Lavando a Roupa Suja



N.A.: Como eu quero adiantar bastante até o dia em que eu entrar de férias, aí vão dois capítulos de uma vez!

Lavando a Roupa Suja

Quando os primeiros raios da aurora tocaram a minha pele na manhã seguinte, e toda a transformação regrediu com a dor costumeira, olhei ao meu redor sem entender direito. O que eu estava fazendo ali? Onde estava a minha cama?
As lembranças da noite anterior me atingiram a cabeça bruscamente como uma pedra, e, por um momento, fiquei ali, parado, mãos na cabeça, tentando assimilar o que havia acontecido: num instante eu atravessava os jardins com Sirius, prestes a alcançar a redenção, e no outro... A visão da lua. Eu tinha esquecido de tomar a Poção de Acônito. Eu era um tremendo idiota.
Fora por isso que eu estava ali, em plena Floresta Proibida. OK. Pense, Remo Lupin. Onde estavam Sirius, Pedro, Harry, Rony e Hermione? E se eu tivesse mordido algum deles? Ou algum aluno fora da cama, ou algum auror ou alguém? A idéia me aterrou por um instante, e eu senti algo gelado se espalhar nas minhas veias como veneno. Como eu poderia me considerar professor, se eu tinha esquecido de tomar a poção, se eu pus a vida de várias pessoas em risco com uma negligência?
"Calma. Se controle. Você não vai conseguir descobrir nada se entrar em desespero. Respire." Foi o que repeti para mim mesmo continuamente em pensamento, até sentir que meu coração não batia tão acelerado. Depois fui descobrir onde estava.
Eu tinha entrado bem dentro da floresta, pelo que eu podia observar na formação cerrada de carvalhos que era característica do centro do lugar. Mas eu sabia que era só andar para lá até enxergar moitas de plantas rasteiras, sinal infalível de que me aproximava do lago.
Segui o que Tiago costumava chamar de procedimento de emergência, quando estávamos perdidos na Floresta Proibida. O dia amanhecia, os pássaros matutinos cantavam, e, no castelo que eu via de relance entre as árvores, os primeiros movimentos começavam. O que diabos teria acontecido? O que acontecera quando eu deixara o grupo, Sirius estava bem? Pedro estava preso? Céus, porque tudo estava tão normal?
Bem, não estava tudo normal, foi o que eu pude constatar quando saí da floresta. E me deparei com cerca de vinte aurores, todos apontando as varinhas para meu peito.
Ergui os braços, não fazia a mínima idéia de onde estava a minha varinha. De repente, uma voz ouviu-se entre as demais:
- Não o ataquem, é o Prof. Lupin!
Era McGonagall, avançando entre os aurores, indo me socorrer.
- Minerva, sussurrei. Estava fraco. O que houve? Eu... esqueci de tomar a poção... Sirius...
- Calma, Remo, calma, disse ela bondosamente. Vamos até a sala do diretor.
- Minerva, onde está Sirius...?
- Sirius está bem, me disse McGonagall com a voz baixa, e eu não pude deixar de reparar que ela falara "Sirius" em vez de "Black". Me acompanhe, Remo, Dumbledore precisa falar com você.
- Eu... ataquei alguém?...
- Não, se acalme.
Apoiado nos braços de McGonagall, fraco e exausto, fui guiado até o sétimo andar, até a gárgula que eu já visitara tantas vezes antes. Lá, na sala de Dumbledore, encontrei o Ministro e o diretor me esperando.
- Aqui está ele, disse McGonagall, me colocando numa cadeira. Acho que precisa de uma Poção para Animar.
- Por favor, Minerva, vá até a ala hospitalar e traga um frasco de poção, pediu Dumbledore.
Minerva saiu e eu relaxei na cadeira, dolorido e cansado.
- O que aconteceu, diretor?..., perguntei, a voz baixa. Eu me transformei... esqueci de tomar a poção...
- Você não atacou ninguém, Remo, disse Dumbledore gentilmente. Parece-me que Sirius conseguiu controlar a situação antes que algo acontecesse. Rony ficou desacordado alguns segundos após; depois Sirius, Harry e Hermione foram atacados por Dementadores.
- Eles estão bem?, perguntei, me sentindo com um pouco mais de energia.
- Harry e Hermione estão. Algo afastou os dementadores antes que pudessem fazer algo. Prendemos Sirius, mas, de alguma maneira inimaginável, ele escapou.
Dumbledore sorria, e eu me senti invadido por surpresa. Se Sirius tinha escapado, era porque não conseguira convencer ninguém. E Pedro? O que acontecera? Mas... os olhos de Dumbledore me diziam: depois esclarecerei tudo.
- Afastados, os dementadores?, perguntei, para disfarçar.
- Afastados, disse Dumbledore.
Uma luz se acendeu no meu cérebro. Só um Patrono podia afastar um dementador. Sirius estava provavelmente sem varinha. Hermione, por mais que fosse inteligente, não saberia executar o feitiço, ou teria ela mesma ensinado-o a Harry. Então só poderia ser Harry que executara o feitiço do Patrono... Eu tinha conseguido alguma coisa naquele ano, eu tinha ensinado a Harry o Feitiço do Patrono... Ele aprendera...
Um sorriso escapou de meus lábios e vi Fudge franzir a testa.
- Então, Professor...
- Lupin, falei.
- Prof. Lupin, o senhor estava ontem à noite na Casa dos Gritos. O que estava fazendo lá?
Pense rápido ou vai parar em Azkaban, Lupin.
- Não estive... ajudando Sirius, se é... o que o senhor quer saber..., falei, sentindo uma enorme vontade de fechar os olhos e dormir naquele mesmo instante.
- Espere um pouco para começar a interrogá-lo, Cornélio, disse Dumbledore. Você certamente não imagina como a pessoa fica fraca após uma transformação. Espere Minerva trazer a Poção para Animar.
Fudge crispou os lábios, enquanto eu, aliviado, fechei os olhos suavemente.
Nesse instante, McGonagall entrou na sala.
- Aqui está, disse ela, me estendendo um frasco de uma poção de um laranja violento. Beba, Remo.
Respirei fundo e a bebi em grandes goles.
O efeito se fez sentir sutilmente. Era como se a disposição estivesse sendo bombeada pelo meu coração junto com o sangue, e, dentro em pouco, eu já conseguia manter os olhos abertos e falar dignamente.
- Então, Lupin, pressionou Fudge. O que você esteve fazendo na Casa dos Gritos? Ajudando o seu velho amigo Black?
Olhei indignado para ele, e Dumbledore tomou minha defesa:
- Ora, porque imagina que ele ajudou Sirius na Casa dos Gritos?
- Ora, porque, Dumbledore, porque. Por que ele é um velho amigo de Black, que, por coincidência, veio procurar o emprego de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas no mesmo ano em que Black fugiu!
- Vim procurar o emprego antes do acontecido, falei calmamente.
- E eu posso confirmar, Cornélio, disse Dumbledore. Será que você não está predisposto a desconfiar do Prof. Lupin?
- Eu, predisposto?, perguntou Fudge, empalidecendo. Por que estaria predisposto, Dumbledore?
- Não sei... Você não poderia imaginar os motivos?
- Porque ele é um lobisomem? Ora essa! Ora essa, Dumbledore! Ele ser um lobisomem não significa nada, absolutamente nada!
- Então, espero que tenhamos um interrogatório imparcial aqui, disse Dumbledore, se voltando para mim. Remo, você provavelmente percebeu que Sirius teria pego Harry, Rony e Hermione, certo?
- Sim, percebi, falei. E fui até a Casa dos Gritos, para salvá-los, eu não poderia deixar que Sirius os pegasse. Então lá encontrei Sirius, Harry, Rony e Hermione.
- E Pettigrew?, perguntou Fudge subitamente. Viu Pettigrew?
Por trás de Fudge, sem que ele pudesse perceber, Dumbledore acenava afirmativamente para mim com a cabeça.
- Sim, Pedro está vivo, falei. Pedro foi o verdadeiro culpado.
Fudge lançou um olhar irritado a Dumbledore.
- Parece que ele também foi pego pelo Feitiço Confundus, resmungou.
- Pedro está vivo, insisti. Ele é um animago. Era o verdadeiro Fiel do Segredo de Lílian e Tiago. Forjou a própria morte para que a culpa caísse sobre Sirius.
- Está bem, Remo.
Dumbledore voltou-se para Fudge.
- Veja, Cornélio. Se Remo ajudou Sirius, porque Sirius o enfeitiçou com um Confundus? Porque ele insiste na história de Pedro Pettigrew estar vivo?
- Então, você realmente foi à Casa dos Gritos com o intuito de salvar os garotos?, perguntou Fudge.
- Sim, fui.
- Então está concluído o interrogatório. Dumbledore, sugiro que mande ele para a ala hospitalar, para desfazer esse maldito feitiço.
- Era o que eu iria dizer, disse Dumbledore. Minerva, acompanhe Remo até a ala hospitalar.
McGonagall fez um gesto em direção a porta e eu a segui.
- Minerva, o que aconteceu? Onde está Sirius, onde está Pedro?, sussurrei, assim que me vi fora do alcance sonoro de Fudge.
- Calma, Remo. Vamos até a ala hospitalar e eu lhe contarei pelo caminho.

