Vida pregressa



Primeiro dia de aula. Um calor abafado preenchia a masmorra, mas nenhum aluno parecia disposto a reclamar enquanto, atrás do professor, uma poção cozinhava a fogo alto. Afinal, todos já conheciam de alguma forma a temível fama do diretor sonserino.

Severo observou cada uma daquelas faces infantis com seu habitual desprezo. Nenhuma daquelas tolas cabeças estava realmente interessada em ouvi-lo. Todos o temiam, e de certa forma, isso lhe agradava; mas não passavam de cabeças ocas, sem nada conhecer do mundo, prontos para cair em armadilhas preparadas por eles mesmos. Como ele caíra no passado...

Com um movimento de varinha, ele fez palavras surgirem no quadro e começou com seu discurso introdutório de todos os anos. Seus olhos cruzaram com os de um rapaz numa das primeiras cadeiras. Olhos verdes e tristes... O menino lhe pareceu perturbadoramente familiar. Talvez fosse filho de algum de seus antigos colegas... Embora isso não justificasse o estranho incômodo.

A aula se passou lentamente, quase como uma tortura para os pobres primeiranistas. Em especial para um deles, que passara o tempo todo sob as vistas do professor, sem entender porque após cada palavra Snape se virava para encarílo. Mas a pior parte fora a chamada.

Hercule Meadowes.

Presente. – o corvinal respondeu quase num sussurro.

Os escuros olhos de Snape se estreitaram e a boca dele se contraiu a ponto de se tornar uma linha fina ao descobrir ter diante de si um Meadowes. O que ele seria da pequena Dorcas?

Os alunos assistiram sem entender o mestre de Poções menear a cabeça, como se tentando espantar algum negro pensamento. Mas, de repente, a face dele adquiriu novamente a usual expressão carrancuda e distante e ele continuou a chamada.

Finalmente o sinal tocou, anunciando o final da aula. Severo assistiu seus jovens alunos deixarem a masmorra quase correndo. Usualmente ele distribuiria algumas reclamações, mas naquele dia não se sentia apto a lidar com crianças.

Quando o último aluno deixou a masmorra, fechando a porta que dava acesso a ela, ele se levantou, apagando o fogo da poção revigorante que estivera fazendo. Em seguida, voltou a atenção para os planos das próximas aulas.

Não era hora de se deixar dominar por fraquezas. Não ele, Severo Snape. Já se deixara levar uma vez, no passado, mas agora ele não se deixaria enganar novamente por tolos devaneios e desejos...


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01º de setembro de 1971

O último primeiranista acabara de ser selecionado quando Dumbledore levantou-se na mesa dos professores. Severo, que até aquele instante admirava o céu, fixou os olhos no velho diretor enquanto Minerva McGonagall desaparecia, levando o velho Chapéu Seletor.

Um silêncio ansioso se fez no salão quando ele bateu com a varinha em seu copo para chamar a atenção. Severo também se sentiu ansioso. Provavelmente o diretor falaria sobre as coisas estranhas que estavam acontecendo ultimamente. Talvez explicasse as palavras enigmáticas que o Chapéu soltara em sua canção anual.

Primeiramente, boa noite a todos e bem-vindos sejam para mais um ano letivo. Antes dos repetitivos avisos de todos os anos... - nesse ponto Dumbledore parou por um momento e olhou para a mesa da Grifinória - Eu tenho novas interessantes para vocês. Caso não saibam, nossa escola está completando 980 anos. Um belo motivo para uma festa, não?

Imediatamente a atmosfera do castelo pareceu se desanuviar. Burburinhos começaram a surgir no salão. Garotas cochichavam alegremente e as palavras "baile", "vestidos" e "garotos" eram repetidas com razoável freqüência. Severo bufou, revirando os olhos. Como podiam pensar em festas quando todo o mundo mágico estava à beira de um precipício? Será que Dumbledore atentara às palavras do Chapéu Seletor?

Tempos difíceis se aproximam...

Idiotas. Eram todos idiotas. Severo olhou de lado, encontrando a olhar frio de Bellatrix Black. Ela sorriu para ele e imediatamente o rapaz se lembrou do "casual" encontro que tivera com Lúcio Malfoy no Beco Diagonal durante as férias.

“O poder dele está crescendo, Snape. Pense bem de que lado quer ficar”. - a voz do ex-sonserino martelou em seu pensamento.

