Luar



Remo suspirou. No céu, a lua já mostrava metade de sua face prateada. Em menos de uma semana ele estaria novamente sob o peso de sua maldição. Mais uma vez, sozinho. Como em todas as outras noites dos últimos três anos.

Ele puxou o casaco para mais próximo do corpo. O fog londrino arrastava-se pelas ruas e vielas da cidade. O cheiro de maresia impregnava o ar. Maresia... Inconscientemente, o homem pensou em uma cela escura de uma prisão muito longe dali... No meio do frio Mar do Norte...

Parou diante de um prédio interditado, cujo reboco já caía em vários pontos. As colunas estavam escoradas, mostrando os riscos de entrar na estrutura. Mas Remo, depois de alguns instantes vasculhando os bolsos, ergueu a varinha para tocar a porta de mogno escuro, carcomida pelo tempo.

Ela se abriu com um rangido triste e ele deu um passo através dela, deparando-se com um corredor limpo e bem iluminado que destoava sensivelmente da fachada do prédio. O hospital St. Mungus para doenças e acidentes mágicos.

Aquela era uma entrada secundária apenas para as pessoas que trabalhavam no St. Mungus. Fora uma certa curandeira ruiva que revelara o segredo da porta para o marido e esse, para os amigos. Mas isso fora há muito tempo e aqueles eram tempos mais alegres... Pelo menos para ele.

Sem passar pela portaria, ele se dirigiu pelas escadas ao terceiro andar, entrando no laboratório de poções. Os diversos quadros sorriram à entrada dele e um em particular debruçou-se sobre a moldura para chamílo.

- Boa noite, Aluado. - ela sorriu carinhosamente, tirando uma mecha ruiva do rosto claro.

- Ola, Lily.

- Veio nos fazer uma visita ou está com algum problema?

- O de sempre... - ele respondeu resignadamente.

- A lua cheia está chegando... - ela murmurou, endireitando-se no quadro.

Ele apenas assentiu, pouco antes de outro homem entrar no aposento.

- Lupin! Como esta?

- Receio que não muito bem, Bagnold.

William Bagnold, filho da ex-ministra da magia, sentou-se à mesa em frente ao retrato de Lílian Potter.

- Pensou em minha proposta- o curandeiro perguntou.

Remo sentou-se diante dele.

- Eu aceito ser sua cobaia.

- William, o que eu lhe falei sobre usar meu amigo para suas "poções inovadoras"- a ruiva do quadro perguntou amuada - O Remo pode...

- Eu faria qualquer coisa para poder, pelo menos, manter minha consciência, Lily. Não tem sido muito fácil nos últimos tempos, tenho medo que alguma coisa de errado aconteça e eu acabe machucando alguém. - ele suspirou - Prefiro ser uma cobaia morta a...

- Não precisamos ser tão trágicos. - William observou - A poção mata-cão já foi testada antes e agora só precisamos descobrir se pode haver efeitos colaterais em seres humanos. No máximo, o Lupin ficará alguns dias internado conosco. Eu não arriscaria a vida de um amigo, senhora Potter...

Lílian suspirou e sorriu.

- Muito bem, então... Vejamos no que isso vai dar.


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31 de outubro de 1970
- Nós vamos vencer esse jogo. E depois vamos mudar as cores das abóboras para vermelho e dourado. Me entenderam? Quanto a você, Potter, hoje você tem que dar seu sangue para vencer. Eu me recuso a perder para a Sonserina!

Tiago e Sirius se entreolharam, rindo silenciosamente. William Bagnold, o capitão do time grifinório parecia outra pessoa. Geralmente era calmo e estudioso, mas depois de ter levado dois balaços seguidos naquele jogo, a vitória se tornara questão de honra.

- Não se preocupe, Bagnold. Dessa vez, Mulciber é quem vai levar balaço... - Sirius riu maliciosamente - E, de preferência, na cabeça... Isso eu te prometo.

Tiago também sorriu. Mulciber era o apanhador dos sonserinos. Um idiota, como todas as cobras daquela casa... Não seria difícil derrotílo. Madame Hooch aproximou-se, perguntando se já podiam recomeçar o jogo. William assentiu e eles voltaram para suas vassouras.

