O misterioso presente
Gina acordou pouco antes das cinco da tarde. Tivera bastante tempo para pensar sobre a lembrança que viera a sua mente algumas horas antes, mas ainda não achava-se preparada para encarar a todos; provavelmente teriam muitas perguntas, ou ainda pior: fingiriam não ter nenhuma.
Sentindo-se inquieta, levantou-se da cama e começou a arrumar o guarda-roupas; algo lhe dizia que nunca fora realmente organizada e não conseguia tirar a imagem de Hermione ralhando com ela por esta razão, embora não tivesse certeza se aquilo era uma lembrança ou influência do que já reconhecia ser a personalidade da amiga.
Estava colocando a capa em um cabide quando encontrou um embrulho dentro do bolso interno. Inicialmente não o reconheceu, mas logo em seguida, lembrou que Daniel havia lhe dado quando o encontrara no Beco Diagonal. No fim, nem mesmo abrira o presente do garoto. Desembrulhou o papel pardo, curiosa e deparou-se com uma capa de couro de dragão antiga que dizia Diário em letras douradas na capa. Teve que sentar-se na cama para conter a tontura que tomou conta de si logo a seguir. Imagens perpassavam sua mente em uma velocidade incrível, embaralhadas como em um sonho, mas pareciam muito reais.
Ela atirava um diário muito semelhante àquele em um banheiro; havia uma cobra imensa próxima a si; um jovem moreno e muito bonito conversava com ela; ela escrevia palavras com tinta vermelha em uma parede; Harry estava ferido, seu braço sangrava e ele parecia muito mal.
Ele salvara sua vida.
Assim como vieram, as imagens se foram. Ela ficou ali, chocada, tentando compreender o que tudo significava, mas não pôde. Ao invés disso, abriu o diário e começou a escrever o que havia visto, notando que, a medida que escrevia, as datas, pessoas e coisas se conectavam, formando uma espécie de glossário como o que ela havia feito em seu bloco de notas. Ora, então o presente de Daniel seria bastante útil.
Harry pegou o sanduíche da senhora Weasley e um copo de suco de abóbora e colocou-os em uma bandeja, juntamente com um guardanapo e uma das flores do grande buquê que estava sobre a mesa da cozinha e subiu para o quarto de Gina.
Bateu na porta duas vezes antes de entrar, sem permissão. Gina dormia tranquilamente em sua cama, os cabelos vermelhos espalhados pelo travesseiro branco, o vestido amarelo contornando suas curvas perfeitas e movimentando-se lentamente, no ritmo de sua respiração.
Sua vontade era acordá-la com um beijo suave em seus lábios e acariciar sua face, como costumava fazer, mas as coisas haviam mudado. Já estava dando meia volta para sair do quarto quando Gina murmurou seu nome, sonolenta.
- Volte aqui com meu lanche – disse ela.
Harry sorriu e foi até a cama dela, sentando-se ao seu lado.
- Não queria acorda-la, desculpe.
- Não se preocupe, eu já estava acordada, devo ter cochilado – disse ela sentando-se na cama ao que Harry lhe entregou a bandeja.
- Um sanduíche espacial Molly Weasley e um suco de abóbora. – citou ele.
Gina riu e tomou um gole de seu suco sem realmente querer.
- Ainda estou sem fome – disse ela. – Parece que meu estômago...
- ...ainda não acordou – completou Harry instintivamente ao que Gina exibiu uma expressão intrigada – Você sempre dizia isso – explicou ele.
Gina sorriu, mas não disse nada, apenas deu uma mordida em seu sanduíche. Sabia que ele estava curioso para saber do que ela havia lembrado, mas ainda estava, ela mesma, processando a informação. Por fim, achou que, talvez, devesse falar com ele sobre o assunto.
- Eu venho tido alguns pesadelos nos últimos tempos – começou ela ao que ele ergueu a cabeça, atento – Não consigo entender quase nada, são cenas espaçadas.
- Foi do que se lembrou hoje? – perguntou ele sem se conter.
- Não, hoje foi outra coisa – disse Gina – Mas algo me diz que estão conectadas.
