Capítulo 6
"Sev."
A voz, carregada de compaixão e pena, aproximou-se. Severus ouviu o estalo dos pequenos galhos no chão se partindo enquanto ela se ajoelhava a seu lado. Sentiu as mãos dela tateando sobre seus ombros, forçando-o a se virar. Mas a última coisa que ele queria era encará-la, ter de suportar a piedade e a vergonha nos olhos dela. Ele se ergueu de repente, bruscamente, afastou-se dela quase com repugnância.
"Me deixa em paz", resmungou com a boca retorcida, afastando-se, mais curvado do que nunca, sentiu a perna direita doer absurdamente mas não se deteve.
"Sev!", ela chamou outra vez, num tom levemente surpreso, colocando-se de pé e indo atrás dele. "Sou eu, Sev!"
Ele não respondeu e começou a correr na direção da Floresta, mancando, ainda curvado. Pôde ver todos os colegas da Sonserina virando-lhe as costas, mas os alunos de todas as outras casas ainda o espiavam, portando expressões que variavam de pena a satisfação - até Minerva McGonaggal surgir apressada da direção do castelo e os espantar, e ele até pôde vê-la aparentemente puxar Potter pela orelha, mas nem aquilo o fez se sentir melhor. Viu Lily o seguindo.
"Disse pra me deixar em paz!", gritou sem se virar, correndo cada vez mais rápido apesar de tudo, luz e sombra alternando-se sobre ele.
"Severus Snape!", ela gritou de volta, agora começando a se irritar. Correndo, também.
Ele não iria se virar. Não queria ver o constrangimento e a pena no rosto dela, mais do que eu qualquer outro, por que era forte, e iria mostrar a ela, teria que mostrar, o quão auto-suficiente era e não precisava da comiseração de ninguém. Mostraria a todos. Fraco? Idiota? Estavam todos enganados. Jamais se deixaria fazer de palhaço daquela forma outra vez. Jamais. Jamais retrocederia novamente, jamais voltaria as costas àquilo que o fazia forte. Como pudera se trair daquela forma? A Floresta se tornava mais densa, e seu fôlego diminuía: ele arquejava e buscava apoio nos troncos ásperos e grossos, e Lily o alcançou com facilidade.
"Mas o que você pensa que está fazendo?"
Como ele odiava aquele tom autoritário...! Sempre havia odiado, agora que parava para pensar bem. Tremia de raiva, queria a escuridão profunda das masmorras, finalmente, queria se esconder, mas não de vergonha, não... queria se recolher e se preparar... e ela ali. Ela, que havia fugido dele e só ousado se aproximar quando ninguém mais estava vendo. Pudera, Snape pensou, o sarcasmo escorrendo ácido por dentro dele. Pudera. Alguém tão patético quanto ele, ela devia sentir vergonha de ser vista a seu lado, não devia? Por que estava ali, agora?
"É fácil se aproximar agora, não é, Evans?"
"Evans? Que história é essa? E o que quer dizer com isso, Severus?"
"É fácil se aproximar, agora que não tem ninguém assistindo ao espetáculo."
Ela fez um som de impaciência com a boca.
"Simplesmente não acredito que...", a impaciência cresceu, fazendo-a sacudir os braços, como se, inconscientemente, quisesse sacudi-lo também, para fazê-lo cair em si e parar de dizer e pensar todas aquelas coisas estúpidas.
"Ah, mas negue, Evans, negue que sentiu vergonha do que viu."
Ela hesitou e, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele sorriu.
"Sentiu. Não preciso da sua pena, Evans."
"Evans! Não seja ridículo, Severus!"
"Além de patético, ridículo", ele sacudiu a cabeça, dando as costas a ela e tomando o rumo do coração da Floresta. "Que bela amiga, Evans."
"Severus! Pára imediatamente com essa estupidez e volte já aqui!"
Mas ele não se deteve, e a única coisa que encontrou o olhar furioso dela foi um breve sorriso sarcástico.
