-Café Expresso-



-Capítulo IX-


-Café Expresso-


Era então dia, a vida já acordava nos sussurros matinais, no tom corriqueiro dos vizinhos, no fútil interessado das fofocas da semana, “Uhn... Estranho, nunca imaginei que coubesse tanta coisa na sala de estar da senhora Cohen...” ainda voltavam os mais simpáticos ao discurso, na lembrança variada do bazar todo apinhado(das mesmas coisas). Bem, não cabia à razão dos mais radicais, Juliana quase a margem dos princípios, objetos repetidos como aqueles numa sala como aquela, tendendo a duelos no caminho até a cozinha (contra os delinqüentes pedestais), quase subjugando algumas regras básicas da física, mais praticamente aceitas do que na teoria. A sala da senhora Cohen começaria a mudar todo esse quadro hipotético.
Era dia então, e ela ainda então dormia. O despertador aristocrata, com galanteios de marreco trapaceiro, fingia esquecer o acorde temeroso do susto típico precedente ao despertar, enfim sua função última. Numa linguagem mais objetiva, esquecia a menina mais uma vez de lhe ajustar. Se lembraria do esquecido logo logo, para uma saudável continuidade quase cronológica da história.
-O que!!?- mais expressão do que espanto.
Saltou da cama vestindo o edredom, nos pés distraídos desejando o sono perdido, tropeçando na aba do cobertor levando o tornozelo ao escorrego.
Poft — era pouco ao alcançar o corredor, mas convenhamos nos limitados recursos literários.
9:35.
-Nove e trinta e quatro!- o relógio estava errado, e nesses momentos de súbita apreensão, um minuto a mais ou a menos sempre acaba numa trajetória diferença... ou começa...- Ai...- exclamou a dor que não se decidia entre as costelas e os joelhos, tentando se levantar equilibrando as pernas presas, sem conseguir pensar num processo mais seguro- Droga! De novo... Seu bandido!- voltou pulando para o quarto, ameaçando o despertador inocentado, procurando as pantufas com os pés entrelaçados.
O aposento havia evoluído de um estágio desordenado de deveres inacabados jogados a esmo pelo cantos, escondidos na casualidade do verão, para um retrato de caos e perdição nas coisas desconexas nos limites do malão.
-Afh...! que droga...- deixou-se novamente, paralisada ante a perspectiva de decidir o que fazer primeiro, na debilidade de uma ordem.
...Fome...! jurou sua barriga, esperançosa. Pra angústia dos instintos, a racionalização da pressa deixaria o gosto pra depois. Tinha que conseguir tudo na bagagem e, ainda mais, pensou escandalizada, conseguir fechar o indivíduo.
Pensando qual seria a definição de espaço pra magia, sem atrelar-se seriamente as questões teóricas da prática (aqui entre nos, normalmente elas se revelam epistemologicamente confusas e erradas), pôs-se sem saber ao certo a enrolar as coisas no conteúdo insuficiente de sua mala.
Deixando o espaço apressado atorrado de coisas sem nexo aparente, voltou os pés na escada teorizando assuntos mais urgentes. Estômagos a preencher e ordenar.
-O mãe!- flutuou indecentemente pela escada, jogando o pé a cada três degraus- Maãe...?
Sala vazia de coisas. Achava-se de tudo o que não precisaria no momento, faltando apenas a materna atitude acolhedora e apaziguadora.
De novo?
“...ai...”
Bem, na verdade, já era o acostumado esperado. O único ocaso é que nunca se lembrava até o momento. Afinal, sempre (nessa eternidade de dois anos) que tivera a oportunidade (oportunas duas vezes) de testar essa mesma específica reação os resultados foram os mesmos.
No primeiro ano, uma Juliana de dez anos (convenientemente dois anos mais jovem), achou-se sozinha ao pé da escada. O desespero não a invadiu, não pelo menos até entender essa noção certa de abandono em que a abandonaram. Onde estava a mamãe? Onde, já sabia, num abrigo emocional, mas não conseguia entender ao certo um como e um porque. Solitária apenas com o desejo enorme de achar-se sã e salvo em uma das historinhas do papai, levou-se abandonada no metro até a estacai, carregando com resignação desconfiada seu enorme esforço de malão, acompanhada apenas pela duradoura casualidade do destino (tão certa e reverente), em busca de um castelo escondido de ansiedade, magia e apreensão, possivelmente nas altas terras da escócia.
Confiando a choramingos nas pessoas, passou perto de um seqüestro improvisado, atravessou sem receios um atalho enumerado numa enorme construção em destruição, na certeza de chegar ao lugar errado. Estava certa, mas não por muito tempo. “Departamento número dois para alunos perdidos sem socorro de entes responsáveis”, surgiu um homem cristalino “Um dia difícil, mocinha?” — “O que?” — “Oras, não se preocupe com respostas, vai dar tudo certo. Somos poucos e os perdidos são sempre muitos, nesse época do ano. Agarre meu braço, sim... Isso, bem forte. Ok então, vamos?” e surgiu lá, depois de desaparecer no próprio umbigo, enlatada num cano de borracha sentimental, não sabe como.
No segundo ano foi menos complicado, na antevisão da aventura. Armou-se de mapas locacionais, cronometrando seu plano de destino.
Agora na terceira investida, tinha uma porta consideravelmente bem mais fácil...
Depois de dois anos de maturidade enganosa, tinha certo conceito do que já entendia na prática. A verdade, o que conseguimos dela em nosso egoísmo (ao menos), é que sua mãe, assustada e repreendida com a própria noção de abandono, temerosa com a despedida, fugia a filha antes que essa o certamente o fizesse, conforme o combinado sobre a escola. Uma boa estratégia, para um dos generais. Era como fugir à aposta sem por as cartas na mesa, na esperança que o Deck esmagador do adversário não a atormentasse com a vitória garantida.
