Gota de sangue
'Afinal de contas, o que a Su tem?' - a voz doce de Alice perguntou.
Um suspiro fundo quebrou o silêncio que se instalara à pergunta.
'Há tempos que ela está assim...' - Emelina respondeu - 'Receio... Receio que ela esteja apaixonada...'
'Mas se é isso, porque o receio? Apaixonar-se não é algo bom?' - Selene perguntou em tom confuso.
'Eu acho que ela está apaixonada pelo Sirius...'
Ele fechou a tampa do gravador, deixando as vozes das amigas morrerem lentamente na escuridão de sua cela.
Fora um cego por anos a fio. Pavoneando-se pela escola, um idiota inconseqüente... Como pudera ser tão feliz quando perdia todo o seu tempo com coisas tão inúteis? E ele perdera tempo demais...
Sirius sorriu amargamente. Sabia que, se pudesse voltar atrás, nada o impediria de agir da mesma maneira irresponsável. As confusões com os sonserinos, as canalhices, o jeito indolente... Tudo fruto da “bela” criação que sua amada mãe lhe dera. Fruto do ódio, da tristeza, do abandono...
Poucos tinham percebido a máscara que ele usava. Poucos o tinham conhecido realmente. Ele meneou a cabeça. Seus pensamentos começavam a ficar cada vez mais confusos.
Seu olhar caiu sobre os corredores que levavam a sua cela. Ainda estavam vazios. Mas em breve os dementadores apareceriam para sugar a pouca sanidade que lhe restava. Suspirando, ele voltou a se concentrar no gravador. Forçou a memória, tentando encontrar a lembrança de como se aproximara de Susan.
Outro sorriso amargo. Há alguns anos, essa dolorosa lembrança seria o suficiente para deixá-lo amuado por dias. Agora que os sorrisos daqueles que ele amara quase se tinham apagado de sua memória, ele tentava fazê-los voltar, tentava transformá-los em algum alento.
Fechou os olhos. Quase podia ouvir a voz de Tiago, embora a face dele já não fosse tão nítida.
Por uma aposta idiota que terminara empatada... Sim... Fora assim que tudo começara.
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28 de janeiro de 1973
"- Mas é claro que eu posso tirar notas melhores que as suas nos N.O.M.s! Acorde, Tiago Potter!" – Sirius riu com gosto – Se você é um gênio que consegue passar sem estudar é única e exclusivamente porque convive comigo e acaba absorvendo minha imensa sabedoria por osmose.
Remo apenas abaixou a cabeça, ocupando-se em terminar seu café-da-manhã sem desatar em gargalhadas. Havia olheiras profundas sob seus olhos, explicadas pela proximidade da lua cheia.
Pedro, entretanto, não escondeu o riso quando Tiago e Sirius apertaram as mãos, selando as apostas.
"- Então é isso. Que vença o melhor. – Tiago completou com um sorriso quase cínico.
Nesse instante, uma ruiva parou atrás deles.
"- Espero que não estejam aprontando nada dessa vez. – Lílian observou.
"- E eu espero que você esteja livre das suas novas funções de monitora no sábado. – Tiago respondeu, agora malicioso.
"- Ponha-se no seu lugar, Potter. – os olhos verdes dela dardejaram violentamente antes de se voltarem para outro maroto – Remo você está se sentindo bem? Acha que pode ir à reunião da monitoria hoje?
Tiago fez uma careta ao perceber o tom preocupado dela. Sirius apenas sorriu, piscando o olho.
"- Eu estou bem, Lily, só cansado. Não precisa se preocupar.
"- Então eu espero você às oito no salão comunal. – ela comunicou, deixando a companhia deles para reunir-se às amigas.
"- Parece que nosso amigo Aluado tem um encontro hoje... – Sirius comentou, observando a reação do amigo citado e do outro ao seu lado.
Remo continuou com seu café normalmente, enquanto Tiago parecia mais interessado em mastigar seus talheres que a comida em seu prato.
"- Sabe, Sirius, eu não gosto muito desse apelido. – Remo respondeu sem se alterar – Acho que eu deveria me chamar “lobo mau”. Você pode ser a vovozinha e o Tiago, a “Chapeuzinho Vermelho”. E o Pedro, a gente importa da história dos “Três Porquinhos”.
"- E eu adoro quando você tem esses seus ataques de sarcasmo. – Sirius observou, cruzando os braços e piscando o olho para uma garota que se derretia ali perto.
