capítulo 21
Quando Sarah deu por si, depois daquela sensação maluca que a aparatação repentina lhe causara, fazendo seu estômago revirar, estava de novo na sala em que conversara com Snape, na noite anterior, e ele a fazia sentar-se na poltrona.
- Então? – ele perguntou, por fim – Melhor agora?
Sarah o fitou por alguns instantes, depois acenou positivamente com a cabeça. Ainda não entendia o porque da partida intempestiva da Toca, mas desistiu de perguntar a razão ao ver sua expressão carregada e séria. Então, voltou a atenção para o recorte em suas mãos. Precisava ler aquilo com atenção, ter certeza de que não se enganara em suas conclusões.
“ Magda Dolohov foi vista pela última vez esta manhã, em frente ao Caldeirão Furado. Ao ser interceptada pela equipe de Aurores, acionou uma chave de portal ilegal, levando consigo a criança raptada no dia anterior, de uma família residente em Spinners End...”
Sarah largou o Profeta e pegou o outro recorte, do jornal trouxa.
“Uma criança foi raptada ontem de sua residência, em Spinners End, na vila fabril de...
... A menina, nascida a 09 de janeiro, filha do casal Eileen e Tobias Snape, foi levada por uma mulher desconhecida, que há dias já era vista rondando a propriedade, segundo comentaram alguns vizinhos...”
- Não é possível, quer dizer... o que isso tem a ver comigo? Eu tenho 35 anos, nasci em 71. Por que uma notícia de uma menina raptada em 1960 pode ser importante pra mim? Tudo bem que esta mulher é uma maníaca que passou décadas raptando crianças sem ninguém conseguir prendê-la, mas...
- Magda Dolohov era esposa de um comensal da morte – Snape falou.
- E daí? – Sarah continuava perdida.
- Enlouqueceu, quando o marido matou a própria filha, por achar que era um aborto. Daí, passou anos vagando, dizendo que a filha fora raptada, tentando encontrá-la. Chegou a ser internada no St Mungus, mas um descuido dos funcionários permitiu sua fuga... foi quando viu a pequena Serenna com a mãe, na saída do hospital, e seguiu-as. Ficou espreitando a casa da família, até conseguir uma oportunidade de entrar... e levar a criança. Ao que parece, enfeitiçou um objeto da própria criança para produzir a chave de portal, e como este objeto já possuía uma carga mágica própria, a chave não funcionou como de costume...
Sarah continuava aflita, e não entendia do que ele estava falando. Snape respirou fundo, ficando na beira da poltrona, estendendo o corpo para a frente e retirando do bolso a corrente de prata com o medalhão, que Sarah tão bem conhecia.
E colocou-a na palma da mão de Sarah, fechando-a e retendo-a entre as suas.
Ao fazer isso, algo diferente aconteceu. Suas mãos quentes apertavam as de Sarah, úmidas e frias, mas ela sentiu um calor vindo de dentro... da jóia. Snape forçou-a a abrir as mãos, e os dois puderam ver algo incrível... a jóia emitia pequenos e fracos raios luminosos, verdes e azuis. Então, Snape a tomou de suas mãos, e ao contrário do que Sarah esperava, a colocou gentilmente em seu pescoço.
Então, ante seu olhar confuso e amendrontado, levou suas mãos aos lábios, e as beijou, murmurando:
- Bem-vinda ao lar, Serenna Beatriz... Snape. E pelo visto, você é tão bruxa quanto eu... e nossa mãe, Eileen Prince... ou não acionaria esta chave de portal tão facilmente.
Sarah o fitou, ainda mais assustada.
- O que você disse?
- O que você ouviu.
- Não estou entendendo. Por favor, que tipo de brincadeira você resolveu fazer agora?
- Não estou brincando. Não entendeu de quem este jornal fala? De minha irmã, minha irmã gêmea, seqüestrada com pouco mais de um mês de idade, e nunca encontrada... até agora. – Snape estava muito sério, mas Sarah não conseguia acreditar.
Eles ficaram em silêncio por longos minutos. Por fim, Sarah se soltou de suas mãos, ergueu-se e correu. Segurava o pingente entre as mãos, aflita, murmurando como se proferisse uma prece.
