Assunto de Meninas



— CAPÍTULO TRÊS —
Assunto de Meninas




Os últimos dias de férias passaram rápido, mas Hermione mal podia esperar para retornar a Hogwarts. Já lera todos os livros comprados no Beco Diagonal e na última semana antes de viajar releu a biografia de Gilderoy Lockhart, O Meu Eu Mágico, que achou fascinante, assim como os livros dele que constavam na lista de material, e contavam suas heróicas aventuras contra enormes e perigosas criaturas mágicas e outras adversidades.
No dia primeiro de setembro, então, os pais de Hermione a levaram à estação King’s Cross, onde embarcaria no expresso de Hogwarts. Como chegaram um pouco adiantados, sentaram-se em um banco, onde Hermione esperou encontrar Rony e Harry dentro de pouco tempo. Mas eles demoraram a aparecer. Quando faltavam vinte minutos para as onze, horário em que o trem saía, Hermione achou melhor atravessar para a plataforma nove e meia.
— Vou indo — disse aos pais. Eles a abraçaram demoradamente, e puxando seu malão, Hermione andou até a divisória entre as plataformas nove e dez e atravessou. Do outro lado, cumprimentou algumas pessoas conhecidas enquanto procurava, sem sucesso, Harry e Rony. Embarcou no trem e sentou-se em uma cabine vazia, esperando que os amigos aparecessem a qualquer minuto.
Eles não apareceram, no entanto. O trem partiu, e ela imaginou que eles deveriam estar procurando por ela em algum outro lugar. Pensou em sair da cabine para procurá-los, mas se eles a estivessem procurando, chegariam ali mais cedo ou mais tarde. Hermione ficou ali, sozinha, observando o corredor à espera de que eles aparecessem, mas raramente alguém passava por ali, e deles não havia o menor sinal. Em certo momento, porém, apareceu alguém na porta da cabine.
— Você viu Rony em algum lugar? — perguntou Gina Weasley.
— Não — Hermione respondeu.
— Estou procurando há horas... — Gina fez menção de ir embora.
— Gina, espere... — a outra voltou-se. — Por que você não viaja aqui, comigo?
Gina mordeu o lábio inferior, pensativa. Olhou para todos os lados, indecisa, até que entrou na cabine e sentou-se bruscamente de frente para Hermione. Parecia totalmente contrafeita, provavelmente aceitara porque não tinha nenhum outro lugar para ficar. Cruzou os braços, fechou a cara e suspirou, impaciente, os olhos na direção da janela. Hermione não agüentou.
— Gina, você nunca mais precisa falar comigo, se não quiser. — disse, em altíssima velocidade. — Mas me diga agora o que você tem contra mim.
Gina encarou-a, surpresa, e corou absurdamente. Hermione observou, com um fundo muito longínquo de diversão, que as orelhas dela ficavam tão vermelhas quanto as de Rony quando ele se envergonhava ou aborrecia. Gina levantou, repentinamente, e sem olhar para ela, disse:
— Tem certeza de que você não sabe?
— O que? — Hermione pensou imediatamente em Rony, e aquilo lhe causou uma dor quase física no peito. A imagem dele falando mal dela para a família voltou em sua cabeça e um nó machucou sua garganta. Levantou-se também. — Por acaso Rony falou alguma coisa para você sobre mim, que fez com que você sentisse raiva?
— Rony? — perguntou Gina, atônita. — O que tem ele a ver com isso?
Hermione não entendeu mais nada.
— Ele é seu irmão — balbuciou.
— Claro, eu sei disso.
— Mas então? O que ele disse para você?
Gina voltou a sentar-se, num gesto de quem desiste de algo muito difícil. Passou as mãos pelos cabelos e a língua pelos lábios; parecia estar escolhendo as palavras que ia dizer.
— Harry — disse. — Eu gosto dele.
As palavras pareceram cair no chão com estrépito, enquanto Gina parecia ter-se livrado de uma carga excessivamente pesada. Hermione surpreendeu-se, mas no centésimo seguinte sentiu um alívio enorme. Tudo fazia sentido agora. Gina gostava de Harry, e Hermione era a sua melhor amiga... Era natural que sentisse ciúmes... Mas que bobagem! Um filme passou pela cabeça de Hermione, com todos os momentos que já vivera ao lado de Harry, desde o início da amizade. Um sorriso iluminou seu rosto.
— Pois então conte comigo — disse. — Como informante, e como amiga.
Finalmente, Gina voltou a respirar tranqüilamente, e sorriu. Ao final da viagem, eram amigas.