Porque a expressão gélida de Bellatrix o fizera lembrar daquilo?

Teremos um grande baile no dia das Bruxas aberto a alunos e ex-alunos de Hogwarts. - a voz de Dumbledore voltou a se sobrepor aos seus pensamentos - E, no Natal, um baile fechado para vocês, fechando as comemorações do aniversário de nossa escola.

O diretor continuou seu discurso, mas agora a atenção de Severo se desviara para outro ponto. Mais especificamente, para a mesa dos leões.

Uma pequena confusão se instalara em uma das pontas da mesa. Ele abriu um sorriso irônico. Não era preciso ser adivinho para saber que os babaca-mor da escola estavam no meio dela. Infelizmente, com a agitação do salão principal, seria impossível fazer os professores notarem. Assim, só o que ele podia fazer era observar.

A sangue-ruim esquentada levantou-se abruptamente, fazendo Potter, que tentara deitar em seu colo, estatelar-se no chão. Imediatamente os outros três marotos levantaram-se para ajudar o amigo enquanto a ruivinha desaparecia, acompanhada pela mestiça italiana.

Alguém se sentou à sua frente, tirando sua atenção dos marotos. Severo sentiu um leve calafrio ao reconhecer as orbes azuis de Bellatrix.

Se divertindo, Snape- ela perguntou com um meio sorriso sarcástico.

Talvez. – ele respondeu, medindo as palavras – O que quer, Black?

Apenas conversar. – ela respondeu, os olhos faiscando, perigosos – Digamos que os diálogos que estão agora se travando mesmo em nossa mesa são um tanto quanto... entediantes.

Severo não pode evitar um meio sorriso. Realmente, a futilidade parecia ter tomado conta de quase toda Hogwarts. E isso não era uma grande surpresa. O que o admirava, entretanto, era que Bellatrix não estivesse de acordo com toda aquela balbúrdia. Ela não pareceria deslocada de maneira alguma entre as garotas que cochichavam furiosamente sobre quem poderia levílas ao baile.

Mas, afinal, o que sabia daquela garota? Apesar de estarem no mesmo ano, era a primeira vez que trocava mais do que duas palavras com ela. Narcisa Black, que se formara no ano anterior, tinha-lhe deixado uma impressão bem pouco lisonjeira. E ele sempre achara Bellatrix por demais parecida com a irmã mais velha. Não tanto pelas características físicas, mas pelo ar de superioridade um tanto esnobe que ambas pareciam carregar.

O rapaz lembrou-se do calafrio que sentira ao se deparar com os olhos dela tão logo Dumbledore fizera seu anúncio. Não... Havia algo que diferia as duas... Havia no olhar de Bellatrix uma atitude e uma ambição que não existia em Narcisa.

E sobre o que gostaria de conversar, Black?

Ela jogou os soberbos cabelos negros para trás, debruçando-se um pouco sobre a mesa.

Que tal sobre a conversa que você teve com Lúcio Malfoy nas férias? – ela perguntou num tom sibilante.

Severo sentiu o sangue fugir de suas faces. Bellatrix pareceu apreciar a comoção que causara. Enquanto o salão voltava ao normal em suas conversas frívolas, Severo percebeu o quanto subestimara a jovem a sua frente.

O que quer saber exatamente, Bellatrix? – ele se arriscou a dizer o nome dela.

Ela sorriu.

Não há nada que eu não saiba, Severo. Mas estou cansada de saber apenas na teoria.

E o que você quer que eu faça a respeito disso?

É simples... Quando Malfoy tentar convencê-lo novamente, independente de qual seja a sua decisão, quero que avise a ele que estou disposta a me juntar a eles.

Severo sentiu vontade de rir.

Sinceramente, Black, você perdeu o juízo? Acha realmente que eles vão aceitar garotas!

O sorriso dela se desfez com a rapidez de um raio.

Não me subestime, Snape. – ela se levantou imperiosamente – Além disso, essa decisão não cabe a você. Apenas faça o que lhe pedi. Posso ser bastante generosa se me obedecer.

Não preciso de sua generosidade. – Severo respondeu simplesmente.

Talvez não agora. – ela respondeu com um sorriso antes de deixar o salão para trás.