Enquanto isso, considerava tudo com o estômago.
10 e vinte.
-Dezh e decenoveh!- considerou apressada com as torradas na boca, se atrapalhando no leite derramado.
Lilo chegaria a qualquer momento, preocupado com o mesmo.
Juliana não tinha pressa, só não tinha tempo.
Descobriu que a mistura audaciosa de leite, cookies e torradas amanteigadas não nessa hora da manhã não pareciam fazer bem ao seu pulmão, correndo a escada degrau por degrau, engasgando a respiração.
Ainda com fome, não seria o bastante, esse café expresso.
-Eu deveria ter jantado ontem...- veio a si mesmo, esquecendo as duas tortas de maça que realmente raptara da despensa, durante a noite.
Do corredor passara ao banheiro, esquecendo-se da escova. No malão fechou-o certa nas incertezas.
O ruído que esperava, murmúrios que lhe ocorria.
“Eu vou ver...”ouviu a voz conhecida do garoto.
-É... Ju!!?- chamou aos berros, sem maiores rodeios de etiqueta.
Patinando com o malão, alcançou a porta do escritório, girando a maçaneta temerosa, entreabrindo-a num cuidado exagerado na memória impactante da cabeça.
-Lilo! Afh, você chegou rápido.- acrescentou ao avistar o amigo, desconsiderando o seu atraso evidente.
-Rápido...? voltou Lilo, desentendido- Eu acho...
-Ah! Ola, senhor Stoneveew.- interrompeu a menina, acenando ao homem disperso entre as estantes, calçando seus óculos de pouco grau a procura de algo que não se conhecia.
-O que...? Ah, sim, como vai indo Juliana?- cumprimentou o pai de Bruno, sonoricamente perdido no fechar de um livro- Um bom material, seu pai tem aqui, não é...?
-É, acho que sim. Ele gostava de ler, acho.
-E de escrever.- lembrou o garoto.
-Sim, sim, eu sei disso. Sabe, o conheci em uma conferência sobre a modenidade literária e os ingredientes da crítica merliniana da...- parou ao reparar os dois num confuso desinteresse- Bem, temos que ir mesmo...
-Certo- anunciaram os dois quase em uníssono.
Depois retardaram. Juliana esperando os dois a esperarem por ela.
-É... Nos vamos de lareira, não é...?- perguntou Ju para se certificar do que julgava o combinado.
-Sim, sim, imagino que sim, se não tiver nenhum importuno...- pai.
-Ahn... Então...?- Juliana.
-Ahn... Ju, é que...
-Não que eu seja contra estilos alternativos, mas não tenho certeza pijamas é uma roupa adequada para não chamar a atenção em uma estação... É claro que não entendo muito de trouxas, e...- considerou.
-Pijamas...? Eu... O que!?- descobriu-se a menina ainda em trajes matinais.


O apito agudo atravessou as pessoas apressado, empurrando-as preocupadas, engajadas num esforço contusivo e ineficaz de alcançar o expresso número onze.
Perdido em tudo a uma distância mais segura, o garoto esperava uma atitude ordenadora para seguir em frente, desfazendo-se na fumaça que agasalhava com sufoco todo esse inútil movimento. Monk equilibrava a bagagem ao chão num cuidado efusivo e concentrado, julgando todas os aspectos do cenário de abandono. Sim, abandono para uns e para outros. Uma ponte de escolha arbitrária. Porque deveria ir pra essa escola se gostava tanto assim do vazio de casa...? Uma fagulha de rebeldia? Não, imagino que não. Insegurança do seguro. Não seria agora que desobedeceria as vontades do irmão, não tinha motivos nem caráter para isso. Um imperativo morto, muito vivo no garoto.
-Senhor Liar...- veio a mão do homem ao ombro, informando as horas- É preciso embarcar.
Num inaudível aceno, sentiu seus pés se empurrarem com a mão que o abandonava até o trem, entre os sujeitos que se despediam gritando entre cochichos.
Os dois estancaram à entrada enquanto alguns se atropelavam animados com suas próprias expectativas individuais, coletivas por falta de real anseio de realização.
Então era isso, achava, um ano que começa e já lhe entrega o seu terminar. O que poderia ser diferente? O que poderia ser melhor que o lado que deixava para ponte?
Não sabia o que deveria fazer, mas não seria a primeira vez. Deixando-se a ver o que os exemplos lhe ensinavam, decidiu que precisava se virar, arrependendo-se logo depois.
Surpreendido com o que não entendia no garoto a fitá-lo, Archer deixou-se a postos, como ele, encarando seu senhor.
O silêncio incomodo de murmúrios inacabados se despediam aos degraus do expresso, levando os dois para trás.
-Carlinhos, não deixe as meias engordurarem outra vez...!- ordenou a senhora Weasley, do passo pra janela- E cuidado com os lingostes de areia!
-Mãe, foi só uma vez...- voltou o ordenado da janela para o passo, antecipando o “Sempre pode acontecer de novo” da sua mãe premeditada.
-Cuide-se, filho.- veio o senhor Weasley, apertando a mão do garoto- E boa sorte no campeonato, fiquei sabendo que o novo batedor da Lufa-Lufa costumava rachar árvores sem o taco...- exagerou na torcida. O novo capitão do time era o orgulho e ostentação do pai lá no trabalho.
-Crânios também...- considerou o filho entregue- Ah... já deve estar no vagão dos monitores...- informou à mãe, despreocupado.
Depois de uma tentativa desastrada de quase derrubar o filho do carro com um saudoso aperto materno, se afastaram para ouros confins da procissão, cada qual em seu passo.
-...Boa sorte no campeonato...?- pensou que desejou, o mordomo ao senhor, sem se preocupar com maiores definições.


