Reflexões e Berros



— CAPÍTULO QUATRO —
Reflexões e Berros




O ressoar estridente do canto de um pássaro acordou Hermione. Ela sentou-se na cama, bocejou e ali ficou por alguns instantes, a registrar os detalhes do quarto, num ligeiro estranhamento por não estar mais em seu quarto de casa. Levantou-se, vestiu o robe e saiu do dormitório. Desceu até a sala comunal, deserta. Não sabia que horas eram, mas sabia que era cedo; parecia estar amanhecendo ou que tinha amanhecido havia pouco.
Ainda havia fogo na lareira, e Hermione sentou-se em uma poltrona perto dela, pondo-se a pensar. Apertou o robe contra o corpo enquanto o calor e os pensamentos a envolviam; de uma maneira geral sua vida mudara muito naquele último ano. Era incrível como se adaptara depressa, mas ao parar para pensar ela percebia o quanto tudo o que tinha acontecido parecia surreal. Descansou a cabeça no encosto da poltrona.
Hermione estava agora com doze anos. Tinha cabelos longos, castanhos e cacheados. Eram ligeiramente volumosos, assim como seus dentes eram ligeiramente grandes. A aparência não a incomodava; no conjunto achava-se bonita. Lembrou-se da conversa com Gina. “Harry, eu gosto dele.”, dissera ela. Como assim gostava de Harry? Como ela podia saber que gostava de alguém? O que a levaria a acreditar que, aos onze anos de idade, gostava de um garoto? Hermione começou a imaginar-se gostando de um garoto — e de súbito refutou o pensamento, com repugnância. “Devo ser muito nova”, pensou. Cada pessoa devia ter seu tempo para essas coisas, e o dela certamente ainda não chegara.
Descansou as pálpebras e ficou sentindo o calor do fogo, de olhos fechados. Era bom estar ali, saber que passaria o dia tendo aulas que adorava, que se divertiria com Rony e Harry (depois, é claro, de demonstrar a eles um pouco mais de sua desaprovação em relação ao que tinham feito na noite anterior), que dentro de Hogwarts estava livre para praticar magia... E escorregou para um sono profundo.
Hermione tornou a acordar, com a impressão de que recém cerrara os olhos; porém agora o sol estava forte. Como a sala comunal continuasse deserta, ela entrou em um súbito pânico de que os colegas já estariam em aula enquanto ela estava ali, de camisola e robe. Subiu correndo a escada em espiral e ao entrar no dormitório viu as colegas se vestindo.
— Onde você dormiu, Hermione? — perguntou Lilá Brown, espantada.
— Acordei cedo e acabei cochilando na sala comunal...
— Talvez o livro que você estava lendo fosse muito chato...
Hermione fuzilou a outra com o olhar, mas a seguir fingiu não se importar.
— Talvez você ainda não tenha tido a chance de ler os livros de Gilderoy Lockhart, nosso novo professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. — disse, pegando em sua cabeceira Viagens com Vampiros, que estivera relendo na noite anterior.
— Na verdade, eu aproveitei muito bem as férias... Deixei o estudo para quando voltasse. — já pronta, Lilá Brown retirou-se, deixando uma Hermione furiosa para trás. Ela conteve-se, mantendo a compostura diante das outras colegas que ainda estavam no quarto.
Vestiu rapidamente o uniforme: camisa branca; gravata nas cores vermelho e ouro para representar a Grifinória; blusa fina de lã cinza com decote em V, deixando à mostra a gola da camisa e o nó da gravata; saia preta de pregas; meias três quartos da cor cinza e sapatos pretos.
Pôs a mochila às costas e Viagens com Vampiros debaixo do braço e saiu do dormitório. Andou apressada para fora da torre da Grifinória, depois foi descendo as diversas escadas no mesmo ritmo. Já no primeiro andar, lembrou-se de que não lavara as mãos, mas por sorte enxergou um banheiro ali perto, para onde se dirigiu. Abriu a porta, largou a mochila e o livro em cima de uma bancada e foi até uma das pias.