Sirius logo estava rebatendo balaços na direção dos rivais. Não demorou muito para que, como ele prometera, um balaço acertasse o apanhador deles. Infelizmente, fora só de raspão, mas fora suficiente para a juíza dar pênalti para os sonserinos.

140 a 120. Os leões ainda estavam na frente, mas se Tiago não se apressasse, eles começariam a ter problemas... Foi quando ele viu, perto do lago, duas silhuetas. Provavelmente as únicas pessoas que não estavam no jogo.

Não precisava pensar muito para adivinhar que pelo menos uma das duas silhuetas pertencia a Lílian Evans, o vermelho era reconhecível mesmo àquela distância. Tiago suspirou, meneando a cabeça. Aquela ruivinha às vezes conseguia ser muito chata... Mas pelo menos era bonita. Talvez fosse uma boa idéia convidíla para sair com ele para Hogsmeade no dia seguinte. Alguns beijos e ele certamente amansaria a fera.

Foi com esse pensamento que ele voou para o pomo, que vocejava justamente na direção do lago. O jogo acabou e, ao final das contas... Como era de se esperar, a Grifinória ganhara. E como não podia deixar de ganhar quando havia um Tiago Potter e um Sirius Black no time?

- E então, vamos comemorar- Sirius perguntou meia hora depois, pouco antes de saírem do vestiário.

Tiago sorriu.

- Com toda a certeza. Hoje é dia de as abóboras dizerem “sonserinos fedem". Adoro o dia das bruxas...

Sirius assentiu e eles foram caminhando até perto do lago. Logo Tiago pôde confirmar suas suspeitas. Lá estava Lílian Evans junto com Susan Timms.

- Sirius, vai indo na frente... Eu quero falar com uma pessoa.

O moreno não demorou a perceber do que o amigo falava e, com um sorriso maroto, afastou-se. Tiago começou a se aproximar da árvore sob a qual as duas garotas se abrigavam do sol.

- Lily- ele viu as duas se entreolharem curiosas e a ruiva dar os ombros antes de se levantar, ao mesmo tempo em que ele parava diante dela - Lily, você vai para Hogsmeade amanhã?

- Vou. - ela respondeu, parecendo confusa.

Ele deu seu sorriso mais insinuante.

- E já tem companhia?

Ela franziu as sobrancelhas, obviamente contrariada.

- Eu vou com as garotas. - ela respondeu secamente.

Tiago estranhou a resposta, geralmente as garotas só faltavam começar a pular quando ele se aproximava. Mas mesmo assim, foi em frente.

- Não prefere ir com uma companhia mais... interessante?

- E quem seria uma companhia mais interessante? Você- ela perguntou com sarcasmo - Sem querer ofender, mas uma múmia seria melhor que a sua companhia. Pelo menos, ela não pode falar besteiras como você.

- Eu...

Lílian ajudou Susan a se levantar e começou a se afastar do garoto.

- A propósito, Potteré Evans para você.

Tiago observou as duas se distanciarem. Levemente irritado, ele voltou para o castelo.

- E então, como foi- Sirius perguntou curioso quando o amigo passou pela porta do dormitório.

Remo desviou o olhar do livro pelo qual estava estudando e fixou-os nos dois amigos que ainda não tinham tirado os uniformes de quadribol. Apesar de terem demorado no vestiário, não tinham tido tempo de tomar banho. Se perguntasse, provavelmente iam responder que "mulheres adoram homens de uniforme", afinal, era nessa linha que eles justificavam tudo ultimamente. Era melhor ficar quieto e ouvir...

- Não foi. - Tiago respondeu, largando-se na cama do amigo.

- Ei, dá o fora da minha cama, seu fedorento- Sirius resmungou, empurrando Tiago - Você tá todo suado e vem...

- O que não foi- Remo interviu antes que começassem uma discussão - Vocês ganharam dos sonserinos, mesmo o jogo tendo sido apenas um amistoso... Então porque estão com essas caras de enterro?

- Eu acho que o nosso amigo levou um fora. - Sirius observou, coçando o queixo - da Evans.

- Você deu em cima da Lily- Remo perguntou, levemente espantado.

