Negócios
Capítulo XXV
Ela percebia os passos do lado de fora do quarto. Estava escuro, e era impossível enxergar sequer uma nesga de luz.
Mas para ser sincera, Bellatrix preferia assim. Sem luz, poderia achar alguma paz na escuridão do cômodo; imergir no silêncio aterrador que era tão característico da periferia gelada de sua mente; aquela que não usava havia muito tempo, desde os tempos em Azkaban... Para onde preferia limitar os tais pensamentos perigosos.
Morta.
Era como se sentia. Tanto quanto em Azkaban, ou até mais. Quem sabe se uns dementadores pudessem lhe sugar a doce lembrança do peso morno de Pandora em seus braços... Talvez não sofresse tanto. Se ao menos pudesse olha-la mais uma vez, se certificar de que ela era mais do que um fantasma, uma projeção de seus desejos e fantasias mais secretos e íntimos... Sentia-se regurgitando todos os seus segredos mais tenebrosos naquele momento; cada um dele se esvaía em lágrimas amargas; passeando pelo seu rosto, delineando os traços finos... Encolhida na cama, Bellatrix chorava, abraçada aos joelhos. Não soluçava; seu pranto era absolutamente silencioso. Seu olhar variava de direção, ora observando as cobras vivas do móbile sobre o berço vazio se agitarem, ora fechavam-se com força para permitir uma lágrima escorrer pelos cílios.
Viu os passos se aproximarem da porta e pressentiu uma mão encostar na maçaneta. Fosse quem fosse, no entanto, desistiu de entrar.
E então uma onda súbita de ódio escaldante foi subindo por seu corpo; tomando-a de tal ardência feroz que Bella sentiu que seria capaz de matar qualquer um que se aproximasse. Ah, como o odiava naquele momento!
Por que ele não lhe dizia onde estava Pan, por que a escondia, porque insistia que ela estava morta, se não podia provar aquele fato?
Deixou o braço escorregar para o rosto e tapou os ouvidos para evitar também o som das conversas lá fora. Sentia sede, mas sequer teve ânimo para apanhar o copo d’água ao lado. Se pudesse ao menos dormir... Suspirou. Aquela sensação de impotência a inquietava. Se pudesse acreditar, simplesmente aceitar que Pan estava morta...
Levantou-se para fechar a janela; recomeçara a chover. O frio ainda penetrava pelas frestas da vidraça encardida, e desejaria veda-la com algum feitiço, mas novamente mal tinha ânimo para apanhar a varinha, e duvidava que seria capaz de executar magia...
Suspirou novamente e aconchegou-se mais nos cobertores que subitamente passara a considerar frios, úmidos e mofados. Aliás, toda aquela casa lhe parecia agora fria e mofada, e voltar a Azkaban já não lhe parecia fazer muita diferença a continuar a viver enfiada ali...
[...]
Por que sentia aquela sensação estranha de peso sobre o peito, como se tivesse algo entalado na garganta?
Trancado em seu escritório, Lord Voldemort meditava.
Bella não saía do quarto desde a manhã, e agora o relógio de pêndulo na parede marcava quase nove horas. O silêncio dela o angustiava ligeiramente; tinha vontade de abrir a porta apenas para verificar se ela continuava viva. Mais de uma vez fora até a porta dela, encostara a mão na maçaneta, mas se segurara a tempo. Que diria se ela percebesse que ele estava preocupado?
Chovia ainda lá fora. Ele trocou as vestes por umas mais arrumadas – não as trocava desde o dia anterior, e abotoou uma grossa capa escura por cima. Fazia-se cada vez mais necessário impor respeito entre seus comensais, que apenas Merlin sabia como, ainda eram ignorantes quanto ao nascimento de Pandora, e muito mais ainda quanto à sua morte. Apenas Travers, um dos poucos comensais presentes àquela noite, notou a ausência de Bella:
“Estou estranhando a ausência de Bella, milorde. Aconteceu alguma coisa?” – ele perguntou cautelosamente, pousando de lado o copo de whiskey.
“Bellatrix está... Ocupada com assuntos pessoais de natureza delicada” – Voldemort respondeu calmamente – “Estou certa de que ela estará recuperada na próxima reunião”
“A morte de Rabastan não a deixou abalada? Era o último membro da família, afinal...” – argumentou Travers – “Não, Bella nunca foi chegada à família, eu acho...”
