As aflições de Narcisa
Capítulo XV
Why do you love me?
Why do you love me?
Os floquinhos de neve daquele inverno particularmente rigoroso fustigavam as vidraças do quarto imerso em penumbra, embora ainda fosse dia e as cortinas estivessem abertas. Narcisa Malfoy observava a paisagem devastadora imersa naquela névoa dos dementadores, seu hálito formando pequenas nuvens embaçando a janela.
Encostou a testa no vidro gelado esperando com isso esfriar um pouco a cabeça, mas sua enxaqueca persistente só piorou. Suspirando, afastou-se da janela.
Ordenou um chá a um de seus últimos elfos domésticos restantes – tivera de vender dois no mês anterior para pagar as contas da casa -, mas no fim decidiu que não estava com fome. Francamente, às vezes sentia tanto tédio naquela casa... Se ao menos Draco estivesse em casa, teria alguém com quem conversar, mas mesmo nas férias de natal o garoto não tinha retornado para casa, e agora devia estar mais ocupado do que nunca com qualquer que fosse seu plano.
Desceu as escadas e apanhou o casaco atrás da porta, pensando em dar uma volta na Travessa do Tranco, talvez tentar coagir aqueles duendes, extorquir o dinheiro que era seu por direito. Mas então desistiu. Não tinha sequer ânimo para sair de casa, não desde que...
Bem, desde a visita a Lúcio em Azkaban.
Tentara impedir a si mesma de pensar naquilo de início, mas agora, com sua mente mais desocupada do que nunca, era inevitável pensar. Lúcio tinha razão, ela sabia, talvez se caísse nas graças do Lorde das Trevas como Bella caíra...
Não – Narcisa disse para si, mas já não havia tanta firmeza nem convicção em seu pensamento.
[...]
Bellatrix encarava o teto de seu quarto com tamanha firmeza que um poderia achar que havia algo de muito interessante na superfície que ela analisava. Mas era possível notar que seus olhos cinzentos estavam vagos e banhados de lágrimas, as lágrimas que ela continha havia horas.
Não sabia porque lamentava tanto, se ele havia partido por livre e espontânea vontade, sabendo os riscos que correria. Sentia-se sozinha, solitária, tendo perdido o único elo que ainda a ligava àquele passado muito distante antes de sua longa estadia no inferno de Azkaban.
Mexeu-se, agora encarando a cabeceira de sua cama, vazia. Não tinha sequer ânimo para procurar Voldemort. Sentia-se um pouco responsável pela morte de Rodolfo, mas não se culpava. Ainda assim era incômoda a sensação de vazio. Havia se acostumado por tanto tempo a dormir do lado dele...
Levantou-se e sentiu o frio cortante da noite em sua pele. Apanhou a vela e empurrou a porta com cuidado para que não rangesse e o acordasse.
A pesada porta estava destrancada; Voldemort a esperava, como toda noite. Sorrindo e se perguntando quando é que aquilo havia virado tão rotina a ponto de ele se esquecer de uma regra de segurança básica como manter a porta do quarto trancada ao dormir, Bella entrou.
Encontrou-o num estágio de sono muito leve, ainda suficientemente consciente para entende-la.
Deslizou para dentro das cobertas num movimento suave e ao senti-la perto de si, Voldemort a abraçou pela cintura possessivamente.
“Posso dormir aqui?” – Bella sussurrou – “Digo... Só dormir?”
Ele soltou sua cintura, resmungando algo ininteligível e virou-se para o outro lado meio contrafeito.
Sentindo-se um pouco mais confortável, mas ainda insone Bellatrix ouviu as engrenagens de seu cérebro começando a funcionar contra sua vontade. Gostaria de poder repousar a cabeça no travesseiro e simplesmente dormir...
Pensava em como sua vida havia mudado tanto em pouco mais de um ano. A fuga de Azkaban, o retorno de seu mestre, a morte de Sirius (ao lembrar-se disso Bella sorriu), a missão de Draco, a morte de Rodolfo... Engoliu em seco, sentindo-se um tanto aflita.
“Você ficou mesmo triste.” – perguntou Voldemort de repente, a voz abafada pelos cobertores, fazendo-a se assustar.
“Sim...” – ela suspirou.
“Não entendo. Você nunca pareceu gostar muito dele; parecia muito mais seu servo que seu marido.”
