Petrificações
Um feitiço lampejou de uma das varinhas. Harry sabia agora que o povo tinha motivos reais para não entrar ali. É claro que Harry fora tolo ao crer que simplesmente não haveria nada ali e que o perigo não seria maior do que ele pudesse enfrentar. Tolo, e agora teria de pagar cada segundo de sua presença com uma morte silenciosa – mas pouco dolorosa e bastante rápida.
Só lhe restava a opção de lutar, para deixar menos comensais vivos, tornando sua morte não tão vazia.
— Protego! – gritou Harry, automaticamente, no último segundo. Chegou a sentir o calor do feitiço inimigo quando, no instante final, um grande clarão pressionou-o para trás e dissolveu a esfera luminosa e maligna que poderia até mesmo tirar sua vida. Pela cor poderia ser tanto venenosa quanto paralisante, mas em qualquer uma das opções Harry (não) iria se encontrar morto segundos após ser atingido, pois o paralisante ia torná-lo indefeso dos próximos feitiços.
Pela primeira vez na batalha, Harry levantou os olhos para analisar quem o atacava. E isso só o fez sentir-se pior. Não eram dois ou três comensais, mas cinco, enviados especialmente para acabar com O-Menino-Que-Sobreviveu. Mas que não teria a mesma sorte outra vez.
E, na frente de seus seguidores, uma figura encapuzada cujos olhos brilhantes eram a única coisa que podia ser vista na sombra feita pelo pano. Porém, não era necessário ver o rosto; a dor já alertara Harry. A dor aguda e profunda que Harry sentia na cicatriz. Talvez aquela dor fosse a última coisa que Harry sentisse enquanto vivo, e isso não o confortava nem um pouco.
— Afastem-se – ordenou uma voz horrível, a voz que acabara de sair formada pela boca e pela garganta da pessoa que mais desejava matar Harry em todo o universo. — Quero eu mesmo tirar todo o sangue do corpo dele. Eu faço isso. Afastem-se logo! — ordenou outra vez, ao perceber a hesitação de seus fiéis seguidores. Arregaçou lentamente a manga das vestes, e seus braços maltratados foram se tornando visíveis cada vez mais.
Harry mantinha a varinha em riste. Sabia que não conseguiria produzir um bom feitiço no estado de pânico em que se encontrava. Precisava respirar um pouco e se concentrar.
Ouviu as batidas de seu próprio coração martelando as costelas, e sentiu o ar encher seus pulmões. Sentiu também a mão tremendo, e naquela hora soube duas coisas: essas ações eram involuntárias, e ele não seria mais capaz de produzi-las mais em cinco minutos.
Voldemort terminou de enrolar as duas mangas, e retirou o capuz. Fez uma breve reverência, embora Harry soubesse que não havia respeito algum naquele gesto.
Harry sentia-se impotente. O que poderia fazer em meio a magias mais poderosas que as suas e ainda em desvantagem numérica?
Então, dois pensamentos fizeram a batalha se tornar de igual para igual, ou talvez em desvantagem para Voldemort. Harry não era mais uma criança – estava apenas um ano de estudos atrás de Voldemort, embora a figura horrorosa em sua frente os tivesse aplicando há bastante tempo. Porém, para equilibrar a balança, estava o segundo fato: era por causa de Voldemort que agora Dumbledore se decompunha embaixo de quilos e quilos de terra – e cada um desses quilos agora se traduzia em ódio por parte de Harry, e toda essa cólera foi colocada na balança, o que fez com que os dois lados agora lutassem de igual para igual.
Ódio. Por causa dele Dumbledore está morto.
— Impedimenta! – era um feitiço simples, mas fácil de conjurar. Além disso, poderia paralisar Voldemort por segundos preciosos.
Voldemort não utilizou feitiços para se defender; apenas se esquivou e fez uma seqüência complicada de movimentos com a varinha. Uma cobra saiu de sua ponta. Mate-o, sussurrou Voldemort.
— Vai mandar uma cobra fazer o serviço que seria seu? — provocou Harry, embora soubesse que não estava em condições de zombar de Voldemort.
Com essa frase, Voldemort lembrou-se de que Harry também era ofidioglota. A cobra desapareceu imediatamente.
“Eu preferia a cobra”, pensou Harry quando percebeu as palavras que se formavam nos lábios de Voldemort. “Avada...”. Só havia um jeito de não morrer. Evitar que o feitiço fosse completado.
— Protego! — foi o único feitiço que veio à mente de Harry naquele momento. Não era um de ataque, mas formava um escudo quase tão sólido quanto os que eram usados na idade média para se defender e para empurrar o inimigo – e empurrar o inimigo foi exatamente o que Harry fez.