- Lógico que não- Tiago exclamou - O Sirius está tirando conclusões precipitadas. Porque eu daria em cima de uma doida que não tem nenhum senso de humor?

- Não foi isso que eu ouvi. - soou a voz de Pedro vinda da porta, que acabara de se abrir. - Ele convidou a Evans para ir a Hogsmeade, só que ela preferiu ir com as amigas.

- Como é que você... - Tiago começou, aparentemente perdido.

- Eu estava atrás da árvore em que as meninas se apoiavam.

Sirius sorriu.

- Então você levou um fora e não queria nos contar? Tisc, tisc...

- Ah, não enche"Si". - Tiago respondeu de mau jeito.

O outro maroto fechou a cara e Remo riu silenciosamente. Definitivamente, aqueles dois se mereciam... Sirius cruzou os braços, mas acabou por sorrir maliciosamente.

- Pelo menos eu tenho a Emelina para me acompanhar amanhã. E você acabou de levar um fora.

- E porque é que você não vai para os braços da Vance- Tiago perguntou, após perder definitivamente a paciência.

- Crianças... - Remo resmungou, observando Sirius voltar a fechar a cara e deixar o dormitório com passos pesados.

Pedro encarou Tiago por alguns instantes e, em seguida, foi atrás de Sirius. Era bom não irritar ainda mais o maroto de óculos. Tiago e Remo ficaram sozinhos, o primeiro agora deitado em sua própria cama, e o último que acabara por voltar a sua leitura. O silêncio reinou por alguns instantes. Com o canto do olho, Remo observava o amigo, contando os segundos silenciosamente.

- ...3, 2...

- Aluado- Tiago chamou, levantando meio corpo.

- 1. - Remo fechou o livro, um sorriso levemente irônico nos lábios - O que houve, Tiago?

- Você acha que o Sirius ficou com raiva de mim- o moreno perguntou, parecendo preocupado.

- Bem, Tiago... Você sabe que a Emelina só usa aquele apelido com o Sirius para irritílo. Se ele já não gosta que a namorada o chame assim, imagine você.

- Eu deveria pedir desculpas- o garoto agora estava chateado.

- Aí é com você. - Remo respondeu - Você sabe que quando Sirius passar por aquela porta, já vai ter esquecido qualquer discussão.

Tiago assentiu e se levantou, dirigindo-se ao banheiro, disposto a tomar uma chuveirada. Remo ficou sozinho com seus pensamentos.

Sempre que Tiago e Sirius brigavam, um dos dois vinha pedir conselhos para ele. E agora que eles tinham "descoberto" as garotas, as discussões ocorriam com muito mais freqüência: Sirius começara a namorar com Emelina Vance e Tiago, com seu ego ligeiramente ferido por ser preterido pelo amigo, sempre tinha uma provocação na manga.

Talvez por isso. Tiago tivesse tentado convidar Lílian para Hogsmeade. Sirius ia com Emelina; se ele fosse com uma amiga da loira, poderiam ficar todos juntos. A verdade é que apenas Sirius tinha acordado completamente para o universo feminino. Tiago ainda não tinha a exata noção de seus hormônios, ainda estava na fase "vamos agora azarar sonserinos".

Remo suspirou. Ele tinha a leve impressão de que estava deixando escapar alguma coisa naquela história. Mais exatamente, uma pergunta sem resposta:

Quando Sirius tinha amadurecido?


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- Há uma sombra na lua. - o jovem auror observou.
Tonks levantou os olhos para o céu. Apesar das nuvens pesadas de tempestade, ela pode ver a enorme lua cheia que pairava acima deles.

- Eu odeio esse clima eternamente úmido. - ela disse em resposta, subindo os degraus do casarão azul que era residência da família Bagnold há décadas

- Qualquer dia desses eu me mudo daqui. Vou para os trópicos e aproveito para mudar de nome.

Shacklebolt a seguiu com um meio sorriso. A garota, que naquele dia usava os cabelos azuis, ergueu a varinha após se certificar de que não havia nenhum trouxa naquelas proximidades.

- Alohomorra.

A porta se abriu com um rangido dolorido e os dois logo entraram no casarão.

