Desaparecimentos...



Domingo na Toca é sempre um evento em si próprio. Considerando-se a quantidade de comida e pessoas concentradas em uma única cozinha, um simples jantar passaria facilmente por um banquete. Hermione, entretanto havia crescido em uma família pequena. Entre ela, seu pai e sua mãe, refeições raramente eram motivo para tanta agitação... De fato, ela não podia deixar de admirar a capacidade da mulher de coordenar o caos que era aquela casa, e mais importante fazê-lo como se nada de anormal estivesse acontecendo, realmente...

Enquanto observava a matriarca percorrer a cozinha carregada de afazeres e distribuindo tarefas com uma fluidez adquirida em anos de experiência, Hermione não pode deixar notar a atmosfera de inquietude que pairava no local, à qual Sra. Weasley parecia ser a única capaz de ignorar prontamente e com sucesso...

Há três dias, Hermione, Rony e Giny haviam retornado à Toca. Não houve muita explicação no que se seguira sobre o motivo pelo qual os três, e o restante dos Weasley não iriam para Grimmauld Place... Ou o motivo pelo qual os Potter não se encontravam na Toca também. De fato, nenhum os integrantes da Ordem pareciam muito inclinados a oferecer qualquer tipo de explicação.

Hermione não os culpava necessariamente, visto que a memória dela e de Rony invadindo a sala do diretor ainda estava mais que vívida em sua memória...

Havendo retornado de Hogsmeade para encontrar um Rony claramente atordoado, Hermione logo percebeu que havia muito mais por trás do sumiço de Harry. Procurando obviamente o caminho mais lógico e racional possível a se tomar, ela tratou logo de apontar que muito provavelmente estaria com outra garota qualquer pelos corredores ou em algum armário por aí...

Mas, então porque as roupas dele haviam sumido? Malão, vassoura... Tudo. Harry simplesmente havia desaparecido.

E não demorou muito para que a notícia se espalhasse pela escola, e dois dias depois toda a Grifinória, e grande parte do restante dos alunos, já haviam tomado conhecimento do desaparecimento de um e seus colegas. E estranhamente, a notícia não pareceu transpor os muros o castelo. O corpo docente estava oficialmente alienado do fato. E até mesmo Hagrid os despachara com a desculpa e que Harry estava bem e que aquilo era assunto da Ordem da Fênix, no qual nenhum deles deveria se meter...

Claro, isso simplesmente atiçou ambos Hermione e Rony ainda mais, vide o embate entre Hermione e Sirius que se sucedeu na sala do diretor, na frente do próprio e de alguns integrantes da Ordem:

- Nós entendemos que vocês estão preocupados, mas Harry está bem, e mais importante, ele está seguro... – reiterou Tonks.

- Seguro aonde? – interrompeu Rony claramente impaciente.

- Você sabe que nós não podemos passar essa informação Rony... – explicou Lupin.

- Não pode? – questionou Hermione, cuja própria paciência residia por um triz. Remus a fitou por alguns segundos antes de voltar-se para Dumbledore que permanecera sentado em sua cadeira, em silêncio durante toda a discussão. Voltando-se novamente para ela algo perpassou a sua feição e uma atmosfera tensa ergueu-se no local, permeando o silêncio que se fez após as suas palavras. Compreensão logo se apoderou dela, seguida de apreensão, e não muito depois, exaspero e irritação – Eles estão sob Fidelius... Como...? O qu...? Mas vocês têm um traidor dentro da Ordem...! – Peter remexeu-se desconfortavelmente no canto do escritório e Sirius ergueu-se num repelão - Que garant...

- Srta. Granger já chega. – tateou Minerva com a voz firme, mas Hermione prosseguiu, o olhar passeando pelo grupo, entretanto, ela já não enxergava muito bem, visto que as primeiras lágrimas que passara os últimos dias segurando começavam a acumular-se nos cantos dos olhos.

- Mas é verdade! – exclamou. – Vocês não sabem se é seguro!

- Hermione está certa! – apoiou Rony. – Se vocês não sabem quem é o traidor, então vocês não sabem se é seguro!

- Eles estão a salvo! – retrucou Sirius tão alterado quanto ela.

- Você não sabe!! – insistiu Hermione as lágrimas caindo livremente agora.

