuárias com um dos navios mais rápidos desses mares... o Pérola Negra.
-Evidentemente, correto.-Sussurrou Jack, afirmando com o indicador pouco antes, presente em cima da escrivaninha.-Infelizmente, fui traído por minha tripulação e acabei na ilha onde encontrei a minha salvação... eu ainda não o agradeci pelas garrafas de rum, mas sei que podemos contornar a situação de maneira mais proveitosa para ambos.O que acha?
-Sparrow, dizem que você é muito esperto.Porém, o que eu vejo na minha frente, é mais um mendicante esfarrapado, do que um pirata classificado.Não sei aonde você acha que podemos contornar a sua situação, mas a minha e dos meus alvitres estão mais do que planejadas e futuramente, acertadas.Continuarei no sigilo absoluto.E eliminarei qualquer vestígio de ameaça para os meus negócios pendentes.
-Se o capitão está falando que vai me silenciar por eu ter descoberto suas mercadorias contrabandeadas, eu creio que estará cometendo uma péssima escalação.
Pela primeira vez desde que Jack pisou na cabine, Doom riu.E ainda rindo, a pistola afrouxada na sua mão direita, sentou-se novamente na sua cadeira, defronte a Jack.
-E porque matá-lo seria uma péssima escolha?Afinal de contas, você acabou virando um perigo ao se meter entre mim, e os meus interesses; arriscando corretamente : me deu um grande prejuízo com o rum consumido, sem falar da pólvora e dos outros mantimentos.Não o quero para minha tripulação, nem para deixá-lo naquela ilha que eu custei para encontrar e utilizá-la como esconderijo dos meus produtos... não há muitas opções, capitão Jack Sparrow.
-Colocamos tudo em ordem, capitão.Só uma pergunta, se me permite... como subiu nos negócios, sem deixar rastros?
-Comumente, esta ilha era optada por outros piratas, ao se tratar de um bom esconderijo para seus tesouros, ou seguido exemplo de sua tripulação, o abandono de seu líder, à partir de um motim perverso e apático.
‘‘Faz tempo que eu tenho mantido essa ilha sob o meu controle, mas tempos atrás, afugentava visitantes indesejados, e se soubessem da existência do alçapão, eu negociava sua entrada na tripulação, ou forçava-o informar onde seu tesouro estava enterrado, para depois liquidar.Agora, se o alçapão fosse desconhecido para tal indivíduo, meus homens nem precisavam trazê-lo para mim, matavam ali mesmo, claro, sem antes o obrigar a informar seu tesouro escondido, caso existisse algum.Uma dúvida certamente que o senhor tem : porque não se comunicar abertamente com a pessoa que desconhecia o meu alçapão?É bem simples, dou chance para quem merece.Não preciso de retardados na minha tripulação, apenas os que tenham sorte e sabedoria para encontrarem as minhas mercadorias.Mesmo assim, ainda liquidava alguns que encontraram o meu tesouro.Enfim, os jogávamos no mar.Não gosto de arriscar os meus negócios, capitão.Uma regra que eu mesmo impus, e deu tão certo, que até pude dar um trato na minha vida, sem demasiados riscos de ser descoberto.Como a minha tripulação já é o suficiente, sendo que metade dela era exilada como você, não existe outra saída, á não ser, eliminá-lo do meu caminho.’’
Doom massageou a garganta, e tomou um gole d’água, de um copo que estava em cima da escrivaninha.A explicação detalhada dos modos e meios do contrabandista, o incomodaram e deixaram-no pensar rápido em uma saída.Tentando ganhar tempo, não olhava nos olhos de Doom.
-Há uma solução, capitão Doom.-Disse, por fim.Doom descansou o copo vazio, e esperou Jack falar.
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Meu Deus!Esse capítulo está muito grande...vou dividi-lo em dois e ainda fica grande...espero não estar indo rápido demais.E também espero que estejam gostando...
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