Aquele assunto começava a incomodá-lo. Levantou-se, sentindo calor sob a capa negra, e, inquieto, andou a passadas curtas até a janela cuja vidraça a chuva castigava. O jardim estava negro e vazio.
“Notícias de Malfoy e Snape?” – perguntou, virando-se para o grupo que o observava.
“Farejando os passos de Potter. Parece que eles estão em busca de alguma coisa, mas ainda não foi possível determinar o que é” – respondeu Rookwood da outra ponta. – “É estranho, porque temos visto Snape tentando se infiltrar dentro da Ordem da Fênix. Não sei o que ele pretende alegar para se fazer inocente mais uma vez, mas parece que está funcionando”.
“Esse é o velho e ardiloso Snape” – Voldemort retrucou com uma nota de desgosto na voz. – “Faria bem em soltar Lúcio, ele costumava ser bem chegado a Snape...”
“Senhor, se me permite...” – intrometeu-se Travers, atrapalhado com as próprias palavras – “Tenho me perguntado; que será de nós agora? Já não temos Dumbledore como empecilho...”
“Vocês matem os trouxas que quiserem, apenas não me sejam presos de novo” – respondeu Voldemort com um gesto de descaso das mãos.
“Sim, senhor” – murmurou Travers, trocando olhares significativos com Rookwood.
Voldemort observava o próprio reflexo no vidro de um velho armário na sala, e seus olhos, hostis e ferinos como sempre, pareciam ainda mais ameaçadores do que o normal, se é que isso era possível. Sentia um vago desejo por tornar a ver o sangue correndo por entre seus dedos, mas naquele dia não havia ninguém para torturar ou matar, e caça aos trouxas já deixara há muito de ser seu passatempo favorito.
Contornou o dedo longo e fino pela boca de um copo cheio pela metade de uma bebida qualquer, e sentiu vontade de apenas sentar-se e beber dela, fosse o que fosse. Dando um muxoxo de impaciência, sumiu com o líquido do copo ao aceno a mão.
O relógio bateu dez horas então, e ele decidiu por dispensa-los. Queria um pouco de sossego, e a última coisa com que se preocupava no momento era a verdadeira lealdade de Snape...
[...]
Uma coruja muito branca, pesada de penas encharcadas batia com o bico duro na vidraça, fazendo um barulho chato e insistente soar pelo quarto e atingir os ouvidos da mulher que fitava o teto com uma expressão vaga e sonolenta.
Bella ignorou o chamado da coruja que tremia de indignação, banhada de chuva. Os olhos cor de âmbar do pássaro a fitaram, severos, quase hostis, e ele continuou a bater com o bico rígido no vidro, até que o barulho tornara-se tão ensurdecedor que foi impossível continuar a ignora-lo.
Irritada e soltando muxoxos zangados, Bella levantou-se e permitiu a entrada da alva coruja. O animal estendeu a pata mostrando o pergaminho enrolado nela, não sem antes lhe presentear com uma dolorosa bicada no dorso da mão.
Lestrange,
Estamos com sua filha. Siga as instruções no verso da carta e nos encontre na caverna à meia-noite. Não leve ninguém.
Harry Potter
Atônita, Bellatrix deixou a carta escorregar por seus dedos, que foi cair sobre a cama desarrumada onde estivera deitada.
Então era mentira!
Pandora estava viva! O Lorde das Trevas apenas não queria admitir que ela fora raptada... Não conseguia ver como Potter podia ter seqüestrado Pan, mas de que lhe importava? Tudo que sabia era que sua filhinha estava viva, e que poderia toca-la e abraça-la novamente!
Sabia, desde o começo; sua intuição não mentira...
Virou a carta, e conforme ela dizia, havia lá explicações de como se chegar a um lugar estranho; uma caverna, lhe parecia.
Não hesitou.
O coração aos arrancos, ela aparatou, deixando a carta para trás.
[...]
“Milorde, eu estou preocupado” – disse a voz habitualmente roufenha de Rabicho, mas cheia de uma cautela que não lhe era característica.
“Preocupado?” – Voldemort respondeu com um tom de sarcasmo
“Sim, senhor, preocupado. Com Bella.”
“Preocupado com Bella?” – ora essa agora, era nova! Rabicho preocupado com alguém que não ele mesmo, e justo com Bella, por quem sempre parecera nutrir um desgosto bastante claro, no que era plenamente correspondido?