- Nenhum de nós trairia James! – rebateu Sirius avançando.

- Sirius. – cortou Remus interrompendo-o com uma das mãos, Sirius recuou, porém manteve-se em pé ainda fitando Hermione que retrucou:

- Você apostaria a sua vida nisso? Porque parece que vocês já apostaram a dele!

As coisas sucederam-se ladeira à baixo depois disso. Ela e Sirius não estavam se falando. Remus também não parecia muito inclinado a manter conversa, apesar de parecer um pouco mais compreensivo com relação aos dois, mas recusava-se prontamente a passar qualquer informação ou mesmo enviar qualquer correspondência para Harry por parte deles. Rony tentou grosseiramente confortá-la depois da discussão, mas- seja por desconforto ou falta de jeito - não insistiu no motivo pelo qual ela estava tão abalada pelo ocorrido. E por isso, Hermione era grata, pois nem ela própria sabia. E isso por si só já era inquietante o suficiente para que ela evitasse ao máximo abordar o assunto.

Como se as coisas não estivessem desconfortáveis e confusas o suficiente, ao término do ano letivo, Peter, Remus e Sirius alojaram-se na Toca junto com ela e os Weasley. Não demorou muito para que Hermione e Rony ambos percebessem que os três estavam sendo afastados dos afazeres da Ordem da Fênix. Se por segurança da organização, ou se porque um deles era o fiel do segredo, Hermione não sabia. Mas a convivência certamente estava se tornando mais difícil a cada dia...

- Hermione, querida, pega um pouco de manjerona na horta para mim? – pediu Sra. Weasley retirando- a de seus devaneios e entregando-lhe uma cesta de vime apontando para a porta da cozinha.

- Claro Sra. Weasley. – assentiu Hermione erguendo da mesa e saindo pela porta da cozinha. Assim que se afastou da mesma, o silêncio que se estendeu deu espaço a vozes vindo da varanda. Mudando de direção Hermione reconheceu os murmúrios de Remus e Sirius ao aproximar-se:

- Ela não sabe que você é o fiel do segredo Sirius. – racionalizou Remus observando o amigo correr uma das mãos pelos cabelos em clara frustração.

- Claro... – respondeu Sirius em um tom rouco, quase que para si mesmo. Os olhos fixos em um ponto no chão.

- Sirius... - algo não aquiescia bem na atitude do amigo. Em todos os anos de amizade que mantivera com Sirius aprendera a considerá-lo sempre um tanto distante, emocionalmente falando. Não que ele fosse alguém incapaz de demonstrações de afeto, ou compaixão, mas... Talvez... Talvez tendo crescido no seio dos Black Sirius tenha, mesmo que involuntariamente, aprendido a ser um tanto mais resguardado com relação as suas próprias emoções.

E essa era a razão pela sua inquietude, pois durante as últimas semanas, ele veio a observar um Sirius muito mais instável que o normal, e isso por si só já era razão para desconfiar que algo o estava incomodando profundamente. Algo que ele não havia partilhado com ninguém.

Inicialmente, Remus chegou a imaginar que Sirius ofendera-se com a acusação mal disfarçada de traição que Hermione lhes havia atirado inconscientemente. (como ela havia descoberto o Fidelius estava além da sua compreensão) Mas agora... Agora ele suspeitava que a atitude do amigo nada tivesse haver com orgulho ferido. E pela primeira vez, desde que eles haviam providenciado a partida de Harry, James e Lily, Remus percebia uma expressão de genuíno medo tomar as feições do homem à sua frente.

- Está tudo bem... Ninguém vai descobrir... – murmurou Sirius obviamente para si mesmo. Mas as palavras não escaparam a atenção de Remus que retrucou desta vez deixando escapar um misto de preocupação e confusão na sua voz:

- Sirius do que você está falando... – questionou com uma sensação desagradável começando a se alojar na base do seu estômago. – Você é o fiel do segredo, certo?

- Eu... – começou, mas silêncio brotou entre os dois mais uma vez durante o qual compreensão tomou a sua face, fato percebido por Sirius que acrescentou logo em seguida. – Pense Remus! Um blefe! Voldemort nunca vai imaginar... Ele não vai... Certo? - tateou Sirius, mas Hermione pode sentir uma pontada de incerteza alcançar a última sentença, durante a qual ele voltou-se para o amigo em busca de compreensão.