¬¬¬

Entramos na ala hospitalar. Lá estavam apenas Papoula Pomfrey, a boa enfermeira que nunca abandonava Hogwarts, e também Harry, Rony e Hermione, dormindo serenamente.
- Ah, Minerva, Remo, ainda bem que estão aqui, disse Madame Pomfrey. Minhas Poções para Animar acabaram e eu vou ter que buscar mais no estoque do Prof. Snape. Podem ficar aqui na enfermaria um pouco?
- Claro, Papoula, disse McGonagall.
- Obrigada, disse Madame Pomfrey, saindo porta afora em passos rápidos e ansiosos.
Andei pelas camas dos garotos, vendo eles dormirem num sono tão sereno e sorridente. Depois de me certificar que realmente não tinham despertado (bem, ainda eram seis e meia da manhã, não havia como terem acordado), virei-me para Minerva.
- E então, Minerva? O que houve? Não consigo entender nada!
- Sente-se, Remo, disse ela secamente. E pegue um biscoito.
- Um o quê?, questionei, surpreso, ao ver que ela segurava um pacote de seus biscoitos escoseses favoritos. De onde aquilo tinha saído, eu não fazia a mínima idéia, mas eu sabia que aquela era a sua maneira de começar uma conversa ansiosa.
Aceitei um biscoito e dava a minha primeira mordida quando ela falou:
- As coisas pioraram depois que você se transformou, Remo.
- Dumbledore disse que eu não ataquei ninguém...
- Não, não atacou. Porém, sua transformação proporcionou a Pedro Pettigrew a oportunidade perfeita de fugir. Sirius se transformou para impedi-lo de atacar os garotos, e Pettigrew estuporou Weasley, se transformando e partindo.
Senti uma onda de culpa me atolar. Eu havia frustrado as chances de Sirius de ser inocentado. Além de ter posto a vida de Harry, Rony e Hermione em perigo, eu ainda havia arrebentado com as esperanças de Sirius. E ainda me digo professor, ainda me digo responsável! Céus, como sou idiota!
- Droga, murmurei para mim mesmo. Como pude ser tão irresponsável, como pude ser tão descabeçado, como pude não ter lembrado? Por Merlin, Minerva, eu poderia ter matado alguém!
- Isso acontece com todos, Remo. Uma distração ou outra. Você estava ansioso, nervoso, não havia como se lembrar, consolou-me Minerva.
Não foi o suficiente para que a minha culpa diminuísse, mas a necessidade de informações suplantou a minha vontade de me lamentar.
- E o que houve depois? Dumbledore mencionou um ataque de dementadores...
- Então, ao que parece, Sirius saiu à caça de Pettigrew. Os dementadores perceberam sua presença, e todos os que estavam patrulhando Hogwarts e Hogsmeade se uniram, formando um contingente de cerca de cem, ao que me consta.
- Céus!, exclamei impressionado.
- Só o que sabemos foi que, uns dez minutos depois do suposto ataque que fez cair Sirius, Harry e Hermione, Severo despertou e os encontrou desacordados. Transportou-os para macas e trouxe todos ao castelo. Ninguém nem imagina o que tenha afastado os dementadores.
- Eu tenho uma leve suspeita, falei, mas prefiro não comentar por enquanto. E como Sirius fugiu?
- Dumbledore me contou detalhe por detalhe, enquanto Fudge ia resolver o caso do hipogrifo.
- Caso do hipogrifo?, repeti, e de repente me lembrei de Bicuço. Céus, o hipogrifo! Hagrid deve estar arrasado, e eu nem pude falar com ele!
Para a minha surpresa, Minerva sorriu.
- Primeiro escute, Remo.
Assenti, ouvidos alertas.
- Trancaram Sirius na sala de Filio, mas ele ainda teve tempo para falar com Dumbledore e pôde lhe explicar a verdadeira história, o que foi uma sorte, pois os dementadores já estavam chegando para executar-lhe o beijo.
- E conseguiram?
McGonagall fez um gesto de impaciência e eu me calei.
- Dumbledore foi falar com Harry e Hermione. Não sei se é do seu conhecimento sobre o vira-tempo que Hermione tem licença para usar...
- Sim, falei, sabendo da permissão especial concedida a Hermione para que pudesse cursar todas as matérias.
Certo. Dumbledore foi falar com Harry e Hermione e teve uma idéia astuciosa para salvar Sirius...
- ...que se provou eficiente, falei sorrindo.
- Exato. Harry e Hermione voltaram três horas no tempo.
Três horas no tempo. Bem a hora em que estavam indo para a casa de Hagrid.
- Mas... o que aconteceu naquela hora que poderia ajudar Sirius? A não ser... Bicuço?, perguntei, inseguro.
A professora me sorriu.
- Sim, Harry e Hermione libertaram Bicuço. Depois o usaram para voar até a janela onde estava preso Sirius...
- ...e o ajudaram a escapar!, exclamei maravilhado. Então Sirius está bem longe daqui!
- E de qualquer auror que possa capturá-lo.
Dei um suspiro de alívio. Apesar de minha burrada, Sirius estava bem, e estava seguro. Estava vivo, e sua alma estava inteira. Uma felicidade calma me invadia, a vida fazia sentido. Eu tinha um amigo!
- E os garotos?, perguntei, me voltando para as camas.
- Ótimos, sorriu Minerva.
Nesse instante, entrou Madame Pomfrey, muito afobada, o rosto pálido.
- Minerva, Remo, vocês precisam ir ao Salão Principal agora!
Vimos a expressão de terror em seu rosto e nem hesitamos; seguido por Minerva, me levantei e saí correndo em direção ao Salão, pensando que só poderia estar acontecendo um massacre.
Realmente estava acontecendo um massacre... Mas não foi o massacre de alunos, nem massacre de aurores, nem tinha nada a ver com meu amigo Sirius... foi o massacre da minha carreira, de qualquer mínimo sonho que eu pudesse ter de ter uma vida profissional e contente ao menos uma vez na vida.
Severo estava de pé diante da mesa da Sonserina, e todos os alunos o olhavam ansiosos. Ele olhou para mim uma vez, e seus lábios expressavam cruel satisfação. Prevendo o que iria acontecer, me senti congelar. E só pude desejar que o chão se abrisse e me engolisse para todo o sempre quando ouvi aquela voz sibilante dizer em alto e bom tom:
- É, sabem... Lupin é um lobisomem.