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Ele ultrapassou as gárgulas que guardavam o escritório do diretor, subindo quase que automaticamente os degraus que o levavam a Dumbledore. Empurrou a porta de leve sem pedir licença. Afinal, para que perder tempo se o velho bruxo sempre sabia o que estava acontecendo ao seu redor?

Exatamente como previra, Dumbledore estava esperando, o misterioso sorriso da onisciência na face.

Boa noite, professor Snape.

Severo apenas fez um sinal com a cabeça, evitando olhar diretamente nos olhos do outro. Não estava disposto a deixar Dumbledore perceber a fraqueza que sentira mais cedo na sala de aula ao mirar um certo par de olhos tristes.

Sente-se, por favor.

O homem obedeceu, concentrando sua atenção nos papéis que infestavam a mesa do diretor. Acabou por lembrar-se de uma situação muito parecida com aquela, há muitos anos, quando o próprio Dumbledore lhe comunicara que...

Como foram as aulas, Severo- Dumbledore perguntou, arrancando-o de suas memórias.

Ele observou o diretor fazer um aceno com a varinha, enquanto uma chaleira fumegante voava na direção deles. Severo estranhou a pergunta e, nesse instante, cruzou o olhar com o do diretor. Dumbledore sorriu.

Vejo que já conheceu o irmão de nossa pequena Dorcas... Chÿ

Não, obrigado. - Severo respondeu, sentindo-se um tanto desconfortável - O senhor está falando...

De Hercule Meadowes. O irmão caçula de Dorcas.

O senhor me chamou para conversar sobre isso- foi a vez de Severo perguntar, sem esconder certa dose de irritação.

Dumbledore apenas sorriu. Mas logo seu sorriso foi substituído por uma expressão mais séria.

Na verdade, eu queria conversar sobre certas brincadeiras de antigos amigos nossos... Acabo de receber uma carta do Ministério, Severo. Vandalizaram a velha Mansão Potter na noite de ontem.

Severo sentiu um calafrio conhecido passar por sua espinha.

Comensais?

Não temos como provar nada. Mas eu gostaria que você fizesse uma visita à mansão.

O homem suspirou.

Quando parto?

Amanhã mesmo, ao final do dia.

Severo assentiu, levantando-se.

Isso é tudo?

Dumbledore suspirou.

Porque se fecha tanto, Severo? Compartilhar as dores que carrega seria uma maneira bastante eficiente de curar suas feridas.

Um instante de silêncio. Em seguida, Severo seguiu para a porta, abrindo-a.

Boa noite, professor Dumbledore. – ele desejou, antes de sair, deixando o escritório do diretor para trás.


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29 de setembro de 1971

Severo acomodou-se na cadeira que a professora Estricnina lhe indicara. Nunca tinha estado antes na sala de Dumbledore. Assim, enquanto esperava pacientemente a professora de poções voltar com o diretor, ele iniciou uma cuidadosa observação do aposento em que estava.

Vários quadros de ex-diretores de Hogwarts fingiam dormir em suas molduras. Objetos estranhos se amontoavam por todo o lugar, ordenados em alguma caótica combinação. Reinando sobre todo o escritório, uma minúscula ave tentava abrir suas asas sujas junto a seu poleiro.

Uma fênix... Provavelmente renascera há pouco. Uma pena; ele gostaria de vê-la em todo seu esplendor.

O rapaz voltou-se para a mesa de Dumbledore, que certamente merecia uma análise mais minuciosa. Talvez ali encontrasse respostas para muitas das perguntas que ultimamente o assombravam; a maioria relacionada com aquilo que Malfoy lhe contara.

“O poder dele está crescendo, Snape. Pense bem de que lado quer ficar”.

Essa frase o assombrava em seus pesadelos, em seus poucos momentos de descanso.

De que lado ficaria?

Algo chamou a atenção de Severo. Quase soterrada por outros papéis, uma carta com o selo ministerial continha seu nome em letras negras. Ele não esperou para ter certeza de que não seria pego, afinal, se tratava dele; ele tinha o direito de saber.

“Caro professor Dumbledore:

Viemos por meio desta comunicar-lhe que o pai de seu aluno Severo Snape, o senhor Henri Snape, faleceu ontem no Hospital St. Mungus. Não há um diagnóstico de qual seria a causa mortis. O enterro será hoje à 19h. Gostaríamos que pudesse liberar o garoto para as últimas despedidas no cemitério bruxo de Grodric’s Hollow.