- E-eu não sei, talvez... Sirius, mas... – tateou Remus em resposta. Hermione não conseguia ver as feições do professor daquele ponto, mas desconforto estava claro no seu tom. Obviamente, ele preferia não estar dizendo aquilo, como se o fato constituísse uma verdade que, preferivelmente deveria ser mantida não dita. – Quero dizer... Peter, ele... Bom...

Observando a reticência do homem em expressar o que pensava sobre o amigo, Hermione não pode deixar de recordar a conversa que tivera com Giny na sua última visita à Toca... Apesar da sensação de que tal conversa havia ocorrido a muito tempo atrás... As palavras da garota ainda estavam claras em sua mente... E ela própria tivera e ainda tinha seus receios com relação a Peter Pettigrew. Agora, Peter como fiel do segredo...? Certamente ela não esperava que ele aceitasse tal tarefa. Todos os Comensais estariam no seu encalço agora. Voldemort provavelmente o estaria caçando neste exato minuto... E este detalhe por si só poria a correr a grande maioria dos homens e mulheres que ela conhecia... Novamente, talvez ela tenha se enganado com a primeira impressão que havia tido do homem... Talvez toda aquela desconfiança e receio fossem frutos da sua imaginação e Harry realmente estava seguro em algum lugar, que não podia ser identificado. E mesmo não compreendendo o motivo pelo qual Voldemort estaria em busca dos Potter em particular, Hermione não podia deixar de sentir alívio com o prospecto de ter Harry o mais seguro possível. – mesmo que fosse em um lugar qualquer distante dali.

Afastando-se o mais silenciosamente possível, Hermione seguiu em direção a horta, procurando aproveitar os últimos raios de Sol que residiam sobre o local naquele fim de tarde. Repassando mentalmente a conversa na cabeça e assegurando-se de que assim que retornasse contaria a Rony o que havia ouvido, Hermione passou a cesta de vime para a mão esquerda e fixou os olhos no chão à sua volta em busca dos pés de manjerona. Identificando a planta, abaixou-se apanhando algumas folhas e colocando aos poucos na cesta, cuidando para que não sujasse a mesma de terra.

Desprovida de relógio, Hermione não estava muito certa de quanto tempo seguiu-se até que completasse a tarefa, ali ajoelhada no meio da horta. Fato era que ao terminar, o céu já havia adquirido um tom azulado e o caminho de volta já se tornara um tanto difícil de enxergar, visto que a única luz provinha das janelas e da porta entreaberta da cozinha. Batendo a terra dos joelhos Hermione ergueu os olhos em direção ao remexer da vegetação alguns passos à sua frente. Sendo um típico dia de verão, não havia resquício algum de brisa que justificasse o sacolejar das plantas. Alguém estava ali. Percorrendo alguns passos, Hermione afastou um galho dos olhos para encontrar a origem do barulho, a cesta firme na mão esquerda e os olhos fixos na pessoa à sua frente:

- Peter?



Primeiro, Harry supôs – agora, claramente de modo ingênuo – que dados alguns dias, ele estaria retornandoparaum verão na Toca, ou na pior das hipóteses, em Grimmauld Place. Outra pessoa ficaria até mais alarmado com a idéia de ser praticamente arrancado da escola, no meio da noite, sem explicação para ser levado para um lugar do qual – convenientemente – ele não tinha conhecimento algum. Mas ao longo dos anos, Harry logo veio a perceber que haviam aspectos da família Potter que a diferenciava das demais. E ele, como um Potter não poderia ser diferente.

Por exemplo: ambos, seu pai, e sua mãe faziam parte da Ordem da Fênix. Organização extra-oficial que existia desde o surgimento de Lord Voldemort e que, sob o comando de Albus Dumbledore, buscava a destruição do próprio. Além de outros pormenores como assegurar, paralelamente à ação dos oficiais do Ministério da Magia, a segurança e proteção da comunidade bruxa dos chamados Comensais da Morte e aliados que formavam as forcas comandadas por Lord Voldemort.

Até aí, Harry em nada diferia dos Weasleys, ou mesmo dos Longbotons... Mas ai residia a pergunta não? – ponderou Harry pelo que lhe parecia a milionésima vez.

