A escolha
Capítulo XXVI
“A última Horcrux em troca da vida dela”.
E os pares de olhos, atentos, brilhantes, estreitos, cada qual com sua versão de sentimento intenso; o verde e o vermelho, o branco e o negro, a Luz e as Trevas, o amor e o ódio; ambos continuaram a se encarar, como se de repente todo o mundo parasse de girar e apenas o poder existisse. A matéria e o mundo físico subitamente pararam de importar. Somente havia a energia, e o poder...
“Uma vez eu lhe disse, Potter, que não havia bem ou mal, somente poder, e aqueles demasiado fracos para o desejarem. Você finalmente aprendeu a lição, não é, rapaz?” – disse Voldemort; a varinha erguida em direção ao adversário.
“Eu diria o mesmo de você, Voldemort. Não pensei que você arriscaria sua pele imunda para salvar uma reles escrava sua...” – respondeu Harry, desviando a varinha de Bella (que continuava a se debater, observada por Weasley e Granger), e deu dois passos em direção ao bruxo.
“Amigos nos ensinam o que queremos saber. Inimigos nos ensinam o que precisamos saber.” – respondeu por fim
Voldemort não recuou, e a distância que os separava agora não déia ser mais que alguns poucos centímetros, quase o suficiente para que as pontas das varinhas se encostassem.
“Agora você vem aqui a mim, Potter, sem pai nem mãe, sem padrinho, sem Dumbledore, todos mortos por mim ou por meus servos... E me pede para abrir mão de minha própria alma...”
“Alma esta que você já quase não tem...”
Ambos abaixaram a varinha, e os rostos estavam quase a se encostarem. O ódio crescia como uma nuvem de espessa tempestade que desaba água venenosa, encharcando ambos os corpos e almas.
“Nós somos quem escolhemos ser, Potter. Finja ser fraco quando está forte, e finja ser forte quando está fraco. Ria, e o mundo ri com você. Chore, e o mundo ri ainda mais” – disse Voldemort; os cantos dos lábios se curvando num silêncio pesado de malícia cruel.
“Eu imagino que você queira saber como fiquei sabendo de tudo...”
“É claro que eu sei. Foi Snape, o tolo...”
“Vê só? Você não é onisciente, não pode controlar a todos...”
“Ás vezes eu mesmo me pergunto se as pessoas são assim tão tolas, ou se elas acham que sou. É uma sorte para os líderes que o povo não pense...” – Voldemort falou, e, soltando uma feroz e sinistra gargalhada, completou:
“Você acha que eu nunca soube da verdadeira lealdade de Snape, Potter? Mas por que perder meu tempo castigando-o, quando é tão mais eficiente deixa-lo se torturar; preso dentro da própria mente a ruminar remorsos e culpas; um pária renegado por ambos os lados, isolado, amargo, para sempre com a culpa de ter matado o único que confiara nele... Não. Errei, confesso, ao subestimar a estupidez de vocês; admito que jamais cheguei a considerar a hipótese de deixarem-no voltar à Ordem da Fênix...”
“Eu tenho a capacidade de amar e perdoar. Isso é o que me faz diferente de você, Voldemort.” – disse Harry entre os dentes
“Errado, Potter. Diga-me: Você me odeia?”
“Claro que sim.”
“Então você odeia algo em mim que também existe em você. Porque nós só odiamos algo em alguém que vemos em nós mesmos, também” – Voldemort disse, sorrindo maliciosamente.
“Então é por isso que você tem medo do escuro” – disse Harry, abrindo um sorriso de triunfo – “Porque teme o escuro dentro de você mesmo.”
“Mais uma das famosas frases de Dumbledore... O amor vence tudo, O amor é o mais nobre dos sentimentos..., e veja aonde ele chegou; veja onde estamos. O amor vai fazer você me vencer, Potter?” – perguntou, e abriu o mesmíssimo sorriso que agora enfeitava o rosto de Harry.
O garoto, então, por alguma razão que não ocorreu a Voldemort naquele momento, olhou para os amigos, dirigindo-lhes um odioso olhar de triunfo , que lhe devolveram a mesma expressão.
“Isso depende” – Harry respondeu
“Depende de quê?” – Voldemort perguntou, erguendo uma sobrancelha em desdém
“Isso depende de qual for a sua escolha. Eu pergunto novamente: A vida dela ou a sua última Horcrux?”