Não sabia pra onde ia, só sabia que queria ir pra longe dali...para casa... e a jóia piscou, e ela ficou zonza... e caiu.
Sarah abriu os olhos. Onde estava? De que se lembrava? Ah, sim, sonhara um sonho estranho, pensou, ao reconhecer-se na velha casa dos pais, em seu velho e seguro quarto, que sempre dividira com Berenice. Mas ela não estava lá, agora, Sarah estava sozinha.
Sentou-se na cama, sentindo um calor intenso. Por que fora dormir com todas aquelas roupas? Em pleno verão? Suava e sentia frio, devia estar com febre. Tirou as roupas de inverno, atirando-as pelo chão. Tinha a garganta seca, então quis ir à cozinha buscar água.
Tivera um pesadelo estranho, sonhara que fora a Londres, e descobrira que Snape, um bruxo dos livros de Harry Potter, existia de verdade... Só ela mesmo, pra sonhar uma coisa assim.
Foi no escuro mesmo, até chegar lá e automaticamente procurar a geladeira, que estava vazia, vazia... e desligada.
Atônita, tentou acender a luz. Nada. Então, tentou perceber alguma coisa na escuridão quase total. Voltou pela casa, abrindo cada cômodo para perceber apenas o abandono. Móveis cobertos por lençóis que a pálida luz da lua minguante ainda fazia cintilar, poeira sobre o que estava desprotegido, silêncio e solidão.
Já começava a ficar desesperada, pensando que saíra de um pesadelo e caíra noutro, quando um forte estalo a faz pular e gritar de susto.
- Lumus! – alguém disse, e a casa se iluminou.
Então, ela piscou várias vezes, até se acostumar com a luz súbita, e o que viu a fez gritar de novo.
Snape se aproximou com passos rápidos, segurando suas mãos. Vendo que não estava com a jóia, respirou aliviado.
- Por um minuto, pensei que você fosse sumir de novo... e talvez se perder no tempo... esta chave é perigosa, ainda não sabemos controlar seus efeitos... Você deve estar louca, pra...
- Por favor... – Sarah o cortou, com voz súplice – eu... não estou entendendo... o que aconteceu? Como vim parar aqui? Estou ficando louca mesmo, é isso.
Snape a olhou, penalizado. Esperou alguns minutos, até que ela se mostrou menos confusa, sabendo pelo menos quem era ele. Então, com delicadeza, perguntou:
- A corrente, com o medalhão, onde está?
- Não sei, deve ter caído no chão, acordei no meu quarto.
Ele a deixou sozinha e foi até o quarto, voltando em seguida, com a corrente na mão. E lhe pediu:
- Por favor, confie em mim. Vou te levar de volta, e então, prometo explicar tudo, com calma. Certo?
Sarah olhou para ele e suspirou. Era só o que podia fazer agora, confiar nele... por mais estranho que pudesse parecer isso. Tentou pensar apenas no homem que conhecera antes, que passara tantos dias naquela casa, sem ao menos saber que era um bruxo. Tentou ver o homem que se surpreendera ao lembrar o passado, e mesmo assim conseguira sorrir e brincar com aquilo, transformando suas pantufas preferidas em coelhos rosados. Esta lembrança a fez se sentir mais tranqüila, e ela sorriu debilmente, respondendo que sim.
Mais uma vez, Snape a levou de volta para casa. Quando chegaram, ele a fez se sentar novamente, mas com muito carinho e cuidado, como se achasse que ela desaparecia a qualquer gesto brusco.
Depois de conjurar um chá calmante – sim, este continha uma poção calmante, ele disse – Snape também se sentou e esperou que ela terminasse de bebê-lo.
Foi a própria Sarah quem quebrou o silêncio:
- Estou bem, agora. E acho que já consigo concatenar as idéias sem entrar em pânico, como se fosse o fim do mundo...- ela respirou fundo enquanto pensava que não deixava de ser o fim de um mundo: o seu mundo!
- Então, vou repetir o que já tentei te explicar, ontem – Snape estava sério, mas seu rosto era sereno, não havia sinal de raiva ou impaciência – Esta é uma jóia de família. A família de minha mãe. Mas ela se casou com um trouxa, como você já sabe...
- Sim, eu sei. Mas como... – ela já quase se levantava.