- Como assim? – perguntou ele sem entender.
- Bom, há um livro e eu o atiro em um banheiro, mas sou eu com bem menos idade. – disse ela - E depois vejo a mim mesma escrevendo em uma parede com letras vermelhas. Depois aparece um lugar escuro e há uma cobra enorme, um garoto moreno e você está lá também, com o braço ferido. – citou ela – Não devo estar fazendo nenhum sentido, não é mesmo?
- Não, você está – disse Harry – Tem sonhado com a Câmara Secreta.
Aquilo não fez sentido para ela.
- No seu primeiro ano em Hogwarts você tinha um diário – explicou Harry – Este diário pertencia a Voldemort.
Gina arregalou os olhos.
- E como eu consegui uma coisa dessas?
- Colocaram nas suas coisas, você não tinha como saber – disse Harry – Bom, durante o ano, você conviveu com o Voldemort do diário, Tom Riddle, ele falava com você através do livro, mandava você fazer coisas...
- Que tipo de coisas? – perguntou Gina
- Não importa – disse Harry preocupado com a reação dela se contasse.
- É claro que importa – ralhou ela – E não se atreva a me esconder isso, é da minha vida que estamos falando. Que coisas, Harry?
Ele a encarou. Gina tinha aquela expressão forte e determinada no rosto, aquela expressão que o fazia ter vontade de fazer tudo para ela.
Engolindo em seco, respondeu:
- Coisas como escrever mensagens com sangue nas paredes do castelo.
- Sangue? – disse ela desgostosa – E eu fui estúpida o bastante pra fazer amizade com uma criatura não identificada, dentro de um livro que havia surgido no meio das minhas coisas e ainda fiz o que ele mandava sem desconfiar?
- Você desconfiou – disse Harry – Por isso tentou jogar o diário fora; foi quando eu o encontrei. Naquela época, a escola estava sendo atacada por um monstro gigante...
- Uma cobra – completou Gina.
- Um basilisco – disse Harry
- E eu a atiçava conta as pessoas, não é? É isso que você estava dizendo que não importava?
- Gina, está tudo bem, ninguém se feriu gravemente – disse Harry.
- Porque você impediu, não é mesmo? – disse ela.
- Tom Riddle prendeu você na Câmara Secreta, eu descobri onde estava e então fomos resgata-la. – disse ele ignorando a última fala dela.
- Só lembro de você lá, com seu braço ferido – disse Gina.
- Rony e o professor Lockhart ficaram para trás por causa de um desmoronamento – disse Harry – Então fui atrás de você, matei o basilisco e feri meu braço.
- E quanto a Tom Riddle? – perguntou Gina.
- Eu o destruí – disse Harry.
Gina ficou em silencio por algum tempo. Então, pegou o sanduíche sobre o prato na bandeja e comeu-o vagarosamente. Harry não ousou dizer uma só palavra, tampouco pensou em sair dali. Sabia que Gina estava administrando toda aquela informação, mas achava que havia mais a se dizer, portanto, esperou. Esperaria o tempo que fosse necessário.
Assim que terminou o sanduíche e bebeu o suco de abóbora, deixando a bandeja de lado, Gina encarou Harry nos olhos, encontrando certa familiaridade naquele olhar.
- Salvou minha vida – disse ela.
Harry não disse nada, somente abaixou os olhos, infeliz.
- Nem sempre pude lhe salvar – disse ele.
- Não – disse Gina calmamente -, houve o momento em que eu precisei pagar minha dívida.
Harry encarou-a imediatamente. Não precisava de mais nada para saber exatamente ao que ela se referia e do que havia se lembrado.
- Gina...
- Eu nunca lhe perguntei como havia perdido a memória. – disse Gina – Mamãe disse que foi durante a última batalha entre você e Voldemort, que eu estava lá, mas ela não sabia detalhes. Hermione disse a mesma coisa e recomendou que eu perguntasse a você, falou que você saberia explicar, mas eu não perguntei e não foi por falta de curiosidade.
- Então...? – começou Harry confuso.