- E agora- ela perguntou, coçando a cabeça.

- Temos que procurar alguma pista que prove a teoria de Moody. Qualquer coisa que possa nos confirmar se William Bagnold foi assassinado ou não.

Ela assentiu e os dois se separaram. Quim subiu para o primeiro andar, enquanto Tonks vasculhava o térreo, ou melhor, vasculhava a cozinha, afinal, não almoçara ainda e já era quase meia-noite! Para sua sorte, os Bagnold pareciam gostar de inventos trouxas, já que havia uma bela geladeira recheada de comida.

- Essa história toda parece até saída daqueles desenhos trouxas que meu pai adora assistir... - ela resmungou para si mesma enquanto comia um enorme sanduíche que fizera com tudo que encontrara na geladeira do casarão - Só me falta agora arranjar o cachorro... "Scooby-Doo, cadê você meu filho"?

Rindo da própria piada, ela voltou à sala, onde se deixou cair no sofá. Enquanto saboreava seu sanduíche, ela pensava nos desdobramentos daquele caso. Porque tinha que ter um chefe tão paranóico? Moody colocara na cabeça que William Bagnold fora assassinado. Mas tudo levava a crer que o curandeiro se envenenara usando uma das poções que manipulava no laboratório do St. Mungus. Talvez estivesse usando a si mesmo como cobaia. Ou talvez quisesse morrer.

Ela suspirou. O que levaria alguém a acabar com a própria vida? Isso era, definitivamente, algo que ela jamais poderia compreender. Os olhos dela vagaram pela sala até pousar sobre um caderno negro entreaberto. Curiosa, ela se levantou, engolindo de uma só vez o último pedaço do sanduíche.

Ela assobiou após ler as primeiras páginas.

- O cara era um gênio... Será que ele chegou a concluir essa "poção mata-cão"?

A jovem sentiu como se seu coração quisesse sair do peito, ao descobrir afinal a resposta para uma dúvida que a acompanhava há mais de sete anos em letras azuis, na última folha do caderno, onde o nome da cobaia humana de William Bagnold estava escrito.

Remo John Lupin.


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18 de fevereiro de 1971
- O que ainda falta- Remo perguntou, colocando os óculos de leitura e segurando-se para não espirrar enquanto virava mais uma das páginas do livro mofado que tinha em mãos.

- Faltam os feitiços de proteção. - Tiago respondeu, segurando uma pena com a boca enquanto transpunha um desenho tosco do seu caderno com a varinha para outro pergaminho.

- E os de localização. - Sirius completou.

Pedro observou os livros que Remo manuseava com todo o cuidado. Tiago os tinha "pego emprestado" da seção reservada com a capa de invisibilidade e lá estavam eles agora, na passagem do espelho que levava a Hogsmeade, acabando a maior invenção dos marotos.

- Muito bem, então... - Remo levantou-se, guardando os óculos enquanto erguia a varinha - Vamos usar os intencionais, os Animus.

- Evitar dano, proteger, enganar e ocultar. - Pedro enumerou nas mãos - Quem vai primeiro?

- Eu. - Remo respondeu e apontou a varinha para o mapa que Tiago terminara de desenhar - Animus damni vitandi.

Um clarão vermelho circundou o pergaminho, fazendo-o flutuar por alguns instantes, esticando-o como se fosse um elástico, sem, entretanto rasgílo. Sem esperar que Remo abaixasse a varinha, Sirius aproximou-se.

- Animus custoendi.

Ao vermelho, juntou-se uma luz azulada. O pergaminho enrolou-se ao redor de si mesmo até formar uma bola de papel do tamanho da unha do dedo mindinho de Pedro, que agora se levantara.

- Animus decipiendi.

Um jorro esbranquiçado circundou o pergaminho que rapidamente começou a sumir e desaparecer, até abrir-se completamente. Tiago ergueu-se por último, murmurando o derradeiro feitiço.

- Animus cetandi.

Dessa vez, um brilho negro envolveu a atmosfera bombardeada de feitiços, mas antes que qualquer um dos quatro pudesse perceber o que estava acontecendo, o pergaminho estava novamente no chão, imóvel e sem nenhum traço do desenho que estivera em sua superfície a instantes atrás.

