Peaches
Rony observou o amigo em silêncio por sobre o seu caldeirão. Ele estava sorrindo. Uma mudança perceptível havia ocorrido no humor dele ultimamente. E alguém que não conhecesse Harry como ele conhecia, talvez até estranhasse o comportamento do amigo.
Mas ele o conhecia. E muito bem obrigado.
Mesmo que o próprio Harry preferisse recusar-se a admitir o que era fato.
E essa era a única razão pela qual decidira ignorar absolutamente a conversa que ocorria entre ele e Hermione agora. E mais importante, bloquear totalmente o fato de que ele se encontrava entre os dois sendo primorosamente ignorado. Realmente...
Ele nada tinha contra esse óbvio progresso no relacionamento dos seus dois melhores amigos, na verdade ele até estava plenamente satisfeito com o mesmo. Hermione era uma ótima influência em Harry, afinal, ela era Hermione!
E ela estava corando, de novo.
E Rony jamais imaginou que pudesse ficar tão aliviado em ver Snape retirar quinze pontos da Grifinória.
Harry voltou-se para o próprio caldeirão ignorando impassivelmente o despejo de insultos de Snape. Na verdade, o professor se encontrava particularmente amargo naquele dia. E apesar de saber que ele o estava utilizando como válvula de escape, não se importava.
Tentando ignorar os olhares de desalento dos colegas e de prazer dos sonserinos, Harry fitou a poção que fervia em seu caldeirão recordando os acontecimentos da tarde anterior.
Ele tinha acabado de deixar a sala de Lupin - onde, estranhamente ele não estava – quando deu de encontro com Hermione recém saída da aula de Aritmancia. Ela tinha um ar completamente desleixado( típico após um dia inteiro de aula). O casaco em uma das mãos e a gravata desfeita, parte da blusa desalinhada... O cabelo completamente desarrumado em um coque folgado, vários cachos soltos por sobre o pescoço. E Harry achou que ela cheirava vagamente a pêssegos...
Ele sentiu a respiração parar, suspensa por alguns segundos. Hermione pareceu notar a sua hesitação, visto que cumprimentou ligeiramente afobada:
- Hei...!
- Oi...
- De novo. – acrescentou ela sorrindo. Harry sorriu também. Aquela era a terceira vez que os dois se encontravam nos corredores. E considerando o fato de que a garota tinha um horário de aulas muito mais apertado que o dele, aquela era, no mínimo, uma coincidência abençoada.
- É. Você não está me seguindo está? – retrucou Harry em tom brincalhão. Hermione ergueu as sobrancelhas e ajeitou os livros nos braços respondendo a altura:
- Perturbador, não? – rebateu tranquilamente. Sentindo-se extremamente aliviado com o fato de que ela reagira com bom-humor, Harry apressou-se em recolher os livros das mãos dela acompanhando-a pelo corredor. A naturalidade do gesto pareceu atingir Hermione, visto que ela meramente sorriu.
- Então... Você vai para o povoado no Sábado? – tentando esconder a ansiedade por trás da pergunta.
- Eu não sei... Eu tenho esse relatório de Runas pra entregar, e nós temos testes daqui a três semanas. – lembrou afastando um cacho dos olhos inconscientemente.
- Sério? Você não está precisando de nada? Penas novas, talvez? – num repelão a garota voltou-se para ele corando – ele considerou – agradavelmente.
Harry sabia que naquele momento ele poderia facilmente largar todos os livros que tinha nas mãos e beijá-la vigorosamente. Quem ligava para estudantes no corredor, ou possibilidades de detenção? Realmente...
Detalhes, meros detalhes...
Entretanto, um sentimento de auto-preservação o reteve. Ela estava sorrindo novamente.
E agora, repassando mentalmente aquele momento. Harry poderia classificar o que ela disse em seguida como um fora. Entretanto, o fato de que ela o disse com um sorriso nos lábios fez com que ele não se incomodasse muito. Porque ela estava sorrindo, e esse fato fora o máximo que ele conseguira processar no momento. A necessidade de conter o ímpeto de beijá-la já estava sobrecarregando seu sistema nervoso...
- Harry, o que você disse sobre...
- Era a verdade. – interveio ele, num súbito acesso de sobriedade e absoluta sinceridade. Hermione pausou por alguns segundos antes de continuar:
- Certo...