-Por aqui, ai...!- chamou a garota, se desviando da cabeça oca de um garoto em polvorosa do primeiro ano. Nem todos os calouros costumavam ser assim- Acho que tem uma vazia ali- apontou, quase chegando o dedo à porta.
-Calma ai meu chapa- coordenou Cássio, desviando a bala primária de seu estômago- Parece ideal- voltou, considerando o vagão.
-Ah, não... tem alguém aqui...- continuou, examinando mais de perto, desconsiderando o garoto que espiava sentado lá de dentro para fora, pela janela. Antes que esse encontrasse com si mesmo e se virasse para atender, a menina fugia a frente à procura de alguma outra cabine mais folgada. É claro que esse ato só irá prolongar as coisas, como deveria- ai... eu to com uma fome...
-É, e não somos nós...- argumentou Cássio, dando passagem a um Lilo desnecessariamente preocupado.
-Uma observação fantástica.- veio Kelvin, surpreendentemente sincero.
-É...- aclamou Lilo a frente- Não vão sobrar cabines para gente...- bobagem, sempre sobra. Esse trens são sempre feitos sob medida pro acaso- Aqui!- sobrou para o garoto.
-Que bom.- lembrou Claire, não tão irritada com a procura quanto os outros.
Lilo correu a porta, tomando a poltrona da janela, seguido por Juliana que caia ao seu lado. Cássio ocupou a outra poltrona frente ao amigo, deixando-se largado como julgaria confortável, dando espaço a Claire que colocou-se ao outro canto.
Uhn... Façamos a conta... quatro poltronas e, cinco pessoas? Esqueciam-se eles, como sempre, dele.
Kelvin aguardou à porta, esperando talvez algo nascer do meio do estreito passo, algo macio e aconchegante, a pura menção de sua vontade. Bem, não que soubesse definir o que queria.
-Ahn... Agente aperta...?- questionou Lilo, percebendo a falta de planejamento calculado, estreitando a conta ao tamanho dezesseis anos de altura do garoto descontado.
-Ah, não, não precisa se preocupar.- veio Claire consoladora de ninguém- Está cheio aqui, Kel, deve ter outro lugar... quer que eu procure com você?- continuou num tom entendido, fraterno como uma mãe que ensina ao filho o sabor de um picles torrado.
Kelvin mal construiu um pensamento a seu respeito, deixou sua posição, entendendo do seu jeito as instruções.
-Cla... ele vai ficar sozinho?- Juliana, um tanto impressionada. Talvez ninguém o tenha feito com muita apreensão, o que seria uma desculpa justificada pelo todo (como costumamos utilizar), mas sentia-se culpada por não conseguir marcar nos dedos, em uma conta negativa, a quantidade de colegas que o irmão de sua amiga não tinha.
-Ele não liga, na verdade...- tentou apaziguar- É sério!- acrescentou ao gosto da incredulidade dos ouvintes- Acho que ele é... auto-suficiente?- não achou bem uma palavra que combinasse com se irmão.
Ora, Kelvin não fazia bem parte do grupo. Tinha seu espaço, considerando seus contextos de sangue, mas o plano não incluía lugares livres nas poltronas. Nesses seis anos, em cada um deles, não achara alguém que se encaixasse com seu tipo. Não que realmente se esforçasse para isso. Em todos os sentidos.
Empurrando seu compasso vagaroso, o último apito fabricava um desequilibro na estrutura. O primeiro vagão do expresso onze pôs-se a remar a carga toda com insistente dificuldade, puxando a máquina a inércia esperançosa da via férrea.
Gingando com seus pés, ao retorno da velocidade adicionada ao vagão, Kelvin cumpriu o corredor a procura de uma poltrona. Nesse momento específico de sua essência existencial, só precisava dela. E quem não precisa?
Lembrou-se, ao avista-la finalmente, da cabine quase vazia que deixaram pelo um quarto, há alguns instantes atrás. Correu a porta do vagão sem perguntar ou se importar com algo ou alguém, ou mesmo, e hipoteticamente mais importante, com si mesmo.
-Tem um lugar aqui...- constatou, dirigindo a palavra a poltrona vazia, que não se opôs ou mesmo impôs a planos imediatamente futuros.
-Não é o que parece?- veio um lugar ocupado ao lado, um garoto de cabelos negros escorridos até a altura do pescoço, apertando-se ao que nos lembraria uma garrafa de café trocada pelo avesso.
Virando-se então para contar o que não lhe incomodava, descobriu que aquele primeiro garoto sozinho de antes já não estava mais, bem, sozinho.
Observando o invasor como se observa uma formiga obstruindo um pão-doce (não que a cabine em si fosse tão açucarada assim), a garrafa-de-café — que consideravelmente parecia ter uma personalidade mais saliente do que a do dono corrompido — era quase solenizada pelo vício nas mãos do garoto. Ela era só dele, teriam que aceitar isso.
-Uma garrafa térmica.- pontuou Kelvin ao desviar o olhar da sua futura ocupação para seu cafeinado interlocutor- Uma solução inteligente para evitar a propagação do calor para outros meios físicos, remediando assim a perda terminológica de...
-É, minha garrafa-de-café. Não divido com estranhos que não sejam eu mesmo.- veio reclamar sua autoridade, o tirano de cabelos escorridos, determinado em proteger suas fronteiras aquecidas e termicamente isoladas.
-Nos sabemos Pleni- soube um outro novo integrante que já estava ali, voltando-se para o recém chegado. Não era um rosto estranho, mas Kelvin poderia sim ser o bastante para não se lembrar- Os outros vagões estão cheios?- perguntou com uma simplicidade convidativa- Seu nome é Melvin, certo?- concluiu, numa memória diferente da do interrogado.
-Eu sou um eu...- respondeu Kelvin, sem se defender, ainda admirado com a espantosa capacidade térmica da garrafa isolada- e ele é um Pleni.- anunciou.