- Qual foi a senha que você colocou- Sirius perguntou para Tiago, visto que este fora o que invocara a "intenção de ocultar".

Tiago sorriu e apontou a varinha para o pergaminho.

- Juro solenemente não fazer nada de bom.

Linhas verdes brilhantes surgiram do ponto em que ele tocara, logo se espalhando e formando o desenho de um mapa. O Mapa do Maroto.

- Eu me lembrei de uma coisa agora... - Remo observou o desenho, que ainda não deixara de se formar - Deveríamos dar um toque especial a esse mapa. Algo tipicamente maroto.

Foi a vez de Sirius sorrir.

- Eu sei como fazer isso. Mas o feitiço da personalidade está em um dos livros que não conseguimos trazer...

- Seria "Objetos pensantes"- Remo perguntou, lembrando-se vagamente de ter lido algo do assunto.

- Esse mesmo. - Sirius respondeu animado.

Remo se levantou.

- Vocês já se arriscaram o suficiente por hoje. Tiago, deixa a capa comigo que eu vou para a biblioteca. Vocês três vão dormir agora. Já está muito tarde.

- Sim, senhora, mamãe. - Tiago respondeu, passando pela superfície líquida do espelho.

Em questão de instantes, ele foi seguido por Sirius e Pedro. Remo ficou sozinho com a capa e assim que os três amigos se distanciaram, ele deixou o esconderijo. Caminhou ouvindo apenas o som de seus próprios passos até chegar á bibliotecaàquela hora completamente vazia.

Rapidamente ele vasculhou as estantes da seção reservada, tomando o cuidado de silenciar o livro antes de puxílo. Em seguida, o garoto deixou o salão da biblioteca, ainda com seus passos furtivos. Mas, quando já estava perto da torre grifinória, olhando constantemente para trás a fim de saber se estava ou não sendo seguido, tropeçou em algo, fazendo a capa escorregar por seus ombros e o livro cair com estrondo no chão.

Minto. Ele não tropeçou em algo. Ele tropeçou em alguém.

- Lupin- uma voz doce perguntou, enquanto ele continuava no chão, meio tonto pela queda.

Ele levantou os olhos, encontrando uma garota com as vestes azuis da corvinal.

- Desculpe. - ele murmurou, meio sem jeito com o olhar dela.

- Você não sabe o meu nome, não é- ela sorriu - Eu sou Hestia Jones.

Remo assentiu, levantando-se.

- Remo Lupin. - ele recolheu a capa e o livro - O que está fazendo aqui? Está perdida?

Ela meneou a cabeça.

- Eu estava procurando você.

- Me procurando- Remo, gaguejando, agora estava decididamente assustado.

Hestia assentiu e puxou o garoto pela mão. Quase sem perceber, o garoto aproximou-se do rosto dela, observando a íris clara dos olhos da morena, surpreendendo-se com o fato de o rosto dela estar quente e avermelhado. Antes que ele pudesse se dar conta do que estava fazendo, venceu o pequeno espaço entre eles, colando os lábios nos dela.

Remo sentiu os lábios dela curvarem-se em um sorriso e, no instante seguinte, ele separou-se dela, tentando recuperar o fôlego, enquanto todas as censuras que tinha feito a Sirius e Tiago voltavam à sua mente, enquanto o antigo medo de relacionar-se com alguém por causa de sua condição tomava conta de todos os seus sentidos.

- Lupin- ela novamente o chamou, os olhos agora tristes.

- Eu sinto muito.

Sem dizer mais nada, ele deu as costas a Hestia, que o observou sumir no corredor, na direção de sua torre. Quando finalmente chegou ao seu dormitório, o estado levemente catatônico do garoto não permitiu que ele pudesse esconder o que acontecera dos amigos que o esperavam.

- Ela tentou te agarrar- Sirius perguntou com os olhos quase esbugalhados.

Remo tentou inutilmente controlar a vermelhidão do rosto. Tiago e Pedro também o observavam atentamente e até Frank, sempre quieto no canto dele, parecia estar interessado na conversa.

- Eu, eu...

- Bem, era consenso geral que as corvinais eram as mais comportadas... - Tiago observou - Acho que temos que mudar essa visão.