- Eu pratiquei bastante, sabe? - brincou ele. Na verdade, só queria vê-la sorrir de novo. - Com gestos manuais, até... Mas aí eu desisti deles.
- De qualquer forma... – continuou Hermione, com um sorriso mal disfarçado nos lábios. – O que você disse foi bastante... – ela pausou tateando por palavras, fitando-o.
Uma urgência incontrolável tomou conta dele ao captar a intensidade do olhar da garota. Seus dedos praticamente formigaram com a necessidade de tocá-la. Seu pescoço, ombros, cabelos... Boca...
Ela pareceu parar um momento em busca de ar. O que quer que lhe houvesse passado pela cabeça no momento certamente não foi despercebido. Hermione corou, e Harry teve a impressão de que seus pensamentos espelhavam os dela.
Ela pigarreou desviando o olhar. E trazendo-o de volta à realidade:
- Ainda sim, eu não vou sair com você. – sua voz era hesitante, todavia.
- Que tal agente se encontrar por lá então? – sugeriu Harry, captando a nuance no tom de voz.
- Perdão?
Bom, eu pretendo passar na Zonko’s pela manhã... – argumentou – E já que aparentemente agente tende a, ocasionalmente, se encontrar bastante... Se, por acaso, você estiver passando por lá... Ao, meio dia...? – continuou Harry observando Hermione lançar lhe um olhar analítico – Agente poderia ir ao Três Vassouras, onde eu poderia te pagar uma cerveja. Ocasionalmente, claro... E casualmente, eu quero dizer...
- Casualmente. – repetiu ela sorrindo.
- Isso. Como... agora. – apontou Harry – Eu acabei de acompanhar você até o seu dormitório... – disse parando. De fato, os dois se encontravam em frente ao dormitório da garota.
- Casualmente. – completou Hermione parecendo ponderar.
- Certo, então... Agente se vê lá...
- Certo... – interveio Hermione. Harry meramente sorriu entregando os livros da garota.
- Ok... – respondeu afastando-se. Com a certeza de que ele estaria lá, e mais importante... Ela também.
Rabicho fitou seus pés. Ainda curvado em deferência ouvia o silêncio que se seguiu após sua fala. “ Eu posso entregar-lhe os Potter, Millord.” Ele afirmara. Há anos Lord Voldemort buscava uma maneira de encerrar de vez com a vida do garoto. E se para isso devesse passar pelos seus pais e toda a Ordem da Fênix no processo, que fosse.
E ele, ao contrário de Severus, carecia de certa quantidade de compaixão. Ao passo que repetia febrilmente para si mesmo a frase que permeara seus últimos dezesseis anos:
“Antes ao lado do demônio que em seu caminho”
Voldemort observou impassível o homem contorcer-se à sua frente. Rabicho era patético. Dentre todos os seus servos, e provavelmente dentre todos os homens que já conhecera, ele certamente figurava entre os mais insignificantes. De fato, a única razão pela qual mantinha sua vida situava na necessidade de um informante dentro da Ordem da Fênix. Nada de particular via em Rabicho. Era um traidor, pura e simplesmente. Previsível, e como tantos, facilmente controlável.
De modo que, qual não fora a sua surpresa ao descobrir que aquele mísero rascunho de bruxo era capaz de entregar-lhe os Potter de bandeja.
Inesperado, de fato.
- Rabicho. – iniciou Voldemort. Pausa durante a qual ele pareceu apreciar a longa cobra que se contorcia aos seus pés sibilando incoerentemente. Sua voz ecoou no salão frio e seco. – Porque, Lily e James Potter confiariam a você o segredo do Fidelius? – a ênfase na referência a ele não foi perdida em Peter que estremeceu involuntariamente replicando após mais uma pausa:
- Um blefe, Millord. – e aqui, Peter não pode conter a ironia que escorria pela sua resposta. – Sirius Black foi escolhido originalmente...
- Eu entendo... – murmurou Lord Voldemort, arrastado de volta para seus pensamentos.
Os Potter, finalmente.
Por tempo demais a sombra deles havia lhe incomodado. Por tempo demais a lembrança da profecia soava, no fundo da sua mente. E vez ou outra ressurgia para incomodá-lo sutilmente.