¬¬¬

Severo se virou para mim, seu rosto trazendo uma expressão cruel que eu e meus amigos tínhamos conhecido muito bem.
- Ops... Escapou.
- Severo!, exclamou Minerva furiosa. Como pôde?
Nunca senti tanta pena de Severo como naquele momento. Como é que um homem pode ter satisfação em destruir a vida de outro? Como alguém pode alcançar a felicidade vendo outras pessoas se destruírem? Como é que alguém pode ter necessidade disso para ser feliz?
Todos os olhares no Salão se voltaram para mim; alguns acusadores, alguns temerosos, uma boa parte apenas surpresos. Eu estava extraordinariamente calmo. Às vezes até eu me surpreendo como não perco a razão.
Sorri para todos com o mais gentil dos meus sorrisos, e me virei para Minerva:
- Eu vou falar com Alvo por um momento.
- Tudo bem, disse Minerva, ainda lançando olhares mortíferos a Severo, que se fingia de desentendido.
Sem me alterar, saí para os corredores.
A notícia se espalhou pelo castelo mais rápido do que fogo de rastilho. Quando estava chegando ao sétimo andar, sem poder usar meus atalhos, encontrei duas alunas que olharam aterrorizadas para mim. Como elas chegaram no sétimo andar mais rápido que eu é uma pergunta que nunca saberei responder.
Ainda com aquele sorriso estranhamente insensível no rosto, fui até a gárgula de Dumbledore. Entrei, falando a senha, subi as escadas e abri a porta do escritório.
- Alvo?
- Remo, entre.
Dumbledore parecia ocupado com alguma coisa a um canto. Em resposta ao meu olhar indagativo, falou:
- Um pouco de comida, que vou mandar para Sirius, na primeira oportunidade. Pretendo manter contato com ele. Acho que você deveria fazer o mesmo.
Fiz que sim com a cabeça, um nó me entalando a garganta.
Minha maldita irresponsabilidade tinha, numa só noite, colocado a vida e a integridade física de quatro pessoas que eu amo em risco, como também havia deixado Pedro escapar, aniquilando qualquer possibilidade de redenção de Sirius em um período menor que cinco anos. Além de tudo, a minha irresponsabilidade, deu margem a Severo para que ele pudesse falar do meu problema para os alunos. Eu era o infeliz que tinha causado aquilo tudo. Para mim era muito claro que aquele sonho de voltar para o castelo em que eu fora tão feliz na minha adolescência tinha chegado ao fim.
- Alvo, eu quero me demitir.
Dumbledore se virou para mim, me encarando com seus profundos olhos azuis.
- Tem certeza, Remo?
- Tenho. Severo acabou, sem querer, contando para os alunos que eu sou um lobisomem. Não... não tem mais possibilidade.
Os olhos de Dumbledore faiscaram.
- Terei uma conversa séria com Severo.
- Foi totalmente sem querer, falei, fazendo um gesto de "deixa para lá" com as mãos. Se não fosse ele seria qualquer outro. Não é necessário, Dumbledore.
- Você sabe que não precisa se demitir.
- Eu sei, repliquei, mas... não tenho mais como. Minha irresponsabilidade colocou pessoas em perigo, quase mordi Harry, Rony e Hermione. Ontem, Sirius estava lá para impedir que algo mais sério acontecesse, mas, se acontecer de novo, ele não estará lá. Eu terei que ir embora. E logo vão chegar as cartas dos pais... É melhor que eu esteja longe daqui quando elas chegarem.
- Você sabe que eu não me importaria.
- Eu não quero que o senhor tenha mais problemas comigo do que os que já teve, falei com firmeza.
Dumbledore deu um longo e triste suspiro.
- Bem, não vou deixar de dizer que sentirei sua falta. E provavelmente muitos alunos também a sentirão.
- E outros tantos me chamarão de mestiço impuro... Não que eu já não esteja acostumado.
- Você foi o melhor professor de Defesa Contra as Artes das Trevas que eu contratei em seis anos.
Sorri. A maldição tinha se completado outra vez. Outro professor abandonava o colégio após um ano.
- Bem, outra vez a maldição se cumpre, falei a Dumbledore. Mas eu devo ver pelo lado bom... Não morri, e nem perdi a memória como Gilderoy Lockhart.
Nós dois rimos. Cordialmente, como eu sempre acho que as coisas boas devem acabar.
Demorou quase três horas até eu conseguir juntar todas as minhas coisas. Incrível como tudo se espalha quando você vive muito tempo num lugar. Havia livros que tinham ido parar nos cantos mais remotos, incluindo entre esses cantos as cozinhas e a Sala Comunal de Corvinal (eu emprestara para um aluno). A notícia de que eu me demitira também correu logo o castelo, e, durante as minhas andanças para encontrar meus pertences, muitos alunos tristonhos me cumprimentaram dizendo que eu fora o melhor de todos os professores de Defesa Contra as Artes das Trevas que eles tinham tido, o que me deixou francamente emocionado.
Quando eu estava terminando de arrumar tudo, abri o Mapa do Maroto. Para minha alegria, vi Harry se aproximando. Ouvi a batida na porta e ele entrou.
- Vi-o chegando, falei, apontando para o Mapa.