“Ela passou o dia no quarto, senhor, desde que o bebê...” – ele disse, parando sem finalizar a frase, como se a temesse.
“Sim, sim, estou sabendo” – ele falou num falso tédio – “Acho que a vida de meus servos não lhe diz respeito, Rabicho?”
Rabicho tomou uma expressão de quem acabara de levar uma bofetada, e murmurando qualquer coisa, se retirou, o que deu ao Lorde das Trevas uma profunda satisfação.
Sabia que o maldito animago não dava a mínima para Bella, e ficaria mesmo satisfeito se ela tomasse o mesmo rumo que a filha. Tudo que Rabicho queria era informações, saciar a curiosidade. Talvez negociasse as informações com os outros Comensais, ou talvez estivesse realmente mantendo a boca fechada e não falasse nada. E Voldemort quase desejava que Rabicho desse com a língua nos dentes sobre qualquer uma das fofocas que julgava conhecer a fundo somente por morar na casa, assim teria um motivo para mata-lo.
Como se Rabicho tivesse a menor condição de realmente saber o que acontecia com os outros habitante da Mansão; aqueles que realmente importavam...
A morte de Dumbledore fizera muito bem à Ordem das Trevas. Mais seguros de si e visivelmente confiantes em seus próprios poderes, os Comensais tocavam o terror não só no mundo mágico. O Lorde das Trevas voltava ao poder mais forte do que nunca, e o fato o enchia de um orgulho jubiloso e arrebatador...
No entanto, aquilo ainda o incomodava.
Decidiu que, realmente, Rabicho tinha razão em se preocupar, ainda que sua preocupação não fosse sincera. Bella não saía do quarto desde a manhã, e não era absurdo cogitar a hipótese de ela ter se enforcado na própria janela, ou se auto-aplicando qualquer uma das Imperdoáveis; era bem típico de seus acessos de loucura.
Tentando convencer a si mesmo de que não estava fazendo nada além de checar se Bella estava viva (e tentando mais ainda se convencer de que o ideal seria se ela não estivesse viva), rumou para o quarto dela, e pela terceira vez pousou a mão na maçaneta. Hesitou por um momento, o que não lhe era típico de forma alguma, e então abriu a porta.
Vazio, o quarto.
Estranho – pensou.
Para onde ela teria ido?
Vasculhou o quarto com os olhos, até que eles se detiveram num rolo desenrolado de pergaminho sobre a cama. A coruja branca, desconhecida, ainda esperava uma possível resposta, o que significava que Bella partira não havia muito tempo.
A curiosidade cada vez maior, ele apanhou o pergaminho e o leu.
Conforme ia digerindo cada palavra, um assomo de choque e raiva avolumava-se dentro de seu ser.
Maldito Potter!
[...]
Aparatara no alto de um assustador rochedo no meio do mar, conforme as coordenadas que Potter havia fornecido no verso da carta. Sentia a suave e gélida brisa marinha batendo-lhe no rosto, agressiva.
Podia ver a água formando rodamoinhos numa fenda estreita na pedra, que ela calculou ser a entrada da caverna. Pulou no mar, sem se importar com as vestes molhadas que a puxavam para o fundo.
A escuridão da caverna era quase palpável, e ela teve de piscar para se acostumar com a súbita claridade quando o facho de luz da sua varinha espalhou a claridade pelo véu de trevas que cobria a atmosfera do local. Sentia arrepios pela espinha e uma ansiedade sufocante.
Havia sangue fresco espalhado pela superfície da parede de pedra, o que fez Bella supor que deveria fazer o mesmo. Um feitiço mudo, e o sangue jorrou de seu pulso para a abertura, que brilhou por um instante, e então permitiu sua entrada.
A escuridão ali era, se possível, ainda mais espessa. Os raios de luz não pareciam ir muito além da varinha; era como se houvesse uma barreira sólida. Quando enfim conseguiu enxergar algo, viu um imenso lago, e um barquinho que boiava, solto, perto da margem.
“Potter?” – ela murmurou, temerosa de que suas palavras acordassem qualquer coisa que pudesse haver dentro daquele lago.
Nada respondeu. Bella então entrou no barco, e se pôs a remar lentamente, rumo ao centro do lago, onde supunha existir um pedaço de terra qualquer.