Mas nada, absolutamente nada destacava os Potter de outras famílias bruxas envolvidas com a Resistência. Então porque eles, e não os Longbotons, ou Weasley, ou Bones, ou qualquer outra família não se encontravam em constante fuga? Por que eles?

E apesar de Harry saber que ele próprio já professara estas mesmas palavras inúmeras vezes, desta vez ele sabia que jamais ele o fizera com tanta indignação.

Assim que ele e seus pais chegaram ao local Harry não pode deixar de esconder a surpresa ao saber que eles se encontravam em Godric’s Hallow. Eles estavam em casa.

Verdade que Harry não punha os pés naquela casa a anos, mas mesmo com todas as mudanças que eles haviam feito durante os anos, Harry sabia que excetuando-se a Toca, e claro, Hogwarts, aquele era o local que mais se assemelhava a um lar para ele. E por alguns dias, a sensação de retorno o confortou, afastando a idéia de que os três estavam oficialmente em fuga, de novo.

Mas logo, a ausência dos Weasleys – e admiravelmente ainda mais considerável – de Hermione alcançou-lhe, e na manhã do quinto dia ele questionou um retorno.

Aquela havia sido a primeira briga com seu pai.

Dificilmente os dois discutiam. De fato, Harry lembrava apenas uma única discussão que os dois tiveram em toda a sua vida. Ele e seu pai sempre tiveram um relacionamento que poderia ser considerado saudável. Na verdade, mais de uma vez Harry tivera a sensação de que ao invés de filho ele era visto como um dos Marotos. Um amigo. E por ele estava tudo bem, por um tempo.

Como amigo, não havia muito do que Harry aceitasse ser privado especialmente no que dizia respeito à Ordem. Ele queria participar, e ser tratado como criança, poupado a todo o momento não era agradável. Pelo contrário, a idéia de que seus próprios pais estavam escondendo algo de você...

Como filho, Harry sabia que seus pais o estavam tentando proteger. Mas mesmo assim, com quase dezessete anos de idade, ele merecia o mínimo de crédito e confiança não? Especialmente quando o assunto lhe afetava diretamente...

Como porque eles estavam fugindo...

- Pela ultima vez, nós não estamos fugindo! – reiterou James ainda de costas para o filho, que sentado no balcão da cozinha, observava o seu pai auxiliar a mãe a preparar o jantar.

- Nós estamos sendo cautelosos, filho. – justificou a sua mãe, um ar cansado tomando-lhe a face.

- Com quem? – insistiu Harry. – Voldemort? Por que ele está atrás da gente? Por que agente? – um olhar foi trocado entre os dois antes de ambos voltarem ao trabalho em silêncio. Percebendo que algo estava sendo mantido em segredo, Harry sentiu irritação tomar-lhe novamente.

- Nós só temos que ficar aqui por um tempo Harry, você sabe que sendo parte da Ordem, nós... – reiniciou seu pai, enxugando as mãos em um pano e fitando o filho com um ar paternal, claramente buscando a sua compreensão. Mas Harry já havia se erguido e rebateu com uma insolência que normalmente não dirigia ao pai:

- Isso é mentira! – James piscou alguns segundos, tão surpreso quanto Harry frente a atitude do mesmo, e o fato de que a indignação do filho voltava-se solenemente contra ele. – Se isso é por causa da Ordem, então porque os Weasleys não estão escondidos, por que nós?! – silêncio seguiu-se às suas palavras. Num repelão, movido por exasperação e frustração, Harry retrucou – Eu vou embora.

- Não, você não vai! – rebateu o seu pai, a surpresa dando lugar a irritação.

- Harry... – tateou sua mãe, lagrimas acumulando-se nos cantos dos olhos. Por um momento ele arrependeu-se à visão de sua mãe, mas logo o arrependimento desapareceu ao ouvir seu pai retrucar:

- Você não vai a lugar nenhum! Você vai ficar aqui e obedecer a mim e a sua mãe! – Harry fitou o pai em silêncio, completamente tomado por indignação e desapontamento. E antes que pudesse racionalizar sobre o que dizia murmurou, numa voz dura, irreconhecível até aos seus próprios ouvidos:

- Agora, nesse momento, você não faz idéia do quanto eu te odeio. – assim que as palavras saíram de sua boca Harry pode sentir o arrependimento que se seguiu. Podia ver que as palavras haviam atingido seu pai, que apesar da mágoa que passou pelos olhos, retrucou firmemente:

- Bom, eu suponho que eu vou ter que conviver com isso. – uma pausa seguiu-se durante a qual Harry seguiu a passos largos em direção ao quarto, batendo a porta atrás de si.

