-Banho de Neve-





-Capítulo IV-
-Banho de Neve-


Juliana tentou desembaraçar o cabelo, brigando mais uma vez com a escova(que parecia existir apenas para isso) na frente do espelho embaçado. As nuvens sufocantes de vapor só conspiravam para deixar o clima ainda mais tenso.
-Afh... Não adianta... Eu não deveria ter dormido hoje...- concluiu, mal humorada, radicalizando a questão- Gasta-se horas no cabeleireiro em um dia e no outro...- continuou, pensando não só no tempo que gastou, lendo revistas enfadonhas na poltrona e ouvindo comentários pitorescos das freqüentadoras do salão, mas também no investimento-...Argh!
Algo prendeu. Algo que se transformou numa fusão desagradável dos inconvenientes fios rebeldes com a escova estéril. E esta, pelo jeito, parecia confortável nos cabelos da garota, sem dar deixas de uma suposta intenção de querer sair.
-Puxa! Como tudo é injusto! Porque eu não posso ter um cabelo igual ao da Shii...?- fingiu choro, sofrendo por ela mesma, como sempre sofremos- É um cabelo tão...
...BAQUE...
Algo despencou.
Juliana raspou com pressa o vapor do espelho. Não, seu cabelo ainda estava ali, convencido pela força(ainda não fora dessa vez). A escova também, impetuosa.
-O que foi isso...?
Enrolou-se na toalha(rosa, com detalhes em verde) e ganhou a porta do banheiro para o corredor.
Enfiou a cabeça para fora, procurando sem achar.
-Mãe?- perguntou para o acaso.
Ninguém procurou responder.
Um outro barulho, um pouco mais tímido agora, aconteceu no ar.
Juliana olhou da porta escancarada do seu quarto até a porta sempre fechada do dos pais(...gatos...). Elas lhe responderam inocentes, sem nada a declarar. Então, por falta de mais suspeitos, julgou culpada a última. No fim do corredor, aquela porta.
-O escritório do papai...
Sem mais(por falta de menos), seguiu apreensiva, cautelosa nos próprios pensamentos, espalhando suor e água pelos pés nos tacos frios... Não devia ser nada... Nunca era.
Parou.
Tentou ouvir algum indício.
Ouviu.
Algo como exclamações em tosse nauseada. Não parecia sua mãe. “Ela não costuma entrar aqui...”.
Bem, para bem ou mal, decidiu acabar logo com o mistério.
Abriu a maçaneta com fúria temerosa, empurrando a porta com força perigosa. Só podia dar naquilo...
...BAQUE!...
O estrondo e o gripo se uniram em um só.
A porta golpeou em cheio o rosto do intruso. A massa suja, em reação, tombou para trás, caçando algo em que se segurar. A presa, atônita, se deixou parada, sendo fácil ser caçada.
O vilão, sem idéia de si mesmo, agarrou a toalha rosa e todo o seu conteúdo. Foram ao chão, um pisando o outro, nocauteando testa com testa.
-Argh!!- berraram os dois.
Juliana, atirada encima, tentou brigar despercebida, guiando seus braços desgovernados contra o invasor.
-Ju! Ai!! Julians!- os braços foram dominados- Bruno! Lilo!
Até o ar hesitou continuar, receando a reação.
No chão, por baixo, abraçando os braços estava o rosto de Lilo, camuflado de fuligem.
Os dois se perderam um no outro, tentando entender a situação. Além do ataque justificável, a toalha, ou a falta dela, tornava a confusão constrangedora o suficiente para qualquer adolescente em formação.
-Ah...- tentou Lilo, fixando os olhos na testa, só na testa, de Juliana- É... Você se esqueceu de acender o fogo... err... O que torna as coisas um tanto mais difíceis... É....fica bem mais fácil com o fogo aceso...
A menina continuou estática, talvez imitando o exemplo de sua mãe em situações de perigo. Era uma estátua rubro intenso.
-Quase eu... que eu não consigo chegar, é...-perdeu a voz o garoto, esperando vida.
Ela continuou parada, o que para alguns seria uma mostra de coragem e ousadia.
Lilo retribuiu da mesma forma, se controlando. Passou por sua cabeça, numa dicotomia de instinto e auto-controle, baixar os olhos por segundos, mas não o fez. Ou pelo menos não o ordenou com consciência, por que enfim a garota se quebrou do gelo, berrando.
-Fecha os olhos!
Lilo obedeceu, sem segundas ordens, sem pensar. Mas pensou. O peso quente a se estreitar com ele era tanto quanto desconcertante, que ligava algo em seu peito(calafrios por todo o corpo), e ao mesmo tempo confortável, como várias cobertas em um dia de inverno.
-Bruno, me solta por favor! Ta machucando...
Bruno Lilomandro Stoneveew se deu conta, finalmente, que esmagava o pulso da menina, constrangido.
-Ah! Desculpa! Eu, é..!
-Não abra os olhos!
-Certo!
O peso foi se afastando do seu corpo, ganhando a liberdade esperada.
-Ju, eu não... Eu disse que chegava as dez!
-Você não disse onde!- respondeu a voz, intrigada, com um que de agressão ressurgindo.
-Eu... Ah, eu esqueci- voltou o garoto, ainda no chão, sentando aos poucos agora, se lembrando- Eu tentei, mas não deu tempo... Eu achei que você tinha entendido!
-Putz! E como eu ia entender? Transmissão de pensamento? Vocês bruxos... Pronto! Pode abrir!