*
Silêncio, finalmente. Silêncio e frio e escuridão. Mas jamais a paz. Ainda assim, não havia nada que ele pudesse desejar mais. Roía-se de raiva ao notar que ninguém lhe dava a mínima, estava ali, sozinho, abandonado. Podia simplesmente morrer no coração da Floresta Proibida que ninguém notaria sua falta. Era realmente o mais baixo a que podia chegar, não era? A grande piada de Hogwarts daquele ano, talvez, com... "sorte", dos anos que viriam. Desabou no chão, o impacto fez seu joelho direito doer, mas ele não se importou. Queria simplesmente enrodilhar-se ali e deixar que tudo se acabasse. Sentiu o chão frio de encontro à face, a grama espetando sua pele aqui e ali, o cheiro úmido e vivo, viu uma última pincelada verde antes de cerras as pálpebras. E embora tudo ali estivesse tão calmo, e o silêncio apenas fosse quebrado de quando em quando pelos ruídos da Floresta, nada era capaz de fazer sua respiração se acalmar: o ódio ainda o consumia. Bem como um único objetivo, tomando forma cada vez mais definida em sua mente: vingar-se. Mostrar a todos que não era um perdedor idiota, um pobre-coitado esquisito, um saco de pancadas de Potter e sua gangue. Cerrou os punhos, ainda jazendo de olhos fechados sobre a grama. Mostrar quanto poder e inteligência possuía, o quanto podia ser impressionante e imponente. O quanto poderia e dominaria a todos. Finalmente sentiu-se acalmar, embalado pelas doces promessas do poder e do terror. Sorriu, ainda com as pálpebras cerradas, enquanto arquitetava, com detalhes, como se daria sua vingança. A primeira e mais óbvia solução seria virar as costas, em definitivo, para Evans. Ela o tornara fraco, aquela é que era a verdade. Fraco e desacostumado à violência, e frouxo, e domesticado. Exatamente a mesma coisa deplorável em que sua mãe se transformara por aquele imundo Tobias Snape. E ele estava ali, nada mais do que repetindo a história. Jamais tivera uma consciência tão clara de tudo. A humilhação suprema pela qual havia passado, tivera, na verdade, um ótimo efeito sobre Snape: fizera-o abrir os olhos e notar que estivera apenas perdendo tempo com a garota e se desviando de seu objetivo real e fatal. Sorriu mais. Como se ele ainda a quisesse... não, não teria problema algum com aquilo. Excelente. O passo seguinte seria estudar mais, muito mais do que já estudara até então, naquelas férias. E praticar. Sem que pudesse se conter pensou naquilo que seria a coroação de seus planos de grandeza... sentiu uma pequena descarga de excitação tomar conta de seu copo quando pensou como seria... carregar... a Marca. E ele podia consegui-la, Lucius Malfoy não estava mais ali mas havia deixado no ar, com sutileza, que poderia servir de intermediário. Severus sorriu outra vez, sempre de olhos fechados. E foi da mesma forma que suas sobrancelhas se uniram no centro da testa quando ele, contrariado, ouviu passos que se aproximavam.
"Já não disse pra me deixar em paz?", resmungou, em tom alto suficiente para que o intruso ouvisse e retornasse, sem que ele precisasse vê-lo. Ou vê-la, pensou, com raiva, sentando-se no chão. Era até mesmo bem provável que ela estivesse estado ali o tempo todo, bisbilhotando...
"Seu pequeno e desprezível idiota", um rosnado baixo replicou.
Severus, sobressaltado, lutou para se colocar de pé antes que o homem o pegasse naquela posição indefesa, mas o outro foi mais rápido.
"Sei muito bem o que pretendia dizer a ela, seu desgraçado!"
"Isso não é da sua conta!", Severus exclamou, salpicando de cuspe a barra da capa do homem. "Acha que pode chegar assim, obrigando as pessoas a fazerem o que quer?", perguntou, colocando-se finalmente de pé.
O homem riu, amargo.
"Seu cabeça-dura... se soubesse o que o futuro lhe aguarda, se continuar agindo dessa forma, não faria outra coisa que não me agradecer."
Snape riu em resposta, tentando se manter frio, embora não fosse uma tarefa fácil porque havia começado a tremer de raiva - reação que se tornava costumeira sempre que via aquela figura detestável.
"O que, exatamete, você pensa que está fazendo, seu merda?", o homem perguntou, lentamente, e era visível, pela forma como seus punhos se fecharam, que ele também estava à beira do descontrole.
"Cuidando da minha vida, seu intrometido! Cuidando do que eu deveria ter dado mais importância há muito tempo, antes que você aparecesse com essa história fantasiosa de escolhas e o diabo!"
"História fantasiosa", o homem debochou. "O que é que preciso fazer, seu cabeça-dura, para que você entenda..."
"Você é quem tem que entender, seu... já fiz a minha escolha! E ela passa muito longe de Evans", Severus o interrompeu, sentindo o homem se encolher por um instante e se calar, sem saber como replicar. Sorriu, sentindo-se realmente bem.