“Acho que no fim estava tão acostumada com a presença de Rodolfo que não me dava conta... Não sei. Éramos amigos.”
“Você o amava?”
Bellatrix se assustou. Logo o Lorde das Trevas fazendo essa pergunta? Sentiu-se corar mesmo na escuridão profunda do quarto.
“Sim” – respondeu.
“Isso é uma idiotice. Você o amou e agora está sofrendo. Vê porque o amor é uma fraqueza desnecessária?”
Não ocorreu a Bella nenhuma resposta para dar, porque sabia que no fundo ele tinha razão. Ao invés disso, ficou calada por um tempo, implorando por sono. Sentia-se exausta, e no entanto seu cérebro trabalhava arduamente.
“Você nunca amou ninguém?” – perguntou Bella sem pensar. No segundo seguinte, repreendia-se com força, e mesmo na escuridão quase palpável do quarto podia até ver os olhos de Voldemort estreitando-se e aquela sua típica expressão que mantinha diante de um servo particularmente impertinente. Quando ele respondeu, no entanto, sua voz estava calma e controlada.
“As pessoas estão o tempo todo se perguntando isso. A resposta é não. Mas isso faz alguma diferença?”
“Não” – Bella sussurrou – “Claro que não”
Mas por que se sentia um pouco frustrada de repente?
Sentiu vontade de toca-lo, alguma demonstração de afeto. Mas novamente repreendeu-se com firmeza.
“Por que pergunta isso?” – perguntou Voldemort quebrando o silêncio.
“Não sei...” – Bella resmungou, e para disfarçar a própria inquietude virou-se para o lado e fingiu adormecer.
“Você me ama.” – disse Voldemort baixinho, aparentemente acreditando que Bella dormia. Não fora uma pergunta, mas uma afirmação.
E Bella não pôde fazer nada além de concordar mentalmente e lamentar que ele não pudesse corresponder, e um pouco depois, já entorpecida pelo sono, num estágio onde não se tinha muita certeza sobre se estar desperta ou adormecida, prometeu a si mesma que viveria o suficiente para vê-lo amando alguém.
[...]
Era manhã alta; o sol estava brilhando apesar da fria neblina de inverno que tomava conta do ar, e parara de nevar. Bellatrix acordou, piscando os olhos, tomando coragem para se levantar, mas aquela cama estava tão infinitamente quente e confortável que Bella sentia-se muito mais inclinada a passar o resto do dia deitada. Agora que Rodolfo morrera já não havia motivo para manter a discrição, e não havia problema algum em Rabicho ou qualquer outro vê-la saindo do quarto dele fosse a hora que fosse. De qualquer maneira, era problema de alguém com quem ambos dormiam ou deixavam de dormir?
Espreguiçou-se lentamente, e foi só então que se deu conta de que estava abraçada a Voldemort, os corpos totalmente entrelaçados. Franzindo a testa, tentou se lembrar de que altura da noite tinham se agarrado daquela maneira – lembrava-se de terem dormido bem longe um do outro -, embora ao contrário da maioria das outras noites suas roupas estivessem nos devidos lugares.
Tomando cuidado para não acorda-lo, Bellatrix levantou-se e tomou o rumo do banheiro.
Abriu as torneiras da pia e olhou-se um pouco no espelho. Parecia realmente abatida, e alguém que a olhasse jamais adivinharia que tinha dormido a noite toda e boa parte da manhã. Lavou o rosto e despiu-se, preparando-se para entrar na banheira já cheia de água morna, o vapor subindo e embaçando o espelho. Então imergiu na água, sentindo-se mais cansada do que nunca e refletindo que se o tempo havia sido mais que generoso com ela apesar de tudo, já não era mais nenhuma adolescente – embora continuasse agindo como uma muitas vezes. Também não era muito consolo saber que Voldemort agora tinha a aparência de alguém mais novo que ela própria (embora segundo seus cálculos ele também já não era exatamente jovem) -, e claro, a despeito do fato de ele ser ninguém menos que o poderoso Lorde das Trevas, também não eram raras as vezes em que ele agia feito um adolescente. Como naquela vez na cozinha. E ao lembrar-se disso, Bella riu baixinho e mordeu os lábios. Ele adorava a mesa da cozinha.
“Bella...?” – perguntou um assustado Lorde das Trevas ao entrar no banheiro.
