Um Homem Inocente



— CAPÍTULO CATORZE —
Um Homem Inocente




Os olhos de Snape estavam alucinados de ódio. Ele parecia dominado pela idéia de que levaria seus dois inimigos de infância para Azkaban naquela noite.
— Como sonhei em ser eu mesmo a ter o privilégio de pegá-lo! — disse, dirigindo-se a Black. Seus olhos brilhavam de uma maneira assustadora.
Hermione olhou para Rony e Harry, e julgou por suas expressões que os dois, como ela, começavam a ser convencidos pela história de Lupin e Black, e queriam ouvi-la até o final. Ela se levantou e se dirigiu a Snape.
— Professor... Acho que não faria mal algum terminar de ouvir o que eles têm a dizer...
— Srta. Granger, — disse ele, dirigindo a ela um olhar cheio de ódio. — você e seus amigos já estão encrencados o suficiente. Pelo menos uma vez na sua vida, cale a boca.
— Mas professor, se houve um engano...
— FIQUE QUIETA, SUA BURRINHA! NÃO FALE DO QUE NÃO ENTENDE! — Hermione recuou, engolindo em seco. Snape dirigiu-se novamente a Black. — Os dementadores ficarão tão satisfeitos em reencontrá-lo! Tanto, eu diria, que certamente vão querer dar-lhe um beijo. Você sabe o que acontece com uma pessoa submetida ao beijo do dementador, não sabe? Sua alma é sugada para fora do corpo, e isso é pior do que a morte.
Da ponta da varinha de Snape surgiram cordas que amarraram Lupin. — Vamos todos para o castelo, talvez eles tenham um beijo para Lupin também.
Harry adiantou-se, bloqueando a porta com seu corpo.
— Saia da frente, Potter! — rosnou Snape, ainda com aquele brilho alucinado nos olhos.
Hermione levantou-se, numa decisão rápida, e gritou, apontando a varinha para o professor:
Expelliarmus!
Não fora a única, porém. Rony e Harry tinham feito o mesmo, e com o golpe triplo o professor caiu nocauteado. Ela se arrependeu no mesmo momento.
— Atacamos um professor! — choramingou. — Vamos nos meter numa confusão tão grande!
— Não deviam ter feito isso — disse Black. — Deviam tê-lo deixado comigo. — ele abaixou-se para desamarrar Lupin.
— Obrigado, meninos — disse Lupin.
— Não significa que acreditamos no senhor — disse Harry.
— Então é hora de apresentarmos alguma prova. Rony, me dê aqui o Pedro.
— Nem vem! — disse Rony. — Você não vai querer me dizer que Black fugiu de Azkaban só para vir atrás do Perebas, não é? Digamos que esse Pettigrew realmente fosse se transformar em um rato... Como Black poderia saber que ele é justamente Perebas?
Lupin recuou.
— É uma pergunta justa. Como poderia saber, Sirius?
Black tirou do bolso um papel amassado, e mostrou-o: era a foto dos Weasley no Egito, que saíra na primeira página do Profeta Diário. Ele estendeu a foto a Lupin.
— Fudge tinha isto na mão um dia em que esteve em Azkaban. Reconheci Pettigrew na hora. Na matéria estava escrito que o garoto estudava em Hogwarts.
— Impressionante, a pata dianteira! — admirou-se Lupin. — Falta um dedinho... Ele mesmo cortou?
— Pouco antes de se transformar — confirmou Black. — Quando o encurralei, ele gritou para a rua inteira ouvir que eu tinha traído Tiago e Lílian, depois lançou o feitiço que matou todas aquelas pessoas, com a varinha escondida às costas. Depois cortou o dedo e transformou-se, para então escapar por um bueiro junto com outros ratos.
— Você já ouviu falar, não é Rony, que o maior pedaço, ou melhor, o único pedaço que encontraram de Pettigrew foi seu dedo? — disse Lupin.
— Mas... Perebas está na minha família há séculos!
— Doze anos, para sermos exatos. Você nunca estranhou que ele tenha vivido tanto tempo?
— Nós cuidamos bem dele!
— Mas ele não está com uma aparência muito saudável agora, está? Imagino que esteja perdendo peso desde que soube que Sirius fugiu.
— Ele tem estado apavorado por causa daquele gato maluco! — Rony apontou Bichento.