- Sarah...
- Está bem, continue, estou ouvindo – ela fez um gesto de rendição com as mãos e se recostou novamente na poltrona.
- A inscrição no verso da medalha, alguma vez você conseguiu ler?
- Sim, quando jovem. Mas não entendi seu sentido, são dois adjetivos aparentemente tão opostos que...
- Não são adjetivos, são nomes... Veja você mesma – e com um aceno da varinha, ele projetou as palavras no ar, ampliadas
“Para Sempre Serenna e Severus”
- Entendeu agora? – ele tinha o olhar ansioso, embora a voz fosse contida.
- Mais ou menos... quer dizer. Severus é você, claro. E Serenna...
- Minha irmã gêmea, ou seja, VOCÊ.
Sarah o fitou, ainda confusa. Não conseguia assimilar aquilo totalmente...
- Mas... minha data de nascimento... não confere... e...
- Você parece ter esquecido dois pequenos detalhes: primeiro, que... seu pai... lhe deu a mesma data de nascimento de Berenice, ao registrá-la como filha, tornando-as “gêmeas”, como você mesma me contou.
Ele esperou que ela desistisse mais uma vez de interrompê-lo, e continuou:
- Segundo: esta chave de portal é diferente das outras. Age também sobre o tempo, ou isso aconteceu sem que fosse esperado, um erro no feitiço de portal. Diga-me, quantos anos eu tenho?
- 46, não é? Você nasceu em 1960, todo mundo nos... fóruns, sabe. Em 09 de janeiro.
- E aparento ter 46? Esqueceu que estive desaparecido por 8 anos inteiros? Que desapareci em frente ao Caldeirão Furado, em 1998, e só apareci em sua cidade, em 2005? Esqueceu que você mesma brincou que minha aparência ajudaria a convencer a todos que eu dizia a verdade, pois não tinha “envelhecido”?
- Mas... ah, meu Deus, isso é muito louco pra ser verdade!
- Os testes que fizemos com seu cordão e esta medalha, mostraram que ela já continha um feitiço poderoso, para que sempre fosse acionada em defesa de um membro da família. Só que a louca da Mag... sobrepôs um feitiço formador de portal, o que provocou alguma espécie de “efeito colateral”... abrindo uma brecha de tempo. Foi isso que a levou, e ao bebê, ou seja, você, para uma faixa de tempo diferente. Quanto ao local – Snape respirou fundo – Imagino que ela tenha pensado que Brasil era longe o suficiente para não ser encontrada... os controles mágicos lá são completamente diferentes dos nossos... menos rigorosos... isso sempre foi fato conhecido.
- Então...
- Minha cara... você ganhou 8 anos a menos, sem precisar do que as mulheres trouxas chamam de cirurgia plástica. – ele comentou, risonho, tentando quebrar a tensão.
Sarah entendeu, mas não riu, como ele esperava.
- Você quer dizer que perdi 8 anos, isso sim. E por duas vezes...Quer dizer, aquela noite, no Beco Diagonal, então fui eu quem provocou seu desaparecimento?
- Sim. Harry e Lupin, após eu simplesmente sumir, não conseguiam entender. O comensal fora estuporado a tempo, embora tivesse me ferido gravemente antes de cair.
- E você me salvou do feitiço dele, pulando daquele jeito – Sarah exclamou, reconhecendo o quanto correra perigo naquele momento.
- Mas você me “salvou” primeiro. Acionou um feitiço que só funcionaria em favor de um membro da família, e me tirou do perigo. Infelizmente, o “efeito colateral” ocorreu de novo, talvez seja o local, Mag desapareceu dali também... Pode ser uma interferência dos feitiços anti-trouxas do Caldeirão.
Snape se pôs pensativo. Aquilo não tinha lhe ocorrido antes. Afinal, Mag Dolohov desaparecera no mesmo local, isso era possível. E, claro, ele “aparecera” no mesmo local que Sarah, com um lapso de tempo semelhante.
Sarah, de alguma forma, acompanhara-lhe o raciocínio. E perguntou:
- Será possível que o Caldeirão Furado, por ser a passagem para o Beco Diagonal, tenha uma ressonância com aquele depósito velho? Como se fossem duas entradas para um mesmo portal alternativo?