E o garoto... Por vezes demais o garoto manejara escapar. E essa aparente sorte começava a irritá-lo mais do que gostaria. Pois não fosse a capacidade do rapaz de desviar primariamente de seus comensais, não haveria espaço para questionamentos entre seus servos.
Voldemort não era tolo.
Sabia que cada vez mais sua insistência com relação ao garoto tornava-se suspeita. A estranheza era perceptível em seus olhares, facilmente identificada em suas mentes fracas e despreparadas.
De modo tal, que Harry Potter devia ser eliminado.
Imediatamente.
A idéia dele era um sinal de fraqueza, que devia ser destruído. E desta vez, Lord Voldemort o faria.
- Harry.
Um toque de leve sacudiu-lhe o ombro esquerdo retirando-o de seu sonho, mas ele não se moveu. A sensação vaga de que alguém chamara seu nome passou-lhe pela mente por um segundo antes de cair de novo no sono.
- Harry acorde. – murmurou novamente a voz em tom urgente.
- Pai...? – resmungou ele a voz embebida de sono. Certamente ele ainda estava sonhando, certo?
- Harry acorde, nós não temos tempo pra isso. – cortou uma segunda voz também um murmúrio quase inaudível.
- Sirius, o qu...? – apoiando-se sobre o cotovelo Harry aceitou o par de óculos que lhe era entregue. A face do seu pai na beira da cama logo entrou em foco, porém a escuridão do quarto dificultava a sua visão ainda...
- Pai o que está acontecendo...? - ele observou enquanto o pai fitava-o em silêncio, obviamente ponderando se deveria responder a pergunta. Harry não se recordava de jamais ter visto tão expressão em seu rosto. Ele parecia tenso e preocupado... Mais ainda, assustado. – Pai... – não era uma pergunta, mas seu tom demonstrava a incerteza e súbita insegurança que lhe abatera ao ver o pai naquele estado.
- Junte as suas coisas Harry, rápido. Nós estamos partindo. – respondeu Sirius, sobrepondo o silêncio de James. Este, vendo que o filho estava prestes a argumentar, bombardeando-os com perguntas acrescentou em tom apressado:
- Agora não Harry. – cortou correndo o olhar a sua volta. Todos no dormitório dormiam profundamente – se os roncos eram alguma indicação...
Harry manteve-se estático, e Sirius frente a imobilidade do garoto, adiantou-se: com um gesto de varinha objetos e roupas espalhadas ao redor da cama flutuaram direto para o malão que fechou-se com um clique.
- Hei! – exclamou Harry, o tom de voz elevando-se um pouco. Dean remexeu-se na cama à sua direita. Por um momento a cena suspendeu-se e os três observaram o garoto, esperando que ele acordasse, como ele não o fez, Harry voltou-se para o pai e para o padrinho.
Erguendo-se da cama indignado protestou reduzindo o tom de voz novamente:
- Partindo para onde? – silêncio decorreu às suas palavras, Sirius meramente encolheu seu malão e colocou no bolso. Sentindo-se irritar ainda mais retrucou simplesmente. – Não.
- Harry você n... – começou James.
- Eu não vou!
- Harry... – tateou ele novamente, prestes a ordená-lo que obedecesse de uma vez por todas (algo que jamais fizera), quando viu os olhos do filho recaírem momentaneamente sobre o dossel à sua esquerda. Rony... – Harry, ele não pode vir. – informou James, o tom de voz mais suave que o anterior.
- Mas... Eu n... – balbuciou em vão. Sua cabeça estava confusa, o que estava acontecendo? Por que eles estavam partindo de novo, e pra onde? Até quando? Eles estavam em perigo? Por quê?
Eles iriam voltar...?
E aqui, um aperto na garganta aliado a um súbito pânico incomum assentou-se sobre Harry quando seu raciocínio firmou-se em uma pessoa:
“Hermione”.
- Aqui. – disse o seu pai em tom urgente. Harry apanhou debilmente o que reconheceu como sendo a capa da invisibilidade que ele sempre desejara que o pai lhe desse. Estranhamente, agora ele daria qualquer coisa para manter-se distante do objeto. – Cubra-se. – pediu ele segurando Harry pelo antebraço. Claramente receoso de que o filho tentasse escapar. – Não tire a capa até que eu diga ok?
Harry nada disse enquanto o pai guiava-o em direção à comunal.