"- Acredite, Remo, você teve sorte. Afinal, é melhor Aluado do que “Pontas”. – Tiago suspirou – Porque a gente ainda é amigo mesmo, Almofadinhas?
"- Ora, vamos, vocês dois parecem duas velhas enjoadas! Os apelidos são uma ótima forma de nos manter incógnitos.
"- Pena que quase toda a Hogwarts conheça os apelidos desde que os nossos primeiros resultados com a animagia começaram a surgir... – Tiago resmungou em voz baixa.
"- Bem, é divertido... – Pedro tentou ajudar.
Sirius sorriu em resposta.
"- Alguém me entende! Oh, Merlin, obrigado! Mas, Remo... – nesse ponto o rapaz abaixou a voz de modo que só eles ouvissem – Nós achamos que na próxima lua cheia...
"- Vocês ainda estão com essa loucura!
"- Remo, nós já quase nos transformamos por completo. – Tiago o interrompeu – Não falta muito agora. Portanto, não adianta tentar nos fazer desistir, nem chantagear dizendo que vai abrir a boca para Dumbledore. Você sabe o que aconteceria conosco se você contasse, e por isso mesmo, não vai contar.
"- Certamente ele seria bem menos benevolente do que foi no ano passado com a história da “poção do amor”. – Pedro observou, sorrindo com a lembrança.
Sirius e Tiago se entreolharam com visível embaraço. Para fazer efeito, a poção do amor deveria ser tomada pelo casal que deve se apaixonar. Eles tomaram ainda na passagem do espelho, mas, antes que, cada um por seu lado, pudesse fazer seus alvos beberem...
"- Aquilo foi humilhante... – Tiago desabafou.
"- Pois é... Mas vai chegar o seu dia, senhor Aluado. Não é porque é meu amigo que não vai pagar por ter me feito passar dois dias inteiros falando fino e me controlando para não cantar. – Sirius observou, levantando-se.
"- Pense por este ângulo... Pelo menos as garotas acharam que vocês estavam mais românticos, pedindo para sair com elas em forma de canção. – Remo respondeu – Lararilará...
"- Onde você está indo, Almofadinhas? – Pedro perguntou.
"- Cuidar de uns negócios. – ele respondeu misterioso, deixando o salão.
Caminhou rapidamente pelos corredores, pensando na aposta que acabara de fazer com Tiago. Considerando as matérias em que um era mais forte que o outro, terminavam quase empatados. Exceto por História da Magia. Assim, ele precisava de uma ajudinha...
Finalmente encontrou quem procurava. Susan estava rindo, enquanto Lílian se descabelava de raiva, e Emelina tentava acalmar a ruiva. Provavelmente, por culpa de Tiago...
Ele aproximou-se sorrateiramente, pousando a mão no ombro dela e puxando-a para longe das amigas, que sequer notaram o desaparecimento da morena. Ela pareceu surpresa ao perceber quem estava diante de si.
"- Mas o que... - ela começou, prestes a fazer um escândalo.
"- Calma, Timms! - Sirius falou baixinho, puxando-a pelo corredor vazio.
"- O que você pensa que está fazendo, Black!
"- Eu preciso da sua ajuda.
A garota estancou e ele quase caiu com o movimento.
"- Que tipo de ajuda? - ela perguntou desconfiada.
"- Precisamos de uma espiã no quarto das garotas, para vigiar a Evans. - ele respondeu divertido - O Pontas está começando a se desesperar.
"- Você não quer que eu espie minha melhor amiga, não é?
"- Depende. Se você disser que sim, é sério, se disser que não era só brincadeira...
"- Lógico que não!
"- Então era brincadeira. - Sirius sorriu e Susan revirou os olhos - Mas agora é sério, será que você poderia me fazer um favor?
"- O que é agora? - ela perguntou desinteressada.
"- O Remo disse que não ia emprestar as anotações dele de História da Magia esse ano e a única pessoa que anota além dele é a Evans. No entanto, eu soube de fonte segura que você, apesar de não prestar atenção na aula do chato Binns, é a melhor aluna de História da escola.
"- Eu sempre gostei de História. - ela respondeu, pensativa - Aquele fantasma chato, no entanto, consegue fazer tudo ficar tão desinteressante que eu já quase desisti de seguir alguma carreira ligada à matéria dele.