"Escute aqui, Severus...", o homem começou, num tom suave mas ameaçador.
"Escute você! Não quero mais saber dessas historinhas absurdas de escolhas, e toda essa conversa sem sentido...", interrompeu-se de repente, porque o homem apontava a varinha para seu peito, e caminhava resoluto em sua direção, rosnando:
"Seu miserável... se conseguisse entender tudo por que estou passando... só pra que você tenha uma chance, uma única chance... real de consegui-la... e me salv... e se soubesse o ódio que sinto dessa sua teimosia, de sua cegueira... seu imbecil, arrogante, desprezível...", o homem continuou, sorrindo seu sorriso deformado ao notar Severus procurando desesperadamente a própria varinha e então, se dando conta de que ela ainda estava jazendo em algum lugar próximo ao lago. A ponta da varinha do homem cutucava o peito de Severus, enquanto o primeiro insistia: "... estamos falando de coisas sérias, sua vida, seu desgraçado! Como consegue não compreender?"
"Você não manda em mim!", Severus replicou, desesperado e furioso. "Meu futuro escolho eu!"
O homem riu, desdenhoso.
"Adoraria deixar você seguir esse caminho e se dar conta do tamanho da burrice que cometeu. Mas isso não vai acontecer pela segunda vez. Ouviu bem, seu merda?", o homem perguntou, num tom alto e cheio de raiva. Abriu a boca para dizer algo mais, mas o som de passos pesado, quebrando muito mais do que pequenos galhos, e a voz retumbante do guarda-caças, chamando por Snape, se fizeram ouvir, e o homem não apenas se calou, como, parecendo contrariado e visivelmente temeroso de ser visto, caminhou em passos apressados na direção oposta.
Severus ainda tremia quando Hagrid o encontrou e levou-o de volta para a escola - mas tremia de raiva. Raiva daquele cabeçudo intrometido, que pensava ter qualquer poder que fosse sobre ele e, Severus sorriu cinicamente, fazê-lo desistir de uma resolução já tomada.
*
"Eu ainda me pergunto o que é que você está fazendo na nossa Casa. Desonrando nosso nome? Sim, porque, pra não conseguir dar conta nem daqueles perdedores...", o garotinho petulante do terceiro ano o rodeava sem parar desde que retornara para o castelo, fazendo questão de deixar sempre bem clara sua indignação em compartilhar a digníssima Sonserina com aquela escória que era Snape.
Pensando melhor, não era só ele. O clima geral no Salão Comunal era de constrangimento. Mas não por Severus, obviamente: era por eles mesmos, por terem de dividir a casa com um perdedor tão grande. Até mesmo sua antiga turma lhe voltava as costas, agora. Snape sorria para si mesmo e pensava que sequer imaginam estar lhe prestando um enorme favor. Tudo e todos lhe irritavam agora. Mas por que Regulus Black não podia fazer o mesmo que os outros Sonserinos, ignorá-lo, em vez de passar o tempo todo pairando à sua volta como uma mosca grande e repulsiva? Estaria no sangue daqueles malditos Black o dom de atormentá-lo? Bem, não que as palavras do pirralho realmente o afetassem. Mas, raios, já estavam começando a lhe dar dor de cabeça. E ainda por cima, Black era apenas um terceiranista, dois anos atrás dele, Snape. Era muito fácil ver quem mandava ali, quem estava em posição superior. Quem realmente tinha poder. E pureza de sangue e tradição não tinham, em absoluto, influência alguma sobre poder. Certificando-se de que não havia ninguém os observando, Snape fechou o livro que estivera tentando ler na última meia hora, e depositou-o com calma estudada na mesinha ao lado de sua poltrona. Regulus sequer percebeu que a mão de Snape pousara sobre a varinha, astutamente escondida sob a sombra que a poltrona projetava sobre a mesa. Não podia, tampouco, adivinhar o que viria em seguida; como poderia, se Snape sequer moveu os lábios? Ele só notou que algo muito errado estava acontecendo, mas, ainda assim, foi incapaz de reagir, quando uma maravilhosa sensação de bem-estar tomou conta dele; e ouviu a voz de Snape, vinda de algum lugar distante, mandando-o ir se afogar no lago. E jamais se recordar de quem o havia obrigado. De fato. Não parecia haver nada mais desejável, nada mais excitante do que cair de cabeça naquelas águas geladas e ir afundando sempre, até o fundo, quem sabe até cruzando com a lula gigante no meio do processo. Por que é que ainda estava ali parado como um idiota? Velozmente, os pés de Regulus Black tomaram a direção da porta.