Liberando uma respiração pesada e trêmula, James voltou-se para a mulher, um ar perdido no rosto.

- Ele não quis dizer... – começou ela, - Não realmente... – tateou ao ver o estado do marido.

- E-eu... Ele... Eu vou... – iniciou James fazendo menção em subir atrás do filho, mas ela interrompeu erguendo as mãos em um tom apaziguador:

- Não... Eu vou.



- Peter? – repetiu Hermione, visto que o homem continuava parado, de costas para ela. Hermione caminhou um passo parando cerca de um metro de distancia do homem.

Agora, após a conversa que captara entre Sirius e Remus ela podia notar certa inquietude no homem à sua frente. Um pouco mais alto que ela apenas, Hermione fitava o homem, e apesar da luz fraca e das sombras que a vegetação jogava por sobre os dois, o espasmo que percorreu o homem não lhe passou despercebido.

Procurando por um sorriso que anteriormente não colocaria na face para cumprimentá-lo, Hermione observou enquanto o homem voltava-se para cumprimentá-la de volta.

- Hermione. – respondeu ele simplesmente. Uma pausa seguiu-se onde Hermione fitou-o em silêncio. Ele parecia estar esperando alguma coisa. Uma expressão de expectativa firme no rosto, como alguém que espera algo que certamente está por vir. Aproximando-se mais um pouco, Hermione deixou seus olhos recaírem na bolsa que o homem carregava em uma das mãos, na outra mantinha sua varinha em punho, firme, em alerta.

Um pensaria que ele estava de partida....

Franzindo o cenho levemente, ela ergueu o olhar para o rosto de Peter, que - ela veio a notar com um sobressalto – a fitava atentamente.

- E-eu estava voltando... – explicou Hermione. Uma sensação pesada se alojava inexplicavelmente na sua garganta. Algo não assentava bem... Por que ela estava tão nervosa? – Sra. Weasley pediu manjerona... – acrescentou ela fracamente, mostrando a cesta em uma das mãos.

Involuntariamente, seu olhar caminhou até a varinha que residia nas mãos do homem, um movimento que não passou despercebido.

Peter firmou a varinha antes de responder em tom leve:

- Claro... – murmurou ele. Hermione manteve-se parada, mais consciente do que nunca de que ela – ao contrário – estava distante da sua própria varinha. – Eu estav... – recomeçou ele avançando um passo.

Involuntariamente, Hermione recuou.

Uma pausa se seguiu na qual Hermione amaldiçoou a si mesma mentalmente pelo lapso. Nervosamente, Peter Pettigrew sorriu:

- Você... Garota inteligente, tão inteligente... – Hermione recuou mais um passo, sentindo agora galhos de planta nas suas costas. Uma súplica estava prestes a escapar-lhe os lábios quando uma voz familiar ecoou pelo terreno até o local onde os dois se encontravam:

- Hermione?! – Rony gritou da porta da cozinha. Só agora Hermione percebia o tempo que levara para supostamente colher ervas. Peter também pareceu notar o impasse.

Se ela não fosse Rony viria até a horta procurá-la. Ou ele a deixava ir e arriscava ser pego, ou...

- E-eu não vou contar... Eu n...! Por favor... – acrescentou Hermione, pavor alcançando-lhe a voz. Ao movimento brusco do homem a sua frente. Seu coração agora batia acelerado e ela não conseguiu refrear o impulso de recuar mais outros passos tropeçando nos galhos atrás de si. Sua saia enganchou-se nos ramos e estava prestes a cair, quando Peter segurou-se o antebraço, firmando-a e sacudindo-a bruscamente:

- Não me julgue! – retrucou ele, a face alguns centímetros distante de Hermione.

- E-eu n...! Eu não est..! Ah...! – exclamou ela num murmúrio de dor, visto que ele apertou o seu braço ainda mais a puxando contra si.

