Cínico
Capítulo XXIV
Levantou-se. Apontou a varinha para a cama. Fechou os olhos...
Seu braço tremeu. A mão suava frio, tornando impossível que ele segurasse com firmeza o punho da varinha.
Ele então abriu os olhos. Tornou a contemplar a mulher e a criança que dormiam a sono solto na cama.
“Avada...” – murmurou, tremendo tanto que a varinha desceu alguns centímetros, e já não apontava para seu alvo devido. – “Avada...”
E então ele percebeu que não conseguia. Sentiu a fúria subindo, cegando-o...
Não, Bella não... A criança, talvez...
“Avada Kedavra!” – murmurou, alto o suficiente para que um jato de luz verde saísse da ponta de sua varinha, mas não alto o suficiente para acordar a mulher.
Logo, o corpo de Pandora jazia morto em seus braços.
Que faria então? – perguntava-se, perturbado.
Bellatrix remexeu-se, sentindo o vazio em seus braços onde antes estivera a filha.
Voldemort partiu para o jardim; o corpo frágil de Pan seguro brutalmente entre os braços, e uma sensação de estranho incômodo lhe subindo pela garganta...
Não era forte...
Já não podia matar.
A chuva fina, quase uma brisa, veio como uma benção gelar sua pele. O corpo ainda quente da criança em seus braços parecia anormalmente pesado, e ele ficou feliz em deita-lo no chão de terra fofa e enlameada da parte mais afastada do jardim. Com um movimento da varinha, tinha uma pá em suas mãos.
Cavou, e cada monte de terra depositado ao seu lado parecia um soco aplicado em seu estômago.
Culpa...
O sentimento o aterrorizava. Não culpa por matar Pandora; dessa há muito se expurgara, mas por não conseguir matar Bella.
“Imbecil!” – gritou para si mesmo, cortando o silêncio pesado e envolvente da noite fresca. Queria se xingar, se bater, se aplicar uma sessão de torturantes e dolorosas Cruciatus... Quem sabe assim voltasse aos eixos.
Era exatamente por isso que precisava matar Bellatrix Lestrange. Porque agora ela dominava sua mente de tal maneira que apenas mata-la não seria necessário.
“Mulher maldita” - ele praguejou furiosamente, e deixou a pesada pá de lado.
E Pandora parecia-se tanto com ela, e ele sabia que Bella sofreria a eternidade pela perda da filha... No entanto, o baque surdo de seu corpo batendo no fundo do túmulo improvisado foi capaz de lhe prover algum conforto, como só os sons da morte eram capazes.
Ele sorriu, e limpou com a língua o doce fel que lhe escorria dos lábios; um sabor exótico e não menos excitante que sentem aqueles que acabam de matar. O sangue de sua presa escorria por entre seus lábios finos, e o olhar – esgar de fúria vermelha – desvairado, combinava perfeitamente com o sentimento que se apossara de sua alma despedaçada.
Seus pés o levaram de volta à Mansão. Estrelas piscavam no alto, e ele não se importou com a terra que sujava suas mãos. No dia seguinte diria a Bella que Pandora morrera de complicações quaisquer, e ela jamais saberia a verdade. Mentir,era o que sabia fazer melhor. Outrora seu maior talento tinha sido o de carregar a morte na ponta da varinha, em outras palavras, matar, matar e matar; o fazia por prazer e por necessidade. Agora que falhara pela primeira vez, não ia renegar seu maior talento.
Cínico
Era do que o chamavam. Uma cobra de duas cabeças. Bella, felizmente – ou felizmente, conhecera suas duas faces. A primeira, tão bela quanto gentil, capaz de encantar qualquer dama; de convencer qualquer homem de que suas intenções não eram outras senão a mais pura e nobre delas, lhe haviam provido o título de Lorde... E lhe aberto portas e mais portas; e pernas e mais pernas, até que alcançasse o fim do caminho, e pudesse mostrar sua outra face: das Trevas...
Então sentaria ao lado de Bella no dia seguinte, e mentiria, e ela acreditaria, e tudo ficaria bem. Tudo bem se não conseguisse mata-la: haviam outros meios de afasta-la e de anular seu perigo.