— O gato não é maluco. Na verdade, é o gato mais inteligente que já vi. — disse Black, acariciando a cabeça de Bichento. Hermione não pôde evitar sentir algum orgulho do gato. Mas estaria Black dizendo a verdade, afinal? — Quando me encontrou, logo soube que eu não era um cachorro. Levou algum tempo até acreditar em mim, mas desde que lhe contei o que estava procurando, ele tem tentado me ajudar.
— Como assim? — Hermione perguntou.
— Ele tem tentado trazer Pettigrew para mim. Contou-me quando ele sumiu, deixando uma mancha de sangue num lençol. Provavelmente se mordeu para fingir-se de morto, sua especialidade.
Hermione olhou para Rony, que a olhou também, com uma pontada de culpa no olhar. Harry não parecia tão impressionado.
— E você veio terminar de acabar com ele, já que não tinha conseguido! — disse. — Assim como matou meus pais!
— Não, Harry! — disse Lupin. — Você não vê? Foi Pettigrew quem traiu seus pais, e por isso Sirius o perseguiu!
— MAS ELE CONFESSOU, ANTES DE VOCÊ CHEGAR, QUE MATOU MEUS PAIS. ELE. ELE ERA O FIEL DO SEGREDO DELES!
— Foi o mesmo que ter matado, Harry. Todos sabiam que eu era o melhor amigo de seu pai, e que se ele tivesse que escolher alguém para ser seu fiel do segredo, me escolheria. O convenci no último momento a usar Pedro, sem imaginar que ele os trairia. — as últimas palavras saíram num sussurro, e Black parecia prestes a começar a chorar.
— Já basta — disse Lupin. — Rony, me dê esse rato.
Rony hesitou. Trocou um olhar de dúvida com Hermione e depois entregou Perebas a Lupin. Ela sentiu muita vontade de pegar a mão dele e abraçá-lo, já sentia isso pela expressão de dor que se estampara no rosto dele, mas agora ele parecia ainda mais desamparado. Conteve-se, entretanto.
Lupin segurava Perebas com uma mão e com a outra apontava-lhe a varinha. Black pegou a de Snape e apontou também. Lupin contou até três e eles dispararam fagulhas azuis, que derrubaram o rato no chão, e logo depois ele começou a transformar-se num homem. Bichento rosnava, os pêlos das costas eriçados. Hermione quis abraçá-lo também.
— Remo... — disse o homem, um sujeito baixinho e gorducho que parecia-se realmente com um rato. — Ele veio me matar, você precisa me ajudar! Estive me escondendo esse tempo todo, mas ele fugiu para me matar, como fez com Tiago e Lílian!
— Não seja ridículo — disse Black, com profundo ódio. — Não foi de mim que você esteve se escondendo. Ouvi muita coisa em Azkaban, dos seguidores de Voldemort... Eles culpam você pela decadência de seu mestre. Afinal, foi seguindo um conselho seu que ele foi à casa dos Potter, onde acabou perdendo seus poderes. E nem todos os seguidores dele foram para Azkaban, não é mesmo? Você temia que os que continuam à solta viessem vingar-se, não é? Você só foi o fiel do segredo por sugestão minha!
— Não sei do que está falando!
Hermione tinha uma pergunta engasgada para fazer a Sirius Black, mas não sabia como dirigir-se a ele. Não sabia nem ao menos se já acreditava nele. Olhou para ele, e concluiu que aquele olhar de raiva que ele dirigia a Pettigrew não podia ser outra coisa além de mágoa e ódio.
— Sr. Black... Sirius? — disse, timidamente. Ele olhou-a, surpreso em ser tratado com tamanha polidez. Ela passou a língua pelos lábios nervosamente, e perguntou: — Como o senhor fugiu de Azkaban?
Ele franziu a testa, considerando a pergunta.
— Não sei como fugi — ele respondeu, lentamente. — Acho que a única coisa que me manteve lúcido foi a consciência de que era inocente. Isso não era um pensamento feliz, portanto os dementadores não podiam tirá-lo de mim. Eu me transformava em cachorro quando eles se aproximavam, e assim eles me afetavam menos. Mesmo assim, estava fraco. Quando vi o jornal e soube que Pettigrew estava em Hogwarts, no mesmo lugar em que Harry estava, imaginei que ele iria querer entregar o último Potter, para provar que continuava do lado de Voldemort. Que estava apenas esperando um momento favorável... Precisava vir pegá-lo... estava tão magro que, na forma de cachorro, podia passar pelas grades da cela. Os dementadores não perceberam de imediato, então pude fugir. Estive na floresta esse tempo todo, a não ser quando ia assistir ao quadribol... você voa como seu pai, Harry.