"- Bem, seja como for, eu perdi umas aulas e daqui a uma semana é a prova de História e eu fiz uma aposta com o Tiago que era capaz de ultrapassar as notas dele em todas as matérias. Como eu não posso apelar para a Evans, será que você podia me ajudar com História?
A garota olhou-o estranhamente. Desde quando Sirius Black pedia ajuda a alguém? Mas, se ele tivesse apostado com o Potter, não duvidava que fosse capaz de tudo para ganhar do amigo.
"- Eu empresto meus cadernos para você, Black.
"- Pode me chamar de Sirius! - ele disse sorridente.
"- Que seja, Sirius. - ela respondeu sem conseguir conter um sorriso tímido - Posso ir agora?
"- Claro! Mas promete que vai pensar na possibilidade de ajudar o Pontas com sua amiga ruiva?
Antes que ela pudesse responder, passos ecoaram no corredor e uma garota de cabelos cacheados com as vestes da Lufa-lufa, aproximou-se.
"- SIRIUS! Eu não acredito que está me traindo!
Susan abriu a boca, assustada e o rapaz riu, aproximando-se da recém-chegada.
"- Não se preocupe, Ju, a Susan é uma amiga da Grifinória, não é, Su?
A morena sorriu.
"- Claro, Sirius. A propósito, eu te entrego as anotações amanhã de manhã. - ela virou-se para a garota - Espero que se divirtam.
Sorrindo, Susan logo se distanciou do casal, indo para sua torre. Sirius abriu ainda mais o sorriso. Com a ajuda da italianinha, certamente se daria bem no simulado de História que o professor faria para os N.O.M.s. E depois... Ah, ele mal podia esperar pelas provas...
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O céu estava claro aquela noite. A lua pendia cheia. Deitado no chão, Sirius a observava. Apesar de tudo, ela ainda conseguia lhe despertar algumas lembranças felizes...
Remo... Como andaria o amigo? Como estaria se virando sem a companhia deles? Ele suspirou. Gostaria que algum dia o lobisomem pudesse perdoá-lo por ter desconfiado dele.
Virou-se novamente para o gravador. Se continuava a se manter vivo naquele lugar, se ainda não enlouquecera completamente, é por ter aquele pequeno objeto junto a si. Embora as faces de seus amigos estivessem quase perdidas em sua mente, conseguia resguardar as vozes deles da fome insana dos dementadores.
‘Por favor, Su...’
‘Mas eu não quero cantar.’
‘Só um pouquinho...’
‘Tá bom, tá bom... Se eu cantar, vocês me deixam em paz?’
‘SIM!’ – responderam as vozes de Emelina e Alice em concordância.
Susan respirou fundo. Uma melodia suave... Sirius fechou os olhos, tentando se concentrar apenas nela.
‘Think of me; think of me waking, silent and resigned.
Imagine me, trying too hard to put you from my mind.
Recall those days look back on all those times,
Think of the things we'll never do - there will never be a day,
When I won't think of you...’
Ele virou-se no chão, incomodado. Ele quase podia sentir que aquelas palavras eram dirigidas a ele. Quase podia ver os olhos negros de Susan marejarem, enquanto a canção saía em um sussurro doloroso.
Como estariam as outras garotas? Ele sempre pensava em Remo, e principalmente, em Pedro. Perguntava-se onde eles tinham errado na amizade com o pequeno rato. Mas nunca lembrava delas.
Emelina... Selene... Alice... Essa última, soubera, algum tempo depois de ter visto Bellatrix, que enlouquecera após ser seguidamente amaldiçoada com a Cruciatus, juntamente a Frank.
Selene... Selene sobrevivera à noite que levara Susan. E depois, incapaz de conviver com as lembranças, deixara a Inglaterra. Quanto a Emelina... Sirius sorriu.
Emelina fora sua primeira namorada. Estava noiva do caçula dos Prewett quando começaram as mortes... Provavelmente ela também o culpava pela morte de Fábio... Também o chamava de assassino. Também o odiava...
Levantou-se quase em um pulo, urrando para as grades. Aquilo não era justo. Não era... Ele jamais os trairia...
Gritou coisas incompreensíveis até perder o equilíbrio e encolher-se febrilmente contra as paredes frias de pedra. Estava fraco demais para tais rompantes.
"- Eu sou inocente... – ele murmurou baixinho para si mesmo – Inocente...
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13 de fevereiro de 1973
Os três se estreitaram sob a capa de Tiago, sentindo o coração bater cada vez mais acelerado à medida que se aproximavam do Salgueiro Lutador. No céu, a lua cheia fulgia com sua veste de prata e seu séqüito de estrelas.