-Pleniard! Meu nome é Pleniard...!- chamou-se Pleniard, expondo claramente sua falta de intenções a respeito de todos os dois, encarando-os por segundos, decidindo-se por uma maior aperto caloroso entre as mãos.
-Pleni tem poucos amigos- explicou o outro- O que o deixa aberto para novas amizades, não é mesmo, Pleni?- concluiu, esperando a aceitação geral de um fato que só ele defendia.
As respostas pareciam votar em branco. Com um “Amizades é para pessoas que tem amigos” e com um possível “Eu tenho a mim mesmo, e gosto muito da minha amizade” do garoto escorrido, um desconsiderado estancar do novo membro e uma evidente falta de atenção do primeiro, a questão ainda continuava em aberto.
-Ahn... Não importa, pode se sentar ai- desistiu o mais falante, sem achar socorro em nenhum dos três- Não sei se você se lembrou de mim- continuou, voltando a atenção para um Kelvin que se sentou- Eu sou Paulo, o Pleni aqui você já conhece, e...- incomodou-se de esquecer o nome do outro. Ninguém o culparia a não ser ele mesmo. Por fim, nunca souberam. Mas não era desculpa o bastante- É... qual é mesmo o seu nome?- foi para o garoto encolhido em si mesmo entre a paisagem que corria contra o expresso, lá fora.
Todos esperavam, cada um na peculiaridade de seus hábitos, a dedução que não viria do garoto.
-Ei, é com você que eles estão falando.- avisou Pleniard, sorvendo mas um longo beijo amargurado na garrafa, tirando-se da jogada.
O aviso finalmente se avisou. Colocou-se sem intenção a olhar para todos, entendendo tarde seu desaviso exagerado. Paulo, em todo a sua franqueza auto-sujeitada, aguardava comprimindo a sua barriga generosa contra as mãos à frente dos braços.
-Crowmun.
-Crowmun?- veio Paulo- Acho que já ouvi o nome... Ahn... é só Crowmun?
-Você não tem um primeiro nome, mais fácil?- cutucou por saber, Pleniard.
-Incomum...- deduziu Kelvin, num julgamento só seu.
-Eu tenho. Liar.
-Limar?- Pleniard.
-Remar- respondeu o julgador.
-É Liar.- voltou Paulo, acolhendo enfim a decisão.
Não houve a peculiar explicação procedente a apresentações. Mas já esperavam por isso. Estavam aprendendo.
-Certo.- comunicou Paulo, o mais responsável por assuntos sociais, ou pelo menos o que demonstrava maior esforço para isso- Eu sou da Lufa-Lufa- continuou sem se preocupar com algo, como antigamente o fazia.
Com uma expressão de “Já era o que esperava”, Pleniard respondeu demonstrando a tonalidade esverdeada das luvas que usava desnecessariamente.
-Sonserina então?- afirmou, com um sotaque de interrogação ilustrativa- Corvinal, certo Melvin?
-Sim e não.
-Ótimo.- aprendeu a ignorar- E você, uhn, Liar?
Liar, que desconfiou mais rápido dessa vez, desviou-se do longo planalto verde-orvalho que atravessava sozinho. Talvez chovesse mais tarde. Pelo menos era a única coisa que concluía quando pensava em casas no momento.
Os três voltaram para ele, após sua habitual falta de resposta. Bem, era difícil sequer ter uma noção. Mas as aparências nunca enganam. Nos nós enganamos nas aparências.
Entretanto, como deve-se cogitar nesses instantes de desatenção objetiva, algo aconteceu com a atenção de todos.
Uma parcela invisível de duas patas dianteiras e um rabo em toco saltaram pela porta entreaberta que Kelvin não fechara por inteiro, reparando ao colo semi ocupado do garoto engarrafado.
-Mas o que!!?- saltou por todos, os braços do encurralado no lugar, voltando ao susto sem seu objeto térmico de desejo-Bosta de Dragão!
Acrescentando ao desastre uma tampa dês-rosqueada, talvez um monte dela. Com a surpreendida apreensão de todos os visados, a garrafa largou-se ao ar de sua ineficiente, até que se prove o contrário, rosca. Cafeína em bombardeio.
Mas talvez é sempre uma hipótese, e talvez errada, como as possibilidades sempre apontam para casos como esses.
Murmúrios e apelos considerados, foi tudo muito rápido.
-Mas a gravidade...- estudou primeiro Kelvin, ajustado aos óculos para encarar a bomba. Estancada no ar, ela descia ao bombardeiro, gota por gota, sugando a garrafa para o café.
-É só um gato.- explicou o que sabia, a todos que descobririam.
Viraram-se para encarar o expositor quase em pé, ajoelhado na poltrona, mirando a garrafa isoladora isolada no ar, com a varinha confortável entre os dedos, como se sempre estivesse por lá.
-Liar... isso foi...!- começou Pleniard, salvo e grato, tentando agradecer ao salvador, esquecido do ronronar invisível aconchegado a seu colo.
-Incrível.- completou Paulo, sorrindo, admirado, entre “obrigado”, pela habilidade do garoto. Em outros tempos tão recentes, admiraria rancoroso.
-Não sabia que as garrafas térmicas tinham essa propriedade intrínseca...- veio Kelvin, calculando- Deve ser a cor...- terminou, compreendendo a verdade.
-Você é muito rápido. To impres...- Paulo se interrompeu na algazarra do corredor, endurecendo o rosto.
“Por favor, devolve meu gato...! Por favor, eu quero meu gato, devolve!” choramingou a voz no passo, macia de sofrimento comedido.
“Não vou devolver.” informou imperioso a voz de escárnio, “Você quebrou meu cavalo, eu sumi com seu gato” justificou sua punição ao crescente tumulto de cabeças que assistia, “Ele comeu minha rainha, e não estava jogando”.