Sirius aproximou-se de Harry e disse, rouco: — Acredite em mim. Eu morreria antes de trair seus pais! Acredite em mim!
Hermione percebeu nos olhos de Harry que ele acreditava. Olhou para Rony, que lhe devolveu o olhar, e os dois concordaram, com um aceno de cabeça, que também acreditavam. Sirius e Lupin arregaçaram as mangas.
— Vamos acabar com ele de uma vez — disse Sirius.
Os dois apontaram as varinhas para Pettigrew. Hermione cobriu os olhos com as mãos e virou-se para a parede; não queria ver. Era a segunda execução que presenciaria naquele curto período...
— Não! — disse Harry, e quando Hermione olhou, ele estava entre as varinhas e Pettigrew. — Não o matem. Ele é a prova da sua inocência, Sirius. Vamos levá-lo até o castelo.
— Você é o único que tem direito de decidir, Harry. — disse Sirius, abaixando a varinha.
— Vou amarrá-lo — disse Lupin. — Mas se ele se transformar, o mataremos. Concorda, Harry?
O garoto assentiu. Com um movimento da varinha, Lupin fez aparecerem cordas que amararam Pettigrew. Depois aproximou-se de Rony, e com outro toque da varinha, imobilizou a perna dele numa tala. Hermione admirou-se de ver Rony se levantar, corajoso, sem ajuda e sem careta de dor.
— Está melhor, obrigado. — ele disse.
Todos prepararam-se para voltar a Hogwarts. Com um movimento da varinha de Snape contra o próprio, Sirius fez com que o corpo dele se tornasse rígido e fê-lo levitar. O grupo desceu do quarto e depois seguiu pelo túnel. À frente, Bichento andava graciosamente, balançando seu rabo peludo. Depois dele, Pettigrew era levado algemado por Lupin e Rony. Sirius vinha fazendo Snape flutuar logo atrás, e Hermione vinha com Harry atrás de todos os outros.
A um certo momento da caminhada, Sirius contou a Harry, achando que ele não soubesse, que era seu padrinho, e convidou-o para morar com ele. Harry ficou exultante com a possibilidade de deixar os tios trouxas, e aceitou. Os dois sorriram um para o outro, e Hermione sorriu ao ver a cena. O grupo alcançou o final do túnel, e passou por baixo dos galhos paralisados do salgueiro lutador. Começaram a dirigir-se para o castelo, mas pararam ao ver uma nuvem se mover e deixar aparecer a lua cheia.
— Não tomei minha poção esta noite... — disse Lupin, e depois começou a se transformar em lobisomem. A algema que o prendia a Pettigrew se rompeu quando seu braço engrossou.
Sirius transformou-se em cão para conter o lobisomem, mas antes ordenou a Harry e Hermione que corressem. A distração os impediu de perceber que Pettigrew tomara a varinha de Lupin e lançara um feitiço para se soltar de Rony e outro que derrubou o garoto, desacordado. Então ele voltou a se tornar um rato, e fugiu. Harry ainda tentou persegui-lo, mas ele desapareceu na escuridão. Hermione correu para Rony, estendido no chão, desesperada.
— O que Pettigrew fez com ele?
— Não sei... — disse Harry.
Hermione olhou para os lados. Embora ainda ouvissem a luta entre o lobisomem e o cão, eles não estavam mais visíveis. Snape continuava debilmente flutuando, e Rony ainda respirava, embora parecesse profundamente adormecido. Hermione tomou a cabeça dele nos braços, choramingando. Ouviram o som de um cachorro em sofrimento.
— Sirius! — disse Harry, pedindo ajuda a Hermione com um olhar.
Ela hesitou, olhando para o rosto de Rony, em seus braços, mas não havia nada que pudesse fazer por ele naquele momento. Deitou a cabeça dele novamente no chão, com cuidado, e seguiu Harry, que corria na direção da voz do cão. Chegaram à beira do lago, mas o cão não estava mais ali. Sirius estava em sua forma de homem, e era atacado por uma centena de dementadores.