Um lado da parede desabou quando um raio esverdeado o atingiu. Voldemort girou sem equilíbrio e caiu pesadamente no chão. Gemeu alto, mas se levantou quase de imediato.
Foi o suficiente para Harry. Iniciou uma grande seqüência se feitiços que levariam Voldemort à morte, e a mente de Harry estava tão clara como se tivesse sido polida.
Primeiro, lançou um feitiço que deixaria o adversário inconsciente. E o incrível foi que acertou.
Não era tão fácil assim. Não podia agora simplesmente matar Voldemort, apesar de ele estar inconsciente. Sabia que os Comensais interviriam na batalha.
Agora precisaria de feitiços de destruição em massa. Não interessavam as conseqüências para ele ou para qualquer um dentro da loja. O cachorro estava morto, e logo todos ali estariam.
Era necessário um suicídio. Realmente necessário. Harry começou a balbuciar algumas palavras. As mesmas que foram usadas anos antes para explodir um pedaço de uma rua em que vários trouxas circulavam, e que vitimou mais de dez pessoas de uma só vez.
O feitiço se formou na ponta da varinha de Harry. Ao mesmo tempo em que brandiu a varinha e o feitiço foi tremendo em direção ao chão, uma outra esfera atingiu-lhe o ombro, e pelo frio extremo que causou, Harry soube imediatamente que se tratava de um feitiço. Permaneceu bem até o momento em que Voldemort foi atingido por um feitiço lançado por algum dos comensais.
“O que tudo isso...”
“...significa? O que aconteceu? Onde eu estou?”, Harry completou seu pensamento no St. Mungus. Envolta dele, estavam o sr. e a sra. Weasley.
Suspiraram em alívio ao verem que seus olhos estavam abertos – e como! - e que Harry estava bem.
— Harry, querido, estávamos tão preocupados! — a sra. Weasley abraçou-o na maca em que se encontrava. Percebeu que estava no corredor do hospital, e não dentro de uma sala.
— Não pense em nada agora! — advertiu o sr. Weasley. — você só precisa saber que foi petrificado e que isso lhe salvou da explosão. Fique parado para que as queimaduras se curem mais rapidamente.
E veio a dor. A pior que Harry já sentira, e que não percebera até aquelas palavras. Não lembrava do que aconteceu, mas imaginava que devia estar desfigurado. Talvez tivesse cicatrizes – mais cicatrizes – na face para o resto da vida.
Não suportou nem mais um segundo de olhos abertos e em consciência. Teve a certeza de que agora estava bem – nem tanto assim – e que não conseguiria se manter consciente.
Desmaiou com a dor, e manteve-se do mesmo jeito por dois dias e sete horas.
A primeira visão que teve foi a de um quarto dentro do hospital St. Mungus. A cortina estava um pouco aberta, e um feixe fino de luz atingia os olhos de Harry. Talvez fosse por isso que acordara. A luz incomodava o bruxo, mas ele se sentia incapaz de se mexer. Seu corpo parecia pesar demais, ou talvez estivesse duro.
“Duro”, pensou Harry, reconhecendo subitamente o feitiço que fora lançado sobre ele. “E se eu sobrevivi...”.
Não. Não poderia ser. Ele se esforçara. Ele fizera de tudo. Provocara o desmoronamento do local, e Voldemort tinha de ter morrido.
Mas ele fora atingido pelo mesmo feitiço que Harry, e, pela lógica, também deveria estar vivo. De qualquer jeito, ainda havia as Horcruxes. O corpo de Voldemort poderia ter ido para o inferno, mas cada fração de sua alma ainda se encontraria segura em várias peças.
Houve uma batida leve na porta e o trinco girou. Um cabelo incrivelmente ruivo se tornou visível na fresta, e um olho espiou Harry. Ao constatar que ele estava acordado, uma menina gritou para outras pessoas e disparou em direção à cama dele. Era Gina. Quando ela beijou suavemente os lábios de Harry e o abraçou, Rony, Hermione, Neville, Fred e Jorge entraram. Uma cabeça ao mesmo tempo curiosa e tímida apareceu também na porta, e Luna Lovegood entrou. Trazia uma revista na mão, e Harry já sabia qual era. O pai de Luna era editor-chefe d’O Pasquim, e aquela era a nova edição.
Harry fez força para se mexer, mas alguém passou com dificuldade através da porta. Era imenso, e Harry não teve problema nenhum em reconhecer: Hagrid.