Atenciosamente,

T. H. White

Curandeiro-chefe do Hospital St. Mungus.”

Severo não ouviu a porta bater atrás de si. Suas mãos tremiam intensamente quando ele depositou de volta a carta sobre a mesa do diretor. Um nó na garganta quase o impedia de respirar e o coração acelerara-se de tal maneira que ele não duvidava que pudesse romper seu peito com a violência de seus batimentos.

Senhor Snape? – a voz de Dumbledore soou através da cortina de dor que o garoto sentia agora.

Os olhos do diretor pousaram sobre a mesa e ele imediatamente compreendeu o que se passava com seu aluno. Ele caminhou calmamente até sua cadeira e observou em silêncio o rapaz sentado à sua frente.

Vejo que não preciso mais dar a notícia. – Dumbledore observou – Severo?

O garoto levantou a cabeça, mirando os olhos safira do diretor. O velho bruxo suspirou. Nunca vira tanta dor na face de alguém. Mas o jovem à sua frente não parecia ter consciência do quanto estava sofrendo; lutando com todas as forças contra os próprios sentimentos.

Severo, você quer ir ao enterro do seu pai?

O sonserino encarou-o com os olhos escuros antes de menear a cabeça. Dumbledore percebeu que não adiantaria tentar conversar com o garoto; ele não iria se abrir.

Pode ir então. Quer que chame a diretora da sua casa?

Novamente um menear de cabeça. Ele não parecia ser capaz de produzir qualquer som. Dumbledore observou Severo se levantar, deixando o escritório de cabeça baixa.

Sua mãe morrera com o nascimento dele. Nos olhos de Andrew Snape, o garoto sempre lera a muda acusação de ter tomado a vida da mãe pela sua. Talvez por conta disso, nunca fora realmente ligado ao pai. Mas, de repente, estava sozinho.

Um garoto de 14 anos sozinho no mundo.


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O jardim da mansão demonstrava claramente há quantos anos não era cuidado. A hera subia pelas paredes descascadas e espaçadamente, uma bela orquídea quebrava a imagem de abandono da casa que pertencera à família Potter por gerações.

Severo atravessou os portões enferrujados e poucos instantes depois estava dentro do salão em que ocorrera o casamento de Lílian e Tiago Potter.

Móveis quebrados, papéis rasgados soltos pelo chão, gavetas reviradas... O lugar era a verdadeira imagem do caos. Quem quer que fizera aquilo, realmente não gostava dos Potter.

Severo subiu as escadarias que levavam ao primeiro andar, observando as portas fechadas. Caminhou calmamente pelo piso atapetado até parar diante da primeira porta. Trancada. Tentou a segunda. A mesma coisa. Com um meio sorriso, ele tirou a varinha do bolso.

Alohomorra!

Um baque. Severo sentiu suas costas baterem violentamente contra a parede. Teria que encontrar outra maneira de abrir aquelas portas...

Lentamente, ele voltou a se aproximar da porta que o expulsara. Observou-a por alguns instantes, guardando a varinha. Ele estreitou os olhos, pensando... Aquilo era obra de um maroto... Então, tinha que tentar pensar como um...

- Seboso Ranhoso. – ele murmurou entre dentes o apelido que tinham colocado nele na época da escola.

A porta se abriu com um rangido suave. Severo observou o lugar, um tanto surpreso. Nem um dia parecia ter passado ali, estava tudo no lugar, rigorosamente limpo. Quem quer que tivesse visitado a mansão, não tivera perspicácia suficiente para conseguir entrar nos quartos.

Ele aproximou-se da cama de dossel, feita de uma madeira escura e luzidia. Cortinas de cetim transparentes esvoaçavam com a brisa suave que penetrava pela janela aberta, que parecia esperar o ocupante do quarto voltar de sua ausência.

Sobre a mesa de cabeceira, dois porta-retratos. Severo hesitou por alguns instantes antes de se sentar sobre a cama macia, pegando o primeiro deles.

Um casal sorridente aproveitava um piquenique junto a uma bela praia. Lílian e Tiago Potter. Ela segurava o chapéu, que o vento parecia querer levar, enquanto os cabelos vermelhos ondulavam a sabor do mesmo. O marido a abraçava pela cintura, o queixo apoiado no ombro claro dela.