- Você não faz idéia das armas que ele possui! – continuou Pettigrew. Hermione podia sentir o bafo quente da voz do homem contra o seu rosto, agora lavado de lágrimas, quando compreensão recaiu-lhe seguida de medo. Ela podia sentir o corpo tremer incontrolavelmente.

- P-por favor...

- Ele só quer o garoto! Só o garoto... Eu tinha que... Não havia nada que eu pudesse...!

- Hermione! –desta vez a voz de Remus ecoou grave no terreno. Num impulso de desespero, a idéia de simplesmente gritar por socorro passou- lhe pela mente. Estava prestes a gritar quando sentiu a ponta da varinha encostar-lhe na garganta, firme e dolorosamente:

- Você vai até ali, dizer que está tudo bem e mandá-los embora. Entendeu? – ordenou Pettigrew. – Entendeu? – repetiu mais bruscamente.

- Sim. – murmurou Hermione firmando a cesta nas mãos e caminhando para um ponto visível, ciente de que uma varinha apontava em sua direção a não menos que três metros...

- Por que você demorou tanto? – questionou Rony assim que a amiga entrou em seu campo de visão. Hermione tinha a cesta de vime em uma das mãos, e a outra espalmada na saia, que estranhamente mantinha um rasgão em uma das pontas. Parando as pelo menos dez metros de distância ela respondeu:

- Eu, eu ainda não achei Rony, só mais alguns segundos e...

- Você precisa de ajuda? – rebateu Rony já descendo os degraus que se seguiam à porta da cozinha.

- Não! – exclamou Hermione, pânico claro na sua voz. Rony parou surpreso, e francamente um tanto alarmado ao observar a garota avançar um passo e estender a mão num gesto rápido. – O qu...?

- O que houve? – perguntou Lupin, que retornara obviamente devido à exclamação da garota. Rony voltou-se para ele, confusão escrita na face.

- E-eu acho... Algo está... – tateou o olhar voltando-se para a amiga. – Remus, Hermione está tremendo... – comentou Rony franzindo o cenho.

Vendo que o rapaz estava prestes a caminhar até a amiga, Lupin segurou o seu braço interrompendo-o:

- Rony, eu quero que você volte e vá buscar Sirius para mim, ok?

- Mas...

- Agora. Vá! – insistiu ele em um tom duro. Rony fitou-o por alguns segundos antes de voltar-se para Hermione e seguir de volta para a cozinha em busca de Sirius.

Remus fitou Hermione em silêncio. Poucos segundos percorreram durante os quais ele avançou em direção a garota empunhando a própria varinha.

- Hermione... – iniciou num tom cauteloso.

- O que está havendo? – a voz de Sirius ecoou pelo terreno, alerta. – Remus o qu...?

- Pare! N-não cheguem perto! – gritou Peter. Hermione sentiu a ponta da varinha cutucar-lhe a têmpora. Impulsivamente ela avançou em direção ao grupo e pôde ver Rony reaparecendo na porta, seguido do resto dos Weasley antes que uma mão agarrasse-a pelos cabelos e a puxasse com violência para trás. Lágrimas – desta vez de dor – escorreram pelo seu rosto e ela gritou de dor. Peter ignorou-a, firmando a mão e apontando-lhe a varinha:

- Não!! E-eu v-vou...! – repetiu em tom de ameaça, mesclado de nervosismo.

- Peter o que você está fazendo!? – exigiu Sirius.

- Solte-a Peter... Vamos... Conversar... Por que você está fazendo isso...? – descrença audível na sua voz à medida que Lupin avançou alguns passos. Peter recuou agora apenas a alguns passos do portão e em seguida dos limites da barreira anti-aparatação.

- Foi ele!! Ele é o traidor! Ele...! – gritou Hermione, para ser interrompida por um forte empurrão contra os portões de ferro.

Uma dor lacerante atacou-lhe a têmpora e por um momento tudo a sua volta tornou-se turvo e confuso. Ela podia ouvir gritos e vultos se aproximando. Algo quente escorria-lhe o rosto e um cheiro metálico invadiu-lhe as narinas...