"- Agora, Rabicho! – Tiago sussurrou, tirando a capa de cima dos três.
O garoto fechou os olhos, seu corpo encolhendo até que só restasse em seu lugar um pequeno rato. Rabicho correu entre os galhos furiosos da árvore, apertando o botão que a faria parar.
Imediatamente, Tiago e Sirius dobraram-se sobre o chão, seus corpos humanos dando lugar aos de animagos. O primeiro transformou-se em um cervo; os galhos imponentes investindo contra o vento, os cascos negros pateando o chão, impacientes pela noite...
Pontas.
Sirius observou o amigo com um sorriso antes de deixar sua própria natureza aflorar. Em poucos instantes, ao lado do cervo, estava um enorme cão negro, os olhos inteligentes observando os arredores, o focinho elegante erguido no ar pra sentir todos os cheiros que Hogwarts podia lhe oferecer.
Almofadinhas uivou, como se saudando a lua. Era a segunda vez que ele se transformava em animago, mas a primeira em que tinha real extensão de seus instintos, de como era ser um cão.
As nuvens cobriram o céu, deixando a noite ainda mais escura. O cervo e o rato observaram o cão sair saltitando violentamente, atravessando a grama alta, deixando que as gotas frias de orvalho se espalhassem sobre os pêlos finos de seu corpo; sentindo o solo, em alguns locais duro, em outros, fofo, frio como o ar noturno, fazendo cócegas nas almofadinhas de suas patas.
'- Vamos, Almofadinhas!
O cão voltou-se para trás, vendo Tiago e Pedro esperando-o, já destransformados. Ele aproximou-se dos dois amigos, ainda inebriado com as sensações, com o enorme sortimento de cheiros, do odor forte de terra molhada à doçura das flores.
Tiago abaixou-se para acariciar por trás da orelha de Almofadinhas, arrancando deste um ganido de prazer.
'- Certo, seu cachorro safado, ande logo que Remo está nos esperando.
O moreno se afastou e finalmente Sirius voltou à sua forma humana.
'- Sempre um estraga-prazeres, não, Pontas?
'- Você terá muito tempo essa noite para descobrir como é ser um cão, meu caro Almofadinhas.
Eles sorriram e os três amigos passaram pelo alçapão guardado pelo Salgueiro. Assim que Tiago, o último a entrar, fechou a pequena passagem, a árvore saiu de sua imobilidade. Qualquer um que passasse por ali agora não conseguiria sequer imaginar o que acontecia nos subterrâneos de Hogwarts naquele momento.
Depois de caminharem por um longo corredor, finalmente chegaram à Casa dos Gritos. Já tinham estado ali antes, mas nunca à noite, muito menos durante a lua cheia. À meia luz, tudo ali parecia muito mais fantasmagórico do que durante o dia.
'- Remo disse que estaria em um dos quartos do andar de cima. – Pedro observou timidamente – Já não deveríamos estar transformados?
Sirius meneou a cabeça.
'- Ainda não. A lua está coberta, por hora, não há perigo. Vamos, temos que encontrar o Remo ainda humano.
Tiago assentiu e logo os dois estavam subindo as escadas. Pedro os observou por alguns instantes antes de segui-los. Ao chegarem no primeiro andar, pararam, tentando escutar alguma coisa.
Um lamento baixo chegou até eles, vindo da última porta à direita. Os três se aproximaram, Sirius e Tiago à frente. Mas antes que pudessem chegar até a porta, ela abriu-se violentamente.
Remo apareceu diante deles, a aparência mais doentia do que nunca. Ele arfava enquanto tentava lutar contra si próprio a fim de se manter consciente. As palavras saíam quase como se arranhando a garganta do rapaz.
'- O que estão fazendo aqui? Enlouqueceram?
Os olhos dele brilharam febris, enquanto ele tentava controlar os espasmos de seu corpo.
'- Você sabe o que estamos fazendo aqui. – Tiago respondeu simplesmente.
Remo mordeu os lábios para não gritar.
'- Saiam daqui! Saiam logo, isso não vai dar certo!
Pedro deu um passo para trás, mas Tiago e Sirius mantiveram-se firmes.
'- Não vamos deixar você sozinho, Remo. Nós dissemos que tínhamos uma surpresa para você hoje. - Sirius tirou a capa e enrolou as mangas da blusa, movimento seguido por Tiago - Aluado... Conheça Almofadinhas, Pontas e Rabicho.