- Você parecia tão mal com tudo, parecia sentir-se culpado pela minha falta de memória...
- Mas eu fui! Não estava conseguindo agüentar, se não fosse por você... – disse ele – Você viu, você sabe!
- A única coisa que eu vi é que você estava cansado, ferido, que Voldemort era muito poderoso e havia aquela estranha ligação entre vocês. – disse Gina - Eu tinha uma dívida com você, eu tinha aquele sentimento que nem agora consigo definir ao certo e eu estava ali, podia ajudar.
- Não às custas de si mesma! – protestou Harry revivendo a mesma sensação que tivera quando viu Gina aparecer próxima a ele e Voldemort naquela noite.
- E quantas vezes, por acaso, você quase se sacrificou por outra pessoa, por mim? – disse ela e continuou, impedindo-o de interromper – Não é preciso lembrar de você pra saber a resposta, Harry. Tem que parar de achar que só você pode ajudar as pessoas. Você também precisa ser salvo.
- Não quando a sua vida está em jogo.
- Também quando minha vida está em jogo – rebateu ela naquele tom que dispensava argumentos – Se você ama alguém, Harry, tem que deixar que lhe corresponda à altura.
Ele não disse nada, não achou que seria capaz. Lá estava ela novamente, fazendo aquele nó dolorido formar-se em sua garganta, lhe dizendo todas aquelas verdades e ensinando todas as coisas que ele ainda não havia aprendido.
- Gina...
- Quanto tempo se culpou por aquela noite, Harry? – indagou ela tocando a mão dele delicadamente – Há quanto tempo vem guardando isso só para si mesmo?
Ele a encarou por alguns segundos, sabendo exatamente qual seria a reação dela assim que lhe desse a resposta.
- Desde que você foi atingida.
Ela encarou-o, penalizada; em seguida atirou-se sobre ele e abraçou com força
- Por Merlin, Harry! – disse ela e ele sentiu novamente toda aquela determinação que somente Gina tinha – Você é realmente idiota.
- Obrigado, me sinto bem melhor agora – brincou ele fazendo-a rir e separar-se dele, encarando seriamente os olhos dele.
- Eu me lembro exatamente porque fiz o que fiz naquela noite, Harry – disse Gina – E estará diminuindo minha atitude caso se responsabilize por isso.
Ele encarou-a, entendendo.
- Eu nunca havia pensado dessa maneira – disse ele – Nunca havia imaginado...
- ...o significado do que eu fiz? – perguntou ela astutamente – Sugiro que comece a pensar de agora em diante.
- Como é que eu ia me lembrar...
- Que salvou minha vida? Que eu estava te devendo? – perguntou ela –Pelo que eu sei, a desmemoriada aqui sou eu.
- Nem brinque com isso – ralhou ele fazendo-a rir – E você não estava me devendo coisa nenhuma, eu nunca...
- Sei que jamais viu isso como uma dívida – disse Gina –, mas estamos falando de um contrato mágico. Nem o menino-que-sobreviveu pode controlar isso. – Harry ia protestar, mas ela continuou - E, se quer saber minha opinião, fico realmente satisfeita por tê-la pago com dignidade.
Harry sorriu, era impossível contradize-la, como sempre.
- Onde está seu bloco de notas? – perguntou ele olhando em volta.
- Por aí – disse ela displicentemente – Porque quer saber?
- Tem que adicionar as palavras “orgulhosa” e “teimosa” lá onde diz “Gina Weasley”.
- Ora, eu tinha a impressão de tê-las escrito onde dizia “Harry Potter” – brincou ela e pulou da cama logo em seguida, pois Harry estava a ameaçando com cócegas.
Naquele momento, Molly Weasley passou na frente o quarto da filha e ouviu risadas e correria lá dentro. Pensou em abrir a porta e verificar a bagunça que estava acontecendo ali; Gina tinha desmaiado, não podia descansar com tamanha agitação no quarto. Estava praticamente girando a maçaneta quando ouviu a risada de Harry ali dentro. Parou. Se ele estava ali, ela ficaria bem.
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