A expressão que ela usou o fez franzir o cenho, provavelmente tirada de um daqueles filmes trouxas, mas ele entendeu o sentido. Era possível sim, ainda mais que se lembrou dos comentários de Martinho sobre o lugar. Talvez valesse a pena fazer contato com o Ministério Bruxo Brasileiro e averiguar esta possibilidade, ou perguntar se haveria próximo dali uma região legitimamente bruxa, o que explicaria a força da chave no local.
Enquanto ele avaliava tudo isso, Sarah ainda digeria a informação, e lembrou-se de algumas coisas que haviam acontecido, coisas que ele dissera e que lhe pareceram estranhas, e resolveu por tudo em pratos limpos de uma vez:
- Quando você soube? Só depois de voltar pra cá ou...
- Bem antes. – ela a fitou com ar maroto – Na verdade... foi Felipe quem me contou.
- Felipe? Meu irmão? Agora, você é que deve estar louco. Como Felipe saberia uma coisa dessas? E ainda, como não me contaria?
- Ele teria feito isso, se eu não tivesse lhe aplicado um feitiço de memória. Nele e... em seu pai também.
- Você não fez isso! – Sarah estava indignada, e ele sentiu-se péssimo com isso.
- Foi no Natal, quando Felipe chamou a mim e a seu pai para uma conversa na biblioteca... você se lembra? – como ela não disse nada, continuou – Desde aquela seção de hipnose, em que relatei a lembrança de uma discussão entre meus pais, eu comecei a desconfiar de que não era filho único como sempre pensara, e Felipe tirou suas próprias conclusões também. E fez, como ele mesmo disse, umas pesquisas “laboratoriais”..
- Não entendi. – Sarah estava perplexa.
- Quando eu fui socorrido, tiraram uma amostra de meu sangue, não foi?
- Claro! Precisavam testá-lo, ver o tipo, fator rh, essas coisas, além de exames para detectar infecções, essas coisas...
- Bom, disso eu não entendo... mas foi você quem me doou o sangue que julgaram ser necessário, e acredito que saiba que uma amostra do seu também foi guardada.
- Sim, é o de praxe.
- Pois seu irmão, por algum motivo, ou somando dois mais dois, como ele mesmo disse, resolveu averiguar. E mandou as duas amostras para o laboratório e pediu um exame de...
- DNA?
- Isso!
- Meu Deus! – Sarah conseguiu murmurar – Não me diga que deu...
- Como ele disse, 99% de chances de termos os mesmos pais. Martinho, claro, achou maravilhoso que finalmente se descobrisse um parente consangüíneo seu. Eu, porém, imaginei que você, e todos eles, correriam perigo. Eu estava fora do mundo bruxo e sem notícias do que acontecera em mais de 8 anos... tive receio de que algum antigo comensal mais louco que os outros estivesse ainda provocando perseguições e mortes, ou uma caça aos “traidores”. Revelar a você que era minha irmã desaparecida pareceu extremamente perigoso. Então, alterei-lhes a memória e saímos todos da biblioteca como se falássemos daquele esporte favorito deles... futebol, não é?
- Sim... Entendo... E quem mais sabe?
- Bem... Apenas Ana e Molly Weasley, Harry Potter e Alan...
- Alan! – Sarah exclamou – Por isso, insiste em me chamar de tia!
Snape sorriu. Pelo visto, ela estava reagindo de forma mais tranqüila, agora. E não apenas pela poção calmante. Era de novo a Sarah que conhecera.
Com efeito, Sarah fora assimilando tudo que ele falava com tranqüilidade, resolvida a se manter serena.
Serena... ou melhor, Serenna era seu verdadeiro nome! Mas não achava que se acostumaria com ele. Preferia ser apenas Sarah Laurent. E aquela pobre mulher...
- Você ainda sente pena dela, depois de todo o mal que causou?
- E não deveria? Uma mãe que enlouqueceu de dor é digna de compaixão, não é? Ela causou muito mal, eu sei, dividiu uma família... imagino que sua.. que nossa mãe também tenha sofrido muito, mas Magda Dolohov foi vítima também. Vítima da loucura do marido, do Lord Voldemort, dos seus desvarios...