Sorrindo, eles pareciam ser a própria imagem da felicidade. Severo quase podia sentir inveja deles. Inveja da alegria radiante que eles transmitiam naquele simples traço de memória.

A segunda foto era ainda do tempo de escola. Os quatro marotos estavam sentados nos degraus que levavam ao seu dormitório. Os traços ainda eram infantis, mas eles provavelmente já faziam sucesso.

Ele estreitou os olhos ao passar os dedos por trás do porta-retrato. Havia um pequeno volume ali. Sem pensar duas vezes, ele abriu as costas do objeto, encontrando um pergaminho milimetricamente dobrado lá dentro.

Severo abriu o pergaminho. Estava em branco. Mas um pergaminho em branco certamente não estaria tão bem escondido se não fosse importante. Pensou em usar a varinha, mas a dor nas costas lembrou-lhe o que acontecera antes.

Talvez uma borracha reveladora... Ou então...

Ele olhou para a outra fotografia e passou os dedos por trás dela. Não, não havia nada ali. Levantou-se, tomando a foto do casal e o pergaminho junto consigo. E, no instante seguinte, sentiu a mão queimar.

Mas que diabos...

O vidro do porta-retrato se partiu no chão e o pergaminho caiu por cima dele. Lentamente, letras vermelhas começaram a aparecer. Severo abaixou-se no chão, lendo as palavras que se formavam.

“Sirius ‘Almofadinhas’ Black e Tiago ‘Pontas’ Potter firmam através desta um pacto de amizade. Com sangue escrevemos o elo fraternal que nos une. Irmãos de carne não somos, mas irmãos de espírito.”

Havia uma mancha vermelha entre as assinaturas dos nomes dos dois marotos, além de pequenas marcas de patas de algum animal.

Um pacto de amizade... Irmãos de espírito... Sentiu vontade de rir. Passaria pela cabeça do Potter que alguns anos depois Sirius Black o trairia para o Lorde das Trevas?

Estava quase saindo do quarto quando seus olhos se depararam com uma pequena sombra sobre a cama. Calmamente, Severo voltou a se sentar, puxando para ele uma caixa que inflou ao sair de seu esconderijo.

Fotos, cadernos, bilhetes, roupas e até garrafas de cerveja amanteigada vazia estavam guardadas ali dentro. Ele pegou um pequeno caderno de capa verde, abrindo-o na primeira página. Uma página de uma revista recortada estava pregada ali e, logo abaixo, as letras de Tiago e Sirius confirmavam a quem o caderno pertencia.

“Poção do amor:

½ medida de amanita muscaria cozida durante a lua cheia

2 gotas de extrato de beladona

Cascas de dulcamara

Pétalas de uma flor de giesta

1 ½ medida de junca

2 pétalas de lótus banca

¾ de medida de pó de mandrágora

Frutos de meimendro colhidos no novilúnio

½ medida de mistura de verbena e mirto

O cogumelo, primeiro ingrediente da poção, deve ser adicionado à poção juntamente com o sumo de seu cozimento. Ele será o elemento alucinógeno do líquido, permitindo que aquele que o beba possa mergulhar em seus belos sonhos.

A beladona e a mandrágora são as pitadas de romance. Elas elevarão o fogo de sua paixão. A dulcamara e a giesta são a sua proteção; jamais esqueça delas! A junca trará sorte ao seu encontro, enquanto o lótus assegurará a paz de seu coração. Por fim, o mirto e a verbena revelam o verdadeiro amor.

Putz... Isso é muito brega, Pontas! Você tem certeza que vai dar certo? Sabe, me parece medidas um tanto desesperadas apelar para Teen Witch...

Mas nós estamos desesperados, Almofadas. Pense bem... Aquelas duas loucas estão acabando com a nossa reputação!

Tudo bem. Mas lembre-se que não vai dar para a poção estar pronta até o baile.

E mesmo que estivesse, como descobriríamos se estamos dando a poção para as garotas certas? Tudo bem que a idéia é original, mas Dumbledore pegou pesado... Não me sinto muito à vontade em ficar com uma garota que eu não sei quem é. Quer dizer... e se eu pegar alguma sonserina?

Meu caro, o que aparecer é lucro. Tem nem risco de eu dispensar alguma.

Esse baile vai ser muito interessante...”

Uma poção do amor? De que ano era aquele caderno? Severo virou as páginas com certa pressa. Mais à frente estava o relato do baile. O baile do Halloween de 1971.


