Uma Cerveja Amanteigada Juntos



— CAPÍTULO ONZE —
Uma Cerveja Amanteigada Juntos




Na manhã de domingo, muito cedo, Hermione visitou Hagrid. Levou para ele o material para a defesa de Bicuço, que estivera preparando durante a semana. Explicou pacientemente tudo a ele; o que dizer primeiro, como dizer, como responder às possíveis perguntas.
— Ainda volto a falar com você durante a semana. Qualquer dúvida me mande uma coruja.
— Muito obrigado, Mione... Você é um anjo! — disse Hagrid, enternecido.
Ela sorriu constrangida, e o amigo abraçou-a muito forte, dando-lhe a impressão de que sufocaria.
— Hagrid... você soube do que aconteceu na noite passada?
— Não, o que houve na noite passada?
— Sirius Black, Hagrid! Esteve na torre da Grifinória, invadiu o quarto dos terceiranistas e atacou Rony!
— Ele machucou Rony?
— Não deu tempo... Rony gritou e ele fugiu.
— Mas e ele não foi pego?
— Não... Fizeram uma busca, mas ele não foi encontrado.
— Como foi que ele entrou na torre da Grifinória? Como sabia a senha?
— Ele encontrou um papel com todas as senhas da semana... Era do Neville. A profa. McGonagall deu a Neville uma detenção e não deixará mais que ele vá a nenhuma visita a Hogsmeade.
— E bem feito para ele! Imagine, perder um papel com todas as senhas da semana numa situação dessas!
— Parece que Sir Cadogan será demitido...
Houve um momento de silêncio. Hermione levantou-se. — Acho que vou indo, então. Tenho que terminar de ler um livro até amanhã... — Antes que pudesse perceber, Hermione começou a chorar desesperadamente. Hagrid tomou-a nos braços como a um animal ferido.
— O que é, Mione? Diga o que está acontecendo!
— Fiquei apavorada com o que aconteceu com Rony! Ele podia ter morrido! — disse, soluçando. — Ele podia ter morrido sem saber o quanto eu sinto por estar afastada dele! Ele podia morrer e as últimas lembranças que eu teria dele seriam que ele tinha ódio de mim! — ela parou por um minuto para respirar. Sentia que todas as suas angústias estavam transbordando naquele momento. — E eu não estou conseguindo! Pensei que conseguiria, mas não estou conseguindo dar conta de todas as minhas tarefas! Eu tinha certeza de que seria suficiente ter interesse e esforço, mas estou dando tudo de mim e simplesmente não é o bastante!
— Mas Mione... Abandone algumas matérias. Não tem problema nenhum!
— Não posso! A profa. McGonagall... ela... — Hermione hesitou; estava prestes a falar sobre o vira-tempo. — A profa. McGonagall teve de fazer um esforço muito grande para ajeitar os meus horários, estarei jogando fora o empenho dela!
— Mione, se ela visse o estado em que você está, garanto que lhe daria o mesmo conselho. Olhe para você... Uma garota tão bonita, está cheia de olheiras, uma expressão cansada, de desânimo...
Hermione respirou fundo, olhando nos olhos de Hagrid, que a olhavam de volta com carinho.
— Obrigada, Hagrid. — ela levantou-se e abraçou-o com toda a força que conseguiu reunir. — Voltaremos a nos falar durante a semana sobre o caso de Bicuço, e não perca a esperança, nós vamos salvá-lo!
— Muito obrigado, Mione... Se Bicucinho tem alguma chance de ser absolvido, isso se deve a você. E eu vou chamar aqui aqueles meninos, eles não podem fazer isso com você, abandoná-la no momento em que mais está precisando de amigos!
— Não, Hagrid, por favor...
— Nem comece a argumentar, porque você não vai me convencer. Mesmo passando por tudo isso, você ainda arranjou tempo para vir me ajudar. E eles? Vassouras, quadribol, vindo acima das amizades! Não cobro deles nada por mim, mas por você! Está errado, muito errado.
Hermione suspirou. Despediu-se do amigo e tomou o caminho de volta ao castelo.