- Acabei de encontrar Hagrid, ele me disse, pálido. E soube dele que o senhor pediu demissão. Não é verdade, é?
- Receio que seja, falei, tirando meus papéis e tinteiros da escrivaninha, sem encarar Harry.
- Por quê?, ele perguntou chocado. O Ministério da Magia não está achando que o senhor ajudou Sirius, está?
Percebendo que o conteúdo daquela conversa não devia ser ouvido por outros alunos, fechei a porta da sala e me voltei para encarar Harry. Às vezes tão parecido com Tiago, às vezes comigo, às vezes com Sirius. Como eu apreciava aquele garoto.
- Não. O Prof. Dumbledore conseguiu convencer Fudge que eu estava tentando salvar as vidas de vocês.
Suspirei longamente, pensando em Severo.
- Isso foi a gota da água para Severo. Acho que a perda da Ordem de Merlin o deixou muito abalado. Então ele... hum... acidentalmente... deixou escapar hoje, no café da manhã, que eu era um lobisomem.
- O senhor não está indo embora só por causa disso!, repreendeu Harry.
Dei um sorriso torto para Harry. Seu coração puro não seria capaz de compreender. Ele tinha sofrido, mas não tinha a amargura do mundo que eu tinha.
- Amanhã, a essa hora, vão começar a chegar as corujas dos pais... Eles não vão querer um lobisomem ensinando a seus filhos, Harry.E depois de ontem à noite, eu entendo. Eu poderia ter mordido um de vocês.. Isto não pode voltar a acontecer nunca mais.
- O senhor é o melhor professor de Defesa Contra as Artes das Trevas que já tivemos! Não vá embora!
Emocionado demais para falar, tornei a me voltar para a escrivaninha. Quando tive certeza que minha voz não sairia embargada, disse:
- Pelo que o diretor me contou hoje de manhã, vocês salvaram muitas vidas ontem à noite, Harry. Se eu tenho orgulho de alguma coisa que fiz este ano, foi o muito que você aprendeu comigo... me conte sobre o seu Patrono.
- Como é que o senhor soube?, perguntou Harry surpreso.
- Que mais poderia ter afugentado os dementadores?
Harry sorriu para mim.
- Um pouco antes de desmaiar, eu vi alguma coisa no lago. Parecia com meu pai, eu pensei. Depois, quando eu e Hermione voltamos no tempo, eu corri para o lugar, para ver quem era que tinha me salvado. Um pouquinho antes de ser tarde demais, eu percebi que tinha sido eu mesmo. Daí saí da moita e falei... e era um cervo prateado...
Sorri. Tiago morava dentro de Harry.
- É, seu pai se transformava sempre em cervo. Você acertou... é por isso que o chamávamos de Pontas.
Fechei a escrivaninha, finalmente conseguindo guardar meus últimos livros. Depois tirei a Capa da Invisibilidade do bolso.
- Tome, trouxe isto da Casa dos Gritos ontem à noite. E...
Olhei para o Mapa. E me lembrei das nossas intenções iniciais. Por mais que eu tivesse vontade de ficar com o mapa, para que ele serviria longe de Hogwarts, longe dos alunos?
Realizando o último desejo dos Marotos, entreguei o mapa a Harry.
- Não sou mais seu professor, por isso não me sinto culpado por lhe devolver isso também. Não serve para mim, em e arrisco a dizer que você, Rony e Hermione vão encontrar utilidade para o mapa.
Harry sorriu para mim, olhando para o Mapa.
- O senhor me disse que Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas tinham querido me atrair para fora da escola... o senhor disse que eles teriam achado graça.
- E teríamos, falei com um sorriso. Não tenho dúvida em afirmar que Tiago teria ficado muitíssimo desapontado se o filho dele jamais descobrisse as passagens secretas para fora do castelo.
Outra batida na porta fez-se ouvir. Dessa vez era Dumbledore.
- O seu coche já está no portão, Remo, ele me disse sorrindo.
- Obrigado, professor.
Me voltei para a minha sala, sentindo meus olhos queimarem. Apanhei minhas coisas. Depois me voltei para Harry. Quando eu veria aquele fantástico garoto de novo?
- Bom... adeus, Harry. Foi realmente um prazer ser seu professor. Tenho certeza de que voltaremos a nos encontrar. Diretor, não precisa me acompanhar até o portão, posso me arranjar...
Dando um último adeus às coisas às quais eu tinha me apegado tanto, saí. Era hora do almoço, e graças a Merlin ninguém estava ali fora para me ver partir. Exceto Hagrid.
- Remo, falou ele com a voz um tanto embargada. Então vai embora mesmo?
- Tenho que ir, né?, falei sorrindo. Soube que Bicuço escapou.
Ele sorriu radiante.
- Pois é... Nem eu imagino como... Bicucinho é muito esperto.
- Ele deve estar feliz, esteja onde estiver.
- Obrigado por tudo o que você fez, Remo, disse Hagrid, pondo a mão no meu ombro. Sempre que precisar de um amigo, tamos aí.
- Obrigado, falei emocionado. Adeus, Hagrid.
- Acho melhor dizer até a próxima, não é?
- Então até a próxima.
- Até a próxima, Remo.
Sem conseguir mais segurar as lágrimas, entrei no coche, deixando pela segunda vez o lugar mais abençoado do mundo, onde os segregados e diferentes podem encontrar a felicidade. Adeus, Hogwarts.