- Hestia Jones... - Pedro levou a mão ao queixo É a moreninha que sempre anda com a Dearborn e a McKinnon. Engraçado, todo mundo achava ela a mais quietinha das três. Dizem que a Dearborn é que destoa do perfil de uma corvinal. O pai dela é auror e ela sempre tem uns brinquedinhos que certamente não condizem com a lista de artigos proibidos do Filch.

Sirius riu.

- Pedrinho, você sabe a vida de todo mundo nessa escola, não?

Remo se levantou, indo até a janela, onde a lua nova escondia-se na escuridão. Aquele fora seu primeiro beijo. Era algo tão estranho... Mas ao mesmo tempo...

Ele meneou a cabeça. Não podia ficar pensando nisso. Não podia.


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Os primeiros raios de sol incidiram sobre os olhos cansados do homem estendido no chão. Remo despertou aos poucos, tentando controlar a tontura que sentia. Alguns flashs da noite anterior perpassaram por sua mente e ele não pode se furtar a um suspiro.
A poção fizera efeito. Ele mantivera a consciência durante a transformação. Tinha que encontrar William o mais rápido possível para dar conta do seu sucesso e fazer os testes para saber se estava tudo bem.

Remo levantou-se com certa dificuldade. Todo seu corpo doía. Um gosto amargo inundou sua boca e ele correu para o banheiro. Na pia, misturaram-se os restos de sua refeição anterior e sangue. Aparentemente, a poção tinha seus efeitos colaterais. Mas o que eram eles ao lado da possibilidade de controlar seus instintos lupinos?

Ele tomou banho, desejando que toda a dor fosse embora junto com a água que descia pelo ralo. Meia hora depois, ainda muito enjoado, ele se deitou de bruços sobre sua cama, puxando um pequeno baú de debaixo dela.

O baú estava repleto de cartas e fotos. Ele puxou um pacote amarrado com uma fita vermelha de cetim. Sobre o monte de envelopes, uma foto mostrava cinco garotas em trajes de banho em uma praia paradisíaca. Ele retirou a foto do pacote, virando-a para encontrar a letra caprichada de Lílian no verso.

"Sicília, julho de 1971”.

Novamente ele voltou-se para as cinco jovens. Lílian, com os cabelos vermelhos presos em um rabo de cavalo, estava sentada em um rochedo, as pernas mergulhadas na água. Em pé ao lado dela, estava Susan, os óculos escuros refletindo intensamente a luz do sol. Selene e Alice estavam dentro do mar, com água pela cintura, brincando com uma bola cor de rosa. E Emelina, sentada majestosamente sobre a areia, apenas observava as amigas.

Remo sorriu, olhando para a primeira das cartas que Lílian lhe enviara durante as férias do terceiro ano quando viajara com as outras meninas para a Itália.

"Caro Remo:

Como vai tudo por aí? Espero que você e sua família estejam bem. Por aqui está tudo ótimo. Conhecemos Roma logo que chegamos e depois de um tour pelas cidades mais importantes, viemos para a Sicília, onde a família de Susan tem uma casa de verão.

Os dias se passam com rapidez... Parece que foi ontem que chegamos. Mas em breve devemos voltar. Mais um ano de estudos... Isso não me incomoda, mas as meninas parecem querer fugir de Hogwarts na primeira oportunidade para poderem voltar.Afinal, a Itália é realmenteé um lugar maravilhoso e temos aprendido muita coisa com os italianos.

Tenho que ir, as meninas estão chamando para tocar. Sabia que estamos aprendendo músicaÉ uma das paixões do pai da Susan. A outra é boxe (ele tem nos levado todas as noites para ver as lutas. As meninas adoram, mas eu acho um pouquinho violento demais. Você não concorda comigo?)

Beijos e até logo,

Lílian Evans."


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22 de julho de 1971
Emelina mordeu a tampa da caneta, um sorriso malicioso nos lábios.

- Vocês querem mesmo saber o que eu penso deles?

- Você namorou o Black, "Mel". - Alice respondeu, usando o apelido que Emelina odiava - Foi a primeira garota a descobrir os complexos pensamentos dos "marotos".