Sirius experimentou novamente todas as novas sensações que o animal lhe permitia sentir. Era quase como se despir de toda a mentira e de todas as máscaras do ser humano e tornar-se finalmente livre.
Remo sorriu, embora sentisse a transformação cada vez mais próxima. Lá fora, as nuvens começaram a se dispersar, revelando a lua cheia.
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Ele brincou com a areia do chão por alguns instantes, observando os desenhos que se formavam aos toques de suas mãos. Sirius suspirou. Era a primeira vez em dias que ele se sentia plenamente consciente.
Observou as outras celas vazias, enquanto gritos vinham dos andares superiores da prisão. Sem querer, sorriu. Apesar de tudo, ele conseguira conservar sua sanidade. Mas... por quanto tempo?
Suspirou novamente, voltando sua atenção para a areia. Seus dedos deixaram marcas nela até um nome ser desenhado. Fechou os olhos, relembrando a infância, quando o velho Alphard Black o ensinava a ler com poemas escritos na areia.
Arranca-me os olhos, e ainda te poderei ver
Arranca-me os tímpanos, e ainda te poderei ouvir
Sem pés, ainda poderei caminhar para ti
Sem língua, poderei invocar-te a qualquer hora
Arranca-me os braços, poderei abraçar-te
E agarrar-te com o coração, como se a não fosse
Pára meu coração e meu cérebro baterá com a mesma fidelidade
E se meu cérebro incendiares
Então em meu sangue te carregarei.
Quem era mesmo o poeta? Com um esforço de memória, Sirius relembrou o nome. Rainer Rilke. Susan tinha uma frase dele escrita no caderno de História que lhe emprestara no quinto ano.
“Amor dão duas solidões protegendo-se uma à outra.”
Ele meneou a cabeça, apagando os versos que escrevera na areia.
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23 de maio de 1973
'- Mais cinco minutos!
Sirius observou o professor Flitwick caminhando entre as carteiras até passar ao lado de Tiago, que parecia relaxado. Já devia ter terminado a prova também. Ele viu o amigo bocejar e passar a mão pelo cabelo antes de se virar para ele, sorrindo.
Ele também sorriu, erguendo o polegar, sentindo-se bem mais descontraído que o normal; aqueles N.O.M.s estavam sendo ridiculamente fáceis.
'- Descansem as penas, por favor! Você também, Stebbins! Por favor, continuem sentados enquanto recolho os pergaminhos. Accio!
Sirius sorriu ao ver dezenas de pergaminhos voarem na direção do professor, acabando por derrubá-lo. Frank Longbottom e um rapaz da Corvinal levantaram-se, indo ajudar o professor.
Ele mal ouviu o que Flitwick disse, logo arrumando suas coisas e indo para junto de Tiago. Fora da sala, finalmente os quatro marotos se reuniram.
'- Você gostou da décima pergunta, Aluado? – ele perguntou tão logo deixaram o saguão.
'- Adorei. - respondeu Remo - "Citecinco sinais que identifiquem um lobisomem". Uma excelente pergunta.
'- Você acha que conseguiu citar todos os sinais? - Tiago perguntou com falsa preocupação.
'- Acho que sim. Primeiro: ele está sentado na minha cadeira. Dois: ele está usando minhas roupas. Três: o nome dele é Remo Lupin!
Sirius e Tiago riram, enquanto Remo abria um meio sorriso irônico...
'- Eu citei o formato do focinho, as pupilas dos olhos e o rabo peludo - Pedro disse ansioso - Mas não consegui pensar em mais nada...
'- Como pode ser tão obtuso, Rabicho? – Tiago exclamou impaciente - Você anda com um lobisomem uma vez por mês...
'- Fale baixo... – implorou Remo.
Eles desceram pelos gramados em direção ao lago. Sirius espreguiçou-se.
'- Bom, achei que o exame foi moleza... Vai ser uma surpresa se eu não tirar no mínimo um "Excepcional".
'- Eu também. - Tiago respondeu, tirando do bolso um pomo de ouro.
'- Onde você conseguiu isso? – Sirius perguntou, levemente curioso.
'- Afanei. – o amigo respondeu simplesmente.
Os quatro se sentaram sob a velha faia perto do lago. Sirius observou as colegas que, mais à frente, riam e conversavam, enquanto refrescavam os pés. Remo puxou um livro da mochila, começando a ler e Pedro observava abismado a habilidade de Tiago com o pomo.