¬¬¬

Dois dias e uma noite de viagem e eu estava em minha velha casinha, que parecia ter ficado me esperando esse tempo todo... cheia de pó. Depois de fazer uma boa faxina à base de varinha e recolocar todos os meus pertences nos seus lugares de origem, tomei um banho e acendi a lareira. Olhando para o fogo que crepitava, comecei a pensar: onde estaria Sirius? O que é que ele estava fazendo?
Como que respondendo à minha pergunta, ouvi batidas na porta, fortes e ritmadas.
Imaginando quem poderia estar me visitando se eu mal chegara em casa, fui atender.
Dei de cara com Sirius, segurando um hipogrifo, parado na soleira da minha porta.
- Precisamos conversar.
Fiquei mudo por um instante. Depois, pensando no que os trouxas diriam se vissem um homem sujo como um mendigo carregando um animal híbrido de águia e cavalo parado na minha porta, empurrei Sirius e o hipogrifo para dentro.
Sirius entrou, olhando tudo.
- Esta é a sua casa... Desde a última vez que entrei aqui, ela ficou mais suja um pouco. Mas continua aconchegante, ele me falou, a voz aos tropeços. Parecia ainda estar se habituando a usá-la frequentemente.
- Isso, joga na minha cara que eu não sei fazer um feitiço de limpeza decente, eu ri.
Sirius também riu, e não era aquela risada amarga e dolorida da última vez que tínhamos nos encontrado. Era uma risada gostosa, como a dos nossos velhos tempos.
- Como chegou aqui tão rápido?
- Voando, ele apontou para o hipogrifo. O nome dele é Bicuço, acho.
- É Bicuço sim. O hipogrifo de Hagrid.
Sirius sorriu.
- Um bom companheiro de fuga.
- Também é foragido, eu ri. No mesmo dia em que você foi preso ele estava para ser eliminado pela Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas. Harry e Hermione o salvaram.
Meu amigo acariciou com leveza o bico do animal, que fechou os olhos demoradamente, como se estivesse gostando.
- Gosto dele.
- Você..., eu o olhei de cima a baixo, avaliando seu aspecto, você não quer tomar um banho? Eu posso te emprestar umas roupas.
Sirius fechou os olhos.
- Nossa, faz tanto tempo que eu não escuto a palavra "banho". E ela nunca me soou tão agradável.
Eu sorri, e o guiei até o banheiro.
- Vou lá pegar as roupas... Só que elas são muito enxovalhadas e tremendamente remendadas, você não liga?
- Para quem usa o mesmo trapo imundo há doze anos...
Rimos de novo, e ele foi ao chuveiro. Ficou lá por umas duas horas. Dei um desconto para ele...
Quando ele saiu do banheiro, vestido com as minhas roupas, que deixavam seus tornozelos e pulsos à mostra, não pude deixar de rir, me aproximando para consertar o estrago.
- Precisamos conversar, ele repetiu, se sentando no sofá e olhando o fogo crepitar.
- Eu sei, falei.
Ele não me encarava.
- Primeiro, eu queria te pedir desculpas de novo. Por ter desconfiado de você pra acreditar no Pedro.
- Tudo bem... Eu também não acreditei em você.
- Mas no seu caso, as provas estavam escancaradas. Até eu podia ter acreditado que eu era o culpado.
- Eu não deveria ter acreditado, me recriminei. Sempre soube que tinha algo errado... Que não era possível que o Sirius que eu conheci tivesse mudado tanto. Mas... não tive coragem de mexer na ferida. Doía muito, Sirius. E, quando Frank e Alice foram torturados...
- Eu soube, disse Sirius. Foi a Bela, não foi? Ela, o Rodolfo e o Rabastan, junto com o filho do Crouch. Acho que o filho do Crouch não tinha nada a ver... Ele gemia tanto lá em Azkaban, coitado. Não tinha fibra pra agüentar o lugar.
- Lá... era... muito ruim, Sirius?
Os olhos cinzentos de meu amigo perderam o brilho por um momento. Quando falou, sua voz era lenta e triste:
- É o lugar mais deplorável que eu já conheci. Lá, a infelicidade é como uma fumaça, empesteando tudo... E toda hora, toda hora, toda hora, você não consegue mais se lembrar de nada feliz... Eu pensei que ia morrer... Mas... pensar em toda a injustiça... me fazia sentir vivo. Eu conseguia lembrar do que eu era. Mas por tanto tempo... eu não conseguia mais enxergar nada que não fosse uma das minhas lembranças...
- A sua infância?
- Também... Quando lutávamos com os Comensais e o Tiago estava desmaiado... ou quando... quando morreu a Camille... quando morreu o Anthony... ou... ou...
- ...quando morreu a Claire, completei.
Ele confirmou com um mudo aceno de cabeça.
- Nunca me perdoei por aquilo, sussurrou.
- Nem eu, falei.
Já estava na hora de confessar a ele tudo. Pois, se meu afastamento o deixara com suspeitas sobre mim, era preciso esclarecer as coisas…
- Sirius, eu tenho algo pra te contar.
- Fala, Aluado.
- Eu… eu amei a Claire.
O rosto dele se encheu de surpresa.
- Como assim?
- Eu amei a Claire. Eu a amei tanto quanto você a amou. Eu queria ter casado com ela, ter estado no seu lugar.
Ele me olhou, chocado.
- Remo, por que nunca contou antes?
As lágrimas já desciam pela minha face.
- Não queria te decepcionar… Claire sabia que eu nunca a tinha esquecido. Você lembra que namoramos por algum tempo…