Lily ergueu-se da poltrona e caminhou em direção às escadas ao ver o marido descer acompanhado por Sirius. Lupin ecoou seus movimentos e logo se aproximou dos três.
- Mãe...? - murmurou Harry observando enquanto seu pai acolhia a mulher nos braços. Ela estava chorando. Uma sensação de impotência extremamente desagradável o engolfou quando seu olhar recaiu-se sobre Lupin enquanto este observava o casal. Ele parecia tenso e tomado de cansaço, e ainda sim... Algo mais parecia pairar sobre o grupo. Pesado e tangível... Medo.
- Querida eu tenho certeza de que ele vai gostar. – elogiou o espelho. Hermione revirou os olhos e fitou o seu reflexo em silêncio. Esse não era o seu objetivo.
Bom, na verdade era. Mas a idéia era não aparentar ser. E isso era muito, muito importante. Perecer casual... Como se aquilo não fosse um encontro.
Apesar de ser.
Realmente...
Quando ela parou de fazer sentido? Mais importante, quando ela deixou de ser Hermione Granger e passou a agir feito uma “garota”? Quero dizer... Sério? Não que ela ligasse, porque ela não ligava. De verdade, e se ela parecia casual, não era por que ela passara as últimas duas horas escolhendo uma roupa casual, mas porque ela simplesmente sentia-se casual, relaxada...
Jeans, top, jaqueta... Casual, certo?
Desviando sua atenção para outros itens na loja, Hermione caminhou entre as prateleiras em silêncio e resistindo à vontade de checar o relógio. Aquela seria a terceira vez que atravessaria a rua e pararia em frente a Zonko’s. E dessa vez que se dane casualidade, eram exatamente uma hora da tarde e nem sinal dele. Ele estava realmente lhe dando um fora?
(...)
Hermione fitou a rua apinhada de estudantes à sua volta. Talvez ele houvesse esquecido... Ou quando ele disse “casualmente” ele realmente quis dizer casualmente e no fim das contas tenha mudado de idéia... Talvez...
- Posso ajudar Srta? – Hermione ergueu os olhos para o funcionário que aparentemente havia percebido um e seus clientes em pé do lado de fora observando a rua.
- Eu só est... – começou Hermione, a voz se perdendo na garganta ao observar o relógio de pulso. Duas e meia... – Não. Não e-eu estou bem. Eu já estava e saída na verdade...
Com uma última olhada na loja, ela voltou-se em direção à Hogwarts sozinha.
Um estalo curto e abafado se fez ouvir por entre as árvores. O lugar estava coberto por brumas, uma névoa pesada e esbranquiçada. Pouco era visível no ar da noite.
Para um humano claro.
Erguendo o olhar o contorno da Mansão Malfoy no alto da colina tornou-se facilmente visível. Organizando as vestes negras e surradas num movimento brusco repetido, Fenrir apressou-se em direção a casa repassando mentalmente a sua mais recente descoberta.
Verdade fosse dita, não compreendia a obsessão do Mestre com o garoto. Honestamente, o fato não ocupava muito tempo de seu raciocínio. O moleque era comida, nada mais. E neste ponto concordava com o que se dizia ao seu respeito, ele não era exatamente um estrategista. Talvez houvesse um motivo por trás daquelas investidas contra o fedelho e ele simplesmente não conseguia enxergar...
Agora...
Qual não fora sua surpresa em descobrir, pelo garoto Malfoy que graças a ele havia uma nova lupina na Ordem da Fênix? Verdade fosse dita, sua intenção não havia ido além do intento de matar a garota naquela noite... Carne fresca e macia... Não é todo dia que se encontra uma refeição de qualidade como ela. Fenrir recordava claramente o lamento de ter deixado escapar algo tão... Apetitoso...
Uma lupina, sim... Um novo leque de possibilidades abria-se a sua frente e ele mal conseguia esconder a excitação e curiosidade. Qual era o seu nome...?
Sabia que seria complicado por as mãos na garota novamente, especialmente sob os cuidados da Ordem da Fênix e do cão doméstico que habitava Hogwarts.
Mas sem pressa... Fenrir Grayback sabia ser paciente quando a situação pedia, e mais importante, quando a recompensa valia à pena.
Ele teria a garota.
Pêssego sempre fora sua fruta favorita...
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