Os olhos de pupilas vermelhas lançaram-se numa observação minuciosa do ambiente em que seu dono se encontrava, encontrando, no entanto, apenas a escuridão de negrume oprimente da caverna, e a umidade podre que o lago trazia às narinas; buscando, como uma presa acuada pelo predador, algum meio de escapar. Não encontrando-o, então, ergueu a varinha e tornou a aponta-la para Potter. O rapaz não esboçou nenhuma reação.
“Se você me matar ela morre também. Nossa vidas estão unidas por um elo mágico”
“Magia Negra, Potter?” – Voldemort perguntou; a voz carregada de sarcasmo
“Não” – respondeu Harry com um sorrisinho – “Eu apenas me utilizei do elo que você criou comigo há dezesseis anos atrás... Nós temos o mesmo sangue, não se lembra? Mais um erro seu, Voldemort, marcar-me como igual...”
O sorriso de triunfo havia finalmente deixado as faces pálidas de Voldemort, e ele baixou a varinha novamente. Sua mão tremia ligeiramente.
“Eu não tenho somente uma Horcrux...”
“Você não entendeu, Voldemort. Eu disse que destruí todas... Menos uma. A cobra.”
O tremor em sua mão aumentou consideravelmente, mas seus olhos agora estavam fixos no inimigo. A mente de Potter estava bloqueada como uma muralha, e não havia chance de fuga. Bellatrix, amordaçada e dominada pelos outros dois, emitia gritos nasais e murmúrios ininteligíveis.
“Muito bem. A cobra, não é?”
“MESTRE, NÃO!” – gritou Bela, livrando-se de sua mordaça e sendo imediatamente estuporada pelo garoto ruivo.
“Fique quieta, Bella” – ele falou, sem ser realmente necessário, porque apenas o tom de sua voz seria capaz de calar uma multidão.
Voldemort voltou-se de costas; o trio a observa-lo e Bella desacordada; todos num silêncio sepulcral que transbordava de um respeito amedrontado.
Quase dez minutos se seguiram, quando, murmurando palavras aparentemente desconexas, e, numa língua absolutamente desconhecida de qualquer um ali, uma enorme serpente, cuja cauda era malhada de losangos, apareceu, literalmente do nada.
“Nagini...” – murmurou Voldemort numa língua que apenas ele e Harry podiam entender. O rapaz, no entanto, manteve-se no mesmo silêncio de antes. – “Nagini, desculpe-me...”
A cobra, furiosa, pareceu armar o bote, e sibilou, cheirando o ar com a medonha língua bifurcada; e sua presas, das quais escorriam o veneno mais letal, ficaram expostas numa atitude hostil de animal prestes a atacar com toda fúria.
“Você não deveria ter cumprido sua promessa, Thomas. Você prometeu a si mesmo para ela, e agora ela o tem. Que acha disso?”
Voldemort não respondeu. De olhos fechados,ajoelhado e de varinha em punho, prosseguiu murmurando feitiços desconhecidos, palavras desconexas; invocando todo tipo de magia obscura e entidades malignas, até que, lentamente, uma pequena esfera de luz verde foi saindo pela boca escancarada e de presas expostas da cobra, e por fim, implodiu num brilho que iluminou toda a caverna e fez rugir em seu âmago criaturas das Trevas repentinamente perturbadas em seu sono secular.
“Muito bem, Potter” – disse Voldemort baixinho, levantando-se e abaixando a varinha – “Aí a tem, a última Horcrux restante destruída...”
Potter sorria. Fez Weasley e Granger desamarrarem Belatrix, ainda desacordada, e Voldemort tomou-a nos braços, sem desgrudar o olhar de Potter.
“Foi um prazer fazer negócio com você.” – disse o rapaz.
[...]
Um estrondo, um barulho agudo, uma exclamação dolorida, e os cacos do espelho arrebentado a murro vieram ao chão salpicados de gotas de sangue.
Um palavrão, e um vaso veio de encontro à parede mais próxima, espalhando mais cacos de porcelana junto aos de vidro por cima do tapete.