- A primeira e, espero eu, a última. - Lílian observou, encostando a cabeça ao piano.

Estavam no salão de música após mais uma tarde de ensaios. Depois de muito se divertirem e quase terem ficado roucas de tanto cantar e gritar, as cinco tinham se sentado no chão para uma rodada de limonada e conversas amenas.

Ou pelo menos, essa era a proposta de início. Entretanto a conversa descambara para o campo que Lílian menos gostava de lembrar que existiam... Garotos. E como Emelina era a única que tinha tido alguma coisa com um garoto entre elas, era a loura que estava na berlinda.

- Muito bem... O Black é um cachorro, acho que todo mundo já percebeu isso. O Potter é um egocêntrico, como nossa querida Lily sempre faz questão de salientar. O Lupin...

- Veja lá o que vai falar do Remo, Emelina.

- Não se preocupe, "ruivinha", eu não vou falar mal do seu grande amor.

- Ele não é meu grande amor. - Lílian respondeu, corando.

- Certo. Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim, o Lupin... Bem, eu diria que ele tem algum tipo de complexo. Embora sempre participe das brincadeiras dos meninos, há algo no olhar dele que...

- Eu também percebi isso. - Susan observou - Talvez seja por causa da família sempre doente...

Emelina sorriu.

- E tem o Pettigrew, cuja vida se resume a uma coisa...

- Comer. - Selene respondeu - Acho que ele leva muito a sério aquela história que minha mãe sempre repete... "enquanto estou comendo, estou escapando...".

Lílian revirou os olhos.

- Um é safado, o outro, egocêntrico, o terceiro é complexado e o último é um comilão. Alguém pode me explicar porque eles fazem tanto sucesso?

Emelina sorriu.

- Você diz isso porque nunca sentiu o Sirius te envolver com os braços e te beijar com uma delicadeza que ninguém sonharia que ele possui.

- E porque você acabou com ele então- Alice perguntou com os olhos brilhantes.

- Porque nunca daria certo. - a loirinha virou o restante do copo de limonada - Tanto eu quanto ele nos gostávamos como amigos. Então, para não perder a nossa amizade, eu restituí a liberdade dele.

- E agora ele está dando em cima da Dearborn. - Susan murmurou, com uma sombra nos olhos.

- E de todo o restante da população feminina... - Lílian completou, levantando-se - Pelo menos ele respeita a gente. Mas o Potter...

Selene piscou o olho para Alice e puxou a mão de Lílian.

- O Potter, Lily... Eu vejo nas linhas da sua mão. Você ainda vai se casar com ele... - a garota falou com voz cavernosa.

- Merlin que me livre de tamanha loucura- a ruiva resmungou, puxando a mão - E eu não acredito em adivinhação.

Selene começou a gargalhar enquanto Alice meneava a cabeça.

- Alguém já percebeu que a Lily e a McGonagall são iguaizinhas?

- Alice... - Lílian falou em tom de aviso.

- Estou mentindo?

A ruiva bufou e, no instante seguinte, pulou sobre a amiga.

- Agora você me paga, Alice MacFusty!

Emelina, Susan e Selene observaram Lílian fazer cócegas em Alice. Entreolhando-se, elas logo se levantaram.

- E atenção... MONTINHO NAS DUAS- Selene gritou antes de se jogar sobre as outras.


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Remo caiu sentado diante do quadro da jovem curandeira ruiva.
- Eu sinto muito, meu amigo. - Lílian murmurou como se pedisse desculpas.

O homem respirou fundo, tentando conter a dor que sentia no peito. Quando parecia haver uma possibilidade, uma esperança...

- Como aconteceu?

- Ninguém sabe. Encontraram William morto no laboratório. Ele bebeu algum veneno. Como não há sinais de luta, desconfiam que tenha sido suicídio. Mas Moody acredita...

- Porque iriam matílo? William nunca mexeu com nada que pudesse lhe trazer perigo.

- Comensais não matam com razões, Remo. - Lílian observou - Eles o fazem por prazer. Poderiam ter usado um Imperio em William. Além disso, seria uma excelente forma de se vingar da falecida Bagnold. Ela era ministra quando tudo aconteceu há quatro anos. Isso seria típico de um comensal que conseguiu se livrar de Azkaban.