'- Quer guardar isso?- Sirius perguntou após um “viva” de Pedro - Antes que Rabicho molhe as calças de excitação.
Rabicho corou, mas Tiago sorriu, guardando o pomo no bolso.
'- Se estou incomodando...
Sirius suspirou.
'- Estou chateado. Gostaria que já fosse lua cheia...
'- Você gostaria. – Remo respondeu sombrio - Ainda temos Transfiguração, se está chateado, poderia me testar. Pegue aqui...
Remo estendeu o livro, mas Sirius apenas riu.
'- Não preciso olhar para essas bobagens, já sei tudo.
'- Isso vai animar você um pouco, Almofadinhas. - comentou Tiago em voz baixa - Olha quem é que...
Sirius virou a cabeça, observando o outro rapaz que vinha em sua direção.
'- Excelente... Ranhoso.
Snape estava caminhando na direção deles, enquanto guardava o NOM´s na sua mochila. Tão logo o sonserino atravessou o gramado, Sirius e Tiago se levantaram. Remo e Pedro permaneceram sentados. O último já antegozava o embate e o primeiro, que não tirara os olhos de seu livro, perguntava-se se já não era hora de se levantar e dar um basta naquilo, visto que era monitor.
'- Tudo bem, Ranhoso? – Tiago perguntou em alto e bom som.
Snape reagiu rápido: jogou a mochila no chão e enfiou a mão para dentro das vestes, procurando a varinha.
'- Expelliarmus! – Tiago gritou, apontando para ele.
A varinha de Snape voou para longe, caindo com um baque surdo às suas costas. Sirius soltou uma gargalhada.
'- Impedimenta! - ele disse, apontando sua varinha para Snape, que foi atirado no chão enquanto tentava recuperar a sua.
Todos os estudantes em volta se viraram para assistir. Alguns tinham se posto de pé e se aproximavam, para observar mais de perto. Uns olhavam apreensivos; outros, entretidos.
Snape continuou no chão enquanto os dois marotos avançavam sobre ele, varinhas em punho.
'- Como foi o exame, Ranhoso? - perguntou Tiago.
'- Eu vi, o nariz dele estava quase encostado no pergaminho – Sirius observou com um sorriso sarcástico – Vai ter manchas enormes de gordura no exame todo, não vão poder ler nem uma palavra.
'- Muitas pessoas riram, mas Sirius não estava se importando em ver quem estava por perto. Snape tentava se por de pé, mas a azaração ainda estava funcionando nele, ele lutava como se amarrado por cordas invisíveis.
'- Espere... para ver. – o garoto arquejou, encarando Tiago com repugnância - Espere... para ver!
Snape os estava ameaçando? Sirius estreitou os olhos, a mente trabalhando rápido. Não... Ele está ameaçando Tiago. Talvez o velho Ranhoso estivesse se metendo com gente que não devia para, de repente, ter tomado coragem.
'- Espere para ver o quê? - perguntou Sirius friamente - Que é que você vai fazer, Ranhoso, limpar seu nariz em nós?
Snape despejou uma torrente de azarações e xingamentos, olhando para a varinha, que não se mexeu.
'- Lave sua boca. – Tiago ergueu o braço – Limpar!
Bolhas de sabão cor-de-rosa começaram a sair da boca de Snape, cobrindo seus lábios, fazendo-o engasgar...
'- Deixem ele em PAZ!
Sirius e Tiago olharam em volta. A mão livre de Tiago imediatamente voou para o cabelo. Diante deles estava Lílian Evans. Um pouco mais atrás, Emelina e Selene observavam a confusão que eles tinham armado.
'- Tudo bem, Evans? - perguntou Tiago, sua voz inclinando-se numa nota mais madura.
'- Deixem ele em paz! - Lílian repetiu - O que ele fez pra você?
'- Bom... - Tiago pareceu pensativo – É mais pelo fato de ele existir, se você me entende...
Muitos dos alunos ao redor riram, Sirius e Pedro inclusive, mas Remo, que mantinha os olhos no livro, continuou em silêncio. Lílian mordeu os lábios.
'- Você se acha engraçado. - ela disse friamente. - Mas você não passa de um cafajeste, tirano e arrogante, Potter. Deixe ele em paz.
'- Deixo se você quiser sair comigo, Evans. – Tiago respondeu rapidamente - Anda... sai comigo e eu nunca mais encostarei uma varinha no Ranhoso.