O meio-gigante parecia ter chorado muito, mas ainda assim, falou – numa voz muito rouca - :
— A enfermeira falou para você não se mexer. Você ainda vai ter de passar uns dias aí, mas logo vai estar melhor.
Ele começou a soluçar. Luna deu tapinhas carinhosos em suas costas, mas isso não o fez melhorar. Na verdade, agora ele soltava alguns ganidos e soluçava muito mais alto.
Gina apertou mais o abraço em Harry e o desmanchou logo em seguida. Deu espaço a Hermione, que perguntou:
— Você está melhor? O sr. Weasley falou que você acordou de repente.
— Estou melhor — Harry não conseguiu falar mais do que isso. Até falar parecia ser uma força equivalente a uns 50 quilogramas.
Rony empurrou Gina para o lado e apertou a mão de Harry, que não conseguiu retribuir o gesto.
— Rony — disse Harry.
Rony acenou com a cabeça. Soltou a mão de Harry e ajeitou suas cobertas. Hermione sussurrou algo com as palavras “consolar” e “difícil” e foi ajudar Luna a fazer Hagrid parar de chorar.
Fred e Jorge se adiantaram.
— Harry. Sabemos que não é o melhor momento. Bom, na verdade, talvez seja. Andamos fazendo uns experimentos... — começou Fred.
— Criamos uma espécie de remédio. Bom, provavelmente você não confie tanto assim na gente, mas pensamos que talvez você quisesse experimentar nosso licor. Se não... — continuou Jorge, mas foi interrompido por Harry.
— Quero. Eu testarei. — sussurrou simplesmente. Parecia ser cada vez mais difícil falar.
O sr. e a sra. Weasley entraram rapidamente no quarto. A sra. Weasley olhou firmemente para Jorge quando este começou a procurar alguma coisa nos bolsos das vestes. O sr. Weasley vinha com um frasco nas mãos, e o líquido dentro era incolor, mas não parecia nada agradável.
— Harry, a enfermeira ordenou que eu lhe desse esse remédio. Vai acelerar um pouco o processo de cura, mas ainda assim você terá de ficar aqui por mais alguns dias. Não sabem quantos, mas, acredite, o seu caso não é dos mais graves. Você teve sorte em conseguir um quarto, mas os corredores estão atulhados de gente. O hospital nunca teve tanto trabalho desde o ápice de Voldemort.
Harry levantou um dos braços, mesmo sentindo muita dor. Conseguia distinguir mal as faces – somente o suficiente para identificar quem era – , e queria ver melhor. Quando Rony percebeu o que Harry queria, apanhou os óculos sujos e riscados e os colocou delicadamente sobre o nariz do bruxo que estava fraco.
Neville abriu caminho entre os gêmeos Weasley e apertou brevemente a mão de Harry. Depois, Rony, Neville, Fred e Jorge foram para perto das cortinas, abrindo caminho, dessa forma, para Luna e para o sr. e a sra. Weasley. Esta última deu um beijinho na bochecha de Harry, e pegou o frasco das mãos do sr. Weasley. Ele cochichou: “Vai ser um pouco ruim”.
Não era exatamente o que deveria ser dito, pois quando a sra. Weasley começou a virar o frasco em sua boca para que ele somente engolisse, ele sentiu uma certa ardência na sua garganta enquanto o líquido escorria. Pior ainda, quando chegou ao estômago, Harry percebeu que aquele líquido era gelado – muito gelado, e começou a tremer violentamente. A sra. Weasley tirou dois outros cobertores de algum lugar embaixo da cama onde ele estava, e os abriu suavemente por sobre os outros que já estavam sobre Harry. Mais de dois minutos depois, Harry sentiu o frio diminuir, e alguns segundos depois, se sentiu aquecido e leve. Não tanto quanto o normal, mas ainda assim era melhor do que os poucos movimentos que tinha antes do líquido.
— Pronto. Agora já podemos lhe contar tudo. — o sr. Weasley sentou-se na ponta da cama, e Harry sentiu o ar gelado que estava no ambiente nos seus pés quando sua coberta foi levantada brevemente e colocada sobre o colo do sr. Weasley.
— Luna, entregue, por favor, a revista para Harry.
Luna estendeu o braço, e só então Harry percebeu que já podia se mexer quase perfeitamente. Pegou a revista ao mesmo tempo em que a garota se desculpava, avisando que a revista havia sido distribuída no dia anterior e que só havia uma pequena notícia a respeito do acidente na página 12.
Harry abriu na página indicada.
E finalmente achou a notícia que queria ler.
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