Hipogrifo e Bicho-Papão



— CAPÍTULO CINCO —
Hipogrifo e Bicho-Papão




— Estou doido pra saber o que Hagrid vai dar na primeira aula; vocês não? — perguntou Harry, numa evidente tentativa de fazer com que Hermione e Rony se falassem.
— Uhum... — foi a resposta desanimada de Rony.
Hermione simplesmente ignorou a pergunta. Andava em silêncio ao lado de Harry, que tinha de seu outro lado Rony. Nesses momentos em que entrava em conflito com Rony, sentia-se sempre excluída. Era óbvio que Harry era mais próximo de Rony do que dela, então ao andar junto com eles ela sentia que sobrava. Por mais que Harry tentasse instaurar a paz entre eles novamente, ela não podia deixar de pensar que, se simplesmente se afastasse, não faria falta nenhuma aos dois.
A situação ainda estava por piorar; ao chegarem aos arredores da cabana de Hagrid, perceberam que dividiriam a aula de Trato das Criaturas Mágicas com os alunos da Sonserina. Draco Malfoy e seus inseparáveis amigos Crabbe e Goyle riam de alguma coisa, esperando o início da aula.
Hagrid apareceu, com o cachorro Canino em seu encalço.
— Bem-vindos à aula de Trato das Criaturas Mágicas — disse ele, meio sem jeito. Hermione sentiu uma sensação dolorida, mistura de compaixão por Hagrid e medo de que algo desse errado para ele durante a aula. — Venham, tenho algo muito especial para vocês.
Hagrid guiou os alunos pela orla da floresta durante alguns minutos, até chegarem a uma espécie de picadeiro. Havia uma cerca, ao redor da qual Hagrid pediu que todos ficassem.
— Bem, — continuou Hagrid. — agora abram os livros.
— E como é que devemos fazer isso? — perguntou Malfoy, com má vontade.
— Será que ninguém conseguiu abrir o livro? — Hagrid parecia desapontado. Com um gesto, pediu o livro de Hermione emprestado, e ela alcançou-lhe. — Vocês devem fazer carinho neles.
Hagrid rasgou a fita adesiva que Hermione colara no livro para mantê-lo fechado, e então o livro começou a tentar mordê-lo. Em seguida, porém, quando Hagrid passou sua mão enorme pela capa, o livro abriu-se e permaneceu imóvel.
— Ah, claro! — disse Malfoy, irônico. — Como é que nós não adivinhamos que tínhamos que fazer carinho nos livros?
— Achei-os engraçados... — disse Hagrid, como quem pede desculpas.
— Engraçadíssimos! Imagine que engraçado se eles conseguissem arrancar a nossa mão.
Hagrid parecia arrasado. Meio desconcertado, foi para trás de algumas árvores onde disse que ia buscar as “criaturas mágicas”. Malfoy aproveitou para tripudiar.
— Essa escola está mesmo indo para o brejo! Esse pateta nos dando aulas... Espere só até meu pai saber disso!
— Cale a boca, Malfoy — disse Harry, entre dentes.
— Potter, cuidado! — o garoto fingiu estar assustado. — Tem um dementador logo atrás de você! — e Crabbe fez a encenação de um desmaio.
Hagrid voltou, trazendo uma dezena de criaturas enormes presas por coleiras e guias que ele segurava firmemente. Hermione lembrou de tê-las visto no livro que ganhara do próprio Hagrid, dois anos antes, a Enciclopédia das Criaturas Mágicas. Não conseguia lembrar-se do nome do animal, no entanto.
Eram criaturas que, em suma, poderiam se chamadas de uma mistura de cavalos com águias gigantes. A parte da frente era de ave: garras, asas e na cabeça um bico cinzento, tudo coberto de penas. Atrás, fortes pernas de cavalo, cobertas de pêlos.
— Hipogrifos! — anunciou Hagrid. — Não são lindos?
Hermione foi obrigada a concordar que, apesar de num primeiro momento assustarem pelo tamanho, os hipogrifos eram bonitos, sim. Hagrid quis voluntários para um primeiro contato com os animais, mas como ninguém se oferecesse, Harry acabou se candidatando.
Hagrid ensinou, através de Harry, como fazer uma reverência ao hipogrifo, e que era necessário esperar que ele demonstrasse desejo de aproximar-se, pois se a pessoa não se aproximasse com o devido cuidado, poderia ofender o hipogrifo, causando sua ira.
— É preciso respeitá-los, eles se magoam com facilidade. Uma vez magoados, podem machucar. — disse Hagrid.
Como o hipogrifo pareceu gostar de Harry, Hagrid insistiu para que o garoto o montasse. Meio contrafeito, ele acabou subindo às costas do animal.
— Cuidado com o Bicuço, Harry. Tente não arrancar nenhuma pena, pois ele não vai gostar nem um pouco.
O hipogrifo levantou vôo com Harry nas costas, e sobrevoou rapidamente o picadeiro. Voltou ao chão em seguida.
— Muito bem, Bicuço! — disse Hagrid, orgulhoso. — Muito bem, Harry. Agora venham todos.
Entusiasmados com o sucesso de Harry, os alunos perderam o medo de entrar no picadeiro e começaram a praticar reverências aos hipogrifos. Hermione foi praticar com um de cor castanha. Aproximou-se dele, ligeiramente nervosa, flexionou os joelhos e abaixou-se. Esperou algum tempo, até que o hipogrifo também fez uma reverência, para seu alívio e orgulho. Naquele momento ela escutou uma voz conhecida ao seu lado.
— Posso praticar com o seu? — era Rony, que falava sem olhá-la nos olhos. — Não sobrou nenhum outro.
Sem responder, Hermione afastou-se e deixou que ele se aproximasse do hipogrifo. Porém, ele foi rápido demais; o animal fez menção de avançar nele, e, assustada, Hermione agarrou o braço do amigo e guinchou:
— Cuidado!
O hipogrifo voltou para trás e Rony também. Hermione largou o braço dele imediatamente, olhando na direção oposta. Enxergou Malfoy, Crabbe e Goyle na frente de Bicuço, o hipogrifo que Harry montara. Malfoy dizia:
— ... muito fácil. Se até o Potter conseguiu... Você não é perigoso coisa nenhuma. É, seu brutamontes feioso?
Sem prévio aviso, Bicuço atingiu Malfoy com uma das garras, derrubando-o no chão. Hermione aterrorizou-se ao perceber que as vestes dele estavam sujas de sangue.
— Estou morrendo! — berrava ele. — Essa coisa me matou!
Hagrid, muito pálido, tornou a prender Bicuço e dispensou a turma. Tomou Malfoy nos braços e levou-o correndo em direção ao castelo.
Harry voltou para o lado de Hermione e Rony, e como eles, observava Hagrid carregando Malfoy no colo.
— Será que ele vai ficar bem? — Hermione perguntou, aflita.
— Foi realmente péssimo que uma coisa dessas tenha acontecido no primeiro dia de aula de Hagrid. — disse Rony, tristemente. — A gente sempre pode contar com Malfoy para estragar as coisas para Hagrid.