E Bella de repente dera-se conta de que estava no banheiro dele, tomando banho na banheira dele, e que o fato de estar no quarto dele se tornara, com o passar do tempo, algo tão natural que agora invadia até o banheiro. Uma onda de vergonha escaldante perpassou seu corpo.
“Por que está tomando banho na minha banheira?” – ele perguntou. Não parecia zangado, mas ergueu a sobrancelha e cruzou os braços, autoritário, esperando por uma resposta.
“Desculpe, senhor” – murmurou Bella, e puxando a toalha preparou-se para sair.
“Você pode ficar.” – ele disse, e sorriu maliciosamente e continuou a observá-la. – “Você dorme aqui quase toda noite e agora usa o meu banheiro. Por que não se muda logo, e assim todos vão achar que nos casamos?”
Bella olhou-o confuso, sem saber o que responder, até finalmente perceber que ele estava brincando.
“Algumas poderiam chama-lo de um bom partido” – ela disse, rindo baixinho.
“Eu já fui casado uma vez.” – disse Voldemort com uma expressão séria.
“Mesmo?” – exclamou surpresa.
“Durou umas seis horas, até a ressaca passar”.
Bella riu, mas não tinha muita certeza se dessa vez ele estava mesmo brincando. Sua dúvida foi respondida pela expressão sarcástica que tomou o rosto dele; um sorriso brincando em seus lábios.
“Não, eu nunca me casaria. Houve uma época em que eu pensava nisso, quando era mais jovem, achava que dinheiro comprava poder. No entanto, quando olho para os Malfoy...”
Bella afundou o rosto na água para ser poupada de fazer qualquer comentário.
Voldemort parou por um instante, observando-a, e retomou sua expressão séria.
“Não quero que você se iluda, Bella, achando que pode haver algo ente nós mais do que puramente físico.”
E subitamente, sentindo uma raiva sem tamanho tomando-a; o corpo tremendo de fúria, respondeu com sua voz e expressão mais fria:
“Não se preocupe, milorde. Eu não me iludi sequer por um minuto”.
O que não era bem verdade, considerando a raiva e a frustração que sentia agora...
[...]
Narcisa Malfoy mal podia acreditar que estivesse fazendo aquilo. Mirava-se no espelho de seu quarto; os grandes olhos azuis como olhos de boneca pintados com maquiagem pesada. Lenta e cuidadosamente, tingiu os lábios de vermelho. Não gostava da cor, a fazia se sentir um pouco vulgar, mas era bem apropriada para a ocasião.
Depositou duas gotas do perfume adocicado atrás da orelha e franziu a testa para sua própria imagem. O tempo tinha sido muito generoso com as irmãs Black, ah, tinham. Mesmo com Bellatrix, que a despeito de todos aqueles anos em Azkaban ainda aparentava ter pouco mais de trinta. Mas nunca seria tão bonita quanto ela, Narcisa.
Sorrindo com esse pensamento, Narcisa ajeitou o decote provocante e preparou-se para sair.
“Onde a senhora Narcisa está indo?” – perguntou-lhe Mobby.
“Não é da sua conta, elfo. Mas não me espere para o jantar ou o café da manhã” – respondeu secamente.
Aparatou à porta da Mansão Riddle; o vento frio agitando sua capa e a fazendo sentir-se com frio e desprotegida. Subitamente a consciência do que estava preste a fazer lhe atingiu com força e Narcisa sentiu uma vontade desesperada de voltar. Mas manteve-se firme e não hesitou novamente antes de bater na porta.
Rabicho a atendeu, parecendo francamente surpreso de ver as irmãs Black reunidas novamente sob o mesmo teto.
“Narcisa... Que prazer...” – ele fungou.
Sem sequer dirigir uma palavra ao Comensal, Narcisa entrou.
“Onde está Bella?”
“Ah... Deve estar lá no quarto do... Lá em cima. Vou chamá-la.” – disse Rabicho com sua voz roufenha.
Rabicho correu para a escada, como se quisesse se afastar de Narcisa o mais rápido possível. Ele sumiu pelo corredor do andar superior; Narcisa pôde ouvir seus passos apressados até em cima.
Ela lançou um olhar crítico à casa em que estava, avaliando que o Lorde das Trevas certamente poderia arranjar um melhor lugar para morar. Não que a casa fosse feia; Narcisa supunha que em seus tempos de glória a mansão devia ser mesmo bem bonita, mas agora era estava velha e os muitos anos desocupada a tinham feito perder o aspecto imponente e rico. E de qualquer maneira, era uma cidade trouxa, e que tinha o Lorde das Trevas a ver com trouxas de qualquer espécie?