Reparando agora, além do focinho invisível que se percebia, no contorno que achavam lembrar uma boca, a rainha esperneava injustiçada.
Reparando em injustiça, Paulo se levantou, decidindo por o que já se decidira antes de se decidir. Não era isso, a obra, o despertar, a paixão que escolhera como guia para seus temores? É preciso contornar o ideal com suas ações, por mais absurdas, abstratas ou exageradas que não poderiam lhe parecer.
-Não, por favor, não foi por querer...! Neklos não gosta de trens, ele não está acostumado...- soluçava castigante, limpando as lágrimas que lhe escapavam, a menininha, quase caindo em si mesma.
-O problema é que eu e todos os outros aqui estamos. Se você não consegue segurar aquele bico idiota, não pode reclamar das conseqüências naturais...- acrescentou, divertindo-se em sua seriedade, ostentando seu distintivo. Era monitor.
-O problema é que nem todos os outros concordam com as suas conseqüências naturais.- descordou Paulo, tirando algumas pessoas do caminho corpulento, abafando sua grosseria, tornando-a mais dolorida e possivelmente perigosa.
Os rosto mudos mergulharam na atitude do garoto, sem reconhecer a falta das próprias suas.
O rapaz do distintivo fechou sua expressão para o Paulo que surgia, acrescentando essa grande soma, no peito estufado do desafiante, na barriga ameaçadora do justiceiro.
Tudo seria mais divertido agora...— Parecia ter pensado — Abrir o ano letivo podia se tornar uma experiência mais gratificante, a cada período que passa.
-Certo, mas quem disse que você conta?- respondeu o monitor, deixando claro sua varinha frouxa em suas mãos, significando até onde poderiam ir a natureza de suas conseqüências.
-Alguém mais inteligente do que você.- avançou em passos calmos até a menina que ainda calejava os cachos cor de mel com o sal dos olhos. Sereno, numa antítese do seu rosto determinado no ódio e na razão, acenou para que a garotinha ganhasse a retaguarda- Eu.- enfim respondeu, vendo que a menina obedecia sem se saber.
-Há! Eu não seria tão burro de me provocar!- cortou o monitor, apertando enfim a varinha contra os dedos, na dificuldade de contrair as gargalhadas.
-Mas é suficientemente ignorante e idiota para judiar de uma garotinha indefesa.- rasgou Paulo, pesando em sua seriedade e decisão.
“Ei, aquele não é o Norton, da Corvinal?” se lembrou muito bem, Pleniard, de reconhecer o ex-goleiro, título que ganhara após a expulsão do time. Um pequeno incidente envolvendo um jogador adversário quebrado em cinco regiões diferentes, em três partes desiguais, dois anos atrás.
-Ela não estava indefesa contra mim...- considerou o monitor, procurando na prática alguma azaração impressionante o bastante- Não precisaria atacar ela para me divertir. Agora, com você eu não posso garantir.
Foi a gota d’água, ou talvez a tempestade. Era nunca ou agora, e a primeira opção poderia se tornar suficientemente real para se sentir.
-Você!!- não se sabe quem gritou.
Murmúrios altos se confundiram com as exclamações da luz intensa, proibindo-os de respirar, procurando um resultado, cada um com sua aposta.
-Sua garrafa isolada termicamente.- entregou Kelvin para um Pleniard que recuava dos estalos.
-O que aconteceu!- perguntou-se no amontoado de gente que não se sabia, ignorando pela primeira vez a garrafa isolada em suas mãos- Cadê o Pa...- calou-se ao responder.
Com os alvoroço de consolo a suas costas, Paulo resistia quase tombado nos sentidos de seu corpo, respirando rápido, varinha fechada ao pulso inútil que não conseguia resguardar.
-Putz, até que você é resistente...!- achou-se o monitor, agachado entre a varinha em riste apontada para onde estava há instantes o adversário derrotado- Deve ser uma questão de peso, não acha?- riu-se do respirar afobado do corpulento Paulo, levantando-se ao coro de gargalhadas de uns e o horror de outros- Mas não acho que agüentaria mais um... O que você acha?- continuou, segundo o apoio de alguns amigos.
Ninguém interveria? Bem, de qualquer jeito, o corredor era apertado demais para levantes populares. Só se levantam contra o vencedor a vontade de um maior grupo.
-Acho...- suspirou seu ar pesado- ...que você deveria ir para o inferno e começar a sentir pena de si mesmo.- tentou Paulo, corajoso, resistindo a sua falha, tentando pôr-se de pé, apoiado na parede contra o estuporamento.
“Alguém tem que ajudar ele!!” pensou urgente Pleniard, tirando-se mais uma vez de toda essa questão.
-É mesmo? Eu não acho isso... Ah! Não faça isso!- ordenou com a varinha para a varinha do inimigo que erguia-se temeroso a seu socorro.
-Maldição!- encolerizou-se com si mesmo ao perder a arma para o chão.
Estava acabado, tinha sido derrotado. Não haveria mais chances, errara e reconhecia isso. Não tinha mais pena de si mesmo. Pelo menos tinha conseguido desviar a atenção no lugar da menininha... quem sabe ela não conseguiria seu Neklos de volta, num dia próximo...?
-E o que faço com você?- voltou o monitor, cheio de vigor- Acho que vou...
-Pedir desculpas!!??- retornou Pleniard de onde não sabemos que tinha ido, corajoso, arremessando a inesperada garrafa térmica em direção ao opositor, explodida à um reflexo certeiro.
-Ah!!- assustou-se de dor, amargurado com a surpresa fervente do café térmico.

—Café expresso—

-Seu maldito!- voltou erguendo a varinha com uma intenção quase assassina.
-Vai lá e acaba com ele!- empurrou o garoto, sem sua garrafa, o outro que buscara a proteção.