Covarde? Frouxo? Pois sim. Snape recostou-se confortavelmente na poltrona, cerrou os olhos e deixou um sorriso mínimo de cruel satisfação distorcer-lhe os lábios. Apreciou seu porder por alguns minutos. Então, colocou-se de pé; ainda tinha de terminar de guardar suas coisas. Mal acreditava que amanhã estaria deixando aquela escola horrível. Não que o lugar para onde iria fosse mais agradável; mas, pelo menos, não teria de aturar tantos imbecis à sua volta. Não teria, também, de aturar aqueles olhos verdes, emoldurados pelos cílios ruivos, olhando enigmáticos para ele - isso quando não o perseguia pelos corredores, querendo conversar.
*
"Já estou perdendo a paciência com você, Severus", ela disse.
Ele não vira muita razão em permanecer no Salão Principal, não tinha muito o que comemorar naquele quinto ano que terminava, de forma que abandonou o Banquete de Encerramento logo no começo. Ironicamente, satisfeito porque ela não estava presente. E não ficaria suspreso se descobrisse que ela estivesse simplesmente o emboscando ali, logo na descida para as masmorras. Aguardando para sufocá-lo com mais uma chuva de desculpas furadas que ele não queria ouvir.
"Como se eu tivesse pedido por alguma", ele resmungou, desviando os olhos e tentando passar adiante, mas ela simplesmente se colocou na frente dele e cruzou os braços, fitando-o de forma desafiadora.
"Você pode, pelo menos, me explicar qual é o problema? Simplesmente parou de falar comigo e não vai nem me deixar saber o porquê?", e havia uma pequena nota de indignação e tristeza na voz dela que quase o fez recuar. Mas havia, antes de tudo, aquele tom autoritário; e uma das decisões que ele havia tomado era jamais se submeter aos caprichos de quem quer que fosse. Não que fosse fácil se manter impassível diante dela, e fingir que a simples lembrança de tudo o que ela significara até então não o afetava. Mas ele se forçava a pensar naquela tarde e então, o ódio e o desejo de vingar-se engoliam tudo o mais. E havia ainda a pena e a vergonha que ela sentira dele, e aquilo sim, era mais do que ele poderia suportar. A humilhação suprema.
"Estou lhe fazendo um favor, Evans. Me retirando da sua vida."
"Evans", ela repetiu, inconformada. A raiva, então, se transformou em frustração e ela suplicou: "Sev, por favor, se abre comigo. Me deixa... me deixa me explicar, também...", então, o tom de voz dela baixou.
Ele estreitou os olhos, considerando o pedido dela. Considerando toda sua vida até ali, e o que desejava para o próprio futuro.
"O... o beijo...", ela sussurrou, num tom incerto.
O beijo. O ato que decidira tudo, afinal, que o fizera abrir os olhos. Ah, sim, ele queria, como queria fazê-la provar do mesmo remédio. Feri-la como nunca, ver a dor em seu olhos... Severus deu um pequeno sorriso e disse, calmamente, o sorriso tornando-se maior à medida em que o choque e a repulsa aumentava nos olhos dela:
"Eu escolhi, Lily. Vou me tornar... vou me tornar um Comensal da Morte."
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yep..
agradecendo rapidão: carla (foi rápido agora, ahn? e suas perguntas foram respondidas no capítulo, mas acho que criei outras dúvias, não? mwahahah), bizinha (juro que ainda faço vcs gostarem do james - erm, fui eu quem escreveu isso? =P), morg (cara, me senti na pele dele enquanto escrevia... e queria ter te mandado esse cap aqui pra uma não-betagem mas você sabe como eu sou ansiosa... espero que tenha ficado coerente =P), thays (ahn.. o seviezinho era um pouco bobo e inseguro, sim... viu só que ele fez? O.o), isabel (kisses), beca (amo seus comentários fofos! haha e olha, vamos concordar que ver a lily com o snape é o maior castigo que o james pode ter, né? aguarde e verá =P) e xará (não sei se você leu meu FAQ metido a engraçado, hehe, mas eu to pirando total: quero porque quero e quero e quero escrever um james não-cretino, sabe? quero que ele seja legal mas ainda assim, a lily fique com o sev, porque ahn, convenhamos, é muuuuito fácil fazer as pessoas acharam ss/le bonitinho com o james sendo um babaca de marca maior. e eu não gosto de nada que seja fácil, sim sou louca e doente, mas o que eu posso fazer? =P).
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