Azkaban... Remo mordeu os lábios. Era uma pena que o quadro de Lílian só tivesse as memórias da ruiva da época em que fora pintado, antes mesmo dela ter tido Harry. Ela poderia inocentar Sirius...

Ele meneou a cabeça. Nunca conseguiria se convencer de que a ovelha branca dos Black tinha traído o melhor amigo. Mas tudo indicava Sirius. Quem era ele para ir contra as evidências?

- Remo? Você está se sentindo bem- o quadro perguntou - Quer que eu chame alguma enfermeira?

- Não, Lily. Não há ninguém que possa me ajudar agora. Eu vou para casa. Ainda há um pouco da poção e tenho mais dois dias de transformações pela frente. Até algum dia.

A ruiva apenas assentiu, o semblante triste por não poder fazer nada pelo amigo. Remo deixou o hospital, arrastando-se pelas ruas quase sem notar o trajeto até em casa, quase sem perceber os olhares curiosos que despertava com a sua passagem.

Afinal chegou ao pequeno apartamento em que vivia. Largou-se na cama e finalmente deu livre curso às lágrimas. Parecia que a dor e a vergonha de tantos anos tinham entalado em sua garganta e só agora ele se permitia um momento de fraqueza.

Chorou até que não restassem mais lágrimas, até que seus olhos estivessem vermelhos e secos, dando a ele uma imagem ainda mais doentia do que a que já possuía. Passou todo o restante do dia deitado, apenas observando o teto descascado, contando as teias de aranha que se escondiam nos recantos do apartamento.

Já era quase noite quando, de repente, fez-se fogo na pequena lareira e um corpo franzino passou por ela. Remo sentou-se na cama, observando a jovem que tinha diante de si. Os cabelos negros estavam soltos e as orbes que ele jamais podia precisar a cor, agora estavam azuis. Azuis como os olhos de Sirius.

- Ninfadora. - ele murmurou.

A garota afinal voltou-se para ele.

- Tonks, senhor Lupin. - ela deu um sorriso fraco - Sempre tenho que lembrílo disso?

Ele cruzou os braços.

- Pode-se saber o que está fazendo aqui, Tonks- ele perguntou levantando-se.

A garota o observou com certa ansiedade.

- Você já soube da morte de William Bagnold?

Remo estreitou os olhos.

- Foi para isso que veio aqui?

Tonks apresentou a ele um caderno de capa negra, aberto numa página escrita pela metade.

É verdade o que está escrito aí- ela perguntou num sussurro.

Ele estendeu o braço para pegar das mãos dela o caderno. Uma rápida lida fez com que ele compreendesse do que a jovem estava falando. Uma dor fina surgiu em seu peito. Aparentemente, aquele era o dia das provações.

É verdade. - ele murmurou em resposta - E sugiro que vá embora antes que alguma coisa de ruim aconteça com você. Hoje é noite de lua.

Remo observou o semblante da jovem. Não havia terror nos olhos dela, apenas uma triste surpresa. Tonks suspirou, começando a andar pelo quarto. Porque ela não ia embora? Não entendia que corria perigo continuando ali?

- Foi por isso que me afastou? Por isso que...

- Por favor, Tonks, vá embora.

- Mas, Remo...

- A noite está chegando. Eu me sinto fraco demais para lutar contra a minha própria natureza. Vá embora, para sua própria segurança.

Ela aproximou-se da lareira, enquanto tirava um pouco de Pó de Flu de um saquinho, guardado em um dos bolsos da capa.

- Amanhã eu volto para cuidar de você.

Ele deu um meio sorriso e ela jogou as chamas no fogo, gritando alguma coisa antes de desaparecer nas chamas verdes. O sol acabara de se pôr. Remo virou-se para o pequeno frasco em que uma poção verde-musgo fumegava. Uma última lágrima escorreu pelo rosto pálido. Lá fora, a lua surgia radiante no céu sem nuvens.


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O próximo capítulo é especialmente dedicado aos fãs de Severo Snape. Não percam... "Vida pregressa".

Beijos,

Silverghost.

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