Rabicho chegou trazendo uma Bellatrix de muito mau-humor. A bruxa levava no rosto a expressão de que não seria preciso muito para faze-la matar alguém naquele dia. Rabicho conjurou uma garrafa de bebida, cálices e as depositou na mesa entre elas. Com um gesto impaciente, Bellatrix o dispensou e Rabicho foi se esconder em algum lugar da casa.
“Como vai indo, Bella?” – perguntou Narcisa docilmente.
“Bem, obrigada.” – respondeu Bella amarrando a cara. – “O que você quer falar comigo?”
“Ah, nada de importante. Faz tempo que não nos vemos. Eu queria na verdade falar com o Lorde das Trevas.”
“Ah, ele está lá em cima no escritório” – disse Bella, e a maneira com que deu ênfase a ele deixou claro para Narcisa que as coisas não iam bem, e ela ficou satisfeita. – “Não é sobre Draco de novo, é?”
“Não” – respondeu Narcisa apertando os lábios. – “É sobre Lúcio.”
Bellatrix a encarou; os olhos da irmã perfurando os seus, e Narcisa lembrou-se convenientemente a tempo que ela era perita em Legilimência (claro, ensinada pelo Lorde das Trevas), e desviou o olhar. Levantou-se e tomou o caminho do escritório no sótão.
Bateu na porta maciça de carvalho e esperou que ele a mandasse entrar. A voz que exclamou Entre! foi como uma rajada de vento gélido e novamente Narcisa se perguntou se teria coragem e ousadia para tanto. A lembrança de Lúcio e Draco fortaleceu-se em sua mente e ela tomou coragem, e entrou.
“Malfoy?!” – exclamou Voldemort surpreso.
“Boa noite, milorde.” – cumprimentou. Tremia de nervosismo.
“E então? O que quer?” – Voldemort tornou a perguntar.
“Eu... gostaria de falar sobre Lúcio, milorde.”
Voldemort virou-se para encara-la e estreitou os olhos vermelhos. Estava em sua forma assustadora, como Bella dizia.
“Milorde, não vim pedir por Draco desta vez, mas por Lúcio. Tenho certeza que ele seria capaz de fugir de Azkaban se não achasse que seria severamente punido pelo senhor se retornasse...!”
“Lúcio cometeu um erro. Você sabe disso. E também sabe que Lord Voldemort pune aqueles que fracassam em suas missões, não sabe?”
“Milorde, por favor!” – implorou Narcisa. – “Draco já está sendo castigado no lugar do pai...”
“Entendo.” – disse Voldemort baixinho. – “Não foi por isso que você veio aqui, Narcisa.”
Narcisa abaixou a cabeça; esquecera-se de que o Lorde das Trevas não precisava manter contato visual para praticar Legilimência.
“N-não, milorde. Tenho outro motivo.” – disse baixinho.
“Bem, então vá direto ao assunto.”
Voldemort se aproximou, e Narcisa concluiu que não era preciso nada além da própria presença dele para lhe fazer medo. Perguntava-se como Bella conseguia suporta-lo por mais do que alguns minutos.
“Eu vim falar... Sobre Bella.” – disse rapidamente.
“Sobre... Bella?” – ele indagou, erguendo a sobrancelha.
“É, milorde. O senhor pode não saber disso, mas Bella realmente nutre algo a mais pelo senhor. Eu me atreveria a dizer até que ela o ama...”
“Sim, Malfoy.” – disse Voldemort irritado – “E o que você tem a ver com isso?”
“Ora, é ridículo!” – exclamou Narcisa indignada – “O amor é uma fraqueza, o senhor sempre nos disse isso! Senhor... Por que o senhor escolhe uma mulher fraca como Bella para... Por que não escolhe uma mulher menos estúpida...?”
“Onde está querendo chegar?” – perguntou agressivamente.
“Estou querendo dizer... digo... Eu jamais cometeria o mesmo erro de Bella, tudo que peço em troca é perdão para Lúcio, senhor... E eu serei sua serva mais dedicada... Farei tudo que o senhor quiser.”
Narcisa olhou para cima, implorando com o olhar, como se esperasse seu veredicto final.
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