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31 de outubro de 1971

Ela atravessou as portas do salão principal sozinha, observando com atenção todos os presentes. Não que pudesse reconhecer alguém. Afinal, aquele era um baile à fantasia. Susan sorriu. Seria fácil encontrar suas amigas se fosse um baile normal, trouxa. Era só procurar os cabelos ruivos de Lílian. Mas em Hogwarts...

Os professores tinham feito uma espécie de "gincana" para aquele baile. Todos, do terceiro ano para cima, deveriam usar magia para se disfarçarem. Os que melhor se saíssem nessa missão ganhariam pontos para suas casas. E, ao que parece, todos tinham se esmerado na produção.

Havia ainda outra característica. O baile, apesar de ser no dia das bruxas, estava comemorando os 980 anos da fundação de Hogwarts. Por isso era um baile à fantasia onde todos deveriam estar vestidos com roupas da época.

Susan sorriu ao perceber um Godric Griffyndor conversando com Rowena Ravenclaw. Os diretores de cada casa tinham escolhido alunos para representar os fundadores. Também não poderia saber quem eles eram, mas provavelmente deviam pertencer ao último ano...

Um pouco distante da italianinha, Lílian tentava afrouxar um pouco o corpete por baixo do vestido de cetim azul. Ela passou por um espelho e admirou sua figura. Os cabelos agora estavam completamente negros e caíam numa trança até seus joelhos. Os olhos tinham se tornado violeta. Mas o formato do rosto até que não mudara muito...

A única coisa que a incomodava era aquele vestido. Um longo vestido de época azul escuro, com a saia bem rodada e delicados detalhes em prata. Era muito bonito. O problema era o corpete por debaixo dele. Como as mulheres conseguiam usar aquilo no passado? Como é que elas respiravam!

Alguém parou ao lado dela nesse instante e Lílian sentiu um calafrio. Era um rapaz alto, de olhos verdes e cabelos negros. Havia algo de familiar naquele calafrio, mas ela se esqueceu completamente disso quando ele sorriu.

A senhorita aceita dançar?

Tiago sorriu quando ela fez apenas um leve movimento com a cabeça, assentindo. Mesmo irreconhecível, seu charme ainda era... indiscutível. A garota deixou que ele envolvesse sua cintura e ele fechou os olhos. O cheiro de lavanda... Já sentira aquele perfume antes.

Enquanto Tiago e Lílian dançavam, sem saberem realmente com quem estavam, Sirius caminhava pelos alunos, tentando adivinhar a fantasia de Camille Dearborn. Flitwick poderia ter escolhido ela para representar Rowena Ravenclaw... Ele fixou a atenção em Rowena tentando descobrir nela algum traço de Camille, e acabou tropeçando em alguém.

Era uma garota baixinha, com duas longas tranças loiras, e olhos cinza, como tempestades. Ela ajeitou o vestido pérola com cuidado e delicadeza.

Desculpe. - ele murmurou - Eu estava distraído. - acrescentou sorrindo.

Não faz mal, você se machucou- ela perguntou enquanto terminava de ajeitar o corpete dourado.

Não, você jamais me machucaria. - ele respondeu, fazendo-a rir - Você está linda... Não gostaria de dar uma volta?

E se eu não for linda, jovem mancebo- ela continuava com o sorriso pregado no rosto, fazendo força para não desatar a rir da cara de pau daquele menino.

Ninguém se disfarçaria tão bem... - ele ofereceu o braço. - Vamos?

Vamos sim. - ela meneou a cabeça, consentindo que ele a tomasse para o passeio.

No outro extremo do salão, Lílian balançou a cabeça, sentindo-se levemente tonta. Estavam dançando muito devagar, quase que apenas dando voltas em si mesmos. Ela abaixou a cabeça, encostando-a no peito dele. Tiago virou o rosto para ela.

Os olhos de ambos se encontraram e Tiago sentiu o coração disparar. Antes que ela pudesse se afastar, ele colou os lábios aos dela. A garota permaneceu estática por alguns segundos. Mas, para surpresa de ambos, acabou por corresponder.

Quase que imediatamente ele se afastou, olhando para os lados como se procurando uma certa ruiva. A garota em seus braços o observou inquisidora com seus olhos violetas. Tiago passou a mão pelo cabelo, afastando-se dela.