Liar derrapou a frente, quase tropeçando aos pés,sem esperar por nada.
-Você não vai fugir!- mirou o garoto que fugia- Impedimenta!
O feitiço não aconteceu a seu favor. Impedido, deixou-se ali sem entender, estudando as possibilidades que não reconhecia existir.
-Mas o que...!?- avaliou- Você!?- descobriu Liar, num sentimento ameaçado, agachado no seu tropeço, varinha descansando enguard- Está com eles?
-Não sei.- não soube o garoto.
-Vai saber agora!!
Não saberia muito cedo. Não a lição que o monitor desejava lhe monitorar.
Um lampejo forte e o outro caia ao teto, amarrado em seu próprio corpo, mãos atadas na perda da varinha.
-Eu...! O que...!? Me ponha no chão!
Liar hesitou, mas obedeceu.
Despencado, quebrou o corpo para a tontura no vagão, gritando o impacto e procurando a varinha.
-O que está acontecendo!?- vieram vozes lá do fundo da multidão, tentando se aproximar.
O adversário tentou aproveitar a distração, mas descobriu-se não ser o único não distraído. Voou do chão para a parede, descendo mais uma vez aos gemidos seus, lutando sem saber, perdendo para a inconsciência.
-É o Paulo!- aproximou a voz de um Lilo que sacava a varinha apreendendo a cena.
Liar, sereno em sua execução, observava ainda atento com o punho o corpo imóvel do agora monitorado, desleixado em sua punição sem intenção.
Bem, o vencedor, logicamente, é o culpado, concluiriam os mais atrasados.
-O que você fez!?- atrasou Lilo, gesticulando com a varinha para o réu. Seria um erro. Não esperava uma resposta como aquela.
-Lilo!- correu Juliana, procurando Lilo no ar em que estancara, preso ao tornozelo e desarmado lá nas mãos, assim como uma garrafa de café.
-Socorro!- gritou o garoto para qualquer um.
Mas a menina, a única possibilidade aparente de ajuda, já ia ao chão petrifica, antecedendo um Cássio eufórico e impedido, e uma Claire que não se decidira, reconhecendo o irmão ao lado do inimigo.
Liar, acuado em seu tão convincente desentendimento, atirava proteção para todos os lados que se aproximavam. Não sabia o que estava acontecendo, como sempre soube, mas saberia se proteger.
-...O que?- não entendeu Claire o que todos reclamavam, surpreendida, encontrando seus amigos irracionalmente paralisados, um Lilo socorrendo-se, tentando desprender sua perna da garra invisível que o sustentava no ar.
-Ju!- preocupou-se o garoto, a ver a garota petrificada ao chão- Me tira daqui seu idiota!
Passos fortes anunciaram um caminho que se abria entre os alunos.
-Professora!- aguardou todos a mulher que ocorria decidida até o tumulto, acompanhada de perto por alguém do sétimo ano.
-O que está acontecendo aqui!?- ordenou que lhe explicassem, trajando a varinha em mãos para qualquer infortúnio. É sempre bom, ao recepcionar os calouros possivelmente explosivos.
O jorro de luz se desfez ao encontrar a barreira invisível que a professora conjurara.
Um aluno atacando um professor? A situação já era inacreditável por demais, mesmo para o perdão desse capítulo.
Minerva McGonagall fulminou o olhar numa chama mais forte que lhe escapava da varinha. Dois feitiços consecutivos na velocidade de um, na qualidade de mestre.
-Como ousa atacar um professor!?- questionou para o corpo que esperava desarmado e paralisado. Certa pela metade, como pode acontecer às vezes.
O garoto, para a incredulidade das testemunhas, rolara ao chão ao perder sua defesa, recrutando uma nova arma, pronto para o ataque.
-Professora!- avançou seu seguidor entre a varinha a postos, impedindo o ataque certeiro que a acertaria.
-Chega!- fulminou o garoto, a professora, espatifando em lascas a varinha que o atacante recrutara- Não posso pensar em outra punição que não seja a expulsão! Vamos para o castelo, agora!- determinou, depois de perceber que o garoto já estava impedido contra a parede de uma cabine, agarrado por pressões invisíveis- Senhor Weasley, pode soltá-lo, por favor. Conduza-o até o segundo vagão.- obedeceu o Monitor-Chefe, enquanto a professora avaliava os envolvidos- Você, você e você!- ordenou, apontando para o monitor injuriado que acordava, a Paulo resistido esbarrando ao chão, e a Juliana que se libertava da prisão após a derrocada do aprisionador- Acompanhem-me.
-Eu!?- não teve tempo de explicar, uma Juliana desentendida, ao pulso firme da professora que a arrastava.
Unindo-se ao carrasco educativo, Liar anda não percebia bem que o sentenciado era ele.


-Mas professora! Eu não...!
-Não quero ouvir suas explicações agora, senhorita Cohen. Não me faça transforma-la em uma caixa de fósforos sem palitos.
O que seria, na opinião de muitos, um dessentido essencialmente existencial.
“Mas! Mas...!”, o que estava acontecendo?
Depois de perder-se no próprio umbigo e de descobri-lo engarrafado em um cano de sensações, definição que procurou em algum sentido da memória, obrigou-se a andar obrigada aos limites de Hogsmead que lhe apareciam.
A professora, ríspida em sua razão, caminhava rápido a frente, ganhando o portão da escola, ladeado pelos javalis alados. Não se virava para trás, sabia que ninguém ousaria lhe desacompanhar, mesmo sem o reforço que apelara para hoje.
O Monitor Chefe fora substituído por dois alunos de confiança, um do sexto e outro do sétimo ano — “com licença para matar”, para que ele ficasse encargo de orientar a desordem costumeira da chegada do expresso.
Nada seria desnecessário depois do ataque de instantes atrás.