- Eu pensava que tinha sido um desses rolos de adolescência.
- Talvez pra ela tenha sido... Para mim não foi. Eu a amei desde que eu a vi…
- …e sacrificou sua felicidade para me ver feliz, completou ele. Ah, Remo, por Merlin!
Eu apertava as mãos, chorando:
- Me perdoe, Sirius...
- Você que tem que me perdoar, disse ele com firmeza. Eu duvidei de você… Então era por isso que estava tão afastado de nós… Como eu errei, Remo!
Agora as lágrimas corriam pelo rosto dele:
- Quando eu cheguei na casa do Pontas e da Lílian... e encontrei tudo desabado... tudo... minha culpa...
- Não foi sua culpa, eu disse com firmeza. Todos nós confiávamos em Pedro.
- Se eu tivesse sido o Fiel do Segredo, se eu tivesse mantido os planos originais, se eu tivesse confiado em você como o meu coração dizia para confiar!, exclamou Sirius com um soluço. Eu sempre soube que a cabeça não é a minha melhor parte, e, na única vez que eu decido segui-la, ponho tudo a perder!
Lágrimas caíam dos seus olhos, e eu dei um tapinha em seus ombros, tentando consolá-lo.
- Calma, Sirius, todos têm o direito de errar...
- Errei com você! Justamente na hora em que você mais precisava de nossa ajuda, Claire morta, e eu te ignorando, desconfiando de você, sem ter a esperteza de saber que você estava afastado de nós porque estava triste! Errei com Tiago, fazendo-o acreditar em mim, desconfiar de você também! Errei com a Lílian, fazendo ela acreditar em mim, acreditar em Pedro! Fiz os dois morrerem pela minha idiotice!
- Sirius...
- E errei com Harry, porque fui o verdadeiro culpado da morte dos pais deles, tudo culpa da minha burrice!
E, chorando copiosamente, ele caiu em meu ombro. Deixei que ele chorasse por algum tempo, apoiado em mim, e, sem perceber, deixei que as lágrimas caíssem dos meus olhos também. Acho que finalmente estávamos chorando por causa do motivo certo.
- Como... como Pedro pôde fazer isso?... ouvi sua voz sussurrada. É o que eu venho pensando há doze anos...
- Pedro nunca teve coragem, Sirius, eu disse. Pouco antes da morte de Lílian e Tiago, ele teve uma conversa comigo... Estava apavorado. Eu imagino que Voldemort o tenha ameaçado... e ele não soube resistir. Não soube fazer como nós faríamos.
Era a minha vez de falar:
- Naquele dia, você saiu e não voltou, senti o meu coração na mão, tremendo de medo... e quando Dédalo apareceu para me falar da morte de Tiago e Lílian, eu me recusei a acreditar que você os tinha traído... só quando Moody falou que uma trouxa tinha visto você e Hagrid conversando, aquilo entrou na minha cabeça. Meu mundo virou de ponta cabeça, Sirius. E, quando eu vi você...
- Você estava lá?, perguntou Sirius, olhando fundo em meus olhos.
- Cheguei pouco depois... Eu tinha ido ao Caldeirão Furado, sabe... para ver se o uísque conseguia arrumar as minhas idéias.
Para a minha surpresa, Sirius riu:
- Uísque, Remo? Onde estava o monitor santinho?
- Escondido em algum canto remoto do meu cérebro, eu sorri. O meu mundo estava ruindo. E chegou alguém, falando que você tinha explodido aquela rua... E ver você sendo arrastado para o camburão... Rindo feito um louco... Por que riu daquele jeito?
- Não sei, confessou Sirius. Foi estranho. Quando eu percebi o que Pedro tinha feito, como ele espetacularmente tinha me colocado numa armadilha, me feito de idiota, me veio um ataque de risos... Acho que estava histérico. Foi a primeira vez que algo assim aconteceu comigo.
- Ver você rindo daquele jeito me desmoronou... E, quando contaram que você tinha matado Pedro, foi aí que eu senti que ia morrer... Você não sabe como foi difícil viver nesses doze anos...
- Você deve ter sofrido muito..., disse Sirius.
- Não sabia se a agüentar... Eu me arrastava pelo tempo, acordando de manhã já pensando no fim do dia... Tinha horas que eu ficava tão triste que pensava que não ia agüentar... Houve momentos em que eu tive muita vontade de apanhar aquela faca de prata que eu guardo na gaveta e acabar logo com aquilo. Muitos momentos.
Sirius olhou para mim surpreso. Mas depois um sorriso amigável se formou em seu rosto:
- Mas você é orgulhoso demais pra fazer isso, Aluado... Você não iria querer deixar transparecer que eu tinha sido o responsável por sua morte também... Que eu tinha conseguido o meu suposto intento...
- É, confirmei, pela primeira vez ouvindo em palavras tudo aquilo que me fizera colocar tantas vezes a faca na gaveta. Acho que sim... Acho que nunca quis...
Nos erguemos e nos encaramos. Éramos novamente Aluado e Almofadinhas. Os sobreviventes. No plural.
- Nunca... nunca mais vamos deixar que algo faça isso com nossa amizade, Aluado, pediu Sirius. Nunca mais vou te deixar sozinho assim.
- E nem eu vou deixar de acreditar em você, falei sorrindo.
E nos abraçamos, os únicos que restavam, a nossa amizade maior que tudo. Eu ainda tinha Sirius. Minha vida... minha vida ainda valia a pena.