No desembarque do trem, Hermione e Gina procuraram Rony e Harry. Em vão, pois eles não estavam em parte alguma.
— Será que eles não vieram? Mas eles estavam com a gente na estação! — disse Gina. — Minha mãe me trouxe primeiro e logo me levou para o trem... Depois vieram Fred, Jorge e Percy... E eles disseram que Harry e Rony estavam demorando.
— O que pode ter acontecido com eles? — disse Hermione, aflita.
— Alunos do primeiro ano, por aqui! — era a voz de Hagrid, Hermione acenou para ele. Gina seguiu-o junto com os outros alunos do primeiro ano, e Hermione juntou-se ao resto dos estudantes, que iriam para o castelo em carruagens. Admirou-se com o fato de que não haviam cavalos para puxá-las. Embarcou em uma, e encontrou lá dentro Draco Malfoy e seus amigos Crabbe e Goyle.
— Fora daqui, Granger — rugiu Malfoy. — Não queremos que uma sangue-ruim viaje conosco; vai contaminar a nossa carruagem.
Hermione saiu na mesma hora, mas não havia mais lugar em nenhuma outra carruagem, então os dois foram obrigados a aturar-se por aqueles breves instantes.
— Onde estão seus amiguinhos? — perguntou Malfoy.
Hermione não respondeu, não queria dizer a ele que não sabia onde Rony e Harry estavam. Imaginou que ele e seu pai poderiam ter feito algo para impedi-los de chegar a Hogwarts, e aterrorizou-se com essa idéia. Sentiu vontade de avançar em Malfoy e apertar seu pescoço ao imaginar que ele poderia ter feito algo a seus amigos. Mas limitou-se ao silêncio, olhando para a paisagem que deixavam para trás e esforçando-se para ignorar a presença dos três alunos da Sonserina na carruagem.
Malfoy acabou desistindo de importuná-la.

Durante o banquete os meninos continuaram sumidos. Hermione procurou por eles com os olhos por toda a parte, sem sucesso. A essa altura já estava se roendo de preocupação. Assistiu à cerimônia de escolha das casas, sem prestar muita atenção. Viu apenas que Gina veio para a Grifinória, para alegria geral dos Weasley presentes. Quando todos já comiam, Hermione levantou-se e foi até o lugar de Percy.
— Você não tem nenhuma notícia de Rony e Harry?
— Não, nos perdemos deles na estação. Eles não estão por aí?
— Em lugar nenhum...
Ela voltou a sentar-se, desapontada. O jantar não tinha a menor graça ante toda a apreensão que sentia. O que poderia ter acontecido com Harry e Rony?

Perto do fim do banquete, começou a circular por todas as mesas o boato de que Rony e Harry teriam chegado à escola em um carro voador e batido em uma árvore. Uns diziam que tinham morrido, outros que tinham se ferido gravemente e outros que tinham sido expulsos. Hermione recusou-se a acreditar nos boatos. Por que diabos os dois fariam aquilo? Vir voando num carro, ao invés de virem no trem, seguros, como todos os outros colegas? O pior de tudo é que o tempo continuava a passar, mas os dois não apareciam em lugar algum.
Todos os alunos já tinham ido para suas casas quando Hermione decidiu tirar a história a limpo. Saiu decidida através do retrato da Mulher Gorda e desceu intermináveis escadas até a sala da profa. Minerva McGonagall, que era vice-diretora da escola. Bateu à porta mas ninguém respondeu. Quando já ia desistindo, ouviu uma voz severa dizer:
— Que faz fora do dormitório, Srta. Granger?
Era a própria McGonagall.
— Professora... Eu vim perguntar se a senhora tem alguma notícia de Harry Potter e Rony Weasley... Eles sumiram e já tem gente inventando os boatos mais malucos... Já disseram até que eles morreram!
A vice-diretora suspirou longamente, os olhos fitos no chão. Depois disse, deixando claro que eram suas últimas palavras:
— Não se preocupe, vivos eles estão.
E entrou em sua sala fechando a porta atrás de si.

Hermione tornou a subir à torre da Grifinória, confusa. Afinal, o gesto da profa. McGonagall significava que os boatos eram verdade ou mentira? Mas soube a resposta antes do que imaginava. Viu dois vultos conhecidos parados na frente do retrato da Mulher Gorda, e correu para se aproximar.
— Onde vocês estavam? Estive procurando pelos dois o dia inteiro!
Harry e Rony viraram-se para ela, sem dizer palavra. — Ouvi boatos absurdos, que vocês tinham vindo num carro voador e foram expulsos...
— Bem, não fomos expulsos — disse Harry.
Hermione abriu a boca antes de falar, procurando palavras.
— Quer dizer que vocês vieram voando mesmo?
— Pode poupar o sermão — disse Rony, ríspido. — e nos dizer a nova senha.
— Maçarico — disse Hermione, encarando-o furiosa. Assim que o retrato girou para permitir-lhes a passagem, o que pareceu ser a Grifinória inteira irrompeu em aplausos na sala comunal. Hermione olhava enojada para os dois amigos, visivelmente deslumbrados com a veneração de seu gesto. Como podiam orgulhar-se de uma atitude inconseqüente como aquela?
Eles subiram logo para o dormitório masculino, e Hermione foi em seguida para o feminino. Deitou-se um pouco ofegante, ligeiramente dividida entre o alívio de ver os amigos sãos, salvos e não expulsos, e a raiva por terem se arriscado tanto.

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