- Nisso você tem razão. Eu sei bem o quanto mal ele provocou. Mas perdoá-la assim, tão facilmente...
- Se você teve uma segunda chance... por que ela não? Nem teve como, já chegou morta. Além do mais, eu não posso reclamar da sorte... encontrei uma família maravilhosa... e acabei reencontrando você, não é? De um jeito ou de outro... Ah, por falar nisso... Será que você poderia parar de usar essa sua legilimência em mim? Isso incomoda muito, sabia?
- Eu nunca usei Legilimência em você, acredite! Nossa ligação é tão forte, que eu percebo com facilidade seus pensamentos, principalmente quando você está pensando em mim. E você poderá aprender a perceber os meus, basta treinar um pouco...
- Ah, seria muito esquisito...- uma lembrança súbita lhe ocorreu, e Sarah começou a rir.
- O que foi? O que é tão engraçado?
- Se você me disser agora: “Pois então, irmãzinha, agora teremos que ir juntos até a Montanha da Bruxa e aguardar o guardião do portal da Luz Roxa, para nos transportarmos para casa, finalmente!”, eu prometo que mato você.
- Não entendi... que montanha é essa? De que luz roxa você está falando?
Mas Sarah ria tanto que quase se engasgava, e só lhe acenava com a mão, como quem diz: esquece!
- Ela está falando do filme “Fuga da montanha enfeitiçada”, seu tonto! – a voz feminina vinda da lareira os assustou. Sarah olhou pra lá e viu a cabeça de Ana, flutuando nas chamas que agora eram verdes.
Ante o espanto de Sarah e a cara de poucos amigos de Snape, ela se desculpou, também tentando controlar o riso:
- Desculpe a intromissão, Snape. Só queria ver se estava tudo bem... Mas vejo que Sarah aceitou as novidades com... bom humor.
- Porque você não estava aqui pra ver o que aprontei antes... – Sarah retrucou, mais descontraída. Sentia que podia ter Ana como amiga, e esse sentimento lhe trouxe uma tranqüilidade imensa. Não se sentiria tão perdida por ali, podendo recorrer a alguém que falava a “mesma língua”...
Snape não conseguiu manter a cara de bravo por muito tempo. Não entre aquele verdadeiro fogo cruzado...e sorriu também. Mas algo lhe ocorreu, e ele novamente ficou sério.
- Aproveitando, Sra Ana Weasley...
- Epa! Formal assim? Aí vem coisa... – Ana piscou pra Sarah.
- Ana... desculpe. Vocês... me tiram do sério, mas não – e ele enfatizou as últimas palavras – repita isso pra ninguém!
Ana assentiu com a cabeça, mas virou-se para Sarah e cantarolou:
- “Mas eu tenho que manter a minha fama de mau...”
Sarah riu baixinho, mas um olhar de Snape a fez sossegar e tentar controlar o riso.
- Bem, há um ano que isso me intriga, só que não tive oportunidade de tocar no assunto com você ou com... o Potter.
Elas viram que o caso era mesmo sério e ficaram atentas.
- É que, depois que recuperei minha memória, fiz vários feitiços, na residência da Sarah. Por que vocês não me detectaram? Por que Potter só apareceu por lá, depois de minha mensagem?
- Ah, isso é simples. Ou, pelo menos, era, até que a Sarah me garantiu não ser bruxa...
- Como assim? – Sarah indagou – eu não sou bruxa! Nunca fiz feitiço algum!
- Na verdade, recebemos sim, uma notificação vinda do Brasil. Uma bruxa, chamada Adalgisa, me mandou uma mensagem, dizendo que pensava ter visto o ex-professor conhecido como Severus Snape em um shopping...
- Adalgisa... Adalgisa... – Sarah forçava a mente – Não conheço nenhuma Adalgisa... “peraí”! Você disse “shopping”? – ela se ergueu, excitada – A vendedora de perfumes!
Snape se lembrou da mulher, também, da loja que lhe despertara alguns nuances de memória, por causa dos odores e frascos...
Mas Ana continuou:
- Infelizmente, isso não ajudou muito. Porque ela não tinha nenhum dado mais completo, sobre a bruxa que acompanhava você, no caso, a Sarah. Não sabia nem o seu nome.
- Mas ela pensava que eu era uma bruxa também?
