Parte II – Um estranho no ninh
John dormiu um sono agitado, sonhos povoados por sombras estranhas, e acordou, sobressaltado. Os sons da rua, à noite, apesar de mais leves que os das imediações do hospital, ainda lhe perturbavam. Ele tinha consigo a impressão de sempre ter dormido em um lugar a salvo de tudo aquilo. Mas, além disso, uma campainha de telefone tocou, bem próximo.
Ouvidos atentos, logo viu que Sarah se levantara para atender. E pode acompanhar a conversa, mesmo a mulher tentando falar baixo.
- Meu querido... você sabe quantas horas são aqui? Esqueceu do fuso horário?
E após uma pausa pequena:
- Tudo bem, tudo bem, eu estava acordada mesmo... Sim, sim, eu também vi. Mas não é ele. Não, ele não tem essa bendita tatuagem...e não parece estar perdido há oito anos inteiros... Mas já que você está aí, se tiver mais algum tempinho...
John se levantou, sem fazer ruído, e foi até a porta.
De novo ela pareceu escutar a outra pessoa, depois respondeu:
- Ah, mamãe não vai gostar disso! Você não volta pro Natal? Mas é daqui a duas semanas... desculpe, mas não sou eu quem vai contar pra ela. Não quero ter que ficar com ela chorando no meu ombro o fim de semana inteiro... tá bom... eu aviso o Felipe... o “pití” vai ser maior ainda... pressão vai subir, aquelas coisas... tá, querido. Um beijo grande pra você também. E boa noite! Hehe, se eu conseguir pegar no sono... já é de madrugada... beijo. Um beijo na Susan, também. Tchau.
Ela desligou, e se deixou cair no sofá. Pegou o controle remoto da tv e a ligou. Desistira de dormir, mesmo.
John se decidiu a sair do quarto. Também não ia dormir mais, e ficara curioso. Aparentemente, alguém em Londres estava tentando conseguir informações para ela, o irmão, talvez.
Ela sorriu pra ele, pedindo desculpas se o tinha acordado.
- Não, não me acordou. Também estou acordado faz algum tempo.
- Bem, então... já que somos dois “perdidos na noite”... vai começar agora um filme velho pra caramba, mas divertido... “Duro de Matar”, com o Bruce Willis.
Ele fez um sinal de quem não sabia do que se tratava, e foi sentar-se ao seu lado no sofá.
- Vou acionar a tecla “sap”, assim ouvimos o som original. É inglês de americano, claro, mas pelo menos você vai acompanhar melhor.
Ele agradeceu a gentileza, meio em dúvida ainda se isso era bom ou ruim.
A trama do filme até que era interessante, concluiu. Mas americanos... francamente! Megalomaníacos mesmo!
Em dado instante, Sarah comentou, rindo:
- Agora é que percebi... o Alan Rickman, aquele ali, está vendo? O Hans. – ela apontou para o sujeito na tela, o bandido da história.
- Sim... – ele a princípio não entendeu.
- Você assim, de barba, até que se parece com ele... E olha que este filme é velho, final dos anos 80, atualmente ele está com os cabelos grisalhos e, acredite, nem tão esbelto... – ao ver a expressão que ele fez, emendou – Bom, ele é um cara super charmoso, mas é um coroa de 60 anos, ora! Ah, ele é inglês.
John concordou, ignorando o comentário sobre a aparência atual do ator... Pois o que via na tela lembrava sim, a imagem que enxergava diariamente no espelho, repetindo perguntas como: “quem é você?” “De onde veio?”
Já estavam praticamente no final do filme, quando aconteceu.
O tal homem caía, algo explodindo abaixo dele, e Sarah deu um grito assustado.
- O que foi? – ele pensava que já estivesse acostumado com filmes, que eram imagens móveis porém inofensivas, mas se assustou com a reação dela, pensando se não estaria enganado... Algo diferente acontecera, ela estava pálida, encolhera-se até abraçar os joelhos.