Os três voltaram ao castelo. Continuaram a teorizar sobre o que acontecera na aula de Hagrid durante o resto da tarde, o jantar e o início da noite, quando sentaram-se na sala comunal da Grifinória para fazer deveres de casa.
— Eles não iam demitir Hagrid por causa disso, iam? — Hermione perguntou.
— Espero que não... — Rony disse.
Harry, que espiava pela janela, anunciou:
— Tem luz na casa dele.
Guardaram seus livros e desceram rumo à cabana de Hagrid. Sem muita certeza sobre se poderiam ou não sair do castelo àquela hora, moviam-se sorrateiramente. Julgaram não terem sido vistos por ninguém quando batiam à porta do amigo. Ele demorou um pouco mais do que demorava normalmente para abrir a porta.
Hermione percebeu logo no rosto e no jeito dele que ele andara bebendo, e muito. Mas quando os três entraram na cabana aquecida pelo fogo da lareira, ela teve certeza; havia uma enorme caneca na mesa à qual Hagrid sentou-se, dizendo:
— Certamente bati um recorde... Nunca tiveram um professor que durasse tão pouco tempo.
— Mas você não foi demitido, Hagrid! — Hermione disse, e depois de uma longa pausa murmurou quase inaudivelmente: — Ou foi?
— Ora, Mione. É só uma questão de tempo! — a voz de Hagrid estava tão pastosa que era difícil de entender o que ele dizia. — O pai de Draco não vai deixar isso barato... Os conselheiros já estão sabendo, e pensam que eu comecei muito grande. Acham que eu deveria ter deixado os hipogrifos para mais tarde... Foi tudo minha culpa!
— Claro que não, Hagrid! Você avisou que os hipogrifos atacavam quando insultados. A culpa foi de Malfoy! — disse Harry.
— Somos testemunhas. Contaremos nossa versão a Dumbledore ou a quem mais for preciso! — acrescentou Rony.
Hagrid puxou Rony e Harry em um abraço forte, derramando lágrimas.
— E você já bebeu demais — disse Hermione, decidida, erguendo com algum esforço a caneca de bebida.
Ela saiu pela porta da frente levando a caneca e despejou seu conteúdo no chão. No instante seguinte Hagrid apareceu ali, dizendo:
— Você tem razão. Obrigado por se importar comigo, Mione — ele abraçou-a, numa nova enxurrada de lágrimas.
Ela teve a impressão de que seus ossos esfacelariam-se com a força do amigo. Depois de soltá-la, ele enfiou a cabeça inteira dentro de um imenso balde d’água por alguns segundos. Hermione tornou a entrar na cabana enquanto ele sacudia da cabeleira o excesso de água. Quando Hagrid entrou, pouco depois, olhou para os três como se os estivesse vendo pela primeira vez.
— O que estão fazendo aqui a essa hora? — disse, energicamente. — Harry, você não pode sair do castelo à noite! E vocês dois, como deixaram? Caiam fora daqui, e não quero mais saber de vocês vindo me ver à noite. Não valho o risco.