Aportou numa ilha central, um pedaço de terra pouco menor que seu quarto. De repente, sentiu três feitiços a atingirem, e teve a varinha arrancada violentamente da mão. De repente, viu cordas a prendendo firmemente ao chão.
“Onde está minha filha?” – ela rosnou, sentindo-se subitamente acuada.
“Não estamos com filha nenhuma sua, Lestrange” – disse Weasley, e virando-se para Potter, falou: – “Não achei que fosse funcionar, Harry”.
“Nem eu” – respondeu Harry, sem tirar os olhos de Bella.
“Devolva minha varinha, Potter” – ela rosnou por entre os dentes
“Não até o seu amigão chegar... Se é que ele virá.” – disse Potter com um sorriso maldoso nos lábios – “Será que o Lorde das Trevas virá resgatar sua fiel companheira de batalha e de cama?”
“Vá se foder!” – Bella grunhiu, e obteve como resposta uma sonora gargalhada do rapaz que agora empunhava sua varinha.
“Você realmente achou que estivéssemos com a sua filha? Pelo que me consta ela está morta...” – continuou Potter, com um sorrisinho cruel nos lábios.
“Não sei, Harry...” – disse a garota de cabelos armados ao lado de Weasley – “Isso está me parecendo fácil demais. Será que é uma armadilha?”
“A única pessoa que vai cair numa armadilha hoje vai ser Voldemort, Hermione” – respondeu Harry.
Sentindo a fúria subindo-lhe à cabeça, Bella gargalhou de indignação.
“O Lorde das Trevas, cair numa armadilha? Impossível.”
“Veremos” – disse Potter.
Um ruído alto de aparatação soou do lado de fora da caverna, como prenuncio da chegada de mais alguém.
“Harry...” – gemeu Hermione baixinho – “Harry, é ele...”
Harry não respondeu. Levando nas mãos a varinha de uma Bellatrix ainda amarrada e guardada pelos outros, ele se adiantou. O Lorde das Trevas acabara de entrar.
“Abaixe essa varinha” – ele disse; a voz pesada de hostilidade e uma expressão de completo nojo no rosto – “Se você matar qualquer um de nós ela morre também”.
“Muito bem, Potter” – disse Voldemort lentamente, abaixando a varinha, mas sem desgrudar os olhos do inimigo – “Para que nos trouxe aqui?”
“Para fazer um negócio” – disse Potter; os olhares de ambos fixos um no outro.
“Um negócio?” – ele perguntou, erguendo uma sobrancelha.
“Nós sabemos sobre as Horcruxes” – Potter disse muito rapidamente, e um curto, porém incômodo silêncio seguiu-se àquelas palavras.
“Então você sabe sobre minhas Horcruxes?” – disse Voldemort muito delicadamente; tão suave quanto ameaçador. – “É mais esperto do que eu poderia ter previsto, Potter... Ou será que foi aquele velho amante de trouxas quem lhe contou? Afinal ele tinha de fazer algo de útil antes de morrer, além de lutar pelos direitos da plebe, não?”
“Não fale assim de Dumbledore!” – Harry rosnou.
Foi a vez de Voldemort rir. Tornando a erguer a varinha e aponta-la para Harry, ele disse num tom de ultimato:
“Então você me faz vir até aqui para comunicar que conhece a respeito das minhas Horcruxes? Não é muito sábio de sua parte, Potter...”
“Não.” – respondeu Harry – “Já disse, vim negociar...”
“Potter...”
“A última Horcrux em troca da vida dela” – e os três apontaram as respectivas varinhas para Bellatrix imobilizada no chão.
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Hey o///
Espero que tenham curtido o capítulo, porque esse foi o penúltimo. Éééé, nossa triste história está chegando ao fim. Agora que estou de férias, posso me dedicar mais, e acabou que esse capítulo saiu bem grandinho até ^^
Bom, não sei se Harry teria mesmo coragem de jogar tão sujo, mas levando em conta que ela é a mulher que matou Sirius e que ele tentou torturar com uma Cruciatus, e que ele está desesperado para dar fim em Voldemort, acho que tudo bem. E eu sei que é meio cedo para ele já ter destruído quase todas as Horcruxes mas, entenda, foi necessário para dar um toque de dramaticidade à coisa ^^
Beijos,
Lillith
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