Havia quase vinte minutos que se dedicava inteiramente à destruição de seu próprio escritório. E mesmo sem mágica, podia-se dizer que estava se saindo muito bem. Também, sua fúria não era pequena. E sequer tinha Nagini para ajuda-lo com os xingamentos mentais.
Minha alma está em ruínas – pensava
E tudo culpa daquele sentimento torpe e estúpido! Não, certamente que não era sua culpa; não, a ocasião, o destino, construíra aquela situação absurda, indefinível... Detestava não saber algo! E era o porquê daquilo que desconhecia, seu sentimento que desconhecia, os motivos que desconhecia! Sentia mais uma vez a vontade de se torturar até voltar a ser o mesmo de sempre.. Não homem, não humano, não um simples mortal, tampouco um deus; somente ele! Ele, o Lorde das Trevas, que inspirava medo ao povo somente à simples menção de seu nome-tabu...
Não por fora somente, mas por dentro também! Porque ainda inspirava respeito, mais que nunca, aterrorizava não somente os inimigos, mas também os amigos; no entanto, o sorriso irônico daquele estúpido garoto mal saído das fraldas assombrava ainda seus pensamentos, e a memória da imensa estupidez que acabara de cometer fazia suas entranhas se remexerem em remorso e vergonha...
Ainda assim, por algum motivo, não conseguia conceber outra atitude... Deixar Bella morrer? Não, não... E somente uma palavra lhe vinha à mente: Por quê?
O último de uma coleção de vasos foi contra a parede e mais estilhaços cobriram o chão. Um urro alto, que exprimia a mais profunda revolta, veio encher o ar com seu som agourento, e, para em seguida soltar mais uma exclamação aguda de dor, Voldemort chutou com toda força o baú ao pé de sua cama onde costumava guardar os livros raros de Magia Negra que ele um dia mostrara a Bella, enquanto treinava-a pessoalmente, havia muito, muito tempo...
[...]
Ela sentia os efeitos da forte maldição passando, e foi acordando lentamente. Um cenário conhecido foi se tornando nítido à sua frente, conforme recuperava os sentindo. Um gosto amargo tomava sua boca, e ela tateou à procura de um copo de água, até se dar conta de que não estava em seu quarto. Piscou meia-dúzia de vezes até recobrar totalmente a consciência, e então sentiu a verdade atingindo-a com a força de uma manada de testrálios. Passou as mãos nos olhos com força, como que para se certificar que aquilo tudo não passara de um sonho. Porém ainda eram visíveis as marcas das cordas que lhe apertaram pulsos na caverna.
Encolheu-se em posição fetal, desejando por tudo deixar de existir. Tremia um pouco de nervosismo. Não era capaz de lembrar com clareza tudo que acontecera; lembrava-se apenas de que Potter propusera sua vida em troca da última Horcrux, aparentemente algo muito valioso. Tentara impedi-lo, pois fosse o que fosse aquela tal de Horcrux, certamente era muito mais valioso que ela! Ela, que era meramente sua serva, sua escrava! Devia servi-lo de todas as maneiras possíveis, e se sentiria muitíssimo grata de dar sua vida por ele, ao contrário da maioria daqueles covardes que se diziam amigos dele... Apesar de tudo, era apenas ela, e mais ninguém, que verdadeiramente o amava.
E então recebera dois feitiços diretamente no peito, e ficara desacordada até então. A vergonha cobria-lhe o corpo e a face... Caíra numa armadilha tão idiota! Como uma cega, fora atrás de Potter à mera menção do nome de Pandora! Como fora burra! E agora estava tudo perdido; sua filha, seu futuro como Comensal (porque agora essa era, de fato, a única razão porque ainda estava viva – para servi-Lo!), sua filha... e Ele, que certamente haveria de a odiar para sempre...
Seu Mestre, seu chefe, seu salvador, seu herói, seu amante... Perdera-o para sempre. Àquela lembrança, mais lágrimas vinham-lhe aos olhos. Mas manteve-os secos; não tornaria a chorar. Não tornaria a mostrar qualquer sinal de fraqueza... Era fraca, mas não demonstraria.
Abraçou o travesseiro abaixo de sua cabeça como se fosse a primeira e última vez que fazia aquilo, ao mesmo tempo em que lembranças das noites ali passadas lhe invadiam a mente e seu corpo era tomado por soluços secos...