Draco Malfoy não apareceu nas aulas até quinta-feira, quando entrou no meio da aula de Poções, com o braço enfaixado e suspenso por uma tipóia. Além de tolerar sem o menor comentário o atraso de Malfoy, Snape ainda tirou cinco pontos da Grifinória por Hermione ter ajudado Neville com a poção dele.
Hermione por pouco não se esqueceu de que ainda tinha aula de Runas Antigas; já ia se encaminhando para o salão principal com Rony e Harry para almoçar quando se lembrou. Sem dizer nada a eles, simplesmente desviou-se do caminho e escondeu-se em um canto onde pudesse usar o vira-tempo sem ser vista.
A primeira aula de Runas Antigas foi incrível. Ela já vinha lendo sobre o assunto desde o ano anterior, mas vê-lo na prática era melhor ainda. A profa. Janille Audsden era o que Hermione classificou como a antítese de Sibila Trelawnay: era discreta e assim também eram suas vestes e sua sala de aula. Ensinava a teoria da interpretação do jogo das Runas desde que começara a ser utilizada pelos bruxos.
Ao final da aula, Hermione dirigiu-se apressada para o salão principal, sentindo um vazio no estômago que chegava a doer. Do último lance de escadas que descia, avistou Rony e Harry em um outro, vindo da aula de Snape.
— Droga! — resmungou para si mesma. — Como pude me esquecer que estávamos vindo daquela direção?
Ela abaixou-se para continuar descendo a escada escondida pelo corrimão. Já no salão principal, pôs-se a correr na direção dos amigos. Correu até eles na metade da escada que desciam, e um Rony absolutamente estupefato perguntou-lhe:
— Como você fez isso? Agora mesmo você estava bem atrás da gente e agora aparece do outro lado?
— Ah... Bem, eu tive que voltar para ver uma coisa. Ah, não...
Sua mochila rasgou-se naquele momento, devido à quantidade de livros com que ela a enchera. Entregou alguns livros para Rony segurar e lançou um feitiço na mochila para consertá-la.
— Pra que tudo isso, Mione?
— Você sabe quantas matérias estou cursando, Rony.
— Mas hoje à tarde você só tem Defesa Contra as Artes das Trevas, essas outras...
— Obrigada, Rony — cortou ela, tomando de volta os livros e colocando-os na mochila apressadamente. — Espero que tenha alguma coisa boa para o almoço, estou morta de fome. — e continuou a andar em direção ao salão principal.

Naquela tarde, tiveram a primeira aula de Defesa Contra as Artes das Trevas com o prof. Remo Lupin. Ao invés de lecionar na sala habitual da disciplina, o professor levou a turma até a sala dos professores, dizendo que lá se encontrava o objeto de estudo daquela aula. O objeto era um bicho-papão, trancado dentro de um armário.
O bicho-papão não tinha forma definida; assumia a forma da coisa de que a pessoa que estivesse à sua frente mais sentisse medo. O feitiço para combatê-lo era simples: ao vê-lo, era preciso imaginar uma maneira de ele tornar-se cômico ao invés de assustador, e com essa imagem forte na cabeça, gritar “Riddikulus!”. O mais importante vinha depois que o bicho-papão já assumira a forma cômica, pois o que o enfraquecia de verdade era o riso.
Hermione ficou chateada, porém, por não ter tido a chance de enfrentar o bicho-papão. Rony aproveitou para zombar dela.
— E o que ele seria para você? Um dever de casa que só mereceu nota nove em dez?
Hermione encarou-o, perguntando-se se ele estaria certo. Sentiu como se fosse um bicho-papão e Rony lhe tivesse lançado o Riddikulus. Imaginou se isso significava que as risadas dele a magoavam. Tirou isso logo da cabeça, no entanto. Tinha muitos deveres de casa para fazer, não lhe sobrava tempo para pensar em nada mais.

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