O monitor abatido era carregado sem esforço confortável por um dos guardas elegidos, remetendo de minuto a minuto injúrias a suas costas, carrancudo.
Paulo carregava-se sozinho num andar cansado, revivendo seus pulmões a cada novo passo. Já conseguia sentir o braço esquerdo. Ainda não era um começo.
As duas senhoras, temerosas em seus temores, mal notavam o garoto já sentenciado acompanhando-as a passos curtos, entendendo o cenário sem olhar para ele.
Como ele podia ser tão abstraído em si mesmo? Passe treze anos livre em uma casa, com a oportunidade de não sair, e talvez terá uma resposta. Eu não teria.
Juliana só entendia que em um momento deixara de se mover, sem saber ao certo se optara por isso e que, inerte não sabe quando, encontrou um Lilo pendurado na algazarra de cabeças murmurantes.
O que tinha acontecido? Bem, no mundo mágico, era menos trabalhoso tirar suas próprias conclusões do que encontrar explicações decentes para elas.
Suas pernas arrancavam com pressa, seguindo a professora em alguma distancia segura, doendo pelo instante em que se sentiria confortável e beberia suco de abóbora, o que, obviamente, não era mais o que esperava que a aguardasse ao chegar ao castelo.
Por que ela!? E... quem era ele? Virou a cabeça por cima do ombro para encontrar o garoto cabisbaixo. Uhn... Parecia ter a mesma idade que tinham as pessoas que tinham a mesma idade que ela...Mas, não se lembrava de tê-lo reconhecido entre as aulas que provavelmente teriam assistido juntos, nesses dois anos... Entretanto... essa sensação de...? Não sentia a palavra. Reconhecimento, talvez? Bem, só podia presumir que o garoto novo era um velho conhecido, daqueles que tem o dom especial de insignificância. Pelo menos, até atacar um professor.
Há quanto tempo estariam andando? Não lhe pareciam mais de cinco minutos, e realmente não o eram, mas não era nisso que a garota queria acreditar. Chorando para dentro a expulsão, andava sua vida toda, a vida que ainda viveria, em meio a uma prancha de desanimo e abandono. O que faria agora? Para onde iria? Nunca pensara bem no que seria quando crescer, mas a certeza de que seria bruxa já a consolava há alguns anos. Agora, à urgência do momento, tentava vislumbrar a maioria das carreiras trouxas que há muito tempo pensara por um dia sequer seguir. Só conseguia respaldar a preferida de sua mãe, envolvendo coelhos na cartola, serrotes e crianças odiosas atirando tortas de maça. Parecia uma prancha pior do que a opção pelo mar de tubarões.
Não notava agora, mas o castelo não só surgia no horizonte, como já estavam engolindo as escadas a passos premeditados.
“Que? Já!?” assustou-se a menina, olhando para os lados, arquitetando uma fuga repentina, que nunca moveria contra os aprisionadores.
Como a vida tinha a capacidade de ser tão lenta, se podia acabar em desastrados cinco segundos? Há dez minutos se perdera para a insuficiência de uma pedra, e agora era culpada de todas as acusações que não se acusava. Era um mundo estranho.
A professora McGonagall se virou ao topo da escada, nos seus movimentos resolvidos, juntando aos olhos todo o grupo, repreendendo com sua fungada costumeira Juliana a quem quase se esbarrara, por descuido da menina.
“Desculpe” sussurrou a menina, se afastando alguns degraus, parando quase junto ao velho desconhecido, que agora largava sua cabeça para espiar a enorme construção. Não parecia surpreendido. Não estava, e, para Juliana, não deveria estar.
Bem, ele parecia ter aceitado tudo muito rápido, em todos os parâmetros que a garota conseguia imaginar, dentro e fora do castelo.
-Irão me acompanhar até a minha sala, e depois conversaremos, julgando o que for, devidamente.- encerrou, formalizando a questão, como todos temiam.



Bem, não eram todos os dias em que estudantes eram expulsos, ainda mais antes mesmo de surpreenderem as pessoas nos corredores da escola. Mas, relativo a isso, os corredores do expresso pareciam ter substituído satisfatoriamente esta função.
-Então, está dizendo- continuou ela severa, a procura de uma formulação, conforme relançava os olhos perante as aclamações silenciosamente contrárias dos demais interrogados- que foi atacado sem nenhuma justificativa aparente por seis alunos, enquanto tentava desfazer o feitiço apagadouro que um deles- reparou significativamente os olhos em Liar, importando-se com a falta de importância que o garoto parecia dar a isso- utilizou para se divertir sadicamente em um animal do primeiro ano?
-Não! No animal de uma indefesa menininha do primeiro ano!- protegeu-se o Monitor, orando por seu cargo- São uns animais, quer dizer, esses malditos que me atacaram, abusando de uma garotinha que nem ao menos...
-Maldito! Maldito é seu orgulho, seu bos...!
-Não gosto de termos ofensivos na minha presença, senhor Unrigart.- cortou com uma fungada, a professora- E isso vale para os dois, senhor Muller.- referiu-se diretamente ao Monitor, ao perceber o prazer que lhe provocava o desprazer do concorrente da verdade.
-Desculpe professora, não foi minha intenção, eu...- desculpou-se Norton Muller, sem a companhia de Paulo Unrigart.
-Não importa, desde que não se repita na minha frente.- quebrou a professora, assumindo seu terrível hábito de mediadora das frases interminadas.
-Professora, eu...- parou Juliana, ao receber a atenção que procurava, antevendo sua interrupção que não veio- ...eu... quer dizer, não sei bem o que aconteceu, mas, eu conheço o Paulo e, eu acho que ele não seria capaz de uma coisa dessas, acho...- chorou sua inconsciência, lembrando-se das sete vezes em que seu conhecido fora julgado à detenção por começar, e vezes terminar, brigas inusitadas por motivos mais irrisórios quanto poderíamos imaginar, no ano anterior- Quer dizer, não com uma menininha, é... afh...- baixou a cabeça, socorrendo-se aos pés.