- Claro! – Ana respondeu – Qual a dúvida? Nós conseguimos nos identificar mutuamente.
- Não acredito! – Sarah caiu no sofá, olhando incrédula para as chamas verdes.
Mas Ana falou direto pra Snape:
- Olha, posso ir até aí? Ficara ajoelhada aqui é fogo... Continuo achando que telefones seriam bem mais práticos... Meu reino por um celular... que funcione em casas bruxas, lógico.
- Tudo bem, pode vir. – Snape balançou a cabeça, resignado.
Ela agradeceu com um sorriso, e em poucos minutos saía da lareira, sacudindo um pouco de cinzas, e se sentava ao lado de Sarah no sofá.
- Agora, por favor – Snape disse calmamente – Explique melhor isso.
- Está bem – Ana voltou-se para Sarah – Ela disse que sempre tentou lhe dizer alguma coisa, em suas visitas à loja, mas você agia como se não soubesse do que estava falando. Então, nunca conseguiu se revelar totalmente, além do mais, você não passava por lá tão freqüentemente assim.
- Realmente. Eu só comprava alguns presentes lá, de vez em quando. Mas então... por isso é que ela vinha sempre com aqueles papos esquisitos?
Ana riu. Sim, era por isso, fosse o que fosse os tais papos esquisitos.
- Mas... você ainda não respondeu minha pergunta – Snape lembrou.
- Claro, desculpe. Acontece que Sarah é, sim, identificada no Ministério Brasileiro de Magia, como bruxa. Por isso, acredito que os sinais de feitiços emitidos de sua casa não chamaram nenhuma atenção especial por terem se intensificado de repente. E já verifiquei isso, não houve nenhum registro de atividade bruxa irregular em um certa casa de João Monlevade, em dezembro de 2005. Acho que... o controle deles não é assim tão intenso e severo como o dos britânicos, claro. – e como Snape ainda a fitasse com ar de dúvida, completou - Digamos que... os brasileiros aceitam a diversidade e as... “coisas foras do comum” melhor que os europeus, e os bruxos lá circulam entre os trouxas com... maior liberdade.
- Eu continuo não entendendo... por que teriam feito esse registro? Eu nunca fiz nada de anormal.
Snape lembrou-se de algo e indagou:
- E os tais acidentes com fogo que você me relatou? De quando era criança?
- Ah, não! Não vem com essa não! – Sarah exclamou – eram apenas isso... acidentes.
- Assim como a explosão do carro que matou seus pais? – Snape retrucou.
Sarah fitou-o de olhos arregalados. Carros que explodiam depois de acidentes era uma coisa comum.
- Tem certeza de que foi “uma explosão comum”? – ele perguntou novamente, antes que ela verbalizasse sua contestação.
- Eu... não sei... Ah, isso tudo é muito estranho pra mim, por favor.
Vendo que ela estava começando a perder o controle, Ana acenou para Snape, como quem diz “não force”.
Outro detalhe parecia estranho, então ela ainda argumentou:
- Esperem, uma coisa eu não entendi ainda: se para o Ministério da Magia brasileiro, eu já constava como bruxa, como nunca recebi nenhuma notificação a respeito, quando completei onze anos?
Snape olhou para Ana, visivelmente pedindo socorro, e ela não se fez de rogada:
- Já verificamos isso. Parece que, para eles, registraram a entrada de uma criança inglesa, simplesmente. Assim, sendo inglesa, contaram com a convocação de Hogwarts... Quer dizer, não investigaram a questão a fundo, ou imaginaram que sua família optara por não te mandar para a escola.
- Mas... e agora? Como é que eu fico? Continuo sendo Sarah Laurent... ou passo a atender por Serenna Snape?
- Teremos que verificar isso com o Ministério da Magia, mas não se preocupe.. Temos “todo o tempo do mundo”, agora que já sabemos o mais importante.
Sarah concordou, rindo de sua fala imitando seu irmão Felipe. Mas ele também era seu irmão, de verdade.
Um irmão de verdade!
De tudo aquilo, só o que lhe importava agora era esta informação preciosa, que aguardara por toda a vida. Tinha um irmão DE VERDADE.
E só isto, por enquanto, era o bastante pra ela.
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