— Hermione! — disse Harry, com urgência. — Pense em alguma coisa feliz e grite Expecto Patronum!
Hermione tremia com o frio provocado pelos dementadores. Fechou os olhos e tentou concentrar-se em um momento feliz, imaginando que a inocência de Sirius seria provada e todos ficariam bem.
— EXPECTO PATRONUM! — gritou.
— EXPECTO PATRONUM! — gritou Harry.
Nada acontecia. Harry continuava insistindo no feitiço. Hermione concentrou-se na viagem à França, nas visitas a Hogsmeade, no momento em que fizera as pazes com Rony e Harry...
— EXPECTO PATRONUM!
Nada aconteceu novamente. Hermione começava a sentir-se fraca. Não apenas sentia-se congelando com o frio dos dementadores, como podia sentir suas boas memórias sendo arrancadas, uma a uma, pelas diversas criaturas que os cercavam. Sentiu suas pernas vacilarem, mas ainda tentou mais uma vez: — EXPECTO... Expecto Pat... Ex...
Ela perdeu os sentidos.

A voz de Snape conversava com a voz de Cornélio Fudge. Snape contava como heroicamente encontrara Rony e logo depois Hermione e Harry desmaiados e então Sirius Black, e trouxera todos de volta ao castelo. Contava como Black tinha enfeitiçado os garotos, de forma que eles acreditavam, de alguma maneira, que ele era inocente. Fudge, impressionado, dizia a Snape que ele certamente ganharia um prêmio por suas atitudes bravas em defesa dos alunos de Hogwarts. Snape aproveitou para comentar como Potter agira mal em tentar capturar Black sozinho, a despeito de todas as medidas de segurança que tinham sido adotadas justamente por causa dele.
Hermione abriu os olhos e reconheceu o teto da ala hospitalar. Passou as mãos pelo rosto, e percebeu que uma delas estava enfaixada. Havia curativos em seu rosto também. Sentou-se, com dificuldade, e viu Rony desacordado em uma cama, a perna engessada e levantada. Em outra, viu Harry, que parecia estar se acordando. Quando Snape e Fudge entraram, ele levantou-se, e ela também. Os dois correram para alertá-los.
— Vocês pegaram o homem errado! Sirius é inocente! — disse Harry.
Ele e Hermione começaram a explicar a história que tinham ouvido de Lupin na Casa dos Gritos. Snape perdia a paciência, e gritou mandando-os se calarem. Harry também não se conteve, e gritou com o professor. Dumbledore entrou quando a discussão evoluía de tal maneira que Hermione achou que os dois se atacariam fisicamente. Madame Pomfrey veio pedir a todos que se retirassem, pois estavam perturbando os garotos, que eram seus pacientes e precisavam de repouso.
Do alto de sua autoridade, Dumbledore ordenou que todos se retirassem, pois precisava conversar a sós com Hermione e Harry. Snape foi o último a se convencer a ir, pois queria antes convencer o diretor dos motivos para acreditar que Sirius Black era mesmo um assassino impiedoso. Dumbledore pediu-lhe mais uma vez que saísse, e ele obedeceu, por fim.
Mais uma vez, Hermione e Harry adiantaram-se para tentar explicar a verdade. Dumbledore os interrompeu e disse:
— Vocês precisam me ouvir, o tempo é curto. Acredito na história que estão me contando, mas não posso fazer com que os outros enxerguem a verdade. Sem Pettigrew, é impossível provar a inocência de Sirius. Mas há algo que se pode fazer. — ele dirigiu a Hermione um olhar cheio de significado. — Só precisamos de mais tempo.
Ela compreendeu, e assentiu com a cabeça. Viu que Harry estava atordoado ao seu lado, sem compreender, mas naquele momento não poderia explicar nada a ele.
— Sirius está preso na sala do prof. Flitwick no sétimo andar. Se tudo der certo, vocês poderão salvar mais de uma vida inocente esta noite. Mas lembrem-se: vocês não podem ser vistos. Hermione, você conhece as regras, sabe o que está em jogo. Três voltas devem bastar. Vou trancá-los, faltam cinco minutos para a meia-noite. Boa sorte.

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