Depois da nova entrada de Sirius Black em Hogwarts, a segurança ficou ainda mais rígida. Sir Cadogan foi de fato demitido, e a Mulher Gorda só aceitou seu cargo de volta com a condição de receber proteção especial; um grupo de trasgos fazia guarda ao redor dela, assustando os alunos do primeiro ano e contaminando o ar da sala comunal e arredores com seu fedor característico.
Mais ou menos no meio da semana, apareceu no mural da sala comunal da Grifinória um aviso sobre uma visita a Hogsmeade no sábado. Hermione viu Harry e Rony cochichando perto do aviso, e não conseguiu se conter. Andou até lá com Bichento no colo.
— Harry — disse, parando ao lado do garoto. — Você não vai a Hogsmeade escondido outra vez, não é?
— Você está ouvindo alguma coisa, Harry? — disse Rony, com uma irritante imitação de alguém procurando uma mosca.
— Rony! Como você pode encorajá-lo depois do que aconteceu com você? Se Harry for eu serei obrigada a contar tudo à profa. McGonagall!
— Fique quieta, Hermione! Será que não basta todo o mal que você já fez este ano? Agora vai providenciar para que Harry seja expulso?
Mal? Como ele podia falar em fazer mal quando estava levando Harry para fora da escola outra vez, fazendo-o correr o risco de ser pego por Sirius Black? Antes que ela pudesse dizer isso, no entanto, Rony dirigiu um olhar tão furioso a Bichento que ela se assustou. Magoada, correu para o dormitório feminino.

Na noite de quinta-feira, Hermione despediu-se de Hagrid, que partiria para Londres com Bicuço para a audiência, a se realizar no dia seguinte.
— Me mande uma coruja assim que puder... Aliás, me mande corujas com qualquer notícia que tiver... Se puder, é claro. — ela descobriu que tremia.
Descobriu também que não tinha idéia do que aconteceria com seu estado emocional se Hagrid perdesse o caso. Ele era naquele momento não apenas seu melhor amigo, mas a única pessoa e o único motivo que a prendiam à realidade e a impediam de ficar louca em meio a tantos afazeres.
De volta à torre da Grifinória, ela passou um longo tempo chorando no banheiro, odiando o vira-tempo. Imaginou-se destruindo-o de várias formas. Ensaiou no espelho conversas com a profa. McGonagall. Imaginou-se abandonando Hogwarts. Hagrid vinha à sua mente sempre que pensava em algo extremo assim.
Passou a sexta-feira sem conseguir se concentrar em nada. Ficou o dia inteiro imaginando o que estaria acontecendo na audiência e esperando por notícias de Hagrid, mas não recebeu uma coruja sequer.