-Obrigada por expressar sua opinião pessoal do assunto, senhorita Cohen.- fungou a professora, insatisfeita com a suspeita, após um “Não seria, mas foi...” resmungado pelo Monitor, meticulosamente baixo o suficiente para se ouvir claramente.
-Não é mesmo?- voltou Paulo, sarcástico, fazendo menção interior de se levantar e explodir a cabeça do antagonista, utilizando o vaso de mármore mais próximo. Não precisaria de varinha para causar alguns tipos específicos de dor.
Ignorando o comentário, a professora virou-se finalmente para o aluno que desencontrava na memória. Pensou em dirigir-lhe palavras predatórias, em busca do ocorrido, mas por faltar-lhe um nome, mudou de intenção.
-Juliana, como você pode realmente não saber o que aconteceu, não posso aceitar esse fato sem duvidar de uma mentira de ultimo momento.- acordo a voz para ela, num tom de consolo traído, levantando a menina de seus pés para seus olhos.
-Não, professora, é verdade, eu estava, eu... não sei bem, não conseguia me mexer!- voltou Juliana, tão sincera que se o fosse mais estaria mentindo.
-A questão é como você chegou até ai, não é?- acusou o Monitor.
-Não dei permissão para perguntas sugestivas, Muller.
-Professora, eu fui procurar o carrinho de comida, e eu, ouvimos um tumulto e barulho de feitiços, eu...- tentou explicar a menina, tropeçando nas palavras- ...daí agente fomos, quer dizer, eu, o Lilo, a Claire e o Cássio fomos ver o que estava acontecendo e, o Lilo disse que o Paulo estava, é... que estavam brigando com o Paulo e que ele tava machucado e o Lilo tentou ajudar, ajudar o Paulo e, daí ele ficou preso no céu, no ar, e eu não sei, eu fiquei paralisada depois e não vi o Cássio e nem a Cla, e depois você, eu, a senhora chegou e, depois...
-Já entendi seu ponto.- fechou a professora.
-É claro que é mentira, professora! Não entende? Ela inventou isso tudo agora! Tava até gaguejando e...- Norton, colhendo defesas, talvez desnecessariamente.
-Eu entendo, senhor Muller.- calou o Monitor, a professora- Mas quem estava brigando com quem?
-Eu não sei, professora, foi tudo muito rápido... Mas, eu acho que era... ele?- virou-se para Liar, perdido entre a janela e a tarde que caminhava triunfante no céu folgado do meio dia e meia.
O garoto continuou despercebido em si mesmo, procurando indícios no céu.
-O senhor...- não achou um nome, o nome não se achou respondido- queira prestar atenção ao que eu digo, senhor...
-O nome dele é Liar...- respondeu Paulo pelo garoto- Ele me salvou, ele e o Pleniard.
-Salvou?- voltou a professora para Paulo, procurando “Liar” na arquivística desorganizada da memória- Como assim o salvou?- continuou, fazendo um aceno imperativo ao monitor que quase soltara-se às queixas.
-Eu... eu arrumei briga com o Monitor porque ele...- parou para funcionar, julgando a si mesmo - Porque ele me chamou de gigante gorducho e truculento quando esbarrei com ele no corredor.- bem, admitamos, gigante não detém o mesmo efeito simbolicamente diverso que no nosso mundo trouxa, não depois de todo o sangue separava as raças no mundo bruxo.
Porque mentira? Porque era o mais aceitável. Esse é o problema quando se tem um passado em que não se pode confiar. O nome leva a culpa, e não a situação.
-Eu achei que poderia acabar com ele, mas eu tava enganado... caí no primeiro feitiço. Descuidei- acrescentou ao sentir o sorriso triunfante do Monitor- foi isso. Liar estava na mesma cabine que eu, ele e Pleni vieram me ajudar, e conseguiram.
O Monitor não acreditava no que estava ouvindo, afinal, por que acreditaria, se era mentira.
Juliana aceitou, levando em conta as estatísticas passadas.
-E os outros?- aceitou como suspeito primário, até que se prove o contrário, a história corriqueira dos hormônios adolescentes em exaltação. A ficha dos dois acusados combinavam para desfechos irracionais desse tipo, calculou a professora. Enfim, nesses casos, uma briga começa com orgulhos atropelados, e não com donzelas em perigo, ou gatos invisíveis.
-Não sei bem... Deve ter sido como Juliana disse, ouviram algo, e tentaram por ordem... Alguns têm esse irritante costume...- pontuou.
-Não consigo encaixar os três impedidos nessa história- voltou a professora, depois de processar por alguns silenciosos e esclarecedores segundos- Porque, Liar, atacaria a senhorita Cohen e os outros?- perguntou a todos, voltando-se novamente para o “desenterrogado”.
Nunca há resposta.
-Liar, ela está falando com você, cara.- chamou Paulo, por mais uma ajuda.
O garoto se virou, sonhando bem desperto, olhos apertados pela luz que levava o dia lá fora.
-Comigo?
-Oras, então, qual é o seu nome e a que casa você pertence?- constrangeu-se a professora, sem sobrepor sua irritação julgadora, tão confiante de sua memória organizada.
Eram tantos os alunos... E logo este, envolvido em algum crime, faltara a todas as chamadas.
-Liar.
-Já entendemos isso!- arrancou o Monitor, cercado e curioso por sua vez.
-Crowmun, Liar Crowmun. Pertenço à casa dos Crowmun de Aix, da nobre linhagem de França, protegida pelo...- lembrou-se de se apresentar, baseando-se no gigantesco parentesco, achando finalmente a casa a que todos “lhe” procuravam.

















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