Atrás dele, o feitiço de Impedimento começava a perder efeito. Snape avançou para sua varinha no chão, cuspindo bolhas de sabão enquanto se arrastava.
'- Eu não sairia com você nem que tivesse de escolher entre você e a lula-gigante. – Lílian retrucou, os olhos faiscando de raiva.
'- Mau jeito, Pontas. - disse Sirius, animado, voltando-se para Snape - OI!
Mas era tarde demais, Snape tinha apontado sua varinha direto para Tiago, houve um lampejo e no instante seguinte, um corte surgiu no lado do rosto do moreno, respingando sangue nas vestes da escola. Um segundo lampejo e agora Snape estava dependurado no ar, as vestes pelo avesso caindo por cima de sua cabeça, revelando pernas finas e magras e cuecas sujas.
Muita gente na pequena aglomeração aplaudiu. Três dos marotos rolavam em gargalhadas. Remo continuava em silêncio. Lílian mordeu os lábios para não sorrir, observando Remo pelo canto do olho e perguntando-se porque o amigo não fazia nada.
'- Ponha ele no chão!
'- Perfeitamente. - Tiago agitou sua varinha e Snape caiu embolado no chão.
Desvencilhando-se de suas vestes, o sonserino levantou-se depressa, mas antes que pudesse fazer mais alguma coisa, Sirius apontou a própria varinha para ele.
'- Petrificus Totalus!
'- DEIXE ELE EM PAZ!- Lílian gritou, puxando a própria varinha para fora.
Tiago e Sirius observaram alarmados. Não podiam atacar a ruivinha.
'- Ah, Evans, não me obrigue a azarar você! – Tiago pediu sério.
'- Então desfaça o feitiço nele!
Tiago suspirou profundamente, voltando-se para Snape e murmurando o contra-feitiço.
'- Pronto. - ele disse, enquanto Snape fazia um esforço para se por de pé - Você teve sorte que Evans esteja aqui, Ranhoso.
'- Não preciso da ajuda de uma Sangue-Ruim imunda como ela!
Lily empalideceu.
'- Ótimo. - ela respondeu, controlando-se – No futuro, não me incomodarei. E eu lavaria as cuecas se fosse você, Ranhoso.
'- Peça desculpas a Evans! - Tiago berrou para Snape, sua varinha apontada ameaçadoramente para ele.
'- Não quero que você o obrigue a se desculpar. - Lílian retrucou, voltando-se para encarar Tiago – Você é tão ruim quanto ele.
Sirius encarou a ruiva com descrença. Ela estava sendo injusta.
'- Quê? Eu NUNCA chamaria você de... você sabe o quê!
'- Despenteando os cabelos só porque acha que é legal parecer que acabou de desmontar da vassoura, se exibindo com esse pomo idiota, andando pelos corredores e azarando qualquer um que o aborreça só porque é capaz... Até surpreende que a sua vassoura consiga sair do chão com o peso dessa cabeça cheia de titica. Você me dá NÁUSEAS.
E virando de costas, afastou-se depressa.
'- Evans! - Tiago chamou atrás dela - Ei, EVANS!
Mas ela não olhou para trás.
'- Qual o problema dela? - perguntou Tiago, tentando fingir que não se importava com a resposta.
Sirius sorriu.
'- Lendo nas entrelinhas, eu diria que ela acha que você metido, cara.
A ruiva voltou para o dormitório, quase fumaçando pelas orelhas. Mas logo toda a raiva se foi ao encontrar Susan jogada na cama, a cabeça sob o travesseiro.
'- Susan?
A morena tirou a cabeça de debaixo do travesseiro, focando os olhos tristes em Lílian.
'- Oi?
'- Susan, o que está acontecendo afinal? - Lílian perguntou, sentando-se ao lado da amiga.
A italiana levantou a cabeça do travesseiro, sorrindo.
'- Nada, Lily, eu só estou cansada. Estes N.O.M.s estão me matando.
A ruiva olhou-a estranhamente. Susan levantou-se, mas deixou-se cair na cama de novo.
'- Certo, eu estou vendo que você precisa de descanso. Quer que eu traga alguma coisa para você comer?
'- Porque você sempre me oferece comida quando alguém não está nos seus melhores dias? - a morena perguntou divertida.
'- Minha mãe sempre diz que a melhor coisa para levantar o astral de alguém é comer algo bem gostoso.