Na manhã seguinte, foi difícil para ela decidir entre ir a Hogsmeade ou passar o dia inteiro no castelo à espera de notícias de Hagrid. Acabou decidindo por ir, pois poderia pelo menos comer alguns doces da Dedosdemel e tomar uma cerveja amanteigada. Talvez devesse descobrir outro pub onde tomá-la, pois no estado de nervos em que se encontrava poderia pular no pescoço de Madame Rosmerta. Mas por que? Por causa de Rony? Teve ímpetos de escrever uma carta para os pais, já não lhes escrevia havia meses. Mas se atrasaria; simplesmente vestiu o casaco e desceu rumo ao saguão.
No caminho até Hogsmeade, Hermione andou perto da profa. McGonagall, tentada a seguir o conselho de Hagrid e conversar com ela. Acabou não falando nada.
A primeira coisa que fez foi entrar no Três Vassouras, afinal, era o único lugar que conhecia onde poderia tomar uma cerveja amanteigada e brindar consigo mesma à sua covardia e aos seus fracassos. Sentia pena de si mesma. E sentia raiva de si mesma por estar sentindo pena de si mesma. Talvez estivesse apenas nervosa com a demora de Hagrid em mandar notícias. E Madame Rosmerta ainda vinha perguntar-lhe o que desejava? Não era óbvio que ela queria uma...
— Cerveja amanteigada — disse, com a voz mais rouca que já ouvira sair da própria boca.
Por que a mulher tinha que demorar aquela eternidade toda para trazer a bebida? Ela seria capaz de tirar o casaco e mergulhar na caneca, de preferência prendendo a respiração para nunca mais soltar. Com a caneca na mão pôde suspirar, aliviada, e procurar um lugar para sentar. Foi então que Adam Sthills apareceu sorridente, e sentou-se ao seu lado.
— Não tinha visto você nas outras visitas a Hogsmeade!
— Que lástima. — disse ela, sem se preocupar em esconder o sarcasmo.
— Realmente! Imagine só... Mas bebamos juntos hoje. — ele fez sinal para Madame Rosmerta, e quando ela se aproximou pediu uma cerveja amanteigada.
Hermione olhava para as janelas incansavelmente, à procura de uma coruja que não aparecia. Adam parecia distraído com algo na superfície de sua caneca de cerveja amanteigada. — Eu vi a flor no lixo, sabe.
Ela olhou-o subitamente, sem entender, mas conseguiu conter o ímpeto de perguntar de que flor ele falava.
— Sinto muito, é que eu...
— Eu sei, tem namorado.
— Como?
— Aquele seu colega da Grifinória, não é? Aquele de cabelos vermelhos... Brigaram por minha causa, naquele dia do jogo, quando ele me viu... Você podia ter me dito, antes que eu... Bem, enfim.
Hermione estava boquiaberta. Queria ver onde aquilo ia dar, mas Rony seu namorado? Teve vontade de rir na cara dele! — A verdade é que eu me apaixonei por você, Hermione.
Ela se engasgou com a cerveja amanteigada. De súbito, Adam tomou sua mão.
— Rony não é meu namorado. — Hermione surpreendeu-se com as próprias palavras.
— Não? Mas... Aquele garoto me odeia. Já passei por ele várias vezes desde aquele dia na entrada da torre da Grifinória, e o jeito que ele me olha...
— Ele late, mas não morde. — Hermione sorriu ao pensar em Rony.
— Pensei que tinha jogado a flor no lixo por causa dele.
— Nisso você acertou.
— Quer dizer então que ele não é seu namorado, mas você gosta dele.
— Suponho que sim.
Ela sentia uma espécie de vergonha de si mesma por estar admitindo aquilo.
— Hermione... Eu prometo deixá-la em paz. Mas hoje... — ele tomou a mão dela novamente.
Antes que pudesse perceber, Hermione estava sentindo o hálito de Adam em seu rosto e no instante seguinte ele a beijou. Com uma das mãos envolveu-a pela cintura e com a outra se pôs a acariciar seu cabelo. Ela sentiu algo muito estranho, um sentimento ruim de deixar-se violar, de fazer algo contra sua vontade.
Adam era a pessoa mais indigna de afundar a mão em seus cabelos, o gosto da língua que ele intrometia junto da sua era o pior que ela já sentira, e o ar que saía das narinas dele e tocava seu rosto era sujo. Ela imaginou-se fazendo aquilo com Rony, e sentiu-se ainda pior. A mão dele desceu dos cabelos dela até o pescoço, e ela sentiu que ele puxava a corrente que pendia dele. Tinha as mãos debilmente esquecidas nos ombros dele, mas não conseguiu movê-las dali para impedi-lo. Sentiu a corrente toda sair de dentro da sua roupa, e ele parou de beijá-la para olhar o pingente.
Uma vez livre, Hermione tomou bruscamente o pingente da mão de Adam.
— Você não pode tocar nisso. — disse. Sentia os lábios e o queixo incomodamente úmidos com a saliva dele. — E agora que já teve o que queria, cumpra sua promessa; deixe-me em paz. — ela levantou-se. — Nunca mais fale comigo.
Hermione saiu correndo do Três Vassouras, e continuou correndo até chegar de volta a Hogwarts. Subiu correndo à sala comunal, onde algumas pessoas estudavam, outras conversavam. Algumas a olharam surpresas, pois ela entrara correndo, provavelmente devia ter uma expressão parecida com pânico no rosto e tinha as bochechas afogueadas da corrida. Gina estava ali e veio tomar seu braço.
— Você está bem, Mione? Aconteceu alguma coisa?
Sem fôlego, Hermione apontou para a escada circular, e as duas subiram juntas para o seu quarto. Envergonhada, contou a história de Adam Sthills e contou também o que dissera a ele sobre Rony.
— Mas... Mione! Honestamente... Como é que você pode gostar do meu irmão? Rony é um...
— Eu sei! Mas eu nem sei se eu realmente gosto dele... Enfim, eu estava nervosa esperando uma coruja de Hagrid, bebendo cerveja amanteigada, e o menino aparece dizendo que se apaixonou por mim... Aconteceu alguma coisa comigo...
— Mas e o beijo, foi bom?
Hermione lembrou-se do gosto ruim, do ar sujo e das mãos indignas. Seria capaz de vomitar.

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.