¬¬¬

No dia seguinte, Sirius avisou que iria partir.
- Fique, pedi. Podemos morar juntos.
- Melhor não... Ainda estão me caçando, Remo. Vai demorar algum tempo até se esquecerem de mim. Vou para o Sul, ficar lá por um tempo... Relaxar um pouco... Deixar que eles me vejam...
- Vai deixar que eles te vejam?!, indaguei espantado.
- Só uma vez, para relaxarem a guarda sobre Hogwarts. Quando se tocarem que estou a milhas de distância do castelo, vão tirar aquele bando de gente de lá. Não gosto de ficar atazanando a vida dos alunos.
- Ah, Sirius...
- Escrevi uma carta para Harry. Não tem coruja, né?
- Infelizmente não...
- Vou mandar ela de algum jeito, então.
Eu estava aflito, com medo de que Sirius fosse pego.
- Sirius... não deixe... de mandar notícias, OK?
- OK, falou ele com um sorriso ao estilo Sirius. Vou sempre mandar cartas pra você, Aluado.
- Ótimo, senão me deixará agoniado. E... outra coisa... quando for me mandar cartas, ou eu mandar cartas para você, é melhor que assine outro nome, aconselhei.
- É, disse Sirius pensativo. Boa. Mas que nome?
- É... hum... Snuffles?
Sirius olhou para mim com o cenho franzido.
- De onde diabos tirou isso?
- Ah... Um livro velho de História da Magia que andei lendo em Hogwarts. Acho que era um duende. Snuffles, o Inconseqüente, ou alguma coisa assim.
- Snuffles, o Inconseqüente? Você acha que eu sou inconseqüente?
- Vemos claramente os resultados da sua inconseqüência, falei, indicando o péssimo estado em que ele se encontrava.
Nós dois caímos na risada. Por um momento, parecia que os anos não tinham se passado.
- Tá certo, gostei. Snuffles. Vou assinar assim, nas cartas, e daí você manda as cartas pra mim assim.
E ele foi. Quase um ano se passaria até que eu o visse de novo.
Voltei à minha vida normal, ou seja, as roupas cada vez mais remendadas e batidas, prestando pequenos serviços, mal conseguindo me alimentar, perdendo levemente o contato com o mundo exterior. Estúrgio e Dédalo continuavam a me visitar, e eu os recebia com mais amistosidade.
Bem, depois do escândalo público que houve quando me descobriram lobisomem, ficou difícil até para arrumar os serviços temporários de Transfiguração costumeiros. Quando liam meu nome, cerca de 60% dos clientes se lembravam da matéria que o Profeta Diário publicou dois dias após minha saída do colégio. Viver ficava cada vez mais difícil.
Porém, agora que eu sabia que a vida valia a pena, eu tinha novo ânimo. Disposto a lutar contra a corrente, sentindo novamente que, embora meu presente não fosse o melhor, eu ainda tinha motivos. Que nem tudo era tão ruim assim, que meu passado não era uma mentira. As cores tinham voltado, e o sol brilhava de novo.
Foi nesse ano, pela época do Natal, que decidi fazer uma visita a meus amigos Frank e Alice no St. Mungus. Sim, eu nunca tinha passado lá desde que tudo tinha acontecido. O velho medo de encarar o passado e perceber que não passou de um sonho. Mas agora que eu era Remo Lupin de novo, no sentido pleno da palavra, me sentia preparado para essa prova.
É como sempre. Eu entro num lugar público e todos começam a me olhar torto. No meu pódio de coisas que me deixam infeliz, essa é a terceira, depois de sentirem pena de mim, e ainda mais depois de sentirem medo de mim.
Mesmo sentindo profundamente que a recepcionista não estava disposta a me dar uma informação amigável, me adiantei ao balcão.
- Por favor, eu gostaria de visitar Frank e Alice Longbottom...
- É parente?, me perguntou ela de maus modos.
- Não, amigo, disse.
- Então não é possível.
- Por quê?, perguntei.
- Porque eles foram atacados por bruxos das trevas. Ninguém garante que não vão voltar aqui para apanhá-los.
Percebi claramente que era apenas má-vontade.
- Isso já faz quase doze anos.
- Sinto muito, mas...
- ...você me acompanha, Lupin.
Me virei instantaneamente e dei de cara com Augusta Longbottom, a mãe de Frank, uma senhora de aparência magistral. Não era à toa que o Frank que eu conheci nos primeiros anos de Hogwarts era um garoto tão inseguro; provavelmente, perto da presença brilhante da mãe, ele se acanhava, e teve que esperar por Hogwarts para exibir seu brilhante potencial.
- A senhora é...
- Augusta Longbottom. A mãe de Frank. E esse rapaz tem permissão para visitar meu filho quando quiser.
Toda a sala de recepção do St. Mungus olhava para nós agora. E eu me sentia levemente encabulado por estar causando tanta confusão.
- Por favor, Lupin, me acompanhe.
- Obrigado, Sra. Longbottom, falei cortesmente, indo ao lado da mulher para o elevador.
No elevador, ela deu um bufo impaciente:
- Essas recepcionistas... O St. Mungus degenera cada vez mais.
- Desde a última vez que vim aqui não tinham tanta... como eu diria... falta de cortesia.
- E faz tempo desde a última vez que veio aqui, não, Lupin?
Me senti envergonhado por não ter vindo mais cedo visitar Frank.
- Eu... me desculpe... eu devia ter vindo antes. Mas... era tudo tão difícil...
- Não se preocupe, meu rapaz, eu entendo a confusão que devia estar em sua cabeça. Sirius Black, ninguém nunca desconfiaria dele, muito menos você.
Eu contive o sorriso. Uma alegria interna sempre me iluminava quando alguém dizia algo assim.
- Eu queria evitar o passado, Sra. Longbottom. Mas... o ano que passei em Hogwarts me ensinou muito. Acho que chegou a hora de rever Frank.
- Pode não ser como você pensa. Te contaram que Frank e Alice não reconhecem mais as pessoas?
- Sim... Mas mesmo assim quero vê-los. Nesse ano que passou, eu conheci Harry e Neville... e entendi que não adianta fugir.
- Neville falou muito de você nas férias. Disse que foi o melhor professor de Defesa Contra as Artes das Trevas que ele já teve.
- Exagero das crianças, sorri, segurando aberta a porta do elevador.
A Sra. Longbottom passou, e eu aproveitei para emendar:
- Neville é um bom garoto. Mais inseguro do que Frank, eu diria, mas é muito corajoso.
- Neville é sim, um bom garoto, porém nunca teve o potencial que Frank tinha para os feitiços...
Então era por isso que Neville era mais inseguro ainda que Frank.
- A senhora não deveria falar isso dele..., falei. Ele é um menino talentoso. Só tem um bloqueio provocado pela sua ansiedade.
A Sra. Longbottom fez um gesto de "não sei", quando entramos na enfermaria.
Uma enfermeira alegre veio nos receber.
- Ah, Sra. Longbottom, já estava esperando-a! E trouxe outra pessoa! Qual é o seu nome?
- Remo Lupin. Amigo de Frank.
Ela deu um enorme sorriso.
- Miriam Strout. Amigos são sempre bem-vindos, eles realmente estimulam as pessoas a se recuperarem... Podem vir vê-los!
Olhei para as pessoas. Havia muitas vítimas de feitiços irreversíveis, que não falavam claramente, olhavam para a parede sem reação, tinham a aparência deformada, ou outras coisas do gênero. O que mais me chamou a atenção foi ver um homem loiro e sorridente a um canto do quarto, rindo para suas fotografias, no qual eu reconheci Gilderoy Lockhart.
- É, eu tive sorte, falei baixinho, quando fomos ver Frank e Alice.
Teve uma intensidade maior do que ver Sirius após seus doze anos de Azkaban, magro feito uma caveira. Frank Longbottom havia emagrecido muito. Seus olhos sempre otimistas haviam perdido o brilho. Ele olhava para a parede, parecendo apenas um corpo sem animação, sem vida. Alice, pobre Alice. Seu rosto tão bonito, sempre irradiando alegria como o sol, tinha se afinado, emagrecido também. Seus cabelos cheios eram agora mal-cuidados, opacos. Quando me olharam, não vi aquele sorriso costumeiro e aquela doçura otimista que costumavam ter no olhar. Lembrei-me de uma cena de antigamente, quando éramos apenas garotos de 18 anos no Expresso de Hogwarts, partindo pela última vez.
"- Nós não temos o poder, falei para eles, quando ouvi pela milésima vez sobre como estava abatido. Não podemos mudar o mundo.
- Mas também nunca dizemos nunca, me disse Frank sorrindo. E essa é a nossa força."
Força. Irônica palavra. Ver eles assim, alquebrados...
- Frank?, chamou a Sra. Longbottom, pondo a mão no ombro do filho.
Ele a olhou sem mostrar sinal de reconhecimento nos seus olhos azuis.
- Frank, estou aqui, falou ela, e eu pensei como ela tinha de ser forte, passando por tudo aquilo. Remo veio te visitar.
Ele olhou para mim, vagamente. E um brilho muito fugaz passou pelos seus olhos. Naquele instante, captando aquele brilho, percebi que não deixara de ser o velho Frank. Que ainda estava lutando, e nunca iria dizer nunca. Que iria voltar um dia.
- Estarei esperando quando você voltar pra nós, falei sorrindo. Nunca dizer nunca, lembra-se?
Ele sorriu vagamente, como se captasse o sentido das palavras.