Nem bem sua mão tocou na torneira, Hermione foi surpreendida por um murmúrio; uma voz de menina, muito fina, num choro baixo e sentido. Indecisa entre oferecer ajuda ou não, ela abriu a torneira e lavou logo as mãos. O barulho da água denunciou-a para quem chorava; o murmúrio parou por um instante, e no seguinte ouviu-se um choro convulsivo e escandaloso. Hermione dirigiu-se por entre os boxes, todos abertos e vazios. No último, porém, havia uma garota.
— Com licença — disse Hermione, cautelosamente. — Posso ajudar?
A garotinha parou de chorar na mesma hora e encarou-a. Hermione viu que ela era transparente e preto-e-branca, e num reflexo impulsionou-se para trás, assustada. Era um fantasma.
— Claro que pode — disse o fantasma, numa calma aparente, para logo depois gritar: — Desde que saiba como me trazer de volta à vida!
O choro recomeçou, e a garota jogou-se dentro do vaso e desapareceu, respingando água pelas paredes ao redor. Ainda trêmula do susto, Hermione correu para pegar suas coisas e sair do banheiro o mais rápido possível. Ao sair quase chocou-se com uma menina do quarto ano que passava por ali.
— Desculpe — murmurou, timidamente.
— O que estava fazendo aí, menina? — disse a outra. — Ninguém vem neste banheiro, é assombrado. Você chegou a ver a Murta-Que-Geme?
Então era esse o nome dela?
— Sim.
— Coitadinha... Mas ela apenas chora e grita, não faz nada demais.
Deu umas palmadinhas no ombro de Hermione e se afastou. Depois de retomar o fôlego, Hermione seguiu seu caminho até o Salão Principal.
Minutos mais tarde, já sentada à mesa da Grifinória, Hermione observou Rony e Harry chegarem. Dirigiu a eles um “bom dia” um tanto formal, ainda em desaprovação ao episódio do carro voador. Eles apenas responderam, visivelmente incomodados mas não dispostos a discutir.
Hermione tornou a abrir Viagens com Vampiros, comendo distraidamente o mingau de aveia enquanto lia. Espiou Rony alguns instantes depois, e ele a olhava com uma vontade reprimida de implicar com ela por estar lendo no café da manhã. Sentiu o rosto corar um pouco e voltou a tapar o rosto com o livro. Foi nesse momento que as corujas entraram ruidosamente no salão, trazendo o correio. Algo caiu com estrondo dentro da jarra bem à frente de Hermione, que por pouco salvou seu livro de ficar encharcado de suco de abóbora.
Arregaçando a manga, Hermione enfiou a mão dentro da jarra e levantou Errol, a coruja dos Weasley. Havia um envelope vermelho preso à perna da ave, que parecia à beira da morte como de costume.
— Ah não — disse Rony, desprendendo o envelope da perna de Errol. — É um berrador...
— Berrador? — perguntou Harry. Hermione também não sabia o que era.
— Melhor abrir — disse Neville, sentado perto dos três. — Não abri um da minha avó uma vez... Foi horrível.
Rony lançou olhares cheios de pânico a Hermione e Harry antes de abrir o envelope, que saltou de sua mão e abriu uma boca, que começou a berrar. Com a voz da mãe de Rony, o berrador basicamente repreendia Rony por ter pegado o carro voador do pai. Dizia também que ela e o marido haviam recebido uma carta de Dumbledore a respeito do assunto e que o Sr. Weasley estava sendo investigado pelo ministério pela posse do carro.
Hermione viu os dois amigos murcharem diante da mensagem do berrador. Sentiu muita pena de Molly e Arthur Weasley, mas também de Rony e Harry. Resolveu na mesma hora esquecer o assunto; já tinham sido lembrados o suficiente de quão errado tinha sido seu ato.
— Bom, Rony... Não sei o que você esperava... — começou, mas ele a interrompeu.
— Não me diga que mereci! — bradou rispidamente.
Ela calou-se, ressentida. Se ele a tivesse deixado terminar, teria dito “Não sei o que você esperava, mas pelo menos vocês dois estão aqui sãos e salvos para ouvir essa bronca”. Virou um copo de suco de abóbora e concentrou-se apenas em beber o líquido, tentando relevar a grosseria.

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