E com esse pensamento ligeiramente feliz, ele voltou ao quarto. Lavou as mãos sujas de terra no banheiro, e molhou o rosto de água gelada, implorando por tranqüilidade. Havia dias que não dormia... Olhos vermelhos o encararam diretamente da superfície do espelho acima da pia, e ele os observou voltarem ao castanho normal. Ofegava ligeiramente sem saber porquê.
Despiu-se, e atirou-se sob as cobertas da cama, inspirando profundamente, procurando encher os pulmões de ar fresco que pudesse levar-lhe um pouco de oxigênio ao cérebro que ele julgava embaralhado.
Fechou os olhos com força, e passou os dedos pelos cabelos castanhos. Levantou-se novamente, inquieto. E então, de repente, gritou um palavrão qualquer e chutou com força um móvel em seu caminho, fazendo os pertences acima dele rolarem pelo chão e se espalharem pelo quarto.
Sussurrou outro palavrão pesado, e tornou a esfregar os dedos no rosto.
“Gostaria de tê-la matado...” – murmurou.
E em algum lugar, talvez fosse Nagini, ou talvez sua própria consciência, ele ouviu um risinho maldoso murmurar em sua orelha:
“Você sabe qual é o problema, meu amigo...”
Mas não, ele não sabia, e nem fazia a menor questão de saber.
[...]
“Pan!” – gritou Bella, erguendo o corpo de repente, sentando-se na cama, e as cobertas escorregaram da parte superior de seu corpo, tornando mais evidente a ausência de Pandora.
Acordara tão repentina e definitivamente como se alguém tivesse gritado em seu ouvido, e tateou furiosamente nas imediações de seu colchão, como se esperasse ver a filha perdida entre as dobras do lençol. Ao falhar em sua missão, voltou os olhos para o berço, e o encontrou vazio.
Uma pontada de desespero causado pelo mau pressentimento que tomava seu peito começou a crescer, e ela se atirou para fora da cama com violenta ferocidade.
“Pan...!” – ela murmurou, chamando pela filha.
Seus pés sentiram o piso gelado abaixo, mas ela não se importou. Vestida apenas com a fina camisola de verão, ela moveu-se ligeiro, como se flutuasse sobre o chão.
“Onde está?” – ela perguntou mais para si mesma.
“Sinto muito, Bella” – disse uma voz grave às suas costas.
A figura escura do Lorde das Trevas se avolumou à frente de si, e por um momento Bellatrix sentiu-se levemente amedrontada. Ele andou em sua direção ameaçadoramente, e ela recuou, sentindo mais do que nunca a consciência de que estava quase nua naquelas finas vestes. Encolheu-se, levando as mãos aos ombros, protegendo-se do frio, ou talvez fosse a manifestação inconsciente de seu temor.
“Sente muito...?”
Ela percebeu olheiras escuras sombreando os olhos castanhos Dele. Seu rosto parecia ainda mais pálido que o normal, e o tom de voz sussurrado era ameaçador, quase hostil. Suas vestes estavam amarrotadas como se ele tivesse dormido com elas, e os cabelos em desalinho. Se Bella pudesse definir o estado emocional de seu Mestre só pela aparência, ela o faria com apenas uma palavra: perturbado.
Assustada, ela recuou mais, sentindo-se acuada.
“Milorde, o que houve?” – ela falou baixinho, a voz trêmula. – “Onde está Pan?”
“Morta. Morta, ontem à noite” – ele respondeu quase num sussurro, e se aproximou mais.
Bellatrix deu com as costas na parede, e viu que ele estava a centímetros de seu rosto.
“Onde está Pan?” – ela repetiu
“Bella, Pan está morta. Morta...” – ele respondeu.
Os olhos dele se encontram com os seus, e Bella viu, por um momento fugaz, a mentira naquele poço de lama marrom que eram os olhos dele.
“Não!” – ela gritou, afastando-se da parede em que fora acuada, mas ele prendeu seus braços para cima, oprimindo o corpo dela sob o peso do dele próprio.
Os lábios dele encontraram a pele macia de seu pescoço e ele a beijou ferozmente, deixando marcas vermelhas na superfície pálida do corpo dela, e Bella se retorceu, tentando escapar das mãos ferozes dele, que forçavam seus braços para cima, e os lábios finos que tomavam sua boca.