Me desculpe... Eu... - ele suspirou - Eu estava pensando em outra garota.

Ela sorriu.

Não se preocupe... Eu acho que posso entendê-lo. Bem, eu vou indo.

Ele assentiu e Lílian logo sumiu no meio da multidão, mergulhando em seus pensamentos. Provavelmente o rapaz estava apaixonado... E não era correspondido.

Porque eu tenho que ter um Potter e não um daqueles na minha vida?

O baile terminou bem tarde, mas quando Severo Snape voltou para seu dormitório, não conseguiu dormir. Ele tinha vindo ao baile. Dumbledore fora um idiota com a idéia de deixar todos se fantasiarem ao abrir o baile para os ex-alunos do castelo.

Tom Servolo Riddle. Lorde Voldemort. Ele estivera em Hogwarts, observando, atraindo seguidores. Será que ninguém percebera nada? Ele poderia ter desfechado um ataque fulminante e ninguém teria sequer percebido o que os atingira.

Ou talvez... Talvez ele ainda não fosse tão poderoso quanto queria. Talvez, se tivesse se revelado, Dumbledore poderia tê-lo derrotado.

Não muito distante dali, apesar da hora já avançada e do cansaço do baile, dois rapazes observavam um caldeirão fumegar em uma passagem secreta atrás de um espelho. Escondido atrás de uma tapeçaria, Remo observava os amigos tendo nas mãos o Mapa do Maroto.

Eles são doidos... De onde surgiu essa idéia de poção do amor!

Na passagem, Sirius e Tiago conversavam.

Quer dizer que você conseguiu esquecer a ruivinha?

Sirius, você sabe que a ruivinha é só um passatempo. É divertido vê-la com o rosto vermelho de raiva e despejando seu “ódio” quando tudo o que ela quer é me agarrar. Quando ela tiver tomado essa poção, vai revelar que é louca por mim e depois de aproveitar eu vou fazer ela pagar por todos os foras que me deu.

Cara, eu tenho medo de você... Está ficando muito vingativo, Pontas... – Sirius riu – Espero que nunca tenha motivos para aprontar comigo. Mas agora que já vimos como as coisas estão por aqui, que tal voltar para a torre? Eu tô com sono, sabe?

Tiago assentiu.

É, eu também estou cansado. Vamos logo.

Remo observou os dois amigos deixarem seu esconderijo e desaparecerem na curva do corredor. No instante seguinte, ele entrou pela passagem do espelho e despejou um pequeno frasquinho que trazia no bolso.

Isso vai fazê-los aprender a não mexer com poções proibidas pelo Ministério...


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Severo fechou-se em sua masmorra, observando a caixa que tinha diante de si. Sentou-se em sua cadeira, olhando pensativamente o pequeno tesouro que descobrira na casa dos Potter.

Todas as lembranças, os segredos, os rastros dos marotos. O que poderia descobrir vasculhando aquela caixa?

Ele meneou a cabeça. Não tinha direito de mexer naquilo. Aquelas coisas pertenciam ao filho dos Potter. Mesmo que todas as humilhações que passara lhe implorassem para ser pagas com a destruição da caixa e seu conteúdo, a razão lhe dizia que aquilo não estava certo.

Como se lembrasse subitamente de algo importante, ele abriu uma das gavetas de sua mesa, tirando dela um livro de capa escura. Ao canto direito, gravada em prata, uma serpente.

O anuário de 1975... O ano em que ele se formara.

Observou as fotografias que o olhavam com ar esnobe e o olhar quase imperioso. Rosier, Dolohov, Lestrange, Nott, Travers, Wilkes... Bellatrix Black.

O olhar frio dela fez com que ele se lembrasse de seu primeiro encontro com o Lorde. No baile do Halloween. Apesar de disfarçado, Voldemort conseguia transmitir uma aura poderosa a todos que estavam ao seu redor.

Ele levantou a manga da camisa. Embora estivesse invisível, ele quase podia sentir a Marca Negra arder em seu braço, como na primeira vez em que ele a enxergara.

Raivoso com aqueles pensamentos, ele se levantou jogando o anuário para longe. Tinha que esquecer aquilo. Tinha que enterrar sua vida passada.


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E cá estamos em mais um capítulo...

No próximo capítulo, mais Sirius.

Beijos,

Silverghost.

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