'- Por isso você se enche de chocolate sempre que se encontra com o Potter?
Lílian fechou a cara.
'- Você tinha que citar esse idiota? Acabo de chegar dos jardins e aquele imbecil estava lá se exibindo, mostrando a cueca do Snape para toda a escola.
'- Eu não acredito que perdi isso!
'- Susan!
'- Certo, não está mais aqui quem falou. Mas já que você se ofereceu tão prestativamente para me arranjar algo para comer, anota aí: um sanduíche do maior que tiver, suco de uva e, para sobremesa, um belo pedaço de bolo de chocolate.
'- Su, você é magra de ruim mesmo... Eu já volto.
Lílian saiu do dormitório, deixando a amiga sozinha. A morena levantou-se novamente indo até a janela, onde podia ver com clareza as pessoas que estavam no jardim, em torno dos tão aclamados marotos, que se divertiam com Snape. E lá estava ele, cercado pelo seu fã-clube.
Apesar de ser tão ou mais cabeça quente que a ruiva, Susan não tinha problemas com os marotos, já que, exceto por Tiago que vivia enchendo a pobre Lílian, eles respeitavam as colegas grifinórias. Ou melhor, ela tinha problemas com os marotos, ou mais exatamente, com um, mas eles eram exatamente o oposto dos problemas da ruiva.
Com tantos garotos para se apaixonar, ela foi gostar justamente do maior conquistador de Hogwarts. Porque o coração tinha que ser tão cruel com seus donos? Nunca conseguira se aproximar do moreno suficiente para mostrar o que sentia, e duvidava que se tivesse essa chance, conseguiria dizer a ele o que queria.
Além disso, sabia que ele, apesar de tantas garotas que sempre estavam em seus braços, só tinha olhos para uma. E não era ela. Com um suspiro profundo, Susan tirou o malão de debaixo da cama e retirou dele um pequeno embrulho, depositando-o na cama, onde, após um aceno de varinha, apareceu um violão.
Voltando a se sentar, Susan segurou o instrumento com delicadeza, começando a dedilhar suavemente uma antiga melodia de sua terra natal.
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Os dementadores passaram silenciosamente pelas celas. O cão negro encolheu-se contra as sombras, tentando ignorar a presença sinistra de seus carcereiros. Mas era impossível. Era impossível esquecer... Era impossível suportar...
Almofadinhas soltou um ganido de dor. Ele não queria... Não queria ver tudo aquilo de novo... Suas forças faltaram por alguns instantes e o homem surgiu novamente no lugar do animal.
Em seus pesadelos, a face de Tiago sangrando se sobrepôs à de sua mãe. O choro doloroso de Harry invadiu seus ouvidos, enquanto ele tentava se levantar. As mãos machucadas apoiaram-se sobre as paredes de pedra.
‘Traidor.’ – sussurravam vozes invisíveis em seu delírio.
'- Eu não... Eu não sou... Tiago, por favor, diga a eles...
As mãos se fecharam, começando a socar as paredes nuas da cela.
‘Ela estava grávida, Sirius... Grávida de você...’
'- Por favor... – o homem pediu em um sussurro, arranhando a pedra com as unhas. Logo um rastro de sangue começou a se formar – Por favor...
Sirius fechou os olhos, sem se importar com a dor. Lentamente, os dementadores voltaram a se afastar de sua cela. Ele se deixou cair no chão, observando o sangue pingar de suas mãos.
E jogando a cabeça para trás, gargalhou histericamente.
‘Por favor, Su... Cuida de mim...’
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Essa última cena quase me levou às lágrimas enquanto eu estava escrevendo... Seja como for, espero que tenham gostado do capítulo. A música que a Susan canta é "Think of me", da trilha sonora de "The phantom of the opera". Eu não sei porque, mas essa música sempre me lembra esses dois...
No próximo capítulo, mais Rabicho. Percy vai desembarcar em Hogwarts para seu primeiro ano e nosso rato traidor vai junto, relembrando muitos momentos que passou no castelo... Afinal, no próximo capítulo, começam as lembranças já referentes a Hades!
Para quem perguntou, a fic vai seguir a sequência Sirius-Pedro-Remo-Severo até o oitavo capítulo. Daí a ordem se mistura de modo que o último capítulo venha sob a visão do Sirius. E depois tem o epílogo, que já está pronto e que, eu sei, vai me render muitas ameças de morte... Mas fazer o quê? É a vida, não?
Beijos a todos,
Silverghost.
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