“Nnn...” – ela murmurou, desesperada.
Enfim ela triunfou na batalha de forças, e com um empurrão, separou os corpos. Ofegante, ela olhou-o, feroz, e, cuspindo nas palavras, disse:
“Mentira!”
Voldemort riu alto.
Bella não pôde deixar de achar que isso só acentuava o aspecto desvairado que ele ostentava naquele momento.
“MENTIRA!” – ela gritou novamente.
“VOCÊ SABIA QUE ISSO IA ACONTECER!” – ele gritou
“Não! Não, não, NÃO!”
“É verdade! Você sabe que é!” – ele falou com uma satisfação cruel estampada no rosto.
Bella puxou a varinha do bolso interno da camisola – dormir com a varinha era um hábito que adquirira desde a primeira guerra – e, furiosa, apontou-a para Voldemort. O Lorde apenas riu.
“Que é que você pretende fazer com isso, Bella? Me azarar?”
Bella respondeu com um urro de fúria, e ainda apontando a varinha para o meio do peito do bruxo, falou; cada sílaba pingando veneno e hostilidade...
“Onde está, então? O corpo? Quero ver!” – ela falou em tom de desafio.
“Não está aqui” – ele respondeu, seco
“ONDE ESTÁ A MINHA FILHA?”
“SUA FILHA ESTÁ MORTA! MORTA!”
“NÃO!” – ela gritou, e fagulhas verdes saíam da ponta de sua varinha.
Bella correu pela casa, indo invadir o último quarto da ala, aquele com o brasão em “R” floreado que tanto a encantara. Lençóis voavam pelos ares, e travesseiros tinham seu recheio espalhado no ar, enquanto Bella prosseguia com sua busca frenética pela criança, como se fosse um objeto muito precioso perdido pela casa...
“Ela não está aí, sua maluca” – disse a voz fria partindo da porta.
“Pandora não... ” – ela ofegou – “Ela-não-morreu!”
“Morreu” – ele disse num tom próximo ao descontraído – “E você sabia que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer”
“Como...?”
“Esqueça a criança, Bella” – ele disse no mesmo tom grave e ameaçador – “Você ainda serve a seu mestre”
“Não...” – ela sussurrou, desabando ao chão e cobrindo o rosto com as mãos.
Voldemort não se aproximou, limitando-se a observa-la soluçar silenciosamente, sentindo que o pesar de Bellatrix o agradava de alguma forma. E isso o fazia se sentir bem. Se ainda era capaz de sentir prazer ao vê-la sofrer em suas mãos, talvez... Talvez não fosse o que estava pensando, afinal.
Mas ainda persistia a vontade de afaga-la e consola-la.
[...]
Sentada sobre as próprias pernas Bellatrix chorava silenciosamente. As lágrimas abundantes escorriam de seus olhos e formavam poças nas mãos em forma de concha com que ocultava o rosto inchado de choro.
Sua Pan... Morta.
Era terrível demais para conseguir acreditar, e ela relutava firmemente. Sua Pan estava em algum lugar, e tudo aquilo não passava de um pesadelo macabro, vivo demais...
Ela sentiu dedos frios se enroscarem em seu pulso, forçando-a a se levantar.
“Levante-se” – ele disse, e a voz de seu Mestre penetrou seus ouvidos como se soasse muito além de sua realidade. Mas obedeceu à ordem. Cambaleante, dirigiu-se a seu quarto, vendo os olhinhos curiosos de Rabicho apreenderem a cena com espanto e curiosidade.
Dentro de si sentia apenas o vácuo gélido.
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Hey o///
Desculpem pela demora e pelo tamanho do capítulo, mas eu estive ocupadíssima. Semana de provas, terrível realmente.
Bem, agora começa a fase final e mais dark da fic. Se você não está afim de drama, pare por aqui hehe...
Bom, na verdade minha intenção não era matar a Pan pelas mãos de Voldemort, mas deixa-la morrer naturalmente hehe (credo, como eu sou má xD~), só que ontem uma amiga chegou reclamando que Voldemort estava muito bonzinho, “pai de família”... Quero ver alguém ach´-lo bonzinho agora >)
Beijos,
Lillith
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