- Hermione! – Rony adiantou-se em direção à amiga ao ver o sangue que lhe escorria pelo rosto. Sentindo alguém se aproximar, Hermione ergueu as mãos de modo a se levantar. Vendo o movimento, Rony firmou-a sentada enquanto os outros se aproximavam.

Sirius ergueu os olhos fitando Remus que se aproximava. O rosto carregado e confuso:

- Ele foi embora... – murmurou o amigo. – Sirius... – iniciou , mas o mesmo já assentira antes que continuasse. Sabia o que deveria ser feito. Alertar a Ordem e partir em busca de Peter o mais rápido possível.

- Rony... – murmurou Hermione ao sentir alguém encostar uma toalha na sua testa.

- Tudo bem, querida... – acalentou uma mulher que ela reconheceu como sendo Sra. Weasley.

Não... – insistiu Hermione. Eles tinham que saber... Eles tinham...

Sentindo-se muito, muito tonta, Hermione forçou reerguer-se novamente, simplesmente para ser detida por dois pares de mãos. O que eles estavam fazendo? Eles tinham que ir, agora! Eles tinham que ajudar...

- Harry...

- O quê? – retrucou Rony em resposta ao murmúrio da garota.

- Rony... Ele sabe... ! – insistiu Hermione, segurando com o pulso firme a camisa do amigo, recusando não ser ouvida. – Voldemort sabe onde eles estão...!



O céu adquiria um tom azulado à medida que Harry observava os jardins que precediam os portões da propriedade. Situada em uma colina, um pouco distante do povoado de Godric’s Hallow, a casa se encontrava agora imersa em uma meia escuridão, que precedia a noite propriamente dita. Nesgas amareladas estendiam-se pelo gramado, oriundas das janelas da sala e da cozinha.

Assim que subiu para o seu quarto, Harry prostrou-se no parapeito da janela, cruzando ambas as pernas contra o peito e recostando a testa no vidro. Ciente de que seus pais ainda se encontravam na sala onde os havia deixado, sentiu uma pontada de arrependimento invadir-lhe indesejadamente.

Não pretendia ter sido tão duro com o pai. De fato, grande parte do que dissera provinha mais de inconformidade e ofensa por ser mantido no escuro que ódio. Ele não gostava de discutir com os dois – quem gosta de discutir com os pais? – raramente o fazia. Mas os últimos dias naquela casa tinham sido um suplício. Harry não podia deixar de pensar nos amigos, que a essa altura estariam, provavelmente em Grimmauld Place rodeados pela Ordem da Fênix. Não que o local fosse perfeito para passar as férias, mas a distância dos amigos estava começando a atingi-lo mais do que esperava. Especialmente no que dizia respeito à Hermione...

Harry sabia que ele não era a pessoa mais paciente do mundo. Em verdade, muitas vezes havia sido rotulado como impulsivo descuidado e – por Snape – arrogante e impetuoso. Grande parte do motivo pelo qual o seu relacionamento com os pais era saudável residia no fato de que ele próprio se assemelhava muito com os dois. E assim como Sirius e Remus, ambos tratavam-no como parte integrante do grupo. Ou pelo menos, assim costumava ser...

O giro da maçaneta se fez ouvir no quarto, e por um breve momento Harry considerou se seu pai vinha concluir a conversa que ele havia abandonado na sala minutos antes. Mas a voz que se seguiu foi outra, mais suave e compreensiva:

Harry... – chamou Lily ao identificar o filho no parapeito da janela, uma feição constrita de arrependimento no rosto. Momentaneamente, a semelhança entre ele e o pai assaltou-lhe os sentidos e ela sorriu internamente. James...

Além, claro, dos inegáveis aspectos físicos, mesmo que muitos argumentassem a personalidade do garoto pender para o seu lado, Lily sabia que havia mais de James em Harry do que muitos suspeitavam inclusive ele próprio. Com o tempo, estes traços logo viriam À tona e ser-lhe-iam extremamente valiosos.

Claro, que apontar isso agora não auxiliaria em nada a situação. Pois se havia algo que Harry herdara do pai em demasia havia sido o orgulho e a teimosia completa – que ela sabia por experiência própria, poucos eram capazes de ultrapassar.

- Harry, seu pai e eu só estamos...

- Tentando me proteger. Eu sei. – interpelou Harry, sem fazer esforço para esconder o tom monótono da voz. Lily respirou fundo antes de prosseguir.