[...]
“Acordou, Bella?”
Aquelas palavras soaram como se viessem de muito longe, como se outra pessoa as tivesse dito. A mulher sentada sobre a cama ergueu o rosto de olhos vermelhos para encarar o homem alto à sua frente e fez um gesto confirmativo com a cabeça.
“Mestre...”
“Silêncio!” – ele ordenou rispidamente, fazendo-a ter um sobressalto. – “Estou tentando entender... Entender tudo que está acontecendo”.
“Senhor, me desculpe...” – ela choramingou.
“Não compreendo; por quê? Por que essa sensação... Eu poderia tê-la agora incontáveis vezes e ainda assim não seria suficiente...”
E ela o encarava, chocada, com aqueles grandes olhos brilhantes como opalas, molhados de lágrimas que ela lutava para reprimir; a boca ligeiramente entreaberta num murmúrio de surpresa.
Ele virou-se de costas, os dedos massageando as têmporas, numa expressão pensativa de quem tenta resolver uma equação particularmente complicada.
E então uma voz suave, frágil e trêmula soou em seus ouvidos, mas tão alta e clara como se ela tivesse gritado...
“Mestre... Milorde... Tom...” – ela implorou.
E então ele sentiu como se todo o mundo tivesse subitamente parado de existir, e o tempo simplesmente passou a não ter a menor importância, quando ele tomou-a nos braços... Se não podia tê-la ali incontáveis vezes, a teria pelo menos uma vez...
Seus lábios se encontraram num furor ardente de amantes separados por tanto tempo, por tantos problemas, e as roupas já amarrotadas não duraram muito em seus corpos. As peles ardiam em desejo inflamado, e em seus olhares, cada um implorava pelo outro com a maior profundidade que seu ser e suas almas podiam, como se o corpo ali perto um do outro fosse o único verdadeiro alimento, e, de fato, a única coisa que os manteria vivos por toda a eternidade... Mas o tempo já não importava.
Os dedos entrelaçavam-se como se tivessem sido feitos somente para aquilo, para se encaixarem, como o resto de seus corpos, que moviam-se numa sincronia que parecia tão natural quanto mágica; hipnotizante...
As mãos dele passeavam livremente sem qualquer pudor pelo corpo dela, que retorcia-se de prazer e mordia os lábios reprimindo os sons que se insinuavam por entre eles. E ela, numa entrega total, implorava pela chance de senti-lo o mais próximo possível... Unidos pela carne e suor, e algo mais dentro deles que não conseguiam nomear apropriadamente...
Quando, a certa altura daquela noite chuvosa, ela finalmente deixou escapar por dentre os lábios aquele nome proibido que excitava sua imaginação, os mesmos lábios que cobriam o corpo dele de beijos e carícias...
Ele deixou-se cair ao lado dela, ofegante.
“As coisas são divertidas até alguém se machucar... Daí ficam mais divertidas ainda.” – disse, sorrindo.
“Espero que agora entenda, senhor” – ela respondeu baixinho , enquanto acariciava o rosto dele.
Sua expressão, no entanto, tornou-se sombria, e ele afastou com violência a mão que o acariciava.
Sim, entendia...
Entendia perfeitamente...
Reconhecia agora o feitiço que Potter usara. O garoto utilizara-se de seu elo mágico de sangue consigo para forjar uma ligação de vida com Bellatrix... Um velho feitiço de amor, usado para manter unido dois amantes em vida... Enquanto um vivesse, o outro também viveria.
Era a hora, sentia...
Beijou-lhe os lábios delicadamente, depositando ali um pouco de seu próprio veneno, e Bella finalmente entendeu o que o destino lhe reservara. Caiu da cama em desespero, e, ajoelhada, implorou:
“Mestre, não, por favor...!”
Ele, mudo, levantou-se, e ergueu a varinha. Viu Bellatrix tremendo, e seus grandes olhos rasos de lágrimas ainda o fitavam...
“Não...”
Ele fechou os olhos. Sua mão tremia violentamente. Apontou-a para a mulher reduzida ao pânico à sua frente.
“Avada Kedavra!”
Uma única e pequena lágrima caiu sobre o rosto de Bellatrix Lestrange.
“Amor é para os fracos” – disse, e deixou o quarto.
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