¬¬¬

A visita a Frank me deixou consideravelmente melhor, e comecei a repetir aquilo mais vezes, até que se tornou um hábito visitar Frank e Alice de quinze em quinze dias.
Nesse ritmo, chegou o novo ano, cheio de esperanças. Eu soube, pelos jornais, que Harry estava concorrendo ao Torneio Tribruxo (apesar de que O Profeta Diário falava algumas coisas que eu duvido que realmente tenham acontecido, como Harry entrar clandestinamente no concurso - se ainda fosse Tiago...), reorganizado naquele ano. Soube pelas cartas de Sirius que ele estava indo bem, mas que andava em perigo.
Coisas estranhas vinham ocorrendo desde o verão do ano passado. O sumiço de Berta Jorkins, funcionária do Ministério (e um ano mais velha que nós), a misteriosa doença de Bartô Crouch, que o fez desaparecer do trabalho por meses; depois um súbito reaparecimento nos terrenos de Hogwarts, seguido de uma suposta "evaporação", pois o homem teria estuporado um dos campeões e desaparecido sem deixar rastro.
Estava preocupado com Harry, recebendo notícias dele por intermédio de Sirius, que, assim como eu, desconfiava que alguma coisa estava prestes a acontecer durante a terceira tarefa, e Sirius repassava meus conselhos de cautela para o garoto. O meu amigo tinha voltado ao país, e se instalado em Hogsmeade, mas eu temia que, ao aparecer, alguém desconfiasse de algo e ele caísse nas garras do Ministério.
Tudo isso até uma noite muito escura. Eu estava ansioso à espera de uma coruja de Sirius. Naquele dia, aconteceria a terceira tarefa, e Sirius ficara de me avisar sobre o que acontecesse. Era um dia insuportavelmente quente, e eu estava sentado no sofá, tentando desesperadamente me refrescar, quando ouvi batidas na porta.
Imaginando quem deveria estar me visitando àquela hora da noite - provavelmente alguém do Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas, querendo verificar o que eu andava fazendo (às vezes é horrível você ser considerado uma criatura mágica) -, fui atender.
Dei de cara com meu amigo Sirius Black. Novamente magro e acabado, o rosto marcado por linhas de expressão, os cabelos desgrenhados, e um brilho febril nos olhos. Tinha um aspecto melhor desde a última vez em que nos vimos, mas continuava esquelético.
- Sirius!, exclamei, dando passagem ao meu amigo, que praticamente desabou em cima do meu sofá.
- Viagem... cansativa... fazia muito tempo que eu não aparatava... fui parar em uns cinco lugares diferentes até acertar...
Eu fechei a porta, apressado, enquanto corria a apanhar um café e alguns biscoitos para meu amigo. Ele praticamente se atirou aos biscoitos.
- Por que não me avisou que vinha?, perguntei repreensivo. Poderia ter preparado alguma coisa!
- Remo..., murmurou ele, depois de engolir o décimo biscoito. Remo... ele voltou.
- Quem?, perguntei, sem entender imediatamente.
- Voldemort. Ele voltou.
Senti minhas pernas fraquejarem. Por um instante, pude sentir todo o meu corpo, consciente de cada pulsação do meu coração, cada respiração, cada arrepio que percorria as minhas costas. Depois, meu corpo todo afrouxou e eu desabei de mau jeito em cima do sofá, indo ao chão em seguida.
- Remo!, exclamou Sirius, me ajudando a levantar, e me depositando no sofá.
Minha cabeça girava em pânico. Tinha demorado, mas a paz tinha acabado. A trégua tinha se findado. Ele estava de volta.
- Ele voltou…, repeti.
De repente, meu pensamento deu uma brusca guinada na direção de Harry.
- E Harry? Como ele está? Ele está bem? Está vivo?
- Sim, disse Sirius, ele está vivo. Vivo mas chocado. Eu sabia... a gente sabia... que ia acontecer alguma coisa na terceira tarefa. A maldita Taça Tribruxo, Remo, era uma Chave de Portal.
- E para onde ele foi?
- Eles. Cedrico Diggory, o campeão de Hogwarts, foi junto, os dois pegaram a taça juntos. Então, Diggory foi eliminado.
- Diggory, o filho de Amos?
Amos Diggory era do Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. Um dos poucos que me tratava bem naquele departamento, sempre solícito, quando eu vinha renovar meu registro como lobisomem ou outras coisas do tipo.
- Sim. Está morto. Morreu na frente do Harry. Depois, o Harry foi forçado a assistir a volta de Voldemort, que estava sendo ajudado por ninguém menos que nosso amigo Rabicho...
Vi suas mãos se crisparem de raiva.
- E como foi? Magia Negra?
- Sim. Rabicho pegou um osso de sei lá quem, cortou o próprio braço e pegou sangue de Harry. Juntou tudo isso numa poção e Voldemort retornou. E Harry foi forçado a lutar contra mais de cinqüenta comensais...
Eu estava absolutamente chocado.
- E como ele escapou? Ele só tem quatorze anos!
- Priori Incantatem.
A cada instante eu ficava mais espantado.
- A reversão do feitiço?
- Sim. A varinha de Harry e a varinha de Voldemort tem penas da mesma fênix, daí a varinha de Harry forçou a de Voldemort a fazer a reversão do feitiço. Isso deu a Harry tempo suficiente para correr.
Eu respirei fundo, e Sirius continuou:
- Ele trouxe o corpo de Diggory, mas o mais impressionante você não imagina.
- Não, não imagino.
- Sabe quem está dando Defesa Contra as Artes das Trevas esse ano em Hogwarts?
- Moody, respondi prontamente.
- Não... não é Olho-Tonto.
- Como assim? Os jornais dizem, a matéria de Rita Skeeter sobre Hagrid deixa bem claro...
- Todos pensavam que era Moody. Na verdade era um Comensal.
Meu queixo caiu.
- Um Comensal? Quem?
- Bartô Crouch Jr. O filho do Crouch. Aliás, Crouch está morto.
Decididamente eu não estava entendendo mais nada.
- Crouch Jr não tinha morrido? Você falou!
- Estava vivo. Crouch o tirou de lá sem que ninguém soubesse. Manteve-o sobre a Maldição Imperius por quase onze anos, até que Voldemort descobriu o seu paradeiro, por causa da Berta.
- A Berta? Descobriram o que aconteceu com ela?
- Encontrou Rabicho durante as férias, quando ele estava procurando Voldemort. Lógico que Rabicho não podia deixar que ninguém soubesse que ele estava vivo, então levou Berta até o lugar onde se refugiara Voldemort. Ela sabia do segredo de Crouch, e o contou.
Suspirei.
- Berta sempre teve a língua maior que a cabeça, resmungou Sirius.
- Que Deus a tenha.
- Bem, então, Crouch Jr se internou em Hogwarts e tentou matar Harry quando pensou que ninguém estava vendo. E agora estamos com o Ministro achando que ele fez tudo porque estava louco, que Voldemort não voltou e que estamos arrumando problemas.
- É... e estamos arrumando problemas. Com o Ministério.
Sirius se largou no sofá também.
- Tanto tempo... E começa tudo de novo. Dumbledore me mandou reorganizar a Ordem.
- Como nos velhos tempos, eu disse. Mas, desta vez, não vamos morrer como moscas!
- De jeito nenhum... Posso ficar aqui? Dumbledore me disse para esperar o contato dele.
- Claro.
Sirius sorriu, e eu sorri para ele. Tempos difíceis estavam por vir, mas iríamos conseguir como sempre fizéramos: cabeça em pé e morrer com coragem!


N.A.: Comentem! 17 ainda hoje!

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.