Os minutos correram, o filme terminou, ela desligou a tv. Só então, olhou pra ele.
- É que... aquela cena... me lembrou uma coisa.
Ela explicou em um sussurro quase inaudível.
John foi à cozinha, conseguiu descobrir onde conseguir água fresca e trouxe para ela, que sorveu o conteúdo do copo em pequenos goles, recuperando-se devagar.
- Já te contei que estive em Londres há mais ou menos oito anos? Não?
Ele negou com a cabeça, ela não revelara muito de sua própria vida até então.
- Eu estava em excursão, com a turma da faculdade – ela suspirou – Uma noite, fomos a uma festa, mas eu não me senti bem e resolvi voltar sozinha para o hotel. Era perto, voltei caminhando e... – ela parou.
- Continue. Estou aqui – ele pousou sua mão sobre as dela, instintivamente.
Isso pareceu causar um efeito tranqüilizador. Ela continuou com a voz mais firme:
- De repente, eu me distraí e entrei por uma rua que não conhecia. E como se fosse do nada, um homem quase caiu sobre mim. Ao pular para o lado, no susto, torci o tornozelo e caí no chão. Vi que ele saíra de uma espécie de pousada vitoriana ou bar... Outros saíram atrás dele, tinham todos alguma espécie de arma, e discutiam. Tive a impressão de serem membros de gangues rivais ou algo parecido, pois usavam roupas muito esquisitas. Um deles me viu e tentou me atacar, o que quase caíra sobre mim se ergueu, ficando na minha frente e gritando algo estranho, apontando também sua arma para o outro. Então...
- Sim?
- Não sei direito, eu gritei por socorro, instintivamente, estendi o braço e... houve aquela explosão de luzes multicores e... desmaiei. Quando voltei a mim, estava sozinha, caída no chão, na porta de uma livraria.
- Você viu o rosto de algum deles? – John ficou mais curioso. Aquilo lhe parecia... familiar?
- Não... pareciam usar uma capa com capuz... menos um, que percebi usar óculos, por causa de um reflexo nas lentes.
John soltou suas mãos e sentou-se ao seu lado, mas estava inquieto e confuso.
- Por que o filme lhe lembrou isso? – perguntou, apreensivo.
- Não sei... acho que... a explosão, o personagem do Rickman caindo, gritando daquele jeito... muito parecido com aquela explosão forte... sei lá, tudo aconteceu muito rápido e ao mesmo tempo. Mas você – ela o fitou – parece abalado. O que foi?
- É que... seu relato me pareceu familiar... parece que já vi algo semelhante acontecendo...
- Se eu tivesse visto você, há oito anos atrás, em Londres, o reconheceria. Sou boa nisso.
Ele a fitou intensamente. Mas Sarah percebeu sua intenção e se esquivou. Sentia-se invadida, com ele fazendo isso sem querer, o que sentiria se ele forçasse?
- Olha, estamos cansados, foi um dia difícil, e já são... Quatro da manhã! Nossa, se eu não dormir um pouco, não vamos poder pegar estrada. Como eu vou dirigir?
E se encaminhando rápido para seu quarto, murmurou um “boa noite” e fechou a porta, suave mas decididamente.
John permaneceu sentado na sala, por mais algum tempo. Queria sim, ter conseguido penetrar a mente dela e, quem sabe? Talvez pudesse “ver” as lembranças dela...
Sentia que suas lembranças estavam gritando para sair... mas ainda faltava alguma coisa, uma chave...
Voltou para o quarto, pegou o objeto de madeira que guardara cuidadosamente, e começou a examiná-lo. Então, num gesto impaciente, sacudiu-o. Faíscas brotaram da ponta, num lampejo inesperado. Intrigado, ele o guardou novamente.
E não comentaria aquilo com Sarah, não por enquanto.
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Pois é, o que o coitado do Alan Rickman tem a ver com isso?
hihi...
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