Sabia que não havia muito a se fazer. Eventualmente ambos teriam que contar sobre a profecia ao filho. Como mãe – particularmente protetora sobre o único filho – Lily tentou ao máximo protelar a decisão sobre contar a verdade a Harry... Até o filho perceber que havia algo que os pais lhe estavam escondendo e isto afetar o relacionamento dos três quase que irremediavelmente.

Harry pareceu notar por onde permeavam os pensamentos da mãe, visto que continuou após uma pausa:

- Eu sei que vocês estão escondendo alguma coisa de mim. Eu só... – comentou, sem traço de irritação na voz, apenas desapontamento.

Harry queria dizer que não era mais uma criança e poderia lidar com o que quer que fosse. Até perceber que se o fizesse aí sim soaria como uma criança.

- Nós só queremos que voc...

- Mãe...? - erguendo-se do parapeito Harry apertou os olhos focando os jardins, uma nota de confusão e receio na voz. – Eu achei que ninguém sabia onde nós estamos...

- Ninguém sabe. Por quê? - respondeu Lily, já percorrendo a distância da porta até a janela enquanto Harry respondeu:

- Tem um homem no portão...

De fato, uma figura alta e encapuzada acabava de cruzar os portões da propriedade e em silêncio, seguia em direção a entrada principal da casa. De longe, Harry não conseguiu identificar que se aproximava, mas pela reação da mãe estava claro que os três deviam sair dali o mais rápido possível.

- Pegue a sua varinha! – ordenou a mulher. Seu tom de voz fez Harry aprumar-se num sobressalto e puxar a varinha do cós.

- James! – gritou Lily correndo em direção Às escadas, Harry em seu encalço:

- O qu...? – um estouro vindo da sala cortou-lhe a fala, e pânico assentou no seu estômago enquanto descia degrau por degrau junto com a mãe.

- Pai! – chamou Harry, num impulso de seguir em direção ao pai e ajudar. Um jato de luz vermelha ricocheteou no corrimão da escada fazendo ambos, ele e a mãe recuarem alguns degraus.

- Lily pegue Harry e vá!! – o medo transparente em sua voz fazendo Harry sentir uma onda de pavor como nunca sentira antes. Antes de racionalizar propriamente o que estava ocorrendo na sala a alguns metros Harry sentiu um puxão na camisa dado pela mãe que o arrastava de volta escada acima.

Um jato de luz verde iluminou a sala e parte do corredor por alguns segundos antes de resumir-se com um baque surdo no chão. Harry sentiu a garganta fechar ao ver o corpo do pai cair imóvel na sua frente.

Não.

De súbito, tudo se tornou muito, muito silencioso, ou talvez ele houvesse se desconectado da comoção a sua volta. Harry não estava certo de quanto tempo se passou, aparentemente segundos.

Pareciam horas.

Seu pai... Seu pai...

Erguendo os olhos percebeu que se encontrava novamente no quarto, a mãe em pé de costas para ele tremendo violentamente, mas com a varinha em punho, apontada para a porta. Uma sensação desagradável subiu-lhe pela garganta e Harry percebeu naquele momento que estava prestes a vomitar.

Uma pausa seguiu-se, durante a qual nenhum som se fez presente. Harry piscou observando a porta fechada, parada.

Um estouro irrompeu no quarto destruindo a porta e arremessando os dois na parede oposta. Em primeira instância, Harry não sentiu o impacto da parede sólida contra suas costelas, até abrir os olhos e tentar mover-se no chão e uma dor aguda no lado esquerdo interromper seus movimentos.

Abrindo os olhos fitou a entrada do quarto, um vulto embaçado encontrava-se em pé aonde antes era a porta. Incapaz de registrar muito a sua volta, Harry ouviu ao longe alguém gritar e arremessar-se em seguida com força sobre ele. Cabelos vermelhos tomaram-lhe o campo de visão e o reconhecimento de que aquela era a sua mãe veio segundos antes de uma luz verde iluminar o local e o corpo dela cair estático sobre ele.

Erguendo os olhos Harry fitou o homem a sua frente enquanto em um movimento fora de foco ele erguia a varinha, apontando-lhe:

- Avada Kedavra.

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