Lilo abriu os olhos e descobriu que, nas regiões em que não estava sujo de fuligem, Juliana estava. Pernas, braços, testa e bochecha, todas manchadas como em um reflexo quebrado e imperfeito, completando possíveis peças de uma massa só.
Percebeu um galo nascente na testa da menina e descobriu uma espécie semelhante a cantarolar na sua, lado a lado com um corte certeiro(crédito a balística da porta).
Continuou sentado, sentindo o pouco de sangue escorrer por suas têmporas momentaneamente confundidas. Sem cerimônias o limpou com a mão, que limpou na roupa, num processo conclusivo.
Juliana se escondia, por direito, atrás da toalha(agora preta com detalhes verdes). Ainda vermelha, desconsiderando as obvias partes escurecidas, fechou os braços entorno do novo pano de chão, com medo de mais um novo acidente, enquanto Lilo se levantava meio tonto.
-Agora vou precisar tomar outro banho...- continuou a menina, lamentando de verdade, angustiada- Bem... Pelo menos a escova saiu...- voltou os olhos para a malvada desconcertada lá no chão, perto do garoto.
-Bem... É sempre positivo, não é...?-voltou o garoto, se inclinando e agarrando a escova fugitiva, falando do que não entendia- É sua?-perguntou o garoto desnecessariamente, oferecendo-a com as mãos, fixando os olhos na parede.
Era uma aposento considerável, com tapetes verdes em rendas brancas por cima do carpete(?). Uma persiana dava conta da luz no fim da sala, deixando-a cair por cima da grande poltrona, percorrendo a escrivaninha e as estantes com livros. Muitos livros. Perto da lareira, duas poltronas mais tímidas e uma mesinha, revirada.
-Eu, é, tropecei nelas quando cheguei- continuou Lilo, lembrando apouco como fora atirado pelo não-fogo, encontrando os olhos da menina pela aposento.
Se abaixou e tirou um grande livro capa-dura, onde um bruxo bem intencionado de vestes claras(deixavam isso muito claro) ria largamente de um outro, nefasto e mal, de vestes escuras, que escorregava na casca da própria banana que comia, lançando-o à um poço sem fim.
-Meu pai lia para mim quando eu era criança...- comentou Juliana, ao ver o outro percorrer o livro, tentando esquecer a situação constrangedora.
Bem, não conseguia pensar em nada melhor para dizer. Os acasos do destino costumavam causar isso.
Lilo continuou na capa. A imagem mudava a cada determinado tempo, mostrando atrocidades onde o bruxo “bom” sempre tinha uma expectativa melhor contra o bruxo “mal”.
-Foi ele quem escreveu... Meu pai...-acrescentou Juliana, tentando atrair a desatenção incomoda do garoto.
-Eu sei...
-Sabe?- indagou, quase surpresa.
-Meu pai lia para mim também. -continuou, virando um sorriso terno, quase interno, para a garota- As vezes eu tenho vontade de pedir pra ele ler de novo...- disse, sem cuidado.
-Eu também...
Foi como gelo. “Ótimo! Seu burro!”
-É, desculpe Ju...-voltou, tentando com “jeitinho”, sem jeito para isso.
-Não, tudo bem- sorriu a garota, sincera, limpando um pouco de fuligem da bochecha.
Lilo voltou para o livro, sem espírito, abrindo as primeiras páginas, caindo na dedicatória.
“Para a minha esposa, que não gosta de livros e gatos(tudo o que eu sou para ela), e para minha filhinha, que não gosta de dormir e de não ser curiosa.”
-Curiosa, a Ju?-brincou o garoto, fazendo a menina entender do que se tratava.
-Isso já foi há muito tempo... Eu até gosto de dormir!-voltou a menina, justificando sem mais- Era o que ele achava, acho... Pelo menos em comparação com a minha mãe.
-Poxa, o prefácio é do professor Dumbledore...!
-É, eles eram amigos... Pelo o que dizem.
“Um livro ideal para todos os ideais. Para aqueles que acreditam no amor, ou não.”
-Ele é sempre tão assim, não é?
-Como?
-Sabe, daquele jeito meio doido dele... Sei lá...
-Uhn... é...-considerou, sem ligar muito para a questão- Minha mãe tem todos os livros do meu pai, acho...-continuou, sem atenção.
Então a mãe apareceu, atravessando o escritório, assustando os dois inertes.
-Oras, vocês resolveram dar um jeito na sala?-trazia uma porção de outros livros nas mãos, equilibrando-os- Então vocês podem me ajudar. Eu não sei como eles sempre aparecem pela casa...-continuou, dando a entender os livros fugitivos em sua mão.
-Ah! Mãe, esse aqui é o Lil, Bruno!- completou, ao sentir o olhar significativo do amigo. Não gostava que o apresentassem no diminutivo. Coisas...
-Ola querido, pode me ajudar- não foi bem uma pergunta, mas continuou, agora depositando os livros na poltrona mais perto- Esta nevando carvão lá fora?- continuou, prestando mais atenção ao garoto.
-É, não senhora. Estamos no verão. –respondeu, esquecendo que era costume geral da natureza nevar neve, se inclinando para ajudar.
-Bem, nada é certo. Filha, este vestido não esta muito curto para andar lá fora? Com toda essa friagem...
-Mãe! Afh... Bom, eu vou tomar outro banho, e depois vai você. –iniciou a menina, pondo fim na